Estrangeirismos: por que não traduzir?!
12 de Dezembro de 2018, por João Magalhães 0
“Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do lunch
Eu ando de ferryboat...
Eu tenho savoir-faire
Meu temperamento é light
Minha casa é hi-tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash...(...)”.
(Samba do Approach – Zeca Baleiro)
Parabéns ao Zeca Baleiro pela ironia. Tive que abrir a internet para ver esses tais de Slash e Trash. Peço licença, também, para entrar no quintal “Contemplando as palavras” de nossa companheira de JL, Regina Coelho.
Os protestos são muito antigos. Antes contra o Galicismo, generalizado por causa do Iluminismo francês, Império napoleônico... “La vem o Dom Galicismo, que em tudo mete o nariz / e com todo seu cinismo, / transformou aqui em Paris” (Bastos Tigre?). Agora é o Anglicismo do império britânico e norte-americano.
Sala de espera de um hospital. Plaquinha com sinal indicativo “Back office”. Não sabia. Estava sem condições de internet. Tive que interromper a recepcionista que atendia outro cliente. Explicou: uma sala de atendimento, meio escondida, para assuntos administrativos. Você sabe?
Rua. Num prédio pré-moldado, uma placa grande: “Self Storage”. Que é isso? Com meu inglês já bastante zinabrado, em casa, tive que ir ao dicionário: Armazenagem por conta própria. Sistema de autosserviço para guardar coisas. O cliente aluga e só ele tem a chave.
Sozinho, na sala de espera para um ecocardiograma. Lá, uma máquina de café. Tudo em inglês, letrinhas miúdas: “Strong”?! A custo enxerguei o “light”. Será que entendi? Café forte? Café sem açúcar? Por que não traduzir? Ou será para deixar os analfabetos do inglês sem café?! Tudo isso em duas semanas, rodando pela cidade de São Paulo! O leitor encontrará muitos mais exemplos.
Desde que um povo domina outro povo, o dominador impõe sua língua e através dela sua cultura. Sobretudo nos grandes impérios. É o Grego (Helenismo) praticamente exigindo tradução para ele do Antigo Testamento e sendo, inclusive, língua original do Novo. O Grego comum (koiné) falado pelos comerciantes do Mar Mediterrâneo.
O Latim do longevo Império Romano. O latim popular alastrado para os povos conquistados, origem aliás de nossas línguas neolatinas: Italiano, português, espanhol, francês, romeno e outras.
Agora o Inglês do Império Britânico e, após a primeira guerra mundial, do domínio norte-americano. Portanto, a democracia linguística nunca existiu nem existirá em qualquer império! Sobretudo agora nesta era internética globalizante.
É óbvio que a língua é um elemento orgânico que está sempre se modificando. A língua é um órgão social, móvel, dinâmico, crescente. Por isso enriquece. Tentar coibir ou até mesmo proibir é enorme perda de tempo! Há que se receber bem as transformações linguísticas. Ampliam o idioma, aperfeiçoam e contribuem para a arte. Frequentemente precisa-se até de importar palavras ou expressões que dificilmente têm equivalentes no próprio vernáculo. Cito um exemplo: a palavra “Commodity” tão usada pelos economistas. Como traduzi-la? No fundo, quem decide ou quem descarta somos nós, os falantes. O que precisa é bom senso, evitando exageros.
Mas em nosso país, já é abuso. Está demais! Você tem palavras vernáculas que dão ideia perfeita do assunto, mas usam-se as estrangeiras. Por quê? Por exibicionismo, por elitismo, por esnobação, para mostrar status, etc. E os pernósticos mostrando sua cultura?! Não se trata de proibir. É bobagem. Mas podem-se adotar medidas protetoras e auxiliadoras.
É missão importante dos regentes da sociedade facilitar as comunicações para os cidadãos. Acho que deve ser obrigatória, por lei, a tradução de textos de utilidade pública escritos em outras línguas. Obriguem a traduzir. Multem quem não o faz.
Você dirá: pela internet acho tudo. Mas pergunto: e se eu não tiver acesso no momento à internet?
Meu voto é antibolsonaro!
17 de Outubro de 2018, por João Magalhães 0
Não pela pessoa, que não conheço, mas pela ideologia política que ela representa.
Pleno acordo com o jornalista Eugênio Bucci em seu texto Tortura e estupro na cultura política: “Bolsonaro representa uma cultura política para a qual a democracia não é um valor, mas um mero detalhe administrativo dispensável. Nessa cultura, a tortura tem serventia e o estupro é culpa da ‘beleza’ da mulher. Esta cultura política não vai acabar com a corrupção. Esta cultura é velha e nunca, em lugar nenhum, acabou com a corrupção. Cuidado. Não faça do seu candidato a presidente uma arma, a próxima vítima pode ser você.”
Seria uma afronta a mim mesmo agregar-me pelo voto a um líder com tal postura. Sobretudo, um acinte ao meu passado.
Recentemente, em conversa com uma jovem senhora que perdeu um ente querido, sua mãe, falou-me que votará em Bolsonaro. Instantaneamente veio-me em tela as ofensas à mulher, nos ataques à deputada Maria do Rosário, justamente a grande batalhadora da lei de proteção à mulher, que leva seu nome. Uma lembrança às eleitoras do Bolsonaro: numa entrevista ao jornal Zero Hora de Porto Alegre (em 2014), declarou: “Ela (deputada Maria do Rosário) não merece (ser estuprada) porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”. Quer dizer que mulher bonita merece ser estuprada?!!
Respeitei, mas não resisti: Senhora, você votaria num candidato que, ao saber que você estava exumando os ossos de sua mãe, comentasse que “quem procura osso é cachorro”?!
Em visita à exposição da vida atuante do cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, visita emocionante porque eu participei de muitos eventos lá em amostra, vendo as fotos da exumação dos assassinados pela ditadura militar no cemitério de Perus/SP, lembrei-me dessa frase horrenda que alguma impressa da época atribuiu ao Bolsonaro!
Um extrato do longo voto de Bolsonaro quando do impeachment da Dilma Rousseff “Pelo nome que entrará para a história desta data, pela forma como conduziu os trabalhos desta casa, parabéns presidente Eduardo Cunha” (!)... Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff (por quem foi torturada), e por Deus acima de todos (que Deus será esse!?), o meu voto é sim.”
Ainda o jornalista Eugênio Bucci: “O nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador e chefe de torturadores, está escrito com sangue alheio na História do Brasil. Ao exaltá-lo, Bolsonaro fez apologia do crime de tortura.”
Quem visitou presos políticos na época desse coronel, ou tem amigo torturado como é o caso do Antônio Soligo, amigo e colega meu de turma no sacerdócio católico, sente um arrepio generalizado frente a tal homenagem.
Já escrevi a respeito. Como faz algum tempo, relato novamente. Um dos dias mais terríveis de minha vida foi quando conheci (embora saiba, por ética e respeito à pessoa jamais revelarei seu nome) um torturador do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e ouvi em silêncio, à porta da igreja, esperando um casamento a oficiar, o relato minucioso das barbaridades que praticou. “São comunistas! Ateus subversivos! Têm que bater, tem que morrer!”
E falava sem remorso algum e ainda dizia: “Todo domingo comungo na igreja do Largo São Francisco! Lembrei-me de Cristo aos apóstolos (Jo 16,2)’”. Homenagear chefe de torturadores?!
Sabemos que o processo político tem seus balanços. Avanços e retrocessos. O tempo de agora está apontando para ditaduras e totalitarismos pelo voto. Partidos nazifascistas estão conseguindo o poder, mesmo em nações de forte cultura democrática, mas quem preza o humano, preza a liberdade, preza a participação construtiva e luta pela igualdade não pode se conformar.
Provavelmente o que escrevi e outros tantos também não vão mudar o voto de ninguém, mas cabe um alerta, porque, se algum dia formos vítimas, não o será por falta de aviso.
É o que penso. E você?
APAC: marcas de uma visita
19 de Setembro de 2018, por João Magalhães 0

Momento de partilha e encontro com os recuperandos
Cansei de ver, em letras grandes, APAC, nas vindas de São Paulo para Resende Costa, via Lavras. O que seria? Em conversa com o Dr. Luiz Antônio Pinto sobre sua atuação com estagiários de medicina, tive a explicação: APAC –Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Entidade com profundo senso humanitário. Mediante os detalhes da atuação dela junto aos presos, senti necessidade de abordar o assunto nesta coluna que tem, como um dos seus fulcros, o Humanismo. Implicaria uma visita. André Eustáquio, nosso editor-chefe, ampliou: Quem sabe uma reportagem especial? Fizemos a visita. E aconteceu.
A visita foi-me um sacramento que imprime caráter: marcas indeléveis no espírito.
Marca um: uma sensação intensa, bem resumida por dom Serafim Fernandes de Araújo, cardeal arcebispo emérito de Belo Horizonte: “Na APAC não é ter esperança, é ser esperança”, ou seja, o que se espera está-se realizando. Este sentimento encaminhou-me, também, para Dom Paulo Evaristo Arns, de cuja Pastoral fiz parte por muito tempo: “Ex spe in spem” (De esperança em esperança).
Marca dois: O Movimento Jesus. Chamo assim porque Jesus não institucionalizou nada. Sua ação consistiu em reformar e/ou inovar no estabelecido: “Foi dito aos antigos, eu, porém, vos digo...” De repente constato numa instituição um trabalho focado neste Movimento.
Da conversa com Antônio Carlos de Jesus Fuzatto, presidente da APAC de São João del-Rei e vice-presidente da FBAC (Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados), vieram as informações da origem da entidade. Surgiu de movimentos voluntários de católicos e evangélicos. Ou seja, grupos de pastoral penitenciária. Movimento iniciado no presídio Humaitá em São José dos Campos, em 1972, sob liderança dos advogados Mário Ottoboni e Franz de Castro Holzvarth, pais-fundadores da APAC.
O propósito: desenvolver um projeto voltado à recuperação do preso, suprindo uma deficiência do Estado. Ganhou personalidade jurídica em 1974 e passou a atuar como órgão parceiro da Justiça na execução da pena.
O melhor da conversa – agora fortificada pelo nosso cicerone na visita, Wellington Paixão, ainda cumprindo pena, mas já trabalhando com o presidente Fuzatto e com o Judiciário no apostolado apaqueano – foi o testemunho vivencial dos 12 Elementos Fundamentais do Método APAC.
- Participação da Comunidade: Significa usar de meios adequados para impedir uma ruptura da comunidade com a vida do preso. Desde o primeiro momento, acomunidade, ou seja, pessoas de seu meio (familiares, companheiros, amigos, colegas) devem estar presentes.
“Se mobilizarmos a sociedade por meio de audiências públicas, de convites às lideranças civis, de políticas religiosas e de grupos distintos da sociedade, utilizando-se dos meios de comunicação social, dos testemunhos de recuperandos, das apresentações de teatro, coral, etc. para conhecer in loco uma unidade da APAC, dar-se á, com o tempo, o rompimento das barreiras do preconceito, que, geralmente, estão arraigadas em nossa cultura. Ou seja, aquela ideia de que o preso tem que sofrer, tem que morrer precisa ser superada.”
- O recuperando ajudando o recuperando: “Despertar nos recuperandos os sentimentos de responsabilidade, de ajuda mútua, de solidariedade e de fraternidade e da importância de viver em comunidade.
Possibilita que o recuperando seja protagonista de sua própria recuperação. Dentro dessa visão, destaca-se o Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), constituído tão somente por recuperandos, cabendo-lhes as tarefas de limpeza, organização, segurança e disciplina.”
- Trabalho: Seu valor dentro e fora da unidade, dependendo do regime do internado. No regime fechado, o objetivo é a recuperação dos valores: despertar a autoestima, as potencialidades, o senso de estética e a criatividade. A ênfase vai para o trabalho artesanal, o mais diversificado possível.
No regime semiaberto, objetiva-se a profissionalização. É preciso atentar-se para não transformar este trabalho numa empresa.
- Espiritualidade: Ferramenta de recuperação de valores morais. O método vê o homem como um ser biopsicossocial e espiritual.
“Por esta razão, deverão ser organizadas equipes de evangelização cristã para que, por meio de um trabalho ecumênico, possa ajudar o recuperando a dar-se conta de que o ser humano também é espirito. Contudo, não se pode afirmar que somente a espiritualidade resolve o problema”, mas contribui muito.
- Assistência jurídica: “Segundo dados estatísticos, 95% da população carcerária não reúne condições financeiras para contratar um advogado, por isso é preciso que a APAC ofereça uma assistência jurídica gratuita, especificamente na fase de execução da pena, atentando-se, para que essa assistência jurídica se restrinja apenas aos condenados que manifestem adesão oferecida pela APAC e que possuam mérito.”
- Assistência à saúde: Referindo-se às condições insalubres de cumprimento de pena, diz Mário Ottoboni: “O condenado, geralmente quando não entra doente na prisão, fatalmente irá sair doente dela.” “É importante que esse atendimento seja, sempre que possível, realizado por voluntários, permitindo que o recuperando possa entender, com mais facilidade, que alguém se preocupa com sua sorte eque ele não está abandonado.”
- A família: Considerando as dificuldades e sofrimento das famílias para firmar presença junto aos detentos; considerando que a família por total falta de estrutura contribui, juntamente com outros fatores, para o surgimento do crime e da violência, inútil será o esforço da equipe se, ao preparar o recuperando para o retorno à sociedade, não trabalhar concomitantemente a família.
“Assim como os familiares dos recuperandos necessitam receber a atenção, a instituição deve ficar atenta em relação às vítimase/ou familiares das vítimas, oferecendo programas e assistências que objetivem minimizar o sofrimento e prejuízos.”
- O voluntário e o curso para sua formação: “Nada, absolutamente nada, substitui o trabalho dos voluntários que, por meio de gestos concretos de caridade, revelam aos recuperandos o amor gratuito, constante e incondicional.”
Importante observar que toda equipe, constituída de voluntários e de funcionários contratados para trabalhar tão somente no setor administrativo, precisa ser devidamente treinada, uma vez que um trabalho dessa natureza, de difícil execução, não pode ser pautado pelo amadorismo e improvisação.
No conjunto dos voluntários, destacam-se os ‘casais padrinhos’, que, ao adotarem os recuperandos como afilhados, contribuem para que sejam refeitas, em nível psicológico, as imagens desfocadas e negativas queos recuperandos possam ter em relação à figura do pai, da mãe ou de ambos, ou ainda das pessoas que os substituíram em seu papel de amor.”
- Centro de Reintegração Social: “A Comunidade poderá construir prisões denominadas Centro de Reintegração Social– CRS – de pequeno porte, compreendendo os regimes previstos na Lei, devidamente separados um do outro, o que não modifica a obrigação constitucional do Estado de construir, equipar e manter as prisões.”
- Mérito: Todas as conquistas, elogios, cursos realizados, saídas autorizadas etc., bem como as faltas e as sanções disciplinares aplicadas deverão constar do prontuário do recuperando para oportunamenteser anexado a pedidos de benefícios jurídicos. Insere-se nesse contexto a importância de se constituir a CTC – Comissão Técnica de Classificação.
- Jornada de Libertação com Cristo: “A jornada apresenta-se nesse contexto como sendo um dos pontos altos da metodologia. Momento forte de reflexão e encontro consigo mesmo, em que, ao longo de quatro dias, pautados por palestras de cunho espiritual – misto de valorização humana e testemunhos –, expõe o recuperando à terapia da realidade, levando-o, ao final, a um encontro pessoal consigo mesmo e com o ser superior.”
APAC: “Amando ao Próximo, Amarás a Cristo.”
- Valorização humana: É a base do método APAC.
(Citações extraídas da bibliografia gentilmente oferecida. Procurou-se transmitir o mais perto possível o fraseado dos autores)
As mães da mentira
15 de Agosto de 2018, por João Magalhães 0

“O pai da mentira”. É um dos títulos do diabo (Jo 8,44). E a mãe? São muitas: as redes sociais.
Em tempos de guerra, mentiras por mar e por terra. Antigo provérbio, agora, desatualizado. Em tempos de internet, mentiras (e quantas!) pelo ar e pela atmosfera.
Quando li pela primeira vez o anglicismo fake news, confesso que, devido a meu inglês já muito oxidado, corri ao dicionário: “Fake”: falsidade, falso. Por que não “notícias falsas”?
Calúnias, difamações, mentiras nocivas sempre fizeram parte e farão da história dos homens. Como quase sempre ganham da verdade, devem preocupar e muito a quem zela pelo humano. É o caso do mandamento mosaico: “não apresentarás um falso testemunho contra teu próximo”. (Ex 20,16)
Modernamente, essas falsidades, travestidas de vídeos, fotomontagens, textos atribuídos a autores midiáticos etc., sob o nome geral de fake news, instantaneamente espalhadas, chegam a milhões de olhos e ouvidos por todo o globo. E causam prejuízos gravíssimos. Até mortes, como o atesta o linchamento de vinte pessoas, na Índia, devido a notícias desse jaez, conforme foi noticiado recentemente.
E é bom notar que as falsidades chegam rápido também para quem não tem internet, pela voz/ouvido dos aparelhos!
Uma estatística recente: no Brasil, o número de aparelhos celulares ultrapassa nossa população. Aparelhos que funcionam, embora nem todos atualizados tecnologicamente.
E os males vêm. Destroem reputação, ferem a honra, roubam desatentos e ingênuos, vendem curas e miraculosos remédios inócuos, reforçam ignorâncias. Quem acompanha a vida do país sabe, por exemplo, que aumenta muito o número de pais que não vacinam seus filhos por causa de notícias falsas sobre efeitos malignos dessas vacinas.
Chegamos ao ponto de profissionalizar o manejo e a criação de falsidades. Lucra-se com isso. São mentirosos profissionais que assassinam a moralidade, a honra das pessoas para fins escusos e pouco se importam com o bem da sociedade. E a influência nos processos eleitorais? E tantos outros casos!?
Pesquisas feitas sobre o grau de credibilidade das pessoas tentam explicar o porquê da crença em fake news. Podem-se resumir nestes itens: as pessoas tendem a acreditar que tudo é verdade; basta que as informações estejam próximas da verdade para serem aceitas; mesmo quem conhece um assunto tem predisposição a crer em falácias sobre ele: muitas técnicas para facilitar a identificação de erros revelam-se inócuas. E os malandros sabem e se aproveitam disso.
O que fazer? Como escapar do ceticismo: em que (quem) acreditar, já que o fenômeno é geral e universal? Onde está o real, a verdade?
É um desafio para o jornalismo sério e responsável. Esta mídia honesta tenta montar esquemas para desmascarar as fakes, mas confessa a enorme dificuldade para tal.
Bruxuleia-se uma luz, acende-se outra, mais potente. Pesquisas recentes (Reuters Institute), que incluem o Brasil, revelam uma queda de confiança no Facebook, pois consideram essa rede social “egocêntrica”, “assustadora”, “multifacetada”, “genérica”. Aumenta, porém, a confiança no WhatsApp, que acham mais “amigável”, “divertido”, “agregador”, “honesto”, “discreto” e “confiável”.
Acho que mudou para pior. No Facebook, a sociedade por seus representantes pode agir, cobrar, intimar as fontes. Já no WhatsApp, as fontes são milhares, mesmo com a determinação, segundo ele informou, de limitar a vinte encaminhamentos. Cada usuário posta o quer!
Alguma solução? Creio numa melhora, se além do poder público se empenhar e partir para punições, as pessoas cônscias conseguirem um distanciamento, ou seja, buscar acesso às nascentes das falácias, diversificar suas fontes de informação, intensificar seu poder de observação, usar suas lupas para localizar detalhes enganosos e suspeitar deles, relativizar suas afirmações, postergar atitudes. Menos fé e mais análise.
Vivendo e agindo em bolhas: grupos que se abeberam das mesmas fontes que afervoram a fé comum e se fecham para outras iluminações, a verdade estará cada vez mais ausente.
É o que eu penso. E você?
Que título dar: Aberração? Perversidade? Guerra suja?
18 de Julho de 2018, por João Magalhães 0
A criatividade do ser humano é quase infinita, tanto para o bem como para o mal. Quem passou pela cena procura anular a lembrança para o horror não voltar. Quem nunca passou arrepia-se só em imaginar. Que cena? Torturar os pais diante dos filhos, ou pior, os filhos diante dos pais.
A cena bíblica de Herodes matando cruelmente os inocentes por motivos políticos (Mt 2,16-17) choca até hoje. Estas cenas de praticar o infanticídio e ou sofrimentos físicos ou psíquicos em frente aos pais, ou o parricídio e ou torturas diante das crianças, presentes em ditaduras, inclusive na última brasileira, causam horror a quem preza sua condição de ser humano.
Arrancar crianças de seu pais, sumir com elas e encaminhar para adoção deixam cicatrizes indeléveis nas famílias vítimas. Práticas comuns nas recentes ditaduras latino-americanas e não só. Veio agora o noticiário de processos na Espanha contra sequestradores e adotantes de crianças sequestradas na ditadura de Franco. Só agora?!
A imigração é um problema mundial de extrema relevância e gravidade. É multidão o número de pessoas que largam seu solo natal. Entre total miséria e insegurança de vida, preferem arriscar, afinal não têm mais nada a perder. Vão para algum lugar onde enxergam alguma esperança de sobreviver.
Do lado dos países alvos dessa esperança fica o desafio. Abrir as portas? Receber? Negar? Devolver às origens? Deixá-las nos braços da morte: o mar, o deserto, o barco precário, a fome, a doença, a insolação...?
E tomo de empréstimo o parágrafo de Luís Fernando Veríssimo, Drama, publicado no dia 28 de junho no jornal o Estado de S. Paulo: “O drama dos refugiados no mundo todo chega a uma espécie de ápice de horror a cada imagem de uma criança morta. Pode-se fazer uma graduação do horror, dividi-lo em categorias, do lamentável ao lancinante, mas nada nos fere mais do que a foto de um cadáver de um bebê que deu na praia como um dejeto humano, ou de uma criança ferida com o olhar esmaecido de quem não sabe o que lhe aconteceu, ou por quê.”
Não se trata evidentemente de negar a cada país o direito de administrar seu território, de defender suas fronteiras, de abrir ou fechar portas aos imigrantes, mas devem-se questionar os métodos.
A tática desumana adotada pelo governo Donald Trump, nos EUA, para impedir imigrações clandestinas, prendendo os pais e separando os filhos deles, mandando-os para abrigos, alguns até tachados de campos de concentração, abalou o mundo das nações que ainda têm em seu âmbito uma boa faixa humanitária, inclusive a sociedade norte-americana e até o partido do governo, o Republicano. E o número de menores? Mais de 2 mil!
E tal barbaridade agrava-se com possíveis sequelas na vida dessas crianças arrancadas de seus pais, sobretudo da mãe. Segundo o professor de psiquiatria da Universidade do Texas, em Austin, Luís Zayas, uma separação traumática trará danos psíquicos, com grande possibilidade, não afastando uma longa duração deles. E enumera o que pode acontecer: um agarramento desesperado aos pais, um pavor neurótico de sair da presença deles; ansiedade de separação; choro incontrolável; dificuldade para dormir; pesadelos recorrentes; distúrbios alimentares; problemas de confiança nos pais, ou até de raiva. “Vemos algumas crianças até mesmo atacarem os pais. Elas nem sempre entendem o motivo da separação e até colocam a culpa neles; têm dificuldade em se reconectar”, diz o professor.
O professor Saeed Cardoso Jodi Berger, da Universidade de Houston, que estuda os efeitos do trauma sobre os imigrantes, acrescenta: abuso de drogas, alcoolismo, comportamento suicida e transtorno de estresse pós-traumático, ou seja, um conjunto de sintomas físicos e psíquicos que a vítima pode apresentar.
Entenda transtorno de estresse pós-traumático: a vítima ou testemunha de cenas ameaçadoras de sua vida, ao recordar-se do fato, revive o episódio como se estivesse ocorrendo naquele momento, seja a dor ou o sofrimento.