Com política!

Para uma liturgia bolsonariana

11 de Setembro de 2019, por Fernando Chaves 0

Submetam-nos à geopolítica norte-americana e mandem o restante do mundo às favas. Leiloem as melhores universidades públicas brasileiras, apoiem a flexibilização irresponsável da legislação ambiental e o uso irrestrito de substâncias agrotóxicas nas lavouras brasileiras. Reivindiquem a privatização da matriz energética nacional e dos bancos públicos, entreguem aos EUA os setores e projetos nos quais temos tecnologia de ponta, como na venda da Embraer à Boeing. Elogiem a tortura e zombem das instituições democráticas. Apoiem a violência institucionalizada contra as periferias. Defendam o uso da força como solução dos conflitos sociais e ignorem a desigualdade como uma das principais fontes desses conflitos. Rezem a cartilha liberal, dando aval à política obstinada de abertura da economia nacional ao capital estrangeiro. Definam-se como nacionalistas e não-ideológicos. Simultaneamente, instalem o governo mais ideológico e antinacional dos últimos 30 ou 40 anos. 

Estimulem o ressentimento entre povos brasileiros (índios, negros, nordestinos). Naturalizem o preconceito e a intolerância contra LGBTs e outras minorias. Minimizem a importância da legislação sobre o trabalho infantil. Tratem história, sociologia e filosofia como disciplinas de doutrinação comunista e a liberdade de cátedra como ameaça à ordem pública. Com isso, sintam-se no direito de reinterpretar os fatos históricos de forma que eles justifiquem as medidas de exceção do atual governo. Mandem os conceitos clássicos da ciência política às favas e repitam arbitrariamente que o Brasil acaba de sair de um regime comunista. Definam-se como liberais moderados (centro-direita), mas personifiquem ao extremo o exercício do poder e cultuem a autoridade pessoal e arbitrária em detrimento do Estado de Direito e das instituições republicanas. 

Externamente, insultem países, povos e chefes de Estado que se mostrem críticos às crenças da seita de vocês. Insultem utilizando ataques pessoais perversos, às vezes sexistas. Não se esqueçam de ressaltar que isso tudo é em prol de uma política externa e diplomática “não-ideológica” (risos). Internamente, imputem aos que pensam diferente a culpa por todas as dificuldades enfrentadas pelo Estado e pela sociedade brasileira. Orgulhem-se de terem um líder que declara não entender nada de Economia Política e que coloca a culpa da crise econômica nos economistas de formação (essa é brilhante!). Acredite piamente que megacorporações e grandes empresários abrirão novos postos de trabalho e melhorarão salários se houver diminuição radical dos direitos trabalhistas (tenham fé, irmãos!).

Naturalizem o familismo e o nepotismo. Questionem e ataquem qualquer órgão, entidade ou dado científico que não corroboram a visão de mundo de vocês. Justifiquem suas ações e pensamentos políticos com argumentos religiosos e moralistas, ainda que hipocritamente. Defendam o discurso meritocrático culpando o pobre pela pobreza, a mulher violentada pela violência sofrida, o negro favelado e sem instrução por não ter subido na vida, o indígena por não ter se integrado ao capitalismo, os professores pela “disseminação da homossexualidade” nos dias atuais. Taxem todos os grupos minoritários como fracos e vitimistas.

Encontrem sempre um bode expiatório como solução dos problemas e impasses políticos. Façam da política uma arte de jogar a culpa nos outros. Desabonem de modo generalista o trabalho de associações, ONGs e conselhos de participação popular. Generalizações vagas e dogmáticas são sempre bem-vindas, mas façam-nas com vigor e sangue nos olhos.

Comemorem futebolisticamente as bravatas do seu mito e entrem para a história por terem construído um líder nacional que figurará no seleto grupo de governantes considerados a escória da civilização.

Por último e, solenemente, ignorem todas as nuances e complexidades da identidade política de um cidadão e acusem o autor deste artigo como sendo um “comunista doutrinado”, “defensor de bandido”, “propagador de ideologia de gênero” e “desagregador da família”, da moral e dos bons costumes.

Amém.

Relações históricas entre mídia e política

12 de Fevereiro de 2019, por Fernando Chaves 0

O jornalismo como campo social dedicado a produzir e distribuir notícias com regularidade tem origem no século XVII, quando surgem na Europa os primeiros impressos com periodicidade fixa. Desde então, o campo da comunicação e as plataformas de veiculação jornalística mudaram enormemente, assim como a relação do campo político com as tecnologias da comunicação. Algo essencial, no entanto, não mudou. Mídia e política são esferas da vida social que se entrelaçam e mantêm relações intensas, desde os primórdios da imprensa moderna até os dias atuais: a política está sempre tentando instrumentalizar as plataformas de comunicação social em seu proveito, especialmente as novas plataformas, quando elas emergem como novidade tecnológica ao longo da história.

No século XVIII, a relação dos primeiros periódicos com o campo político era de dependência. Muitos dos impressos da Europa setecentista assumiram papel de instrumentos políticos. Sua razão de ser era panfletária e suas fontes de financiamento partidárias, o que lhes conferia um caráter predominantemente opinativo, muitas vezes virulento.  A disseminação dos ideais da Revolução Francesa e a agitação popular que caracterizou esse movimento foram corroboradas pela afixação e circulação de periódicos impressos, à época uma nova tecnologia e instrumento precioso de ativismo político.

Ao longo do século XIX, a imprensa se transformou. Caminhou gradativamente para se tornar, no início do século XX, um empreendimento capitalista voltado para o lucro. Se muitos dos jornais europeus do século XVIII tinham finalidade e financiamento oriundosde grupos políticos, na virada para o século XX o contexto é radicalmente diferente: os jornais se tornam empresas com grandes tiragens e circulação nacional. A publicidade surge como principal fonte de receita e o jornalismo desenvolve os ideais de objetividade e imparcialidade. A profissionalização dos jornalistas avança e, por volta de 1920, surgem os primeiros cursos superiores de comunicação. A mídia, nessa fase, se torna mais independente do campo político no aspecto financeiro e é convertida em uma espécie de palco simbólico, onde é gerada a visibilidade social. A imprensa do século XX assume a função de gestora da visibilidade. Os agentes políticos buscam chamar a atenção da cobertura midiática para suas ações e projetos, a fim de ocupar o palco da comunicação de massa, obtendo visibilidade e gerando credibilidade junto à população. Em meados do século passado, rádio e TV se consolidavam como novas plataformas de comunicação e ampliavam o alcance das notícias para as camadas mais pobres e sem instrução.

O campo jornalístico e a indústria da mídia construíram certa independência em relação à esfera política no século XX. Mas isso não quer dizer que nesse período a política não tenha lançado mão de expedientes para instrumentalizar meios e plataformas de comunicação com finalidade político-ideológica. A ascensão do rádio, por exemplo, como nova mídia na década de 1930, foi amplamente utilizada por Adolf Hitler para disseminar os ideais do Nazismo. 

No iníciodo século XXI, assistimos a uma nova reconfiguração das relações entre o campo político e a comunicação social. Intensificou-se a midiatização da vida cotidiana e das relações entre as pessoas. A mídia é muito mais que um palco gestor da visibilidade social. Ela passa a se estruturar como uma grande rede que permeia toda a sociedade. A digitalização das mídias, os dispositivos móveis de acesso e a emergência das novas mídias digitais permitem o surgimento de novos atores comunicacionais. Em paralelo com a mídia tradicional, que ainda exerce forte poder, outras vozes ecoam no cenário comunicacional. 

Conforme ilustra a instrumentalização da imprensa durante as disputas políticas dos séculos XVIII e XIX e a utilização do rádio como um dos principais meios de propaganda nazista no século XX, as novas mídias contemporâneas (digitais, horizontais e em rede) têm o seu uso amplamente orquestrado por grupos de poder com finalidades político-ideológicas, como toda nova tecnologia que emerge na história humana. O uso político do que se tem chamado de fake news e outras estratégias de manipulação ou administração da informação é algo tão velho quanto as notícias.

O estudo das relações históricas entre os campos da comunicação e da política revela que é nos momentos de surgimento e expansão de novas tecnologias da comunicação (imprensa, rádio, televisão, internet) que estamos mais vulneráveis à manipulação da informação! Isso explica a grande onda de fake news com efeitos observáveis sobre a última eleição brasileira. É como se a sociedade ainda não possuísse os antídotos para as novas tecnologias e suas implicações e aplicações políticas, como se ainda precisasse ser alfabetizada para as ferramentas de que já dispõe.

O tripé da economia do artesanato e a necessidade de uma política de proteção patrimonial

27 de Novembro de 2018, por Fernando Chaves 0

O município de Resende Costa, localizado na região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais, vem se consolidando há décadas como centro produtor e comercial atacadista de artesanato, sobretudo o têxtil.  Além de abastecer pequenos, médios e grandes estabelecimentos comerciais espalhados por vários estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná etc., o município é integrante de uma rota de turismo regional no Campo das Vertentes, onde se apresenta como um ponto de passagem ou um destino para o turismo de compra no ramo artesanal e, nesse sentido, oferta uma ampla diversidade de produtos além do têxtil: artesanato em madeira, ferro, pedra, cerâmica, crochê, dentre outros tantos.

Em paralelo com o aumento e a profissionalização do comércio de atacado voltado para revendas, o turismo de compra veio se ampliando desde as décadas de 80 e 90, para dar um salto nas décadas de 2000 e 2010, o que deu mais solidez e dinamismo à economia de produção e comércio do artesanato em Resende Costa. Essas são as duas linhas fundamentais e já consolidadas de venda do artesanato no município: (1) a negociação no atacado; (2) o turismo de compra. Com a chegada desse turismo incipiente, veio uma expansão gradativa da oferta de pousadas, bares e restaurantes e uma estrutura básica veio sendo montada para receber melhor os visitantes. 

Entretanto, o crescimento e a consolidação do segmento turístico esbarram em um fato reconhecido por todos os resende-costenses: esse turismo de compra sempre foi caracterizado pelo curto período de permanência dos visitantes na cidade. Na maioria das vezes, não se hospeda nenhuma noite em Resende Costa. Predomina o turismo conhecido como “bate-volta” e, com grande frequência, o turista que está inserido em outros roteiros regionais, que envolvem principalmente Tiradentes e Bichinho, mas também Prados, São João del-Rei e outras cidades, reservam sua vinda a Resende Costa para a estrita finalidade de conhecer e comprar o artesanato produzido e comercializado na cidade. Hospedar-se não está no planejamento.

É nesse ponto que a Asseturc (Associação Empresarial e Turística de Resende Costa) e parte do empresariado local já estão percebendo que precisam atuar: o fortalecimento do turismo de permanência, que completa o nosso tripé. No entanto, há grandes desafios para o estabelecimento efetivo desse tripé econômico, que envolve negociação do artesanato no atacado, turismo de compra e turismo de permanência.  Obviamente, um lugar para o turista permanecer precisa de atrativos, de programação, de identidade cultural, de originalidade, de diferencial, de história, de patrimônios preservados.

Resende Costa precisa ser mais eficiente em oferecer atrações para o visitante. O artesanato é capaz de trazer o turista, mas é insuficiente na tarefa de fazê-lo permanecer na cidade. O que fazer então? Cabe à sociedade e ao poder público, além dos empresários, construir uma política municipal de preservação e valorização dos patrimônios culturais e naturais que possam se configurar como atrativos e sejam estratégicos para o fomento do turismo de permanência.

Se Resende Costa quer mesmo investir em um projeto de expansão e consolidação do turismo no médio e no longo prazo, ocupando também o nicho do turismo de permanência, é preciso desenvolver a consciência patrimonial, com ações concretas que garantam a proteção e valorização do espaço público. É preciso transformar a mentalidade e a cultura de naturalização da apropriação do público pelo privado. Essa cultura perpassa o poder público e a sociedade.  Deve haver a compreensão de que a identidade cultural e urbana de Resende Costa é um bem valiosíssimo que pertence à coletividade. A riqueza cultural, a originalidade urbanística, o equilíbrio paisagístico de Resende Costa são bens preciosos que podem contribuir para maior pujança turística e econômica da cidade.

Não é apenas o imóvel particular ou a propriedade privada que necessitam da defesa aguerrida do cidadão. Aquilo que nos dá nome e história, que nos diferencia, que distingue o espaço urbano resende-costense e que é o substrato elementar para a construção de um projeto sustentável e duradouro de turismo cultural, está definhando. Sem uma política pública de proteção e valorização do espaço urbano, ficará cada vez mais difícil a aventura de construção de Resende Costa como um destino turístico de permanência.

Por que COM POLÍTICA?

13 de Novembro de 2018, por Fernando Chaves 0

O sociólogo francês Pierre Bourdieu ensina que a sociedade é constituída por diversos espaços simbólicos nos quais as atividades humanas são ordenadas e ganham sentido. Como exemplo desses campos sociais, temos a religião, a ciência, a economia (o mercado), a política, a mídia. Cada um desses domínios opera segundo uma lógica própria e impõe a seus membros e interlocutores normas de conduta, valores, visões de mundo.

No Brasil recente, o campo político sofre um esvaziamento acentuado de prestígio e credibilidade. Declina-se o capital simbólico atribuído ao campo da política e seus elementos tradicionais: instituições partidárias, políticos, o próprio regime democrático. Com o avanço do discurso “antipolítica”, estamos elegendo um grande número de outsiders para postos estratégicos do Estado, desde as eleições municipais de 2016.

Os outsiders são novatos na política, que, às vezes, conseguem obter rápida ascensão político-eleitoral a partir do simbolismo ou da visibilidade que agregaram em outros domínios sociais, como na mídia (Wilson Lima, João Dória, Carlos Viana), na religião (Marcelo Crivella), no campo jurídico (Wilson Witzel, Reinaldo Azambuja), no esporte (Alexandre Kalil), no mercado empresarial (Romeu Zema, Antônio Denarium), no campo militar (Coronel Marcos Rocha, General Hamilton Mourão). Sobretudo nos momentos de crise de legitimidade no campo político, os outsiders ganham mais espaço. Junto com eles, emergem novos partidos com promessas de renovação: o Novo e o PSL, por exemplo.   

Bolsonaro é parte desse processo apolítico. Apesar dos 28 anos como deputado, pesquisas mostram que o eleitor vê nele um elemento novo na política, representante de uma demanda por transformação. Em discursos de campanha, o presidente eleito sugeriu soluções militares para questões de natureza política, criticou a democracia e elogiou a ditadura abertamente. Sua candidatura trouxe, na figura do seu vice, a representação direta do campo militar. Além disso, sua campanha acionou também o campo religioso. Como se vê, Bolsonaro busca legitimidade a partir de outros campos sociais distintos da política. Assim, consegue que o eleitor o interprete como um agente anti-establishment. Ou como ficou comum ouvir: alguém que é “contra tudo isso que está aí”. Assumindo essa narrativa em que o candidato se opõe ao sistema político vigente, Bolsonaro recusou-se, por exemplo, a executar um dos ritos mais simbólicos da democracia brasileira: a participação nos debates de TV. Pela primeira vez, não houve debate televisivo entre os candidatos à presidência no segundo turno.

Todos os campos sociais têm suas particularidades e sua participação no equilíbrio sistêmico da sociedade: o campo religioso, o militar, o mercadológico, o artístico/cultural, o científico, o político. Por outro lado, a colonização do campo político por outros campos sociais remete ao passado. A política submissa às perspectivas do campo religioso, econômico ou militar remonta à política pré-moderna, pré-democracia. Aliás, uma das características da modernidade é justamente a autonomia dos diversos campos sociais.

Para entender a lógica interna de funcionamento do campo político, podemos simplificar à visão clássica de Aristóteles, para o qual política significa tudo aquilo que está ligado à cidade, ao urbano, ao civil, ao público. A política é um campo de disputas e de conflitos entre ideias e sistemas de pensamento, sendo marcada por uma lógica racional de debate argumentativo. Relacionando o conceito aristotélico à democracia moderna de massa, o professor Venício de Lima argumenta que a política contemporânea é o regime do poder visível sobre a coisa pública. A política atual está relacionada a algo público, em oposição ao que é privado, e a algo visível, em contraponto ao que é secreto. Sendo assim, a democracia moderna é um regime de visibilidade, sobretudo midiática, no qual a racionalidade argumentativa e a transparência do poder são atributos essenciais para que o campo político preserve autonomia, legitimidade e eficácia.

Esvaziar a disputa eleitoral de todo o debate racional-argumentativo e desprezar as habilidades próprias da política e da gestão pública, ocupando o campo político a partir de perspectivas religiosas e de sentimentos antipolítica, nos braços de magnatas do mercado privado neófitos da vida pública, pelas vias da judicialização ou sugerindo soluções militares para problemas políticos, não nos parece, nenhum desses, um projeto moderno de gestão do Estado.  A construção do bem-estar social precisa acontecer pelos mecanismos próprios do fazer político:  o debate racional, o confronto de sistemas de ideias, a preservação e o fortalecimento das instituições democráticas, a separação dos poderes, a reforma do sistema político-partidário, com o resgate e a reconstrução dos partidos, o acesso à informação pública, a transparência e a fiscalização popular no exercício da gestão do Estado e da representação parlamentar, a alfabetização política, a maior emancipação e participação popular dos cidadãos e entidades civis, o associativismo, o ativismo democrático. Precisamos de mais política, mais democracia. Não de menos. Com política, sempre! 

“Rejeições 2018”: vote no ruim para evitar o pior

17 de Outubro de 2018, por Fernando Chaves 0

Disputa eleitoral fica polarizada entre o petismo e o antipetismo

A nova direita e o seu fenômeno eleitoral: Jair Bolsonaro

O pleito nacional de 2018 revela nova conjuntura de forças partidárias no Congresso e a ascensão de uma nova direita brasileira, que conseguiu pautar o debate eleitoral durante quase todo o primeiro turno, mantendo o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) no centro da visibilidade midiática. Com um discurso simples, direto e controverso, o candidato não sentiu o peso do tempo escasso de propaganda televisiva. Suas mensagens circulam com muita força pelas novas mídias digitais e sua base de eleitores mostrou-se resiliente, chegando a 46% dos votos válidos no primeiro turno.  A estratégia eleitoral de Bolsonaro e seu programa de governo mesclam forte tom moralista, com apelo religioso e conservador no campo dos costumes, combinando propostas como a legalização do porte de armas de fogo, a redução da maior idade penal, além de maior liberalização da economia, enxugamento da máquina púbica com redução de ministérios e com privatizações, combate ao que chama de “ideologia de gênero” e endurecimento de políticas repressivas no combate à criminalidade e à corrupção. Candidato por um partido considerado até então nanico, o militar da reserva Jair Bolsonaro conseguiu vender a imagem de um outsider da política, mesmo estando há 28 anos na Câmara Federal, exercendo mandato pelo Rio de Janeiro.

Se Bolsonaro conseguiu atrair para si os holofotes e pautou as discussões políticas durante o primeiro turno, é porque ele também puxou para si todo o antipetismo e a revolta contra o sistema político vigente, sentimentos que se consolidaram nos últimos anos em razão de mais de uma década do partido de Lula no poder e dos escândalos de corrupção envolvendo o PT e outros partidos tradicionais, com forte componente de espetacularização midiática.

O candidato do PSL impulsiona uma onda de opinião conservadora no campo dos costumes e liberalizante na economia. Com essas bandeiras aglutinadas a partir do sentimento antilulista, Jair Bolsonaro esteve muito perto de vencer o pleito no primeiro turno e ainda conseguiu impulsionar a eleição de uma vasta bancada federal para o PSL, que passa de um partido nanico para a segunda maior legenda na Câmara de deputados (52 cadeiras), atrás apenas do PT (56 cadeiras).  Os candidatos que colaram sua imagem a Bolsonaro pelo Brasil afora tiveram resultados positivos nas urnas. Na disputa pelo Governo de Minas, Romeu Zema (NOVO), por exemplo, ascendeu nas pesquisas e alçou ao primeiro lugar após sua manifestação de apoio a Bolsonaro em debate televisivo nas vésperas da votação.   Zema vai disputar o segundo turno com Anastasia (PSDB).

As manifestações contra Bolsonaro, que ficaram conhecidas como #ELENÃO, demonstram o tom polarizado da eleição 2018. Também evidenciam o fato de que o presidenciável da nova direita acabou pautando grande parte da campanha e do discurso da própria esquerda brasileira durante o primeiro turno eleitoral. Curioso que logo após as manifestações do #ELENÃO, Bolsonaro cresceu.O movimento acabou servindo de reforço ao seu nome.

 

PT se propõe como alternativa ao neoliberalismo

O PT, que chega com o candidato Fernando Haddad para o segundo turno com 29,2% dos votos válidos, representa um projeto social-democrata brasileiro e não um projeto comunista/socialista como conjecturam alguns dos adversários do partido.  O Petismo sustenta a tese de que há partidarização em parte da justiça brasileira e que Lula é um preso político, impedido de se candidatar porque venceria as eleições. Nesse tom de defesa do seu líder, o PT oficializou a candidatura de Haddad apenas no dia 11 de setembro, após esgotados todos os recursos do PT na tentativa de lançar Lula como candidato.

O discurso petista se posiciona como defensor do incipiente estado social brasileiro, dos diretos sociais expressos na Constituinte de 1988 e do aprofundamento das políticas sociais. O partido é crítico à política de privatizações e preconiza um mercado mais regulado e com participação mais estratégica do Estado. O projeto petista pretende colocar freios e oferecer uma alternativa à tendência neoliberal contemporânea, propondo um Estado mais presente na economia e reparador das desigualdades sociais, com mais investimentos em serviços públicos, em programas sociais e políticas afirmativas voltadas para minorias étnicas, religiosas, sexuais, etc.  Embora o partido acumule grande rejeição junto à opinião pública (próxima de 40%) e tenha sofrido derrotas eleitorais sensíveis em 2018 (Governo de Minas e disputas para o senado em vários estados), o PT ainda vertebra o sistema político brasileiro.  Desde 1989, está sempre em primeiro ou segundo lugar nas eleições presidenciais e preserva-se como maior bancada na Câmara Federal.

Se, por um lado, a campanha de Bolsonaro pautou as discussões no primeiro turno das eleições 2018, por outro lado, o que mais define a resiliência de seu eleitorado é o antipetismo, o que revela mais um aspecto da presença do PT como elemento que ainda vertebra o sistema partidário brasileiro desde 1989.

Nesse caldo de petismo e antipetismo, Bolsonaro e Haddad se assemelham no nível de rejeição popular e irão protagonizar um segundo turno altamente polarizado e agressivo. Muito longe da tendência centrípeta da política verificada nas décadas de 1990 e 2000, o desenho da disputa eleitoral revela a demarcação clara das distinções ideológicas entre os candidatos. Com a exacerbação de posições, muitos eleitores tendem a definir seu voto pelo candidato que menos rejeitam.

 

Ciro não vira e os tucanos são os maiores derrotados

Em meio à polarização entre petismo e antipetismo, o terceiro colocado na disputa presidencial, Ciro Gomes (PDT), tentou se consolidar no primeiro turno da eleição como uma terceira via, uma alternativa entre as duas candidaturas do PT e do PSL. Mas a resiliência dos eleitores bolsonaristas e petistas não permitiu que Ciro passasse dos 12,5% dos votos válidos. Apesar de crítico ao PT, Ciro guarda afinidades ideológicas com o projeto petista. Isso dificultou que sua campanha tirasse votos do espectro político de direita e mais conservador, praticamente todo capturado por Bolsonaro. No espectro progressista, a máquina partidária do PT, com mais recursos, maior coligação e tempo televisivo, manteve-se hegemônica e não permitiu o crescimento de Ciro. 

Os demais candidatos considerados competitivos no início do período eleitoral, sobretudo Marina Silva (REDE) e Geraldo Alckmim (PSDB), sofreram forte esvaziamento das intenções de voto diante da polarização entre PT e PSL. Os tucanos, principalmente, saem como os maiores derrotados das eleições 2018. Além de estar ausente do segundo turno presidencial pela primeira vez desde 1994, o PSDB viu sua representação na Câmara Federal diminuir sensivelmente. O mesmo ocorreu com o MDB. Esses dois partidos da centro-direita institucional (que não é tão institucional assim) foram os grupos políticos mais esvaziados com o crescimento da nova direita. De grandes bancadas na Câmara, passam a ser legendas medianas. 

 

Fragmentação das forças congressistas: desafio à governabilidade

A renovação de mais de 50% das cadeiras na Câmara trouxe consigo o aumento da fragmentação partidária. O país passa de 25 para 30 partidos representados no Congresso.  Houve também uma redistribuição de forças, com o crescimento de outras legendas pequenas, além do PSL. É o caso do PDT, que foi impulsionado pela campanha de Ciro Gomes e passou de 19 para 28 deputados federais, peso equivalente ao do PSDB.

Com o parlamento mais fragmentado, grandes desafios de governabilidade se apresentarão ao próximo presidente. Dada a composição mais conservadora dos deputados, independente das siglas partidárias, o Candidato Jair Bolsonaro (PSL) tende a ter mais facilidade para aprovar suas pautas, caso eleito.

O contexto político, institucional e de opinião no Brasil atual aponta para muitas dificuldades no avanço de pautas de centro-esquerda. Se assumir novamente o poder executivo, o PT precisará fazer um governo moderado, com foco na preservação de direitos sociais, no resgate da credibilidade das instituições e no bloqueio ao avanço indiscriminado das pautas liberalizantes. Neste cenário de vitória petista, a imprevisibilidade política é grande, em razão da continuidade da instabilidade na relação do Poder Executivo com o parlamento e com outras instituições.

Da mesma forma, tendo Jair Bolsonaro como presidente eleito, a imprevisibilidade do sistema permanece alta. Teremos pela frente um clima político e de opinião que facilitará a implementação da agenda do candidato. Mas, por esse caminho, o Brasil poderá experimentar uma guinada à direita, com liberalização da economia e um forte componente conservador quanto aos costumes. Nessa hipótese, a imprevisibilidade decorre não da falta de consenso entre as instituições, mas da possibilidade de medidas radicais e arrojadas sobretudo no campo econômico.