Gastronomia

Exposição agropecuária

13 de Agosto de 2015, por Cláudio Ruas 0

Já assuntamos por aqui que a descoberta do fogo foi um evento histórico e tanto para a humanidade. Graças a ele passamos a cozinhar os alimentos, o que permitiu um aproveitamento melhor da comida, inclusive liberando mais tempo para exercer outras atividades. Afinal de contas, o pernil do porco do mato assado no almoço equivalia a dois dias inteiros caçando, mascando e digerindo frutinhas, plantinhas e bichinhos crus. Sobrou então tempo e energia para pensar, inclusive, noutra brilhante e revolucionária ideia: a agropecuária.

A partir do momento em que o homem (e a mulher também, viu Dilma?) começou a domesticar os animais e, posteriormente, as plantas que consumia, criando-os ao seu redor, aí a coisa engrenou - até demais! Mas o fato é que a agricultura e a pecuária não só mudaram nossas vidas, mas até hoje as mantém. Graças ao trabalho incansável do homem do campo, que cada dia mais exerce sua atividade longe dos olhos do resto da sociedade, que por sua vez nem imagina como surgiu aquela comida empacotada que brota na gôndola do supermercado.

Em função desse tenebroso distanciamento é que vem a necessidade de se aproximar mais o campo da cidade, e uma das várias formas é através de uma exposição agropecuária. Embora o significado literal desse tipo de evento seja o de mostrar aquilo que se cria e se colhe no campo, com o passar dos tempos ele se tornou sinônimo de festa, de grandes shows, de “baladas universitárias”.

Longe de empunhar uma bandeira purista e radicalmente contra os novos costumes e demandas da sociedade – até porque há espaço para tudo e todos – mas é preocupante ver que as verdadeiras estrelas de uma festa agropecuária (o homem do campo, os animais e as plantas), têm ficado cada vez mais de fora da festa. Seja pela redução e menosprezo dos espaços reservados à verdadeira exposição de produtos, ou pela falta de atividades e serviços destinados ao aprimoramento das práticas do campo.

O produtor rural ainda se vê excluído dos shows, a começar pelos horários dos mesmos, tarde da noite ou até na alta madrugada, hora em que já estaria gritando vaca em seu curral. O homem do campo é um homem do dia. Não das baladas da noite. Daí a necessidade de se explorar mais o período diurno, o que também seria mais interessante para parcela do público da cidade, como crianças, idosos e família. Ainda mais em pleno inverno, com suas noites geladas e dias lindos e agradáveis.

Outro fator que afasta ainda mais quem é da roça é o alto valor dos ingressos, necessários para ajudar a custear os cachês milionários cobrados pelos novos donos do pedaço, os cantores “sertanejos”. Sem entrar no mérito do gosto musical, até porque fica difícil definir o que os “universitários que nunca foram ao sertão” têm cantado (uma mistureba de axé, forró e funk), mas é fato que cobram fortunas absurdas. E totalmente fora da realidade do nosso país e dos municípios, que investem milhares de reais por um show de uma hora de duração e outros tantos de milhares em uma festa que poderia e deveria dar muito mais retorno para a cidade. Não só financeiro, mas também cultural e social. O mesmo caminho pode tomar as festas dos povoados do município, caso não abram os olhos.

Como fujo da política tal como o Eduardo Cunha da cruz, faço questão de enfatizar que não se trata de um problema da administração vermelha, azul ou amarela. Nesse caso o buraco é bem mais embaixo, em âmbito nacional, político, econômico e cultural. Mas nada que impeça uma dose mínima de reflexão e ação por parte de quem enxerga – e se importa – com a problemática. A “solucionática” do Dadá Maravilha existe e pode ser encontrada, começando por pequenas mudanças e, principalmente, espelhando-se em outros eventos - não necessariamente agropecuários - que tem dado muitos frutos. O projeto Aproxima, que vem fazendo sucesso em Belzonte, é um bom exemplo.

 

Existe luz no fim do túnel, sobretudo diante da mais original tradição e paixão caipira que ainda resiste bravamente em muitos de nós. E que segue sua toada, devagar, tocando em frente... e no sentido oposto ao do camaro amarelo. 

Assobio de cobra

16 de Julho de 2015, por Cláudio Ruas 0

Quem nunca (ou)viu um assobio de cobra, espero que continue sem saber como é de verdade. Assim como a cascavel, que chacoalha seu guizo em sinal de estresse, para espantar o inimigo, outras cobras emitem um som com o mesmo objetivo, que remete a um assobio humano, só que mais chiado e grave (grave mesmo, pode correr!). Porém, tem um outro “assobio de cobra”, lá pras bandas mineiras da Serra da Canastra, que é o oposto: serve para aproximar o amigo e ainda esquentar o peito, o beiço e a alma. É o nome de um prato, uma espécie de caldo revigorante de inspiração tropeira e com ingredientes especiais até no contexto em que é preparado.

Quem assiste ao clássico programa Globo Rural – uma das poucas coisas que ainda valem a pena na tevê – sabe que o bloco final é guardado para uma reportagem especial, sempre muito interessante. E que tem a cara do programa e, muitas vezes, do seu apresentador Nélson Araújo, que volta e meia vai a campo (literalmente) e traz de volta no balaio belíssimas reportagens, algumas narradas artisticamente em versos. Às vezes eu até esqueço que o Globo Rural é da Globo (ele tem luz própria). Uma dessas reportagens mais que especiais foi ao ar isturdia, e conseguiu aquecer direitinho um domingo frio de beira de inverno, só de mostrar o tal do “assobio de cobra”.

Já deu para perceber que o Nélson Araújo é um freqüentador apaixonado da Serra da Canastra, haja vista as deliciosas matérias que de lá saíram. Como a inesquecível “mutirão do porco”, em que mostrou de focinho a rabo - e em verso e prosa - todo o processo da matança e arrumação de um baita porco na roça, da chegada prévia dos parentes e vizinhos para ajudar, até a celebração final (é de se emocionar!).

Já o “assobio da cobra” se dá na ocasião de uma cavalgada turística que percorre um caminho antigo de tropeiros e acampa à noitinha na beira de uma prainha. A fome da comitiva é amansada com um panelaço de vários frangos caipiras com gordura de porco, feito propositalmente para sobrar para o dia seguinte, o dia da cobra assobiar. No amanhecer gelado na beira do corgo, o cozinheiro começa a preparar o café da manhã reforçado, nada de chá com torradas. É o assovio de cobra mesmo. Retira um pouco do excesso da gordura e reacende o fogo no caldeirão com os restos do frango, acrescenta água, bastante pimenta amassada e deixa o caldo tomar jeito e corpo. Ao final, uma poeirinha de farinha de milho para engrossar, cheiro verde e pronto.

Mas e o nome? E a cobra? O organizador da cavalgada explica: em função da quentura do caldo e da pimenta, logo em seguida que entra na boca, automaticamente o beiço cuida de trazer e levar um sopro de ar para esfriar o ambiente, fazendo um barulho igual ao “assobio de cobra.” Genial!

Interessante como aqueles que têm um contato maior com a natureza – como os roceiros mineiros – são capazes de criar nomes de pratos engraçados e curiosos, fazendo analogia com animais e situações vividas no seu cotidiano. Péla-égua, vaca-atolada e galopé são só alguns exemplos dessa interação tão linda e salutar para nossa cultura gastronômica de raiz.

Como ocorre muito em Minas, o preparo e o consumo de um prato acabam sendo uma boa desculpa para promover um acontecimento, um encontro, uma viagem e, como no caso em questão, uma cavalgada. O caldeirão de assobio de cobra ainda tem como ingrediente oculto uma paixão curiosa pelo tropeirismo, essa atividade tão importante desenvolvida pelos tropeiros do passado, que juntamente com suas tropas carregaram o Brasil nas costas. O tempo passou, a “modernidade” forçou passagem, mas a nossa vontade de se enfiar no mato a cavalo e se alimentar primitivamente ainda continua. Benzadeus.

 

[Links das reportagens para ver na internet:

1) “assobio de cobra”: http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/v/antigo-costume-tropeiro-carrega-historias-de-quem-cavalga-pela-serra-da-canastra/4218160/

 

2) “mutirão do porco”: https://www.youtube.com/watch?v=1oVnhWpeI-4]

Abacate só com açúcar?!

17 de Junho de 2015, por Cláudio Ruas 0

Quem acompanha essa nossa prosa gastronômica já deve ter percebido que volta e meia aparece um ponto de interrogação por aqui. Não é à-toa. Diante de um meio de comunicação tão significativo como este, eu não poderia perder a chance de colocar, na mesa de cada um de vocês, uma pitada de reflexão, preferencialmente em quantidade moderada, tal como se faz com o sal e o açúcar. A comida também precisa ser pensada, não só comida. Não somente pela busca do prazer do consumo, mas também por tudo que gira em torno dela (saúde, meio ambiente, cultura, economia). E o nosso tradicional e delicioso “abacate com açúcar” pode ser um prato cheio a se pensar, por dois aspectos.

O primeiro diz respeito ao fato de que, aqui no Brasil, a maioria da população ainda continua consumindo o abacate somente na sua forma doce, seja amassado com açúcar, ou em vitamina com leite (e açúcar). E digo “ainda” porque já faz tempo que a globalização invadiu nossas cozinhas, trazendo interessantes receitas e costumes de outros países, que, ao contrário daqui, também consomem o abacate de outro jeito: com sal, nas saladas, com carnes, em forma de pastas, molhos e cremes. Ou até mesmo na sua forma natural, sem nada.

Inegavelmente o abacate docinho é uma delícia, e faz parte da minha dieta com muito prazer. Até porque, como todo bom mineiro da gema amarelo-caipira, também tenho um lado tradicionalista bem forte. Porém, seria até injusto com a mãe-natureza deixar de explorar e consumir mais esse fruto tão especial – e comprovadamente versátil - que é o abacate.

É bom que se diga que o uso do abacate sem o açúcar não se trata de invencionice de algum maluco, ou de um chef de cozinha contemporâneo. Basta viajarmos para as bandas da América Central (México, Guatemala, Antilhas), de onde surgiu a planta, que por sinal é um ícone da cultura gastronômica desde as antigas civilizações até hoje. Praquelas bandas o abacate é consumido principalmente na sua forma salgada, como na clássica “guacamole”, onde é amassado e misturado com sal, limão, azeite, tomate, cebola, pimenta e salsinha/coentro. Simples, nutritivo e delicioso, bom para servir com pão árabe, torradas e na massa de pastel frita ou assada. Ou até mesmo no churrasco, substituindo o vinagrete.

Também fica muito bom amassado e misturado somente com sal e mostarda, ideal para passar no pão do sanduíche, inclusive substituindo a maionese. Batido no liquidificador com um pouco de creme de leite ou iogurte natural e cebolinha, temperado a gosto e levado à geladeira, vira um creme delicioso e suave (além de lindo), para servir em um copinho como entrada ou para acompanhar um camarão frito e um lombo de porco assado. Ou regar uma salada de palmitos, tomatinhos cereja, azeitonas pretas e cubos do próprio abacate. São inúmeras opções e vale usar a criatividade. Só não vale levá-lo ao fogo (infelizmente), senão amarga.

O segundo aspecto do consumo exclusivo do abacate com açúcar é o seu acompanhante. Faz um baita mal para nossa saúde: vicia o paladar, engorda, adoece e chega a matar trinta e cinco milhões de pessoa por ano no mundo. E a indústria ainda lucra com isso, dando risada da nossa cara, depois de conseguir empurrar goela abaixo esse costume de formiguinha.

Mas como é (quase) impossível viver sem ele, até porque o dito cujo aparece escondido em uma infinidade de alimentos, sobretudo os industrializados (até nos salgados!), o ideal é conseguir fazer um consumo moderado e consciente. Assim como para as muitas coisas prazerosas da vida. Eu até gostaria, mas torrêmo cabeludo com cachaça todo dia não dá.

O bom é que o açúcar tem uma vantagem em relação ao torrêmo: pode ser substituído sem que sua função seja comprometida. A substituição pelo mel de abelha não só é satisfatória quanto ao adoçamento, mas também quanto ao ganho de sabor. Além de se tratar de um alimento natural e muito mais rico nutricionalmente embora também engorde. Aliás, antigamente, o adoçante oficial da humanidade era o mel. Já a dependência do açúcar, bem, essa dá pano para muitas outras mangas e prosas.

 

Gosto e costume realmente não se discutem. O que se deve discutir, ou melhor, refletir são as coisas que estão escondidas por detrás deles.

Carne seca, de sol, de sereno ou charque?

14 de Maio de 2015, por Cláudio Ruas 0

Nem só de frescor vivem os ingredientes ideais para consumo. Se até o peixe fresco, que foi o assunto da nossa última prosa, pode vir a ser salgado e curado, as carnes - sobretudo a bovina - são deliciosamente transformadas nesse processo milenar de conservação alimentar. Mas até hoje os métodos e seus produtos finais ainda geram uma confusão conceitual, que tentaremos dessalgar a seguir.

A carne de sol é tradicional do nordeste brasileiro e do norte-nordeste mineiro, regiões de clima seco e quente, que favorece o processo de cura. O principal diferencial em relação à carne seca e ao charque é a menor quantidade de sal e o menor tempo de secagem.

É, portanto, uma carne mais suculenta e macia. Não precisa ficar de molho para dessalgar (basta uma lavada) nem de longo cozimento. Geralmente é feita com partes mais “nobres” do boi, que são talhadas, salgadas e postas a secar no... sereno! Com o tempo a secagem ao sol foi sendo substituída pelo sereno da noite, ou melhor, pelo vento e a temperatura amena do período noturno. Daí a denominação “de sereno” ou “serenada” aqui em Minas, e “de vento” no nordeste. Sol mesmo só no lombo do vaqueiro.

Também habitual no nordeste brasileiro, a carne seca se confunde mais com o charque do que com a carne de sereno. É bem mais salgada que essa e ainda pode tomar sol de verdade. São cortadas em grandes mantas, salgadas e empilhadas umas sobre as outras, para que o peso das de cima ajude no processo de expulsão dos líquidos.

Já o charque é tradicional do sul do país, herança do costume dos pampas e dos nossos vizinhos indígenas andinos, que até hoje salgam a carne de lhama dessa forma. A diferença em relação à carne seca está na quantidade maior ainda de sal e de exposição para secagem. Costumam também serem usados cortes mais gordos.

Apareceu ainda no mercado outro produto para aumentar a confusão: o jerked beef. Devem ter colocado esse nome estrangeiro para parecer mais chique (coisa típica da pobreza de espírito brasileira). O que se vende aqui – diferente da versão americana - nada mais é do que um charque. Porém, acrescido de conservantes para ficar vermelhinho e durar mais, e embalado a vácuo.

Apesar das confusões conceituais, uma coisa é certa: todas essas carnes são muito interessantes, versáteis e apreciadas. Tiveram sua vida prolongada e suas características alteradas, ganhando um bônus para compensar a perda da suculência, que é a concentração de sabor. A água se vai e os sabores ficam mais destacados. Permite-se também um melhor desfiamento, ideal para preparos de recheios, como num escondidinho. Bom também para render a carne e compartilhar melhor seu sabor com os demais ingredientes vizinhos, como o arroz do carreteiro (o carreiro do sul) e a farinha da paçoca de carne no pilão.

No entanto, o preparo dessas carnes – à exceção da serenada - demanda uma tarefa às vezes tormentosa que é a dessalga. Não que seja difícil, mas requer tempo e cuidado para que seja feita na medida certa. A forma clássica e ideal é cortá-la em cubos médios, dar uma boa lavada e deixar de molho em água abundante por doze horas na geladeira, trocando a água a cada três. Se a pressa não deixar, pode também ser fervida por alguns minutos umas quatro vezes, sempre trocando a água. E tem gente que ainda usa uma técnica maluca em que é adicionado sal no cozimento para dessalgar (bruxaria pura!).

Depois de dessalgada, basta cozinhar por meia hora na pressão, desfiar e refogar com cebola e um quiabinho. Aproveita-se ainda o caldo do cozimento para fazer o arroz ou cozinhar o legume-base do escondidinho, que fica muito bom com baroa ou um angu molinho.

 

Já o bom da carne serenada é a possibilidade de fazê-la em casa, somente na geladeira: faça uns talhos na carne (o contra filé é uma boa), esfregue bem o sal fino (mais do que usaria para o tempero normal), enrole bem em um plástico e deixe curar na gaveta do fundo por três dias. Fica ótimo, embora a melhor receita, sem dúvida, é carrear pras bandas de cima de Minas e se esbaldar de carne e de sol no sertão de Mirabela.

Peixe fresco

15 de Abril de 2015, por Cláudio Ruas 0

Olhos vivos, pele brilhante, guelras vermelhas, carne firme e cheiro de mar ou de rio (não de peixe!). Esse é o peixe fresco, que consequentemente não pode ter sido pescado há muito tempo nem muito longe, muito menos maltratado no meio do caminho. O peixe e tantas outras criaturas do mar e das águas costumam ser iguarias tão especiais que, se a gente bobear, “a onda leva”.

O Brasil e o mundo vivem hoje um momento delicado no que diz respeito à questão da pesca, da oferta de pescados (cada vez menos frescos) e dos impactos ambientais. Nunca se comeu tanto peixe, o que é muito bom. Porém, a forma como isso tem se dado é preocupante: a pesca indiscriminada tem ameaçado muitas espécies de extinção, enquanto a aquicultura desenfreada também tem trazido prejuízos ambientais, sociais e até culturais (explico adiante).

Como todos sabem – ou deveriam saber – a natureza tem seus ciclos e suas épocas de produção. A manga, por exemplo, costuma dar principalmente entre o fim e o início de ano. Ou seja, se você quiser comer manga o ano inteiro ou você vai ter que “forçá-la” a produzir ou então ir buscá-la longe, lá na China. Com os pescados tem ocorrido a mesma coisa, o que tem comprometido e muito a qualidade do alimento, assim como no exemplo da manga. A colhida no quintal, na época certa, é infinitamente superior àquela que atravessou o mundo e/ou foi forçada a produzir.

Além disso, no caso dos pescados, ainda existe o agravante do impacto ambiental, sobretudo no que diz respeito à ameaça de extinção de muitas espécies em função da pesca indiscriminada, seja nos mares, rios ou lagoas. Falta regulação, fiscalização, educação e consciência, não só de quem pesca, mas também de quem consome “de olhos fechados”.

A dificuldade em capturar os pescados por perto faz com que os pescadores naveguem cada vez mais longe no mar, demorando para retornar. Ou seja, quando aquele barco encosta no porto para descarregar – e você imagina inocentemente que os pescados estão fresquíssimos – às vezes parte deles já foi pescada há mais de uma semana. E ainda tem um longo e tortuoso caminho a percorrer até chegar ao seu prato, passando por atravessadores, entrepostos, caminhões inadequados, estradas, aviões, aeroportos, centros de distribuição, supermercados...ufa!

No Brasil essa cadeia é muito precária, o que não só estraga o produto, mas o encarece também. Diante disso, os mercados estrangeiros nadam de braçada, como o do Chile, da China, do Vietnã e até do Alaska, que vem tomando conta do nosso mercado, das nossas panelas e da nossa cultura. Tudo bem vender um salmão chileno por aqui, mas é uma pena não poder comprar um dourado do Velho Chico, ou uma truta criada logo ali na Serra da Mantiqueira, ou então uma boa traíra pescada ali na rocinha ao lado, conforme nossa tradição cultural. Tudo o mais fresco possível, graças à curta distância a se percorrer e à cadeia produtiva mais inteligente e justa, que ajude e estimule o pequeno produtor. Globalização tem limites.

 

A tilápia vem sendo um peixe muito cultivado e pode ser uma boa alternativa caseira para a falta de peixe fresco, pois é de fácil manejo e bom rendimento, mesmo em pequenos espaços. Tem uma carne branca e suave, ideal para se fazer o “ceviche”, prato típico do Peru e do Chile, que caiu no gosto do lado de cá da Cordilheira dos Andes também. É delicioso e facílimo de se fazer: basta picar o peixe em cubos e adicioná-lo a uma mistura de suco de limão, sal, azeite, cebola roxa picada finamente, coentro/salsinha e dedo de moça picadinha. Misture e leve à geladeira por vinte minutos, tempo suficiente para que os ácidos do limão e da cebola, juntamente com o sal, “cozinhem” o peixe sem necessidade de ir ao fogo. Sirva em uma taça individual ou cumbuca, acompanhado de mandioca frita. O pré-requisito básico e essencial para essa receita é que o peixe seja fresco, o que também deveria ser a regra de consumo para tantos outros preparos. Definitivamente, isso não é frescura.