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O tempo e os sonhos

13 de Novembro de 2013, por Evaldo Balbino

O tempo passa para todos. Até as coisas mudam, pois se cansam também. Uma penteadeira antiga demonstra ares de velha avó boa e silenciosa, mas cheia de monotonias. Bela uma penteadeira antiga, porém de uma beleza cheia de enfados, de vida longa num currículo que se estende para longe. Boa e bela, no entanto com uma respiração cansada, com passos lentos em calçada de pedra, com vagares de viver uma vida que sobe por um morro íngreme. E ela, a vida, apesar de tudo, continua bela e boa.

Se se cansam as coisas, o que dizer de nós mesmos? Nós, que temos a consciência de que o tempo só sabe passar e nada mais? Tudo bem que o tempo, dizem, nos traz uma madura idade. A maturidade que não se compra e que não se vende. Nenhuma madureza é objeto de mercancia. Dizem isso, mas tenho lá as minhas dúvidas. E com meus botões vou dizendo que nem sempre evoluímos assim. A vida não é evolução. É acontecimento. Não nego o valor da experiência, mas também não nos vejo caminhando de modo retilíneo, como se estivéssemos, por exemplo, galgando altos patamares, os mais difíceis e nobres. Aprende-se vivendo, é claro! Mas vivemos errando também.

Outro dia recebi um e-mail de um amigo, com belos slides em anexo. Ao vê-los, desfilaram perante meus olhos heróis dos quadrinhos e personalidades da música e do cinema. Greta Garbo, Batman, Mandrake, Marlon Brando, Dalva de Oliveira, o Homem-Aranha etc. E todos iam passando diante dos meus pensamentos como carneirinhos impertinentes. Não dizem que carneirinhos contados à beira do sono são capazes de nos embalar na deliciosa rede dos sonhos? No entanto, os carneirinhos que desfilavam diante de mim eram mulheres lindas, gargantas de ouro e voz deslumbrante, figuras destemidas e invencíveis na luta contra um suposto Mal. E todas essas figuras, apesar de eternas, não deixavam de ser carneirinhos mortais. Todas eternas, porque habitando nossas memórias. Mas também todas mortais, pois tanta beleza, tanto brilho nos olhos, principalmente dos cantores e dos atores, tudo isso já virou uma escuridão, uma ausência de olhos, um vazio de olhar. E ao fim de tudo, sob flores e insetos, nem mesmo a certeza de que esta vida continua. Sob terra que se joga e que se esquece, só resta apenas um silêncio profundo como um rio que não conhecemos. E eis aí uma dúvida que abala tudo, até mesmo qualquer fé que se deseja inabalável.

Sim, o tempo passa. Para todos e para tudo. Coisas, bichos, homens e mulheres, crianças e idosos. Nada tem salvação, pelo menos neste plano que apalpamos e que sentimos com nossos sentidos primeiros e evidentes. As pessoas e seus sonhos (os heróis que construímos), tudo vira pó da memória. Tal melancolia me assalta e se me faz amiga. Não para me levar de mãos dadas ao abismo do nada, e sim para me fazer pensar, sonhar cada vez mais, lutar contra todo apagamento. De mim e de todos. E essa luta pressupõe um revirar constante das horas passadas.

Outro dia mesmo revivi um pouco, e mais uma vez, o passado. Revi um vídeo longo sobre os melhores momentos do Cassino do Chacrinha. Meu Deus, que saudade! Não de uma felicidade, que esta não existe pura e simples. Mas saudade de momentos que vivi: o brilho da roupa do Guerreiro Abelardo Barbosa, a Elke Maravilha dançando com Roberto Leal, o Paralamas do Sucesso, Raul Seixas e sua Al Capone, Elba Ramalho falando de um banho de lua, Sidney Magal com sua Sandra Rosa Madalena, Ultraje a Rigor, Jane e Herondy, Cazuza, Tim Maia, Lulu Santos, Luiz Caldas falando de abelha e flor e amor, Sandra de Sá dizendo da solidão e da necessidade de amor, Evandro Mesquita, Marina Lima falando de noite e sedução, Jairzinho e Simony, Guilherme Arantes, Simone, Roberto Carlos cantando que “todo final tem seu começo” e que os dias e as horas são contados ansiosamente para se ver quem se ama, Fábio Júnior, Baby do Brasil e Pepeu, Wanderléa, Nelson Ned, e, por fim, o Capital Inicial falando de distância e independência.

O tempo nos faz alongar caminhos e não nos deixa independentes das distâncias. Elas são pontes que nos ligam sempre ao passado. O passado não passa, mas permanece. A cada vez que perscruto o passado, eu não vejo só coisas boas. Nem tudo é um mar de rosas, mas também, é claro, nem tudo está perdido ou esteve perdido. Há que se extrair de todos os momentos da vida um naco sequer de alegria, de paz, de crença na felicidade plena.

 

Pensando em tudo isso, pergunto a Deus, como já o fez Adélia Prado: “A vida é assim, Senhor? Desabam mesmo pele do rosto e sonhos?”. Se tudo desaba, algo nos salva. E nesta crônica já terminando, lembro a todos que as referidas cenas do Chacrinha foram gravadas num teatro de nome belíssimo. Teatro Fênix. Este nome me salva do tempo e do silêncio.

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