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Uma tarde em Resende Costa

16 de Janeiro de 2018, por Evaldo Balbino

Nas coisas simples mora a luz da vida. A gente, por exemplo, se acostuma demais com as comodidades dum carro e esquece o prazer de uma caminhada lenta, durante a qual se pode parar com calma e tempo para conversar com as pessoas e os animais. Numa cidade grande isso é difícil, mas não é impossível. O que se dirá de uma cidade pequena?

Tirando uns dias de folga, esta relutante companheira, estou agora passando uma temporadazinha na minha terra natal, a Resende Costa das lajes. Aqui mesmo onde entre pedras cresci aderido à vida e onde também as lagartixas aderem às mesmas pedras.

Meu carro chegou imundo de Belo Horizonte. Na estrada da região de Itabirito, antes de Congonhas do Campo, as pancadas de chuva se somaram ao pó farto da mineração. Caminhões passavam por mim e me davam banhos de lama. Houve um momento em que tive de cessar a viagem e lavar o para-brisa, do contrário seria impossível seguir o trajeto para os meus dias resende-costenses.

Dois dias depois de ter chegado aqui, fui deixar hoje à tarde o carro num lava-jato. Era em torno de uma hora. Como só liberariam o serviço lá pelas cinco, resolvi deambular pelas lojas de artesanato, sem eira nem beira, a fim de respirar mais arte. Acabei me dando presentes, que a gente tem que se acariciar também. Uma namoradeira colorida que é um abajur (de madeira), seis garrafas de pedra-sabão, dois triângulos da mesma pedra, duas vasilhas lindas de cerâmica e uma tacinha perfeita de madeira (pronta para afável bebida). Eu disse à moça vendedora, de nome Vitória, que não levaria nada naquele momento por causa do peso, mas que voltaria ainda no fim deste dia ou amanhã para buscar tudo.

Mercadoria paga, voltei para dentro da cidade, caminhei até o segundo posto de gasolina e fui subindo a laje. O coração ia desafinado, meio que saindo pela boca, já pouco afeito ao fôlego exigido em subidas. Entrei numa lanchonete, comprei uma garrafa d’água para aguentar o tranco. E ainda troquei um dinheiro para o comerciante, passando-lhe moedas à troca de notas, ao que ele me agradeceu alegre dizendo que no comércio as pratinhas são difíceis: tão que não se acham mesmo! Respondi-lhe brincando que não sou o culpado, que não tenho talento para cofrinhos em forma de porco escondendo moedas e que as faço sempre circular pelas mercancias da vida.

Despedi-me do amável senhor, e fui bebendo a água rua acima. Depois da Igreja da Matriz, virei para o lajedo que olha para o poente e me sentei a um banco. Ali tirei fotos das árvores e do horizonte, dos gatos e cães que descansavam. Fotografei até um casal de namorados, cingidos, sem lhes pedir licença nenhuma. Mas estavam longe, de costas; e a identidade que se mostrava ali não era a de rostos, e sim a intimidade do amor. A foto seria da paisagem, porém os dois estavam ali compondo toda a beleza. Também eram a paisagem. Conversei bastante com um dos cães, que muito falou comigo através de suas orelhas e olhos e rabo balançando de contentamento.

Desci depois pela rua do Rosário, cumprimentando as pessoas que me ofereciam um olhar que fosse. Parei na casa da minha irmã Ceia, bebi um cafezinho (que ninguém é de ferro), depois peguei carona com o meu sobrinho (o sempre vício do carro) e voltei para pegar meu veículo já lavado.

Depois do lava-jato, saí satisfeito com o bom trabalho do rapaz, busquei os meus presentes de mim para mim mesmo lá na loja e voltei feliz para a casa dos meus pais. Na sala, ao entrar, comecei a escutar o Vinicius e o Toquinho cantando Tarde em Itapuã: “E nos espaços serenos / Sem ontem nem amanhã / Dormir nos braços morenos / Da lua de Itapuã”. Fui ouvindo a canção, e a minha paz só aumentando.

Podem dizer que o que eu ouvia não era a praia rochosa de Salvador, com pouca areia e pedregulhos no mar, mas sim a letra e a melodia belas e tranquilas. Podem dizer isso, mas não me convenço. Para John Ford, no seu filme O homem que matou o facínora (1962), quando a lenda é mais interessante que a realidade, imprima-se a lenda. Aqui, no entanto, imprimo tudo, se possível for. No chão mesmo do dia ou da noite, aqui mesmo na nossa vidinha, toda poesia se perfaz. O que a arte vem fazer é realçar essa poesia, revelando-a.

Por isso mesmo desejo ver a música do “poetinha” e do compositor-cantor. Quero ouvir com afinco a rochosa praia baiana, a areia pouca e os fartos pedregulhos no mar. Anseio andar pelas pedras de Resende Costa, por suas ruas sem mar. O ar quente, o tempo abafado e até mesmo algumas sujidades que algumas pessoas deixam sobre os lajedos da cidade, nada disso me tira o gosto de imprimir aqui, nesta crônica, os momentos que vivi e revivi nesta tarde de hoje em Resende Costa.

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