Os leigos são chamados a colocar em prática os valores do Evangelho


Entrevistas

Por André Eustáquio e Emanuelle Ribeiro0

fotoPadre Fábio Rômulo Reis, pároco de Resende Costa.

Padre Fábio Rômulo Reis, 66, saiu cedo de sua casa para iniciar, como muitos meninos daquela época, a caminhada rumo ao sacerdócio. Assim que concluiu o ensino primário na Escola Estadual Assis Resende e a admissão com o saudoso professor Geraldo Sebastião Chaves, ingressou, em 1962, no Seminário da Diocese de São João del-Rei. “Fui um dos primeiros alunos da Diocese de São João del-Rei, cujo reitor era o padre Jair de Castro Rodrigues”, o padre Jairzinho, já falecido. Padre Fábio cursou Filosofia em Juiz de Fora e o primeiro ano de Teologia em Mariana: “Houve um descompasso na época entre a nossa mentalidade e a turma de Mariana. Então foi aberto o curso de Teologia em Juiz de Fora, onde estudei até o quarto ano”. Em 1973, ordena-se sacerdote em Resende Costa, onde iniciou sua carreira de professor, lecionando Introdução à Filosofia no Colégio Nossa Senhora da Penha. Em 1974, padre Fábio assume sua primeira paróquia, em Prados, onde permaneceu até 1978.

Doutor em Filosofia e bacharel em Direito, padre Fábio construiu sólida carreira como professor de Filosofia e Ética na UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei), onde se aposentou em 2010. Após exercer o ministério sacerdotal em diversas paróquias da Diocese de São João del-Rei, o sacerdote aceitou o convite do bispo diocesano e no dia 14 de dezembro de 2015 assumiu a Paróquia de Nossa Senhora da Penha de França, tornando-se o terceiro sacerdote resende-costense a ser pároco de sua terra natal.

 

Como foi para o senhor assumir como pároco a sua paróquia de origem? Não esperava, nesse momento. Mas, se eu ouvi das pessoas onde trabalhei tantos comentários de que valeu a pena, por que não também oferecer com mais amadurecimento algo para minha terra? Já colaborei muito em outras comunidades. Chegou o momento de ajudar minha comunidade a viver a fé. Tenho toda uma raiz aqui nessa paróquia e senti falta de participar mais de Resende Costa quando estive fora. Agora quero fazer com que os filhos da terra se sintam em casa. Quero ter o prazer de acolher.

O senhor viveu durante sua formação sacerdotal as mudanças implementadas pelo Concílio Vaticano II. Como essas mudanças influenciaram a formação dos padres na década de 1960? Teve momentos de certa euforia por mudanças, mas prevaleceu o bom senso. Houve muitas desistências de sacerdotes naquele conflito de um mundo abrindo-se para uma mentalidade mais moderna, laica. Bebi na fonte tradicional e na fonte da busca por novos enfoques, atendendo à demanda de um mundo novo. Foi positivo. Sentia que a Igreja precisava mesmo passar por uma mudança.

O senhor conviveu com o saudoso pároco de Resende Costa, monsenhor Nélson Rodrigues Ferreira. Como ele absorveu as mudanças do Concílio Vaticano II? O monsenhor Nélson acompanhava bem o desenrolar do Concílio e, embora tivesse formação conservadora, admitia alguma evolução ou pelo menos discutia. Ele andava de batina, era um sacerdote tradicional, mas nunca me fez observação por eu andar de uma maneira laica. Eu nunca tive uma batina. Nunca andei eclesiasticamente.

Dentro deste universo de mudanças ocorridas na Igreja no final da década de 60 e início dos anos 70, surgiu na América Latina a Teologia da Libertação. Nós vivíamos uma realidade pobre, com o grupo da elite econômica e política na linha tradicional e coronelista. A sociedade vivia à margem da política e da economia, havia uma exploração muito grande. Acho que a Igreja, com a Teologia da Libertação, ajudou a socializar o estudo, o trabalho, para não ficar tudo restrito a grupos privilegiados. Foi uma grande contribuição. Houve uma ascensão da classe mais humilde, que conquistou seu espaço na vida política e econômica. Essa socialização do estudo, que também aconteceu em Resende Costa com o Ginásio (N. Sra. Da Penha), formou uma nova mentalidade para os dias atuais - com empenho e sacrifício, pois naquela época não existiam pessoas qualificadas como temos hoje com facilidade. Houve pessoas dedicadas, que contribuíram sem remuneração. Poucos numa cidade como Resende Costa tinham um salário. Essa mentalidade voltada para o estudo, profissionalização, libertação, trouxe uma contribuição muito grande. Muitas pessoas daqui puderam sair, respirar novos ares. Uma coisa inédita para aquela época.

Hoje o contexto social e político é outro. Ainda faz sentido falar em Teologia da Libertação na Igreja? A Teologia da Libertação, com o advento da mudança da estrutura social, econômica e política, foi superada, uma vez que admitiu-se que embora há países ainda em desenvolvimento, com uma visão otimista, mas a mentalidade que preside a isso é o capitalismo e a Teologia da Libertação é anticapitalista. Então ela perdeu força, porque a mentalidade capitalista foi mais forte do que a socialista. O socialismo foi se esvaziando. Porém, a sociedade capitalista, de consumo, está se esgotando porque não atende à demanda. Essa mentalidade só visa o lucro. E não pense que ela se fez economicamente para patrocinar a época de vacas magras. Nós estamos agora com esse sufoco econômico.

No auge da Teologia da Libertação foi eleito o papa João Paulo II. Alguns o rotulam de conservador e dizem que ele foi o responsável por “destruir” a Teologia da Libertação na América Latina... Conservador, mas ele tinha o carisma do Evangelho. Era um homem do povo, que experimentou guerra, perseguição. Ele foi uma resposta interessante para o momento que estávamos vivendo, inclusive colaborou para a queda daquelas políticas opressoras.

O papa Francisco vem pregando valores que aproximam a Igreja do povo e chamam a atenção para os problemas sociais. Na sua encíclica de maio de 2015 (Laudato Si), em que ele faz uma reflexão ecológica e, por isso também, enriqueceu a Campanha da Fraternidade deste ano, que já estava organizada e voltada para a casa comum, que é o planeta, o papa Francisco mostra que a sede de lucro do capitalismo não leva em conta muitas vezes o cuidado ecológico. Vimos a situação de Mariana e estamos numa faca de dois gumes: talvez a Samarco tenha que fechar por conta das altas indenizações. Problema que além de ecológico é social.

O que a Igreja no Brasil, através da CNBB, deseja despertar com a Campanha da Fraternidade de 2016? Deus seja louvado pela criação. Temos, como pessoas de fé, que zelar por esse presente de Deus que é a natureza. Há também um sentido político social. Nós vamos cuidar da natureza se o direito for uma fonte e a justiça um riacho que nunca seca. Que a justiça seja como a água e não fique estagnada. Precisamos de uma justiça efetiva, que não seja burocrática e cheia de exigências, mas que busque soluções.

Mas parece que, em geral, o povo ainda não se conscientizou plenamente da necessidade de se preservar a natureza, o meio ambiente... Houve uma evolução muito grande. Por exemplo, a crise hídrica não se restringiu a São Paulo. Houve uma partilha e todo mundo se tocou no sentido de não desperdiçar água. A gente espera que o órgão público seja o primeiro a dar o exemplo.

O senhor já destacou em suas homilias a situação da rede de esgoto em Resende Costa. Podemos dizer que se trata de uma das mais importantes e urgentes necessidades da cidade? Para estarmos enquadrados em uma qualidade de vida é necessário o esgoto. Hoje é uma das únicas coisas que faltam em Resende Costa. Já foi gasto muito, já tem todo um planejamento. Agora, é preciso interesse político e também da população. É um investimento que trará retornos.

A Igreja vem pedindo insistentemente uma maior participação dos leigos. Como os leigos podem participar da vida eclesial de forma mais efetiva? A participação dos leigos é uma exigência da Igreja após o Vaticano II. Os leigos são responsáveis, juntamente com a hierarquia, pela Igreja, pelas celebrações, pelas pastorais. Há um despertar dessa consciência participativa de todos os batizados. O papa pede para sermos criativos. Em contrapartida existem as rubricas litúrgicas. Acho que devemos dar espaço para a nossa cultura. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) procura adaptar-se à cultura brasileira, não seguindo o rito de forma fechada. Em determinados momentos é preciso abertura. Os leigos são chamados a colocar em prática os valores do Evangelho.

Estamos presenciando no Brasil um momento sério de profunda crise política e, porque não dizer, ética. E a Igreja é uma formadora de opinião. Como ela se posiciona diante deste momento em que a corrupção está se disseminando como uma praga? Há uma decepção generalizada e a Igreja não fica à parte daquilo que espanta o cidadão. O lado ético é uma decepção muito grande para quem admitia como cidadão o voto, a escolha dos candidatos. Neste contexto, o PT sobressaiu-se como sigla partidária justamente pela proposta ética de ser diferente dos demais partidos. O excesso de partidos não funciona, abrindo possibilidades para a corrupção. Temos que rever a política brasileira através de uma reforma.

Todos falam da necessidade de uma reforma política, mas até agora não se sabe como fazê-la... Estamos com quadros de políticos com credibilidade praticamente zero. Não temos opção de pessoas para confiarmos uma nova esperança política. Todos estão comprometidos com a corrupção, uns mais outros menos. Parece uma metástase que se espalhou.

 

Já estamos nos aproximando da Semana Santa, momento forte da espiritualidade cristã. O que significa celebrar a Semana Santa? O que Jesus falou e fez nos três anos missionários ganha razão maior no tríduo pascal, que a gente comemora com a Semana Santa. No Domingo de Ramos Jesus é aclamado, ‘Bendito o que vem em nome do Senhor, Hosana nas Alturas’. Mas na quinta-feira santa, à noite, já há a trama no Jardim Getsemani, quando Judas, que era alguém formado por Jesus, mas com o conflito do poder romano e econômico, acaba se rendendo à ambição e o que ele aprendeu fica depois como remorso. Jesus falou sempre em dar a vida, em cumprir a vontade do Pai. Ele entrega-se pela salvação da humanidade. A gente faz memória na Semana Santa de toda a vida de Jesus, que culmina na sua morte na cruz. Mas Ele não para na morte; o extraordinário é a ressurreição. Jesus ressuscitando vem convalidar os seus ensinamentos. A Semana Santa é um momento de refletirmos sobre o sentido da vida, que não é apenas marcada pelo tempo, mas traz a dimensão de eternidade.

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