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Caminho de volta

11 de Junho de 2013, por Regina Coelho

Nem toda ligação que as pessoas têm com a sua cidade de origem é feliz. Aliás, às vezes ela nem mesmo existe. Isso acontece, por exemplo, quando alguém simplesmente nasce em um lugar e dali é levado, sem o tempo necessário de criar identificação com a terra natal, não tendo com ela, portanto, qualquer afinidade ou intimidade. É compreensível que assim seja. Diferente disso é a situação de quem se afasta deliberada e definitivamente de sua cidade de nascimento renegando ou esquecendo suas origens. Como cada um tem lá a sua trajetória pessoal de vida e os seus motivos para proceder desse ou daquele jeito, é preferível não discutir as decisões alheias.

Em sentido inverso desse afastamento, prevalece o sentimento de amor à terra, lugar que vê a gente nascer, crescer e, muitas vezes, ir embora, quase sempre com o desejo de um dia voltar de vez. É o que acontece com tantos por toda parte, em Resende Costa também.

É o caso de Antônia de Paiva (a Antônia da Preta e neta da Chiquinha), 58 anos. Morando em São Paulo, ela trabalhou como doméstica, ajudante geral, babá e enfermeira prática. Foram 36 anos durante os quais as vindas a Resende Costa se resumiam a uma visita anual. Em relação a esse tempo todo, Antônia lembra que houve uma vez em que ficou ausente da terra natal por dois anos, cidade considerada por ela pequena, não muito evoluída quando se mudou daqui. A família e os amigos são citados por ela ao ser indagada a respeito do que mais lhe fazia falta em seus tempos de vida na maior cidade do país. Sobre a decisão de voltar, a explicação é simples e direta: “ter um pouco mais de tranquilidade e fugir da agitação da grande cidade”. Antônia elege o Grupo Escolar Assis Resende, hoje Escola Estadual Assis Resende, como um lugar especial para ela em Resende Costa. E por quê? “É o lugar onde passei parte da infância e da adolescência e abriu as portas de um mercado de trabalho para mim”, responde.

Também de volta à terra natal depois de morar por 40 anos em Belo Horizonte, o professor aposentado Ênio Resende, 75 anos, afirma ter deixado Resende Costa para estudar, pois aqui não havia colégio. No início, segundo ele, chegou a ficar dezoito meses sem vir em casa, tendo chorado muito, admite, por sentir falta da família. Como estudante, passou a frequentar a cidade nas férias. E passou a vir para cá quinzenal ou semanalmente quando já trabalhava. Isso nos tempos em que atuou no Banco Minas Gerais e no Colégio Municipal de Belo Horizonte, que era um conjunto de quatro unidades – São Cristóvão, Marconi, Salgado Filho e Honorina de Barros, tendo passado por todas. Sempre ligado ao meio rural e já envolvido com o Parque do Campo, importante associação que havia fundado juntamente com um grupo de ruralistas, Ênio optou pela volta à cidade, momento em que deu início à promoção de leilões rurais. E há um lugar especial para ele aqui: a Laje de Cima, pela beleza de sua paisagem e pelas recordações de infância. “Aqui estão minhas raízes, minha família”, resume Ênio em poucas palavras o muito que essa terra representa em sua vida.

Também na música e na literatura, referências à terra natal são comuns. Em “Último pau de arara”, a resistência do sertanejo nordestino em ficar em seu torrão é mostrada por Fagner no verso “Só deixo meu Cariri no último pau de arara”. Roberto Carlos é o cara que em “Meu pequeno Cachoeiro” declara seu amor a Cachoeiro do Itapemirim (ES) em versos saudosos como: “Recordo a casa onde eu morava/ o muro alto, o laranjal, ...”. Na obra literária de Mário de Andrade, o berço paulistano do escritor é figura recorrente. O verso “São Paulo, comoção de minha vida...”, que abre o poema “Inspiração”, é só um exemplo disso. E havia Itabira na vida do poeta Carlos Drummond. Seu belíssimo poema “Confidência do itabirano”, muito mais do que uma lembrança sentimental, é uma síntese perfeita da personalidade desse mineiro excepcional. “Alguns anos vivi em Itabira/ Principalmente nasci em Itabira/ Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. (...)” “Itabira é apenas uma fotografia na parede/ Mas como dói!” Versos como esses revelam o amor incondicional de Drummond por sua terra.

Felizmente para Antônia e Ênio, sem ser apenas uma fotografia na parede, Resende Costa é o berço aconchegante desses novos tempos. Mesmo assim, um ano e quatro meses depois, ela confessa que ainda não está adaptada à cidade, que considera parada (Para quem viveu em São Paulo então...) e deixa a desejar na área da saúde. Ele fica triste quando alguém fala em colocar um mirante sobre a caixa d’água da Copasa, na Laje de Cima. “Que BURRICE! A Laje é um mirante. Precisa é tirar a caixa d’água, que é a NOTA ZERO da cidade”, afirma Ênio, indignado. E propõe: “Vamos nos sentar em bancos, conversar com amigos e contemplar o pôr do sol”. Deve ser o da Laje, que é belíssimo, não é mesmo?

E que ninguém duvide do amor que nossos entrevistados sentem por Resende Costa.

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