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Forno de cupim

16 de Marco de 2017, por Cláudio Ruas

Enquanto muitos cozinheiros surfam na onda do modernismo tecnológico na cozinha, com equipamentos e técnicas culinárias que mais parecem coisa de cientista no laboratório, outros têm feito o caminho contrário. Em busca de uma cozinha mais rústica, primitiva, muitas vezes baseada no fogo bruto. Embora reconheça a importância dos equipamentos e técnicas modernas na execução de tarefas e na formação de um novo conceito gastronômico, eu sou da turma da lenha. Ou, como diria o saudoso “Gardino” (figura emblemática de Resende Costa), “eu sou da lei véia. Eu trabalho é na véia!” Tanto que, recentemente, realizei um antigo sonho de consumo culinário. Não, não foi um termocirculador sous vide. Foi um forno de cupim mesmo. 

Já assuntamos por aqui que o uso controlado do fogo foi responsável por uma enorme revolução na vida dos seres humanos, pois permitiu um maior aproveitamento energético dos alimentos. Passamos a exercer outras atividades e nos desenvolvemos. Mas até hoje continuamos nos encantando com a chama mágica do fogo, o cheirinho da fumaça e o gostinho defumado dos alimentos. A gastronomia mineira então, sempre foi da “lei véia”. Tanto que, até então, o fogão de lenha continua sendo o símbolo e a alma da nossa cozinha. Já o antigo forno à lenha andou desaparecendo dos quintais e girais, mas, agora, começa a ressurgir das cinzas. 

O uso do forno à lenha aqui em Minas era quase que exclusivo para o preparo de biscoitos e quitandas em geral. Dava um baita trabalho, pois, depois de aquecido, era preciso ser varrido, retirando toda lenha em brasa e fuligens, para só então receber os tabuleiros. Vieram os fornos de latão e o a gás e as quitandeiras migraram de tecnologia, claro. Porém, o ressurgimento do uso e da valorização dessa tecnologia primitiva se dá agora em outro contexto. 

Quem utiliza um forno desse tipo atualmente o faz muitas vezes por róbi. Não é mais a dona de casa assando tabuleiros e tabuleiros de biscoito polvilho no início da semana. Normalmente é o(a) cozinheiro(a) de fim de semana, que vai fazer uma leitoa, uma pizza, um pão diferente, preparos esses que não demandam o trabalho de varrição. Hoje em dia também tem o termômetro para ajudar. Não precisa mais enfiar o braço ou a folha de bananeira para ter noção da temperatura. Arrumar lenha também ficou mais cômodo em alguns casos. Ela é até vendida cortadinha em supermercado na cidade grande. As pizzarias vão fazendo cada vez mais questão de usar a lenha ao invés do gás, pois é mais econômica e o resultado final é incomparável. Ofertas de pequenos fornos de alvenaria, pré-moldados, também são muitas. Mas nada se compara ao antigo, de cupim. 

O forno de cupim pode ser feito basicamente de duas formas, ou com um cupinzeiro inteiro, ou com pedaços montados, o que requer mais habilidade do construtor. Funciona mais ou menos assim: o cupinzeiro (vivo) é partido com machado, em blocos, e é trazido para ser montado em uma base. As partes vão sendo encaixadas como num quebra-cabeça e são coladas e moldadas com uma massa rústica, feita com terra de formigueiro e estrume de vaca fresco. Depois é a vez dos bichinhos trabalharem. Durante alguns dias os cupins vão cuidar de remendar a estrutura por dentro, até que o forno esteja apto para uso. 

O forno de cupim tem diversas vantagens em relação aos demais. A começar pela principal delas, a capacidade de reter o calor interno. Ela ocorre, sobretudo, graças aos túneis dos cupins, que se transformam em bolsas de ar quente. É composto de material ultra resistente, ecológico e sustentável. Além do charme e da beleza da sua rusticidade, o uso desse tipo de utensílio ainda promove um resgate de cultura e tanto. 

Mas é bom lembrar que forno de cupim é igual carro de boi. Não é qualquer um que sabe fazer, muito pelo contrário. Estão em extinção e precisam ser mais valorizados e observados. Esses mestres precisam urgentemente de discípulos. Sorte a nossa que ainda temos um especialista em Resende Costa, o Jarbas, lá do “Riguinho”. Um verdadeiro artista, responsável por ajudar a manter acesa essa chama cultural tão importante e histórica.   

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