No Brasil, o futebol já foi chamado de muitas coisas: arte, religião, escola de samba em chuteira. Mas ultimamente anda merecendo outro título, menos poético: enredo de série policial.
A bola mal rola e, de repente, o cartão amarelo não é só um aviso do juiz — é uma senha para alguém lucrar no submundo das apostas. O mais novo personagem dessa novela é Bruno Henrique, atacante do Flamengo, indiciado pela Polícia Federal por supostamente forçar um amarelo no jogo contra o Santos, lá no Brasileirão de 2023. Dizem que o lance renderia um trocado — mas, convenhamos, no mundo das apostas ilegais, o trocado de um vira o carro novo de outro.
Em troca de mensagens com o irmão Wander, que também é alvo da Polícia Federal, a clareza de um bom investimento: “O tio você está com 2 cartão no brasileiro?” Em resposta, o atacante escreveu: “Sim”. Wander segue: “Quando [o] pessoal mandar tomar o 3 liga nós hein kkkk”, Bruno Henrique responde: “Contra o Santos”. Wander: “29 de outubro”, “Será que você vai aguentar ficar até lá sem cartão kkkkkk”. Bruno Henrique: “Não vou reclamar”, “Só se eu entrar forte em alguém”. Wander então responde: “Boua já vou guardar o dinheiro investimento com sucesso”.
Agora, cá entre nós: forçar um cartão, no Brasil, é quase arte milenar. Quem nunca viu um jogador chutando a bola pra longe aos 47 do segundo tempo, só pra “limpar” a barra antes de um clássico? Mas o problema, dessa vez, é que a motivação teria saído do vestiário direto pra conta de um apostador esperto, com a bênção de um irmão no WhatsApp e uma odd generosa piscando na tela do celular.
O futebol brasileiro, que já conviveu com gramados esburacados, arbitragens duvidosas e dirigentes criativos, agora precisa enfrentar a nova moda: a manipulação digitalizada. Esqueça o juiz comprado da década de 90. Agora é tudo mais sutil, mais limpo, mais difícil de pegar. Tudo estampado nas placas de propaganda do estádio, nas chamadas do rádio, da TV, e na propaganda do celular.
Enquanto você lucra a sua cervejinha no fim de semana assistindo ao seu time na TV, com sua aposta simples, seu entendimento de torcedor e um pouco de sorte, tem quem consegue nas apostas os melhores dos investimentos.
Talvez seja hora de pensar no quanto estamos dispostos a deixar que a lógica das apostas dite o ritmo do esporte. Porque se o drible, o gol e o cartão amarelo virarem só mercadoria em um mercado invisível, o que sobra do jogo?