Trilha sonora

É um dom, uma certa magia

16 de Julho de 2015, por Renato Ruas Pinto 0

Um pedaço da letra de que o próprio Fernando Brant fez para a clássica “Maria, Maria” explica o que era o talento desse grande poeta e letrista. Um talento que foi descoberto quase por acaso e por insistência de Milton Nascimento. As grandes parcerias na história da música parecem ter uma característica comum, que é a empatia quase imediata entre os parceiros, como se aquele encontro já estivesse predeterminado pelas forças da natureza. Foi assim com John Lennon e Paul McCartney, Paul Simon e Art Garfunkel, João Bosco e Aldir Blanc, e assim também o foi o encontro do Fernando Brant e Milton Nascimento.

Márcio Borges conta em seu livro “Os Sonhos Não Envelhecem” que Fernando e Bituca foram apresentados em um ônibus, por um amigo comum. No mesmo instante foi feito o convite para tomar uma cerveja (duas, na verdade, que era o que o dinheiro permitiria) e o amigo comum não podia ir. Foram só Fernando e Milton e, duas cervejas, um ovo cozido e algumas horas depois, nascia uma amizade que renderia ao mundo uma dupla inesquecível e que faria brotar um letrista do primeiro time da MPB. Milton havia saído de BH e se mudado para São Paulo para promover seu trabalho como músico quando compôs a melodia da canção que viria ser “Travessia”. Resolveu que essa letra não poderia ser feita por ele ou seu parceiro fixo, Márcio Borges, pois não tinha a cara deles. Acabou pedindo a letra para Fernando, que inicialmente se esquivou dizendo que nunca tinha feito isso, mas arriscou. Após receber a letra, Milton logo mostrou-a para Márcio, admirado: “a primeira coisa que o cara escreve na vida”.

O que aconteceu depois virou história. O cantor Agostinho dos Santos inscreveu, sem que Milton soubesse, três músicas de Bituca no Festival Internacional da Canção Popular de 1967, o FIC: “Maria Minha Fé”, “Morro Velho” e “Travessia”. As três foram classificadas para a grande final, o que alçou Milton instantaneamente à condição de revelação do festival. “Travessia” encantou o público e terminou em 2º lugar no festival (Milton ainda levaria o prêmio de melhor intérprete). De repente, Fernando Brant, um jornalista que não se via como poeta ou letrista, era dono de uma música aclamada. Ao ser entrevistado após o sucesso e indagado sobre seu trabalho, tinha dificuldade de explicar que era a única música que havia feito. E cobrava Milton por mais uma: “agora que você me pôs nessa, trate de compor logo outra, senão estou perdido.” E essa viria a ser “Outubro”, que saiu no disco de estreia de Milton em 1967. Estava inaugurada aí uma parceria que renderia vários clássicos da MPB. E ao mesmo tempo Fernando Brant se revelava um grande compositor destinado a ser parte do primeiro escalão da MPB ao colocar poesia em trabalhos de parceiros como Lô Borges, Toninho Horta, Beto Guedes, Tavinho Moura e tantos outros. Até o hino do América (não o oficial), time do coração de Fernando, leva uma letra sua.

O nome e legado de Fernando Brant entra para história da MPB ligado ao Clube da Esquina de maneira quase indissociável. Esse movimento musical que sacudiu a MPB nos anos 70 teve com Fernando, Márcio Borges e Ronaldo Bastos a “trinca de ases” de letristas que deram voz às complexas melodias e harmonias de Milton, Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta e todo o “clube”. Quando se considera que a canção é o formato que dominou e domina a música brasileira, então não há como se separar letra e música da riqueza artística da obra da qual Fernando fez parte e deu vida. Impossível falar de amizade sem se lembrar de “Canção da América”. Ou pensar na identidade mineira sem lembrar do verso “sou do mundo, sou Minas Gerais”, contribuição de Fernando em “Para Lennon e McCartney”. Ou não sentir a dificuldade do caminho do músico que toca por um pedaço de pão “nos bailes da vida”.

 

Fernando agora termina uma parte de sua travessia, mas, como acontece com os grandes das artes, ele se tornou imortal ainda em vida, deixando uma obra inestimável e que vencerá gerações. Daqui a muitos anos tenho certeza que haverá alguém nas esquinas do mundo lembrando que amigo é coisa para se guardar, do lado esquerdo do peito.

Rolando agora na vitrola

17 de Junho de 2015, por Renato Ruas Pinto 0

Retomando um dos objetivos principais dessa coluna, que é falar da boa música que vem sendo produzida atualmente, tenho ouvido vários discos novos, sobre os quais gostaria de falar e recomendar. Há muita coisa de qualidade por aí que nós podemos encontrar, seja no formato “real”, o bom e velho CD, ou virtual, em sites dedicados à música, como o Sound Cloud, os serviços de streaming (Deezer, Spotify e outros) ou o providencial “O Jardim Elétrico”, que sempre disponibiliza trabalhos novos de forma gratuita e com a devida autorização dos artistas.

Um dos trabalhos que tenho ouvido muito é o excelente “Assopra o Borralho” do violeiro, compositor e cantor Zé Helder. Já conhecia o trabalho de Zé Helder com o “Moda de Rock” – no qual ele e o parceiro Ricardo Vignini fazem arranjos criativos de clássicos do rock para duas violas caipiras – e com o Matuto Moderno, que promove uma fusão da música caipira com o rock. E agora estou explorando o trabalho solo desse músico devotado à preservação da linguagem e legado da viola. “Assopra o Borralho” é o terceiro álbum solo de Zé Helder, que ainda se dedica ao ensino da viola em conservatórios em Minas Gerais e São Paulo.

A viola caipira já evoca no próprio nome a sua ligação com o interior e a história de artistas como Tonico e Tinoco ou Tião Carreiro e Pardinho. E Zé Helder paga o seu tributo a essa tradição em faixas como “Sabão de Cinza” e “Pão de Queijo”. Mas o disco vai muito além e foge de um possível lugar comum ao apresentar canções modernas e de harmonia e melodia sofisticadas, como na faixa de abertura “Água Limpa”, “As Bodas de Caná” ou a instrumental “Francisco”. Todas as faixas são marcadas por arranjos de bom gosto, belo instrumental e músicos convidados competentes, como se pode ouvir em “Seresta na Roça”, canção com letra de Zé Helder sobre uma belíssima música do violeiro Índio Cachoeira, ou a faixa final “O Boi”. Zé Helder é mineiro de Cachoeira de Minas, e seu disco também é uma declaração de amor ao estado, suas montanhas e valores preservados pelos mineiros, que podem ser ouvidos na faixa título “Assopra o Borralho” ou na moderna “Composição Sobre os Trilhos”. Retratos de Minas que despertam as melhores lembranças em um mineiro na diáspora como eu. Mas Zé Helder vai além das Gerais e faz a viola encontrar a música indiana com seus sitar e tabla* na “A Toada do Prof. Hermógenes”, com seu refrão com a saudação “namastê”, que saúda o deus que há em cada um.

Zé Helder é um violeiro virtuoso e domina o instrumento, seus ponteios e ritmos complexos. E é um apaixonado pela música caipira, que mostra o zelo com o estilo ao estudá-lo e difundi-lo, seja transcrevendo para a partitura seus clássicos, seja ensinando as belezas da viola. Em “Assopra o Borralho” ele mostra que também é um grande compositor, letrista e intérprete. O disco é marcado pela beleza das músicas, a qualidade dos arranjos e o acompanhamento de instrumentistas de alto nível. Importante destacar nos dias de hoje, onde a produção musical é cada vez mais questionada, é um disco nada óbvio nos caminhos que segue – e por isso mesmo surpreendente – e na sua relação com esse instrumento incrível que é a viola. É para se ouvir com cuidado e entender porque defendo a tese de que a música brasileira vai bem, obrigado.

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*”sitar” e “tabla”: dois instrumentos indianos, o primeiro, de corda e o segundo, percussão.

 

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Leituras musicais

14 de Maio de 2015, por Renato Ruas Pinto 0

Como aficionado por música, fico muito feliz por ver aumentar a oferta de títulos dedicados a essa arte nas prateleiras de livrarias e bancas. De biografias a temas específicos, é muito bom ver trabalhos frutos de pesquisa meticulosa trazendo histórias e curiosidades sobre passagens interessantes da vida de artistas e seus álbuns clássicos. Recentemente li dois ótimos títulos sobre períodos interessantes da música, um sobre a música brasileira e outro sobre o rock, e gostaria de compartilhar com quem gosta do assunto.

O primeiro é “Pavões Misteriosos” do jornalista André Barcinski e que trata da música brasileira entre 1974 e 1983 e que ele próprio já define no subtítulo como o tempo da “explosão da música pop no Brasil”. O autor explica que escolheu o período por achar que a bibliografia sobre a época é escassa e que muito se escreveu sobre os anos anteriores, quando do nascimento da Bossa Nova e os grandes festivais, e os anos seguintes a 1983, tempos de outro grande movimento: o rock de Legião Urbana, Paralamas e companhia. O livro prima por dois pontos que valem a sua leitura. Primeiro, por mostrar que o período foi musicalmente relevante, com grandes trabalhos produzidos por artistas como Raul Seixas e os “Secos & Molhados” de Ney Matogrosso. Segundo, por mostrar uma fase de transição da música brasileira para tempos mais profissionais e de busca de grandes sucessos – e de faturamento.

Muito se questiona hoje a orientação das gravadoras de se promover somente trabalhos de retorno financeiro imediato em detrimento da qualidade e o livro mostra onde isso começou. Fica claro o momento no qual a direção das gravadoras foi tomada por executivos trabalhando mais guiados pelos planos de marketing do que pelo conteúdo artístico. Ou como as gigantes do entretenimento mundial invadiram o mercado brasileiro que explodia em vendas a reboque do milagre econômico dos anos 70. Por fim, o livro ainda conta passagens divertidas como a febre dos “falsos gringos”, os brasileiros que cantavam em inglês como se fossem estrangeiros. Lista que inclui desde Morris Albert, que veio a ter uma carreira internacional de sucesso, e até Fabio Júnior que chegou a se apresentar como Mark Davis. Curiosas também são histórias do surgimento de fenômenos de vendas como Sidney Magal, Gretchen e Xuxa.

O segundo livro é “O Som da Revolução” do pesquisador e jornalista Rodrigo Merheb e o tema é o bom e velho rock. O que torna o livro interessante é que ele focou em um período crucial e de grandes transformações: os prolíficos anos de 1965 a 1969. Quatro anos parece pouco, mas é impressionante o que se mudou nesses anos. Em 1965 os Beatles lançaram “Help”, um álbum de transição que reúne músicas inocentes como “You like me too much” e outras bem mais maduras como “Yesterday”. Apenas dois anos depois eles estavam lançando o mítico “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e revolucionando o rock. O autor demarca simbolicamente os anos com dois eventos que marcaram o rock: o Newport Folk Festival de 1965, quando Bob Dylan chocou fãs do estilo Folk ao empunhar uma guitarra elétrica, e o show dos Rolling Stones no autódromo Altmont em 1969, que terminou com o assassinato de um espectador pelos famigerados Hell’s Angels, que faziam a segurança do show. O primeiro evento representa o amadurecimento do rock. O segundo seria o fim do sonho e da inocência. E falando em inocência, em sua pesquisa primorosa Merheb retrata sem tintas coloridas o “verão do amor” de San Francisco de 67, quando a cidade foi invadida pelos hippies. O livro retrata um lado diferente da paz e do amor, como os problemas de saúde pública causados pelas internações ligadas às drogas. No fim do livro o autor lista todos os artistas e álbuns mencionados ao longo dos capítulos, o que é uma fonte preciosa e divertida para pesquisa.

Duas leituras e tanto pra quem gosta de música. E mais do que ler, o melhor é ouvir os grandes artistas e discos sabendo um pouco mais de suas histórias.

 

 

(Aproveito para agradecer à minha tia Mercês que me presenteou com os dois ótimos livros).

Mulheres no rock

15 de Abril de 2015, por Renato Ruas Pinto 0

No fim de março, o mês das mulheres, me peguei escutando várias artistas que fizeram trabalhos relevantes no rock e andei matutando sobre o pioneirismo e o papel que elas tiveram nesse estilo, que pode até ser rotulado de machista. Quando se pensa nos grandes ícones do rock, rapidamente vem à cabeça nomes como Beatles, Led Zeppelin ou Pink Floyd. Nenhuma mulher no line-up dessas bandas e tantas outras que escreveram a história do estilo. Entretanto, algumas mulheres foram protagonistas e produziram trabalhos de qualidade e, creio eu, mereceriam maior reconhecimento.

Não é difícil entender a dificuldade que as mulheres tiveram em um passado não muito distante. Se nos conservadores anos 50 e 60 os pais ficavam horrorizados ao ver seus filhos homens deixando os cabelos crescerem e se agitando ao som do rock, imagine qual não seria a reação de um pai ao ouvir sua filha pedir uma guitarra. Ainda assim algumas mulheres venceram o preconceito da sociedade e, talvez, até do mercado: público e gravadoras. Entre cantoras e compositoras podemos fazer uma lista enorme com nomes como Grace Slick (Jefferson Airplane), a pioneira Suzi Quatro, Deborah Harry (Blondie), Patti Smith e, em tempos recentes, Alanis Morissette ou Amy Winehouse. Porém, por hoje vou falar de um quarteto mais que fantástico: Janis Joplin, Joan Jett, Bonnie Rait e Rita Lee.

Janis Joplin deixou o conservador Texas com apenas 20 anos para se estabelecer em San Francisco, o epicentro do rock psicodélico no fim dos anos 60. Cantora e compositora com o pé fincado no blues, ela se tornou conhecida cantando com a Big Brother and the Holding Company. Sua estrela, porém, brilharia bem forte e após dois álbuns partiria para cantar sozinha. Dona de uma voz crua e emocionante, Janis sucumbiu aos abusos de álcool e drogas e se foi com apenas 27 anos. Deixou somente quatro álbuns de estúdios e alguns ao vivo. Recomendo o álbum Pearl, que estava em gravação quando Janis partiu e foi lançado postumamente.

À mesma época, Rita Lee ganhava notoriedade no Brasil. Cantora de Os Mutantes, junto com os irmãos Dias Baptista, Arnaldo e Sérgio, foi pioneira ao levar o rock brasileiro para a idade adulta, em contraste com o rock inocente que existia por aqui. Descontente com a guinada para o rock progressivo dos Mutantes, Rita Lee partiu para a carreira solo e surpreendeu ao sobreviver, e bem, sozinha. Com uma carreira sólida até os dias de hoje, Rita Lee é a quarta artista com mais discos vendidos no Brasil, com a incrível marca de 55 milhões de álbuns. Fora os ótimos álbuns dos Mutantes, o disco “Fruto Proibido” é audição obrigatória.

Filha do blues, Bonnie Rait lançou seu primeiro álbum em 1971 e o sucesso comercial veio alguns anos depois. E foi uma das primeiras mulheres a serem aclamadas como instrumentista, com sua guitarra que segue as melhores tradições do blues do Mississipi. Bonnie Rait tem uma voz suave e cristalina, mas mesmo assim se sai muito bem em um estilo que normalmente é território de vozes potentes. Os seus dois primeiros discos, Bonnie Rait e Give It Up, apesar de não terem tido grande sucesso comercial, foram bem cotados pela crítica e valem a audição para quem gosta de um blues executado com o tradicional slide.

Joan Jett vem de uma onda bem diferente das outras três. Seu rock é cru e visceral, com o peso, energia e simplicidade do Punk. Joan se revelou e teve certo sucesso com a sua banda The Runaways, composta só de mulheres, formação pouco usual mesmo em 1975. Após o fim da banda em 79, Joan começaria uma carreira solo de sucesso com sua banda de apoio, The Blackhearts. Da sua ótima discografia recomendo os álbuns Bad Reputation e I Love Rock and Roll, seu grande sucesso comercial. Vale também conferir o filme The Runaways, que conta a história da banda.

Quatro roqueiras que provaram que o estilo não é um clube masculino e que sempre entregaram rebeldia, energia e música de qualidade como o estilo pede.

 

 

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Viagem no tempo e na música

11 de Marco de 2015, por Renato Ruas Pinto 0

Desta vez a coluna vai ser um misto de música e turismo. Existem vários destinos turísticos fortemente associados a um estilo musical ou a atrações ligadas à música: Rio de Janeiro ao samba, Buenos Aires ao tango, Chicago ao blues, Nova Iorque aos musicais da Broadway e – não poderia ficar de fora dessa lista incompleta – Liverpool aos Beatles. À exceção de Liverpool, que tem nos Beatles o seu grande chamariz, esses destinos possuem diversos outros atrativos que prendem todo tipo de turista, interessado ou não no movimento musical da cidade.

Aqui no nosso Brasil, escondida nos contrafortes da grande Mantiqueira, fica Conservatória, que atrai milhares de turistas nos finais de semana, principalmente para ouvir suas serestas.

Dizem as histórias que a tradição das serenatas desse pequeno distrito de Valença (Rio de Janeiro), com pouco mais de 4.000 habitantes, é mais do que centenária e hoje faz a cidade respirar música. O que começou um dia, provavelmente por conta de alguns jovens apaixonados que queriam declarar seu amor a incautas donzelas, tornou-se uma tradição que movimenta toda a cidade, une gerações e, ainda por cima, é o principal motor da economia do distrito. Por onde se anda só se veem referências à música, seja nos nomes dos estabelecimentos, seja no artesanato no qual volta e meia se representa um violão ou uma clave de sol ou, naturalmente, pelas músicas que se ouvem por toda cidade. Dependendo da escolha da pousada, a seresta começa logo cedo no café da manhã, em que um músico da cidade faz ao vivo um excelente fundo musical e conta um pouco da história da cidade e sua ligação com a música. E a partir daí será música até a madrugada, quando termina a tradicional serenata aberta.

Conservatória abriga o Museu da Seresta, um interessante espaço cultural que reúne um acervo impressionante de partituras de músicas. E é lá que começa a música nas noites de sexta-feira e sábado, na forma de um sarau no qual músicos locais cantam e acompanham quem se aventurar a soltar a voz, seja morador ou turista. O site da cidade (www.conservatoria.com.br/) deixa bem claro que o espaço é democrático: “está aberto a todos os que cultuam a música popular brasileira, não importando se profissional ou amador, voz bonita ou não”. Porém, ao ver os ótimos cantores que por lá passam, não é qualquer um que cria coragem. Por volta das onze da noite os músicos se dirigem à praça onde começa a serenata aberta, que reúne turistas e os músicos da cidade cantando belas músicas românticas e clássicos da seresta como “A noite do meu bem” ou “Carinhoso”. Intercalam ainda declamações de poesia enquanto se percorrem as ruas da cidade. No domingo ainda se pode curtir pela manhã um chorinho de primeira linha na praça principal da cidade. E a música ainda está presente nas portas das casas. Em um projeto chamado “Em toda casa uma canção”, moradores colocam placas de metal com o nome e autor de uma música de sua predileção. Hoje já são mais de 400 placas – sem poder repetir músicas – e os autores campeões da preferência são Cândido das Neves, autor de canções como “Rasguei o teu retrato” e “Noite cheia de estrelas”, com Roberto Carlos no segundo lugar.

O mais impressionante – e reconfortante – é poder ver que a seresta une gerações em Conservatória, tanto do lado dos músicos que tocam e cantam, quanto no público que acompanha o espetáculo e empresta voz ao coro. É muito bom saber que músicas belas e ricas ainda emocionam não só os saudosistas, mas até adolescentes, como eu pude testemunhar. Some-se às atrações musicais uma região cheia de história, que ainda preserva algumas belas fazendas dos tempos de glória do café no final do Império e que são ótimas pedidas para passear de dia enquanto se aguarda a noite e a serenata. Está pronta a receita para um final de semana de viagem no tempo e na música.