De um ponto de vista

Haja Pampulha. Haja mineiros.

28 de Junho de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Belo Horizonte está comemorando os oitenta anos da Pampulha. E com Belo Horizonte, toda a Minas Gerais, que se orgulha da capital que possui, síntese expressiva do estado e do Brasil, em todas as suas dimensões.

Oitenta anos de Pampulha. Ora, falar de Pampulha é falar de Juscelino. E falar de Juscelino é falar de mineiridade. Mineiridade, que é tanta coisa, mas que tem na altivez, certamente, algumas de suas características mais acentuadas.

Por que celebrar, entretanto, o passado se há um imenso futuro pela frente? Seja porque considero o passado, mais que o presente, melhor expressão de nossa genialidade e grandeza mineiras, seja porque o presente quase me envergonha. Os dias atuais parecem me dizer que Minas já não há mais. Onde estão mineiros ilustres, particularmente na vida pública federal, capazes de fazer atuais os momentos gloriosos em que Minas exercia o insubstituível papel de harmonizador da vida pública, de costurador das divergências, transpondo para a vida política o que a configuração geográfica do grande estado significava para o Brasil: o corredor que une o norte ao sul, o leste ao oeste? Minas não une mais, por falta de políticos que coloquem os interesses da nação acima de seus interesses pessoais. Há quanto tempo faltam mineiros nos postos chaves da nação? Hoje, presidindo o Congresso Nacional, está um mineiro, no Supremo outra. Melhor fora que lá não estivessem, pois parecem desempenhar uma política mesquinha, feita de subserviência. Ora, subserviência não é a cara de Minas. Subserviência não combina com Minas Gerais.

Minas Gerais está de máscara. Máscara que encobre os traços nobres de nossa gente, que é simples, mas cheia de pudor; que é amiga, mas com dignidade própria; que é dos vales, mas também das montanhas, donde se pode descortinar o longe da vida e da existência. Não, Minas não se curvou à derrama, não pode se curvar a uma vergonhosa política destituída, por completo, de qualquer sentido republicano.

O mineiro Darcy Ribeiro, cujo centenário de nascimento comemoramos no ano passado, disse certa vez: “Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”.

Não sei se o grande mineiro diria isso hoje, ou se confiaria nos pouquíssimos mineiros que hoje ocupam algum espaço na administração federal de nosso país. Os poucos que lá estão sequer se dão conta de que são vilipendiosamente manipulados.

Pampulha está conspurcada pelas atitudes daqueles que não a enxergam como sinal de cultura rebelde, de superação de parcerias facciosas, de proclamação de uma liberdade enriquecedora.

Haja Pampulha. Haja mineiros, quais outros Juscelinos, enobrecidos e conscientes da simbólica beleza daquelas paragens.

Deixem

24 de Maio de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Domingo, 30 de abril, dez horas da manhã: final da Superliga Masculina de Vôlei. Dois grandes times, ambos de Minas Gerais, que haviam derrotado, nas semifinais, equipes de São Paulo. Mais uma vez tivemos uma final “pão de queijo”.

O Itambé/Minas fez uma superliga irregular.  Aos poucos foi que conseguiu alcançar o patamar que muitas vezes lhe coube. Chegou à final.

O Sada/Cruzeiro, embora tivesse perdido seu talvez maior expoente, durante a competição, encabeçou sempre a classificação. E a final lhe era devida.

Para orgulho de Minas e dos mineiros, duas grandes equipes. Mas, na verdade, uma melhor que a outra. Uma diferença tão acentuada que a ninguém passou desapercebida. E, coisa mais notável ainda: a melhor equipe, do Sada/Cruzeiro, entrou em campo como se estivesse disputando a taça pela primeira vez. Que garra! Que luta! Que aplicação! Em consequência: sobrou em quadra e, mais ainda, não deixou o Minas jogar. Literalmente, o Itambé/Minas não conseguiu jogar.

Apaixonado pelo esporte, até porque sou educador – e acho que só isso tenho sido na vida –, fica para mim, dessa disputa final no vôlei masculino, uma lição nada desprezível: em quantas circunstâncias, em quantos momentos da vida, pessoas, reconhecidamente brilhantes, ou ocupantes de postos com poder próprio inalienável, não deixam que seus subordinados, ou outros que com elas convivam... vivam. Que experimentem quanto é difícil o viver.

A disputa final do título da Superliga Masculina de Vôlei era uma competição em que vencer era essencial, isto é, derrotar o adversário.

Na vida, é diferente. Quando na vida se estabelece a competição, quando na vida para vencer é preciso derrotar alguém, a competição estabelecida se constitui em erro imperdoável.

O esporte faz parte da vida. A vida, porém, não se reduz ao esporte. O esporte é notável recurso para o processo educativo. Este, no entanto, vai bem além da beleza e importância do esporte. O esporte é boa ocasião para que se aprenda a lidar com a frustração. Mas, na vida, a frustração não pode significar derrota. A meu ver, pois, é preciso eliminar do processo educativo qualquer competição, dado que se lida com gente diversificada em suas aptidões. A única competição possível em educação é aquela estabelecida entre uma pessoa e ela mesma. Ela consigo mesma.

Como se erra quando no trabalho, na experiência religiosa, na busca da felicidade, da liberdade, estabelece-se quase como que uma competição entre os vários atores da vida: o pai que não deixa o filho viver – blinda de tal modo o filho que não lhe sobra espaço para viver; o professor que não deixa o aluno aprender – quer lhe ensinar tudo; o padre que não deixa o fiel duvidar, cobra dele sempre  uma fé inabalável; o instrutor do esporte que  não admite uma queda da bicicleta, a perda de uma penalidade máxima, o salto mal executado – quer seus aprendizes longe do risco.  

Viver é perigoso.  Mas, “deixem-me viver”.

Vinte anos do Jornal das Lajes

26 de Abril de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Vinte anos de um jornal, não são vinte anos de uma praça, de uma estrada ou de qualquer outra obra física. São vinte anos de crença, de confiança, de perseverança e trabalho.

As atividades culturais, sujeitas a contratempos e imprevistos, geradores de possível desânimo e descrença, exigem verdadeiro e heroico desafio por parte de quem vive o projeto e a execução de um jornal com atividade ininterrupta. É preciso, então, comemorar os vinte anos do Jornal das Lajes com alegria e entusiasmo e congratular-se com seus idealizadores e consequentes mantenedores.

Sem deixar de cumprimentar os numerosos colaboradores que mantiveram o Jornal nas suas 240 edições, apraz-me cumprimentar aqueles que, hoje, quando as dificuldades não são menores que antanho, mantêm esse jornal, orgulho de uma cidade interiorana.

Vanuza Resende, multifacetada nas suas matérias, mantém o público a par do esporte; preocupa-se com tudo, desde o estádio – que me recuso a chamar de arena – até às melhores notícias esportivas, regionais e nacionais.

João Magalhães volta-se, com frequência, para a política nacional.

Bruna Moura Barbosa e Adriano Valério Resende não deixam despercebido o cuidado para com o meio ambiente.

Vitória Cristina ocupa-se, com expressiva propriedade, da educação e de outros que fazeres da vida quotidiana.

Evaldo Balbino, José Antônio Oliveira de Resende, Regina Coelho, com sua pena magistral, garantem uma artística leitura da vida plena. Plenitude literária na riqueza de sua expressão cultural, histórica, biográfica, educacional, humorística. Esses artistas da palavra produzem, a cada edição do Jornal da Lajes, páginas memoráveis.

José Venâncio de Resende, que dizer, ou, que não dizer? É escritor que ilustra qualquer periódico nacional e mais, seja pela variedade de suas matérias, seja pela invulgar qualidade produzida. A cada mês o Jornal das Lajes se enriquece com sua diversificada presença. Um verdadeiro expoente.

Outros numerosos colaboradores, valorosos e competentes, levam o Jornal das Lajes por todo lado, com suas duas mil tiragens. E nada da vida resende-costense passa ignorada.

Os Editoriais do Jornal proclamam a seriedade com que a empreitada é levada adiante. 

A colaboração publicitária dos vários setores da comunidade, e de um que outro lugar, garante a distribuição gratuita da edição. Algo admirável e testemunha da preocupação com a cultura vivenciada pela população.

Hoje, sem nenhuma desconsideração para com qualquer outra pessoa, vale lembrar ROSALVO PINTO por sua identificação com o Jornal das Lajes e com sua terra natal. Ainda na edição de fevereiro passado, Rosalvo foi homenageado por Floriza Beatriz de Sena Paula. Para quem o conheceu, nada a dizer. Para quem não o conheceu, as palavras seriam pobres para descrevê-lo. Felizes nós que com ele convivemos, aprendemos e enfrentamos a vida.

Resende Costa tem, nos vinte anos do Jornal da Lajes, soberbo testemunho da cultura de seus onze mil e poucos habitantes. Ela é, pois, merecedora de muitos aplausos.

Salve, Jornal das Lajes! Viva Resende Costa!

Cotidiano

29 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Era uma criança nos meus felizes oito, nove anos. Comentava com um padrinho que o dia da semana que mais apreciava era o sábado. Ele me entendia e me disse: “Você nasceu em dia de sexta-feira com os pés no sábado”. Nasci mesmo numa sexta-feira, de Dores, na antevéspera do Domingo de Ramos. Gostei do que meu padrinho falou: “É isso mesmo”, reagi, “o sábado deixa a gente livre e até o que tenho para fazer no sábado é mais alegre e mais feliz.” E era quase que só divertimento: ausência de aula, futebol, empinar estrela, passear com papai pelas beiradas da cidade e convivência aumentada com os irmãos. Sábado era bom demais. Os sábados eram dias que não cabiam dentro do tempo.

Já crescido, adolescente, novamente uma conversa semelhante com um dos superiores do seminário em que me encontrava. Falávamos de nossas vidas diárias, desenvolvidas também nos feriados e nas numerosas festas que invadiam de entusiasmo e alegria o internato. Aqueles dias em que a gente “mal enxergava as pessoas, só supunha”. Lá pelas tantas, o superior, gente fina lá de Santo Antônio do Amparo, me disse: “Gosto mais é do dia a dia; do corriqueiro dos dias comuns em que a vida é sem percalços ou com os percalços comuns da vida”.

Aquilo me chamou a atenção. Cresci e pouco a pouco fui me convencendo de que somos seres do cotidiano. É no dia a dia que se estabelece a comunidade de vida. Comunidade de comunhão e não de dominação, comunidade de libertação e não de escravidão. Lembra-me tanto Guimarães Rosa: “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegres mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo... alegre nas profundezas”. E isso pertence ao cotidiano. É nele que lemos o mundo nos olhos do outro. Tudo aí se torna signo, sentido, poema. O dia diferenciado, a festa, pode empanar o essencial da vida. Essa é feita de simplicidade, sem complicações ou com as naturais complicações da vida, vez que o homem não nasceu para morrer, mas para começar. Nasceu para viver sua vida como um poema, sempre nascendo e renascendo. No todo dia. No cotidiano.

O cotidiano não me cansa. A festa, às vezes, sim. O cotidiano me faz inúmeros desafios. A festa apenas os celebra. O cotidiano me tranquiliza. A festa me excita. O cotidiano me ensina que não é desonra ser vencido. A festa, às vezes, me leva a recusar-me a combater, iludido pelos festejos fugazes. Enfim, o cotidiano me lembra até que o amor não é um momento na vida, mas a revelação de seu sentido, pois cria exigências, provoca crises, mas traz o gosto de viver. Na festa, o prazer. No cotidiano, a vida.

O melhor da festa é esperar por ela. Isto é, o melhor é o cotidiano que gera a festa.

CNBB

01 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Dia oito de janeiro passado ficou marcado como um dia de vergonha nacional. Gente que há dois meses se postava pacificamente nas portas dos quartéis do Exército, por todo o país, repentinamente resolveu invadir as três grandes sedes dos “antigos” três poderes nacionais. Antigos, porque agora temos um único poder, ao qual se submetem os outros dois.

Além de ter sido um ato que envergonhou o país, muitos não entenderam por que se chegou àquilo. Os fatos posteriores esclareceram muitas questões. Outras serão esclarecidas. E não devidamente punidas, é lógico. Ou parcialmente punidas. Ou, melhor ainda, discriminadamente punidas.

Entre as organizações que se mostraram abismadas com os fatos e se manifestaram pedindo “responsabilização no rigor da lei”, encontra-se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

A CNBB é uma organização de direito privado. Organização da hierarquia da Igreja Católica. Fala pelos bispos brasileiros sem tirar de nenhum deles a autoridade própria que cada um possui. É uma instituição que busca harmonizar as atividades pastorais em nível nacional. Tem obtido, ao longo dos anos, muito êxito. Conta com o apoio de parte notável dos bispos, que, às vezes, se constituem em grupos diferentes, frente à visão pastoral que da Igreja se pede. Não se constitui como essencial à vida da Igreja, muito menos essencial ao “Seguimento” de Jesus. Os fiéis, na sua grande maioria, veem a CNBB como organização importante, a respeitam e buscam ouvi-la.

Como organização, a CNBB tem pleno direito, e até mesmo autoridade, para se manifestar sobre a vida nacional em suas variadas manifestações. Foi o que ocorreu, após os fatos do dia 8 de janeiro.

No entanto, de meu ponto de vista, considero um “risco” muito grande tal manifestação. Em primeiro lugar, por não se ter esclarecido a quem imputar a culpa das invasões. Quem estava por trás daquilo? Certamente, não os pacíficos ocupantes das portas dos quarteis, nos meses anteriores. Mas, muito mais que isso, considero um risco por não ver outras manifestações da CNBB frente a fatos muito mais sérios que ofendem a celebrada “opção preferencial pelos pobres”, fatos ultrajantes da democracia e outros, qual o retorno da censura no país.

O risco da “omissão”, do “silêncio”, da “contradição”, e até mesmo da “hipocrisia” frente a outros fatos vergonhosos deveria ser considerado pela CNBB. Ela não fala pelos fiéis, mas estes a respeitam e acreditam nela. O respeito que os fiéis têm pela CNBB não admite dela manifestações “escolhidas”, segundo visões ideológicas, responsáveis pelas divisões entre o episcopado brasileiro. Relativamente aos fatos do dia 8, será que a CNBB aprova os procedimentos jurídicos adotados pelo poder público brasileiro ao criar um “campo de concentração” para uma maioria absoluta de pessoas inocentes?

Não tenho dúvidas: manifestações contra os acontecimentos do dia 8 de janeiro são uma atitude louvável. Calar-se diante de outros fatos não menores, para mim é um “risco” que a CNBB não precisa correr. Ela põe a perder a credibilidade da instituição, que passa a ser considerada como adepta de ideologia, nada compatível com a visão cristã do mundo.