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Passei! Paasseei!!!

05 de Julho de 2008, por Rafael Chaves

Com certeza você já ouviu alguém gritar ou você próprio já gritou “passei!”. Pense bem! Ou nem precisa pensar tanto! Um estudante que passa de ano. Algum conhecido seu, parente quem sabe, que tenha passado no vestibular. Alguém que tenha passado em qualquer concurso público. Invariavelmente, quem esteve numa situação dessas gritou para todo mundo ouvir “passei!”. E ainda tem gente que, insatisfeita por não terem ouvido seu grito, ainda estampa nas colunas sociais dos jornais a manchete “Fulano passou no...” Ou ainda manda celebrar uma missa por intenção. Não deixa de ser um grito!

Quando gritamos “passei!” parece que expulsamos de nós tudo o que antes dificultava nossa vida. É uma sensação de alívio de um peso que se carrega. É a passagem para uma nova etapa de vida! Depois do “passei!” o resto ficou pra trás, para o “passado”, do mesmo verbo “passar”. É a vitória, o sucesso, o êxito... a “passagem”! Mudemos de assunto, continuando no mesmo assunto...

Madalena é uma senhora com seus 35 anos mais ou menos, casada e mãe de um casal de filhos. Seu marido é um homem trabalhador, que ganha salário mínimo, pouco mais talvez. Vivem todos felizes numa pequena casa, muito jeitosinha, arrumadinha e limpinha. Tudo assim no diminutivo, para falar da singeleza da casa, e da sua simplicidade. São felizes, muito felizes na ingenuidade de suas vidas, no limite de suas posses.

Madalena é dona de casa. É quem cuida da casa deixando-a do jeito como eu a descrevi. Exceto a horta, que quem cuida é seu marido. A horta é uma gracinha (assim no diminutivo também). A horta nem pode ser chamada de “horta de couve”, tem de quase tudo naquele espaçozinho, incrível.

Madalena tinha, também, a sua renda. Madalena é pensionista do INSS, aposentada que é por invalidez. Não que fosse entrevada, ou lhe faltasse alguma parte aparente do corpo, nada disso! Nem o dedo Lula, digo, mindinho, lhe faltava. Faltava-lhe um parafuso!

Certo dia Madalena foi convocada para fazer recadastramento pelo INSS. Foi naquela época em que o INSS resolvera passar pente fino nas aposentadorias para fazer frente às denúncias de aposentadorias irregulares. A imprensa denunciara e o povo mostrava-se revoltado. Ela seria submetida a uma junta médica!

Madalena espavoriu-se. Danou a andar de um lado a outro da casa, a puxar seus cabelos desgrenhados, a articular sons ininteligíveis, a espumar pela boca sua cisma. Era o medo de perder a pensão, era o receio de que encontrassem o parafuso que lhe faltava, ou o perigo de que, com o avanço da medicina, a submetessem a uma cirurgia para enxertar outro parafuso no lugar. Será que células-tronco poderiam se transformar em parafusos?

No dia em que seria submetida a tal da junta médica, Madalena foi antes à casa de sua sogra. Desfilou um rosário de preocupações “Ai! D. Maria, como é que nós vamos fazer sem a pensão?”, “Sem a pensão não vai dar...”, “Só o salário dele não dá para a gente viver, D. Maria!”... E regurgitava “Ai, meu Deus!” entre cada frase.

D. Maria, sua sogra, ouvia sem replicar o desabafo de Madalena, sentada em sua cadeira de balanço que balançava para frente e para trás, a cadeira concordando com tudo que Madalena dizia, porque cadeira de balanço só balança afirmativamente. Mas, na verdade, D. Maria não entendia era nada. E dizia aos seus botões “Será que alguém em sã consciência gostaria de saber que não é normal?! Será que a Madalena não entende isso?!”.

E Madalena, depois de despejar todo tipo de impropério contra o INSS, e os políticos, e o governo e tudo mais que pudesse conspirar contra sua aposentadoria, foi de encontro ao seu destino, foi deixar-se examinar, foi submeter-se à junta médica, à prova fatídica, deixando D. Maria com suas reflexões na cadeira de balanço. Do rosto de Madalena pingava um suor frio, seus olhos esbugalhados pareciam sair das órbitas, a testa brilhava oleosa, os cabelos arrepiados do esforço que fizera para arrancá-los, tudo efeito da sua doidice. Cerca de duas horas depois soa a campainha da casa de D. Maria. Alguém abre a porta e Madalena entra pela porta, esfuziante, delirante de alegria e aos gritos:

- Passei! Paaasseei!!!

Depois de espalhar a notícia de sua aprovação no exame, seguiu para sua casa, ainda sem o parafuso que lhe faltava.

Continuamos em campanha por um monumento aos ex-combatentes de Resende Costa.

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