O excesso de telas forma uma geração alienada e menos criativa


Editorial

0

No último dia 13 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da Educação Básica. A medida, agora federal, abre espaço para debates sobre a eficácia pedagógica da lei. Não há dúvidas de que a revolução digital impactou a rotina das escolas. Antes ambiente de socialização, os recreios escolares foram se transformando em “ilhas digitais”, onde a comunicação entre os alunos se restringia aos aparelhos portáteis. Mas será que os problemas da Educação Básica no Brasil são oriundos somente do uso abusivo das novas tecnologias pelos jovens e adolescentes?

Reportagens do JL em edições passadas mostram exemplos de escolas, começando por Portugal, que já haviam proibido o uso dos celulares pelos alunos, exceto para fins pedagógicos, o que assegura a nova lei federal para os anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Os benefícios das medidas proibitivas foram percebidos rapidamente. As tradicionais brincadeiras voltaram a acontecer nos momentos de recreação, a interação entre os alunos aumentou, bem como a atenção e concentração dentro da sala de aula.

Para o ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque, somente proibir os celulares nas escolas não basta. Outros problemas, tão graves quanto, contribuem para a falta de sintonia entre o atual modelo educacional e as novas tecnologias que vêm dominando os espaços sociais e culturais. “Ao sancionar a lei que proíbe o uso de celulares nas escolas, o governo Lula acerta na busca de recuperar a atenção dos alunos, mas erra porque falta sintonia com as transformações tecnológicas em marcha. A norma busca impedir o mau uso do smartphone como meio de dispersão da atenção do estudante, sem entender que a principal causa da desatenção não está na modernidade do aparelho, mas no arcaísmo da sala de aula: a distração é resultado de técnicas pedagógicas ultrapassadas, e não da ascensão dos telefones portáteis”, escreveu Buarque em sua coluna na revista Veja, em 24 de janeiro de 2025. O ex-ministro e também ex-reitor da UNB defende a necessidade de modernização das salas de aula a fim de aproximar a escola da realidade das novas gerações de alunos. “Qual seria o caminho mais adequado? Definir estratégias para substituir o quadro-negro por ferramentas digitais de modo a atrair a atenção dos jovens e aumentar a eficiência na transmissão de conhecimento. Lousa estática e incolor não seduz uma geração que nasceu na dinâmica do YouTube, WhatsApp, TikTok etc.” Sem uma mudança mais ampla, a lei ora sancionada pelo presidente Lula não passará de mais uma boa intenção. “Será uma lei para inglês ver”, vaticina Cristovam Buarque.

Outro problema que preocupa os educadores é o afastamento cada vez maior dos jovens da leitura. Uma pesquisa realizada em 2024 e divulgada recentemente mostra que cada vez menos pessoas procuram os livros. Os números confirmam a supremacia da onda digital frente às livrarias e bibliotecas. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura, no Brasil 47% da população adulta lê, enquanto 53% não lê.

Reportagem da Revista Veja, de 10 de janeiro, esmiúça os dados dessa pesquisa, revelando que os jovens preferem as informações mais rápidas oferecidas pelas redes sociais. “Gosto de ler, mas é tão mais lento que as redes sociais e o streaming que, quando vejo, me pego atraída pelo mundo digital”, confessa Marcela Albuquerque, 20 anos, entrevistada pela reportagem de Veja. A jovem Marcela é mais um exemplo de uma legião de pessoas que prefere as telas e suas informações rápidas às páginas dos livros. Falta de paciência e falta de interesse são os motivos principais que levam os jovens a se distanciarem dos livros, revela a pesquisa conduzida pelo Instituto Ipec.

O excesso de telas e a diminuição dos livros têm seu preço, como revela um estudo da Universidade Harvard, mencionado na reportagem da revista Veja. “A constante absorção dessa natureza de informação acaba por reduzir a capacidade de manter a atenção numa só atividade e prejudica o processamento cognitivo, alimentado justamente pela complexidade que o cérebro precisa destrinchar diante de um livro. Funciona como uma ginástica – no início, os músculos se ressentem do esforço, mas a passagem do tempo faz o hábito e, no caso, o bom leitor”. A conclusão do estudo é que a escolha por informações rápidas, substituindo a leitura mais atenta e complexa de um livro, impacta no desenvolvimento cognitivo, dificultando, principalmente, tomadas de decisões. Com isso, surge uma geração condenada à alienação. “Uma sociedade que não lê é mais pobre em imaginação e menos apta a avançar”, diz o sociólogo Ronaldo Oliveira, da Uerj, ouvido pela reportagem de Veja.

A proibição dos celulares nas escolas é apenas o início de uma caminhada que visa a desintoxicar os jovens e adolescentes dos efeitos devastadores causados pelo excesso de tempo nos smartphones e nas redes sociais. Para a lei 15.100/2025 não permanecer no limbo das boas intenções, é necessário repensar o modelo vigente nas escolas, começando pela retomada das aulas de leitura e pelo incentivo aos alunos a visitarem as bibliotecas. Quanto às novas tecnologias, é recomendável sorver o que de melhor elas podem contribuir para o desenvolvimento de boas práticas pedagógicas.

 

André Eustáquio

Jornalista, editor-chefe do Jornal das Lajes

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário