Monsenhor Nélson, o cronista-mor de Resende Costa e seu Livro de Tombo


Especial centenário de nascimento do monsenhor Nélson

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As 456 folhas do Livro de Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Penha, redigidas frente e verso pelo Monsenhor Nélson, são um legado de suma importância para a paróquia e para o Município de Resende Costa, como o mostra o Termo de Abertura dos volumes. Dois volumes e mais 76 folhas do terceiro, caprichados, caligrafia legível, clara e bela, quase sem rasura. A ortografia é misturada, mesmo depois da reforma ortográfica. Ora a antiga (“paranympho”, “paróchia”, “solenne...”), ora a atual.

O termo de abertura exprime bem como Monsenhor Nélson encara o Tombo (ipsis litteris): “Nas duzentas folhas deste livro “Livro do Tombo” todas ellas rubricadas com a rubrica de meu uso “PRFerreira” serão registrados  os principais acontecimentos desta paróchia e arquidiocese, e também os acontecimentos internacionais, nacionais e estaduaes que de qualquer modo encontrarem écho na vida econômica, social, cívica e religiosa desta paróchia de N. Senhora da Penha, município de Resende Costa. Resende Costa 2 de abril de 1957. Padre Nelson Rodrigues Ferreira Párocho.

E não há como o leitor discordar do seu termo de encerramento do volume II: “As duzentas folhas deste livro têm o relato dos principais acontecimentos internacionais, nacionais e estaduais que de certo modo serviram de fundo para os acontecimentos diocesanos e paroquiais aqui registrados. Nenhuma folha foi inutilizada. Resende Costa junho de 1978”.

No entanto, esta importância é muito mais ampla, como escreve dom Delfim Ribeiro Guedes, primeiro bispo da diocese de São João del-Rei, em avaliação feita durante uma visita pastoral: “Declaro que li atentamente o valioso registro dos fatos da Santa Igreja, do Brasil, de nossa diocese, etc. e com ânimo agradecido louvo o espírito de organização do Revmo. Monsenhor Nélson Rodrigues Ferreira que assim contribui para que se num dia escrever a História da paróquia e da nossa diocese e até de nossa pátria e até de nossa Igreja.Agradecimentos. Parabéns! Dom Delfim, bispo diocesano” (Vol. II, 1978, após o termo de encerramento).

O saudoso monsenhor Raimundo Sebastião de Paiva, pároco 60 anos da Catedral de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, declarou em  entrevista ao JL que, lógico, também escrevia o Tombo, mas “igual ao do Monsenhor Nélson, nunca vi.” Conforme escreveu dom Delfim, os volumes do Tombo escritos pelo Monsenhor Nélson ultrapassam os interesses paroquiais e diocesanos. Trata-se de documento histórico do município de Resende Costa a ser responsavelmente preservado e quiçá tombado pelo município. É um documento de interesse também sociológico e demográfico, como o demonstra o “Movimento Religioso” no final de cada ano (veja Box nesta página).

 

O cronista

Monsenhor Nélson prima pelos dotes de cronista, no sentido antigo, ou seja, um relator de fatos e acontecimentos em ordem cronológica. O Livro do Tombo é um noticiário de tudo que aconteceu de importante, entre os anos de 1944 a 1988, em Resende Costa e circunvizinhança, no Estado de Minas Gerais, no Brasil e no Mundo. Mais detalhado no que tange ao município de Resene Costa e região, decrescendo um tanto em relação ao Brasil e, em pinceladas, nos assuntos internacionais.

Globalmente informado, monsenhor Nélson transformou o livro do Tombo numa enciclopédia religiosa, social, política e econômica. Seu gosto por Ciência, História e Geografia encontra aí um meio de realização. Minucioso, sabe-se que ele anotava tudo em que via significância. O leitor que deseja saber de todos os documentos do Pontificado e do Episcopado nacional e diocesano lá os encontrará. Quanto à Arquidiocese de Mariana e depois a Diocese de São João del-Rei as informações são amplas e abrangentes. Quanto à paróquia, é desnecessário dizer. Monsenhor Nélson aponta tudo, às vezes tece comentários, transcreve discursos, hinos, orações, partituras musicais, poemas, estatísticas, trajetos de procissões etc. Quase nada escapa dos registros do cronista.

 Monsenhor Nélson faz o mesmo quanto aos acontecimentos não religiosos. Ele resume quase tudo: eleições municipais, estaduais, nacionais, movimentos políticos, eventos, comemorações, sucessos, retrocessos, projetos, personalidades de vulto, fenômenos naturais, fatos inusitados na ocasião, como o nascimento de trigêmeos, novidades, como o primeiro aparelho de TV instalado na cidade etc. Translada ainda excertos de matérias publicadas sobre Resende Costa em revistas ou jornais, ou as recorta e insere, sem colar, no final do volume. Garimpa, inclusive, anotações de vigários anteriores, feitas à margem em livros de óbitos, batizados, casamentos e transfere-as para o Tombo.

 Uma amostra deste zelo são as anotações do Padre Alfredo de Macedo sobre a “Praga de gafanhotos que passou por este arraial, fazendo algum estrago, a 21 de outubro de 1908, às 12 horas do dia, depois da missa conventual”. O atentado contra a família real portuguesa que matou o rei Dom Carlos e o príncipe Dom Luiz Felipe, às 5h da tarde do dia 1º de fevereiro de 1908, em Lisboa, quando voltavam de Vila Viçosa. Curiosidades como um casal, na Hungria, que celebrou 100 anos de casamento: ele tinha 120 anos, ela 116!. A coincidência rara de o dia 1º fevereiro de 1908 cair num sábado e o último dia também, fenômeno que se dá a cada 25 anos! E outras mais como o cometa Halley em 3 de novembro de 1910. Quando, por distração rara, há omissão de algo importante, acrescenta no final do ano, ou do tomo.

Monsenhor Nélson era um bom conversador e divertido contador de casos. Foi, também, um bom literato, não tanto pelos discursos que escreveu num fraseado muito formal, como de praxe, na época, mas pela escritura do Tombo. Revela-se, aí, um saboroso cronista, no sentido atual, uma vez que a crônica é um gênero literário. Sua escrita é enxuta, leve, divertida, precisa, caprichosa. É impressionante o seu poder de síntese. Lê-se com muito prazer. Em poucas linhas ele aclara o essencial. Nada de frieza, seu Tombo tem aspectos de memória, de desabafo e de diário pessoal.

 Frequentemente, ele se expõe, toma partido, “confessa-se” e dialoga com si próprio, como se vê, por exemplo, em “Devastação das Mattas, (1951, vol. I fl.75): “O brasileiro é imediato, quer o lucro hoje sem se preocupar com o futuro” E há muitos outros. Talvez, o leitor goste de ler seu primeiro registro e seu último. Do primeiro, só dois parágrafos (ipsis litteris): “Já era nosso propósito, desde nossa chegada a esta paróchia, promovermos para este anno as Santas-Missões na sede e em algumas capellas. Graças a uma serie de entendimentos epistolares com o Superior das Missões em Congonhas do Campo, conseguimos se tornasse realidade esta nossa grande aspiração. Às dezessete horas do dia 11 de Agosto de 1944, via S. João d’El Rey, acompanhados do Exmo. Snr Prefeito Dr. José Villela da Costa Pinto, Revmos. Padres Redemptoristas Francisco Ferreira, Huberto van Oosterum e José Gonçalves chegaram a Resende Costa. Saudou-os em nome da população local o Exmo. Snr Dr. Alaôr Chaves.”(Vol. I, fl.1, 1944.).

O último registro: “Após a festa de S. Sebastião, celebrada com simplicidade no primeiro domingo de fevereiro, foi-nos oferecida a visita da imagem de Nossa Senhora – Rosa Mística – que após ter percorrido e visitado várias paróquias da Diocese de S. João Del Rei, estaria no dia 1º de fevereiro em Coronel Xavier Chaves. Com quatro dias de propaganda pela rádio S. João Del Rei, conseguimos o inesperado: Fomos buscar a imagem na tarde do dia 10 em Coronel Xavier Chaves. Mais de duzentos automóveis se incorporaram ao acompanhamento a partir do trevo da estrada de S. João;  as principais ruas da cidade por onde o carro-andorpassou, muito bem ornamentadas;  em todas as ruas o povo se comprimiu agitando lenços brancos, bandeirinhas, saudando N. Senhora com vivas e cânticos. Diante da Matriz, levantou-se um altar para uma Santa Missa que não pode ser celebrada, devido à chuva iniciada à chegada da imagem. Durante toda a noite, grupos se revezaram recitando o terço. Todo esse movimento continuou até o meio dia, quando o Padre Sazami continuou com sua viagem mariana para a paróquia de S. José em S. João Del Rei. Se em alguns lugares houve cenas de fanatismo religioso, nada disso se verificou em Resende Costa” (Vol. III, 1988, fl.76).

Seu registro do plebiscito sobre parlamentarismo ou presidencialismo de 1963, além de ilustrar bem sua capacidade de síntese e precisão de dados, revela também sua forte influência na mente do povo de Resende Costa. Foi voz corrente na época que deve-se a sua posição favorável à vitória do parlamentarismo aqui no município, um fato inusitado, como ele mesmo reconheceu: “Precedido de intensíssima propaganda publicitária financiada exclusivamente pelo governo, propagada pelo rádio e televisão em que insistia exaustivamente a favor da volta do país ao regime presidencialista, realizou-se em todo o território nacional no dia 6 de janeiro, o plebiscito. Setenta por cento do eleitorado votaram NÂO, atendendo, portanto à propaganda oficial. Finalmente, a 23 de janeiro, antes mesmo da homologação dos resultados o congresso revogou o ATO INSTITUCIONAL que instituíra o parlamentarismo. Foi essa a primeira vez que se realizou, no Brasil, um plebiscito de carácter nacional”.

 

Resultado do plebiscito em Resende Consta: “A todos os que nos pediam orientação dávamos discretamente nosso ponto de vista favorável a um parlamentarismo melhorado (não o que tínhamos) contra o presidencialismo. Grande maioria do eleitorado resendecostense votou a favor do SIM, pelo parlamentarismo. Este facto foi notícia do “Repórter Esso” de várias estações de rádio brasileiras que publicavam em notícia, digo, reportagem extraordinária que Resende Costa foi o primeiro município brasileiro, um dos poucos, a dar vitória ao Sim, contra o presidencialismo. Na verdade votaram a favor do sim  874 eleitores; a favor do não, 521; votos em branco, 61; nulos,12. Compareceram 1508 eleitores”(Vol. II fl.66).

 

 

Movimento paroquial em 1956 conforme registro no Livro de Tombo Paroquial

Batizados:  Sexo masculino: 188 - Sexo feminino: 152

Total de comunhões: 113.107

Primeiras comunhões: 240

Confissões: 27.400

Confissões de enfermos: 233

Extrema-unções: 40

Casamentos: 55

Encomendações de adultos: 39

Encomendações de crianças: 35

Homilias dominicais na matriz:113

Homilias dominicais nas capelas: 100

Reuniões com as irmandades: 209

Aulas de catecismo: 851

Coletas remetidas à Exma. Cúria: 2.533,70 (cruzeiros)

 

Média de comunhões nas primeiras sextas-feiras: 1.200 

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