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Linguiça e mandioca

15 de Maio de 2013, por Cláudio Ruas

Essa dupla aí tem presença garantida em muitos cardápios de bares, restaurantes e lares do nosso estado e do país. Representa muito da nossa culinária, pois reflete a influência portuguesa (linguiça) e indígena (mandioca) na nossa alimentação. Por essas e outras, esses foram os ingredientes escolhidos para o já tradicional “Festival Comida di Buteco 2013”, o maior evento do ramo no Brasil, que surgiu na capital mineira pelas mãos do Chef Eduardo Maya, como forma de tentar valorizar os botequins e sua gastronomia. E conseguiu.

Mas para não perder o costume dessa nossa prosa, vamos voltar um pouco no tempo para entender melhor essas duas preciosidades, começando pela linguiça, que desembarcou por aqui com os portugueses, grandes apreciadores e produtores.

A lingüiça é um embutido, feito através da tripa de um animal, geralmente porco ou carneiro. Também existem tripas industrializadas, mas não é a mesma coisa. Ela é recheada com carne temperada, um pouco de gordura e enchida à mão ou por uma máquina própria. Aqui em Minas, a mais tradicional e saborosa – na minha opinião – é a feita com pernil de porco, embora existam infinitas variedades e possibilidades de recheio, desde carnes mais exóticas (cordeiro, javali), até legumes, como o jiló e a própria mandioca. Outros dois “enchidos” mais que especiais e presentes na nossa cozinha caipira são o chouriço e a “murcía”, ambas receitas europeias. O primeiro é feito com o sangue do porco e o redanho, que é uma membrana que reveste o seu intestino e dá um resultado superior ao feito com o toucinho. Já a “murcía” é feita com os miúdos do porco bem picadinhos, que resulta em um sabor sensacional e único, sendo muito apreciada na Espanha e Portugal. Mas infelizmente essa receita tem se tornado rara por aqui, muito por culpa do lamentável preconceito contra os miúdos. Coisas de terceiro mundo...

Do outro lado da travessa está a mandioca, uma raiz tuberosa que é o alimento mais brasileiro de todos, nascida na floresta amazônica depois que um cipó cortado pelos índios resolveu entrar na terra e criar suas raízes. Foi domesticada pelos indígenas que souberam lidar com as espécies “bravas” (venenosas), de forma a tornar a mandioca a base da sua alimentação e dos povos do norte e nordeste, com suas farinhas, polvilhos, tapiocas e tucupis. Alastrou para o resto do país e se enraizou de vez na culinária mineira, onde também ajudou o caldo do feijão a virar tutu. É alimento rústico, barato, delicioso e que alimenta, muito bem definido como “o pão do Brasil”. Uma curiosidade interessante contada pelo entusiasta da raiz - o Chef Felipe Rameh - é que os índios dominavam tanto a técnica de extração do veneno, que chegavam a desenvolver e cultivar espécies venenosas propositalmente, para que animais e outras tribos não roubassem suas mandiocas! Apesar de ser o alimento símbolo do país, ela ainda é pouco conhecida e explorada, sobretudo fora da região norte. Lá eles aproveitam até as folhas, que são moídas e cozidas por vários dias para extrair o veneno, se transformando em um caldo escuro, quando se adiciona carnes e temperos. É a famosa maniçoba, a “feijoada do Pará”.

A versatilidade e a importância das mais de 4.000 variedades de mandioca já catalogadas (!) ainda renderão outras prosas por aqui, mas por enquanto vamos voltar para o bar, onde ela e a lingüiça serão as estrelas desse importantíssimo festival. Que a partir de ações como essa passemos a valorizar e apreciar melhor esses ingredientes, de forma mais saudável e sustentável, substituindo o industrial pelo artesanal. Ou alguém de Resende Costa vai dizer que a linguiça da Sadia é melhor (ou a mesma coisa) do que a feita pelo Vinícius do Tinô, que por sinal produz vários outros produtos bacanas para nossa cidade? Ou então que a mandioca que vem lá do Ceasa é igual àquela recém tirada da terra na roça ali pertinho? Eu acho que não.

 

(Aprenda uma receita fácil de linguiça ao forno com molho de mostarda, acompanhada de maionese de mandioca: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

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