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Apontamentos de um autor

16 de Abril de 2014, por Evaldo Balbino

Tenho amor por livros e em especial pelos didáticos. Afinal eles foram meus companheiros numa Resende Costa carente de livros outros que não os da Escola. Isso lá nos idos anos de 1980. No entanto, além do convívio amoroso com os livros didáticos, desde pequeno aprendi muito com os autores bíblicos, principalmente com o profeta Isaías. Esses poetas antigos me acompanham desde sempre. Numa lombada brilhante, de um ouro que me encantava, lá estavam as bíblias, assim mesmo no plural, inscrevendo-se em mim como durante anos e desertos se inscreveram num povo do outro lado do Atlântico, do outro lado da África. Aqueles autores maravilhosos, vozes várias e diversas, com seus textos amorosos e duros, remontam à minha infância e se reinscrevem em tudo o que penso e o que escrevo. Também me vêm à companhia Machado de Assis, Santo Agostinho, Clarice Lispector, Adélia Prado, Santa Teresa dÁvila, São João da Cruz, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Lúcio Cardoso, Lygia Fagundes Telles, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Rainer Maria Rilke, Fernando Pessoa, Virginia Woolf e Marcel Proust. Eu não pararia aqui, pois poderia citar outras penas que sempre me acompanham. Em todos esses autores, a densidade e a poeticidade da linguagem, a introspecção, a memória e o sagrado me fascinam.

Lendo essa patota, também me ponho a escrever. Palavras dão volteios em minha mente e no papel. E elas mentem para mim, me enganam, me adulam, mas também se me entregam amorosas. Num processo labiríntico, de pesquisa e de insistência, amo-as como se ama o ser amado. Meus textos se fazem por fragmentos, por corredores amorosos e sem fim. Escrevo e reescrevo sempre. Volto ao escrito com olhares oblíquos, desconfiados e amantes, e buscando sempre garimpar a linguagem. Nada de formalismos acadêmicos. Deus me livre disso! Tenho formação acadêmica, devo muito a essa formação, é claro, mas fazer literatura é escrever arte, e escrever transcende academicismos. Escrevo, então, sempre na busca da poesia, das palavras agrupadas de modo poético, de modo artístico.

Mais interessado nos mundos interiores das personagens, eu construo narradores ou vozes que ficam esquadrinhando o tempo todo esses mundos interiores. Os fatos, os gestos, os olhares, as realidades circundantes – tudo isso me é motivo para sondar os desejos humanos, suas vontades complexas e contraditórias, seus medos, seus amores, suas paixões. Tudo é pretexto para deflagrarem-se os pensamentos, para desatarem-se os labirintos do ser. Minha escrita, nesse sentido, é atravessada pela densidade dos seres e, consequentemente, da linguagem. Seres densos, porque não consigo ver com rasura as nossas constituições, a constituição do mundo. Linguagem densa, às vezes até meio barroca, porque não consigo utilizar outra linguagem que não seja esta. Para dizer dos labirintos que somos e que habitamos, somente uma linguagem labiríntica mesmo. Daí as frases cheias de meneios, as palavras carregadas de desejos e volteios, de olhares enganadores e enganados. Por tudo isso mesmo, julgo fazer uma escrita antes de tudo mais poética. Mesmo fazendo prosa, acabo fazendo mais poesia.

Gosto de olhar para o que escrevo, para os livros que já publiquei, como sendo meus filhos e não sendo, como sendo discursos maiores do que eu, que me transcendem em diversos momentos, porque chegam a outras pessoas que também estão, no mundo, num processo de busca. A minha produção literária é busca, pela arte das palavras, de entender. Mesmo sabendo ser difícil este processo, o do entendimento. Tudo o que escrevemos não é apenas nosso, mas também do mundo. No mundo vivemos e com ele aprendemos. Se assim não o fosse, nem valeria a pena publicar.

 

Por isso fico muito emocionado quando um texto meu deambula por olhos alheios, vaga por casas que desconheço, mas que são humanas como eu sou. Não é vaidade isso que sinto, mas sim uma alegria sem mensuras de ver outros olhares, outras mãos intervindo no meu discurso, dialogando com ele. Talvez seja esta uma necessidade minha de dialogar, de falar com o mundo. Fico imaginando um aluno lendo um livro, e de repente ele se esbarra com minhas reflexões sobre a morte ou sobre uma infância que não finda, ou ainda sobre Deus e seus desdobramentos em nossos desejos. E aí esse aluno começa a me xingar ou a concordar comigo; começa a menear a cabeça, disposto a pensar, a sentir, a morrer e viver como todos vivemos e morremos. Só de saber que o texto, e o texto literário, tem esse poder – só de saber isso, me sinto sinceramente no céu, num paraíso todo meu. Sinto arroubos ao saber-me atravessando espaços para além do meu corpo e chegando a olhos e mãos que talvez nunca conheça, mas que são membros como eu desta faina difícil e maravilhosa que é a vida. Penso que o objetivo de qualquer escritor de literatura seja este: comungar com o leitor vidas, experiências, poesia.

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