Elas já foram a única maneira de alguém entrar em contato com quem estava longe. Levavam declarações de amor, desabafos, amenidades do cotidiano, revelações bombásticas, reflexões sobre a vida ou simplesmente notícias. Cumprindo seu fundamental objetivo de meio de comunicação, as cartas reinaram absolutas por muito tempo. E a distribuição da correspondência era sinônimo de festa em qualquer lugarejo do Brasil-Império. É fácil entender o porquê: as mensagens, transportadas em malas de couro, acomodadas sobre o lombo de burros, demoravam cerca de três meses para alcançar seu destino.
De lá para cá, muita coisa mudou: os malotes de cartas e afins não tardam tanto a chegar aos destinatários, mas perderam espaço para a comunicação via telefone – tanto o fixo quanto o celular – e a internet. Tanto isso é verdade que as correspondências trocadas exclusivamente entre pessoas físicas representam apenas 5% do volume movimentado diariamente pelos Correios em Minas, por exemplo. O percentual, apesar de baixo, corresponde a 175 mil envelopes transportados pela empresa, que, no ano passado, comemorou uma data especial: os 280 anos da primeira linha postal no Estado, criada em 29 de outubro de 1730.
Saindo um pouco do âmbito particular da troca de correspondência, é oportuno lembrar que as cartas estão presentes em pelo menos dois importantes capítulos da história brasileira. Em 1500, Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, escreveu uma longa e detalhada mensagem ao então Rei de Portugal, dom Manuel, informando-o sobre a recém “descoberta” (o termo é controverso) da Ilha de Vera Cruz (antigo nome do país).
Uma outra carta mudou o destino do país em sete de setembro de 1822. Às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, o mensageiro Paulo Bregaro (patrono dos carteiros) entregou a dom Pedro I uma correspondência assinada pela esposa do monarca, a imperatriz Maria Leopoldina, alertando-o sobre o interesse de Portugal em repatriá-lo e rebaixar o Brasil à categoria de colônia. A consequência disso foi o famoso brado de “Independência ou morte”.
Sem o caráter histórico das modalidades acima, mas igualmente necessárias, as cartas de amor são um destaque à parte. Urgentes, quase sempre melosas e muitas vezes perfumadas, elas embalaram muito namoro por aí. Segundo o poeta Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, “todas as cartas de amor são ridículas”. E continua ele: “não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”. Mas diante de tanto arrebatamento amoroso, ninguém se incomoda com isso. Hoje, para compensar as distâncias às vezes entre continentes, outras vezes, bem curtas, os apaixonados do momento preferem trocar mensagens tecnológicas por computador e telefone móvel. Se são de amor, devem continuar ridículas, mas e daí?
É impossível não mencionar as tão temidas e, na maioria das vezes, covardes cartas anônimas. Da mesma forma, não dá para deixar de mencionar as cartas que muitos suicidas escrevem com o peso e o desespero de uma atitude extrema. Carlos Drummond já se referiu a elas em seu poema “Mãos dadas”: “...não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, (...)”
A trajetória política brasileira registra a carta-testamento do presidente Getúlio Vargas, que se suicidou em 24 de agosto de 1954, saindo da vida para entrar na história, como ele mesmo escrevera em trecho final de seu derradeiro texto: “Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história” (Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1954 – Getúlio Vargas).
Bem mais amenas eram as trocas de cartas entre amigos e familiares. O prazer ou a necessidade de escrever nascia já na escolha das ferramentas para tal – o bloco especial de papel para cartas, a caneta, o envelope, o selo, até o momento de colocá-la no correio ou enviá-la por um portador de confiança (neste último caso, sem fechá-la com cola, constando na frente do envelope as iniciais P.E.F., indicativas de Por Especial Favor de quem levava aquela mensagem). Depois, era esperar a resposta, ler o que o outro havia escrito. Aquela sensação gostosa de abrir o envelope com cuidado para preservar o seu conteúdo!
Uma prática muito comum no meio literário brasileiro do século passado era a troca de correspondência entre os autores, material que rendeu a publicação póstuma em forma de muitos livros interessantes. Para os tempos frenéticos e cibernéticos de hoje pode parecer estranho saber, por exemplo, que de 1924 a 1945 Mário de Andrade e Drummond trocaram cartas, ocorrendo o mesmo entre Clarice Lispector e Fernando Sabino entre 1946 a 1969.
É preciso lembrar, finalmente, que muitas letras de músicas fazem alusão a esse agora antigo expediente de comunicação. Escolhi os versos iniciais de Mensagem, música cantada por Isaurinha Garcia, como registro de uma outra época e homenagem ao “seu” Zé Mendonça, saudoso portador de inúmeras cartas ansiosamente aguardadas por resende-costenses que assim se comunicavam com os de fora da cidade.
“Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão...”
Escrevo-lhe esta carta...
14 de Marco de 2011, por Regina Coelho