Crônicas do Cotidiano

Votem em mim

13 de Setembro de 2010, por Rafael Chaves 0

 Resolvi ser candidato! Estou escolhendo o cargo ao qual submeterei meu nome à apreciação de todos vocês. Não sei ainda se deputado estadual, federal ou senador. Decidi não me candidatar a governador ou a presidente, por enquanto.

O Maguila e o Popó se candidataram. (Será que vão defender os ex-boxeadores, aqueles mesmos que bateram nos outros a vida inteira?). O Romário e o Vampeta se candidataram. (Será que vão defender os flamenguistas e os corintianos?). O Pedro Manso e o Batoré são candidatos. (Será que vão defender os humoristas que não são mais engraçados?). As idéias e os trejeitos dele, que se foi?). A Mulher Melão e a Mulher Pêra são candidatas. (Será que vão defender as frutas? Que salada!).

Se eles podem, eu também posso!

Eu sou farmacêutico, o defensor dos frascos e comprimidos. Sou advogado, mas não defendo os fracos e oprimidos por força de lei. Sou servidor público também. Ex? Ih, sou ex uma porção de coisas: ex-office-boy (essa turma bem que mereceria um representante!), ex-estudante (da escola formal, porque a gente sempre está estudando alguma coisa), ex-libelu (combatente contra a ditadura militar; mas não tenho pensão não, que nem uns), ex-escriturário (nome bonito e pomposo para quem ganha pouco), ex-bancário (o tal que tem dois patrões: o banqueiro e o cliente), ex-economiário (que é quase a mesma coisa que bancário), ex-professor (a gente tem que aventurar a tentar ensinar alguma coisa para alguém).

Uai, eu posso ser candidato: tenho currículo.

Programa? Hum... me pegou!

Achou que pegou, pegou nada, já tenho meu programa! Aposentados do Brasil votem em mim! Minha luta será pelas férias para os aposentados. Todo mundo tem férias, porque não o aposentado? Coitado do aposentado, depois de anos e anos de trabalho e contribuições, de um dia para o outro, passam-lhe a perna nesse legítimo direito que todos os trabalhadores têm. E que estudante também tem. De uma pernada e uma penada só lhe subtraem um dos direitos mais sagrados que um ser humano pode ter, o do devido e merecido descanso. O que fazem é abandoná-los à própria sorte, do dia para a noite, condenados à sua condição de aposentados. Companheiros e companheiras (diria Lula), Meus amigos e minhas amigas (diria Aécio), temos que mudar essa situação! (digo eu, no meu discurso).

Já estou redigindo minha minuta de anteprojeto de Lei:

Art. 1º - Os aposentados, sem prejuízo de outras garantias, inclusive as de não trabalhar mais, terão direito a 30 dias de férias por ano.

Parágrafo Único – o período de gozo das férias poderá ser livremente escolhido.

Art. 2º - No período de férias o aposentado terá direito a 1/3 do seu salário, a título de bonificação.

Art. 3º - Esta Lei retroage à data de concessão da aposentadoria.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Sim, agora sou um candidato completo. Sou, fui e tenho um programa!

E não pense você, que ainda estuda para ter uma profissão e trabalhar no futuro, ou você que já se graduou e que trabalha, que minha proposta não é também para você. Lembre-se: você é o aposentado de amanhã!

Votem em mim, mim é candidato!


Afora a brincadeira, peço que pensem bem em que/quem vão votar. Pensem naqueles candidatos e propostas que não têm chance porque as propostas que já ganharam e os candidatos com chance estão aí há 500 anos...


Para o Xico Pires, o Duda Mendonça do meu programa.

Formologia

10 de Agosto de 2010, por Rafael Chaves 0

Potros da raça Mangalarga Marchador sendo observados pelo juiz do julgamento

Exposição Agropecuária, inclusive a nossa, de Resende Costa, quase se tornou uma mostra de duplas sertanejas, de bandas pop, de grupos de pagode ou de conjuntos de rock. Quase! Graças aos sitiantes e fazendeiros - embora gostem de um showzinho -, os bovinos, equinos e asininos continuam sendo levados ao Parque de Exposição, para alegria e prazer deles e do público interessado.

Gente é assim, congênita ou domesticada na diversidade e no costume. Exposição para uns é à noite, para outros é durante o dia. A noite é das músicas, bebidas e seus resultados orgíacos. A noite é da audição, do paladar e do tato. O dia é dos concursos de morfologia, leiteiro e de marcha e seus resultados “troféicos”. O dia é da visão e do faro. Bom de verdade é exercitar os cinco sentidos, seja noite ou dia!

E é nesse turbilhão de acontecimentos que permeiam a exposição que esse filósofo, praticante dos cinco sentidos e estudante do sexto, mais conhecido como André do Pimpa, vem questionar, admirado e embasbacado com as explicações didáticas do juiz, sobre as partes dos cavalos. “Morfologia? É isso mesmo?”, investiga, curioso. E quer que se explique, cronicamente, sobre as orelhas, cabeça, tronco, membros e andamentos dos cavalos de tal sorte que o leitor, ignorante do assunto, entenda dessa tal morfologia.

A morfologia é o estudo das formas e estruturas. Pode ser de qualquer coisa, embora aqui se cuide de seres vivos. Deve haver quem cuide da morfologia das baratas, das lagostas, das lombrigas e de tantos outros seres repulsivos e horrorosos. Melhor voltarmos aos cavalos. Cada raça é uma raça e, como raça, se presta a algum objetivo, na sua forma. Você pode ter um cachorro, que tanto pode ser um poodle quanto um rottweiler, e eles não se confundem, nem na forma nem no objetivo. E entre os poodles ou entre os rottweilers, cada um terá uma forma/estrutura, embora parecida. Nos cavalos acontece do mesmo jeito. E, de acordo com a raça em que o animal está inscrito (porque há a necessidade de o animal estar registrado e documentado em alguma associação de raça para ser julgado), ele será julgado nas formas que preveem o padrão oficial da raça. O padrão racial informará, então, a forma desejada e, ainda, em alguns casos, o seu andamento. Com fundamento nesses parâmetros é que o juiz fará o vencedor, por mais subjetivo que seja um julgamento.

Nas nossas festas é comum a exposição de três raças de equídeos: os asininos, os campolinas e os mangalarga marchadores. Eles não se confundem, assim como um poodle se distingue de um rottweiler. O visitante, por mais leigo que seja, dirá: “esse é um mangalarga marchador” ou “esse é um campolina” e assim por diante. A diferença visual estará na forma da cabeça, orelhas, pescoço etc. Assim é que cada raça será julgada em separado, porque não há como comparar, para se ter um vencedor, padrões diferentes.

Os cavalos chamam a atenção. Além da utilidade, são animais bonitos de se ver. “Olha que lindo esse alazão crinalvo do Fabinho do Pimpa! E esse lobuno do Aldemarzinho e do Cláudio do Roberto do Sanico! E esse pampa do Lucas do Aldemarzinho!”. Falar nisso, cor não é raça, embora possa ser uma característica de raça, como os baios nos campolina e os tordilhos nos mangalarga marchador, ou possa embelezar um animal. Um cavalo pode ser pampa e não atender ao padrão racial preconizado na raça pampa. Cor é acessório, embora algumas raças julguem pelagem mais bonita.

Diz-se que dois conversavam, sendo um deles cego. Nisso passa um cavalo diante dos dois e o que enxergava disse “Ô cavalo bonito!”, ao que o cego retrucou “E gordo!”. O criador Aldemar Aarão já dizia que 50% da raça de um cavalo estava na gordura dele. O negociante Júlio do Benevides já dizia que a arroba de carne mais cara do mundo é a de cavalo. De fato, a beleza do cavalo está associada aos cuidados que se tem com ele. Mas cuidado! Conheço animais que, magros e a campo, foram comprados por ninharia e chegaram a campeonatos de raça. E conheço animais que, gordos, foram comprados a peso de ouro e depois descartados.

Como diria o Tonho da Santa, caro André, esse concurso de “formologia” (talvez associando ao adjetivo formoso) é, no fundo no fundo, concurso de beleza, mas, como diria o juiz, de beleza zootécnica, dentro do que preconiza o padrão racial. Entendeu? Não? Então vamos tomar uma lá em cima, ouvindo um sertanejo, na barraca do Batata, que essa exposição tá boa demais!

A bola da vez

13 de Julho de 2010, por Rafael Chaves 0

Copa do Mundo, todo mundo - exceto quem é de outra torcida que não a brasileira - vestindo verde e amarelo, fazendo questão de agitar uma bandeirinha do Brasil, na mais eventual e ocasional demonstração de patriotismo a que essa nossa pátria costuma assistir. Fora essa época, só no desfile de sete de setembro, ainda assim sem tanta espontaneidade.
 
O futebol é o esporte mais popular do planeta. Os norte-americanos não entendem muito a razão dessa paixão. Alegam que o homem demorou milhares de anos para, andando ereto, aprender a utilizar as mãos não mais como membro de locomoção, mas para manufaturar as artes todas que admiramos nos quatro cantos da terra. Seria o futebol, portanto, em última análise, um esporte que se fundamenta num retrocesso na escala evolutiva humana. É por isso que lá se joga futebol com as mãos.
 
Em que pese essa alegação deles - e outras tantas de tantos outros países onde o futebol não é o esporte mais popular -, sabe-se que dezenas de milhares de pessoas vão ao estádio assistir a uma partida de futebol, enquanto milhões a veem pela televisão.
 
O que intriga é saber o porquê de o futebol ter essa dimensão, essa faculdade de atrair tanta gente. A única explicação plausível é que, para se jogar futebol, precisa-se apenas de uma bola, nada mais. Não precisa nem ser a Jabulani, pode ser qualquer uma, até uma improvisada, enrolada com as meias finas desfiadas que as meninas não usam mais.  O resto é secundário.
 
Campo? Qualquer lugar se presta, desde que seja relativamente plano. Não precisa ser gramado nem ter tamanho certo. Já vi meninos jogando em campo triangular. Traves? Quatro pedras ou quatro estacas de pau são suficientes e servem muito bem para demarcar os limites do gol de cada lado. Uniforme? Que joguem os com camisa contra os sem camisa. Neste caso convém, se você for ruim de bola, ter um jogo de camisas para garantir sua participação. Segure a sua camisa 10 e distribua as demais. Time? Quem quiser jogar que jogue, quantos houver, tantos para cada lado e pronto. Se o número for ímpar? Coloca dois pernas-de-pau de um lado contra um craque do outro e será realizada toda justiça. Juiz? Falta é falta, escanteio é escanteio, lateral é lateral, pênalti é pênalti, impedimento é impedimento, gol é gol. O máximo que pode acontecer é o jogo ser interrompido por uns cinco minutos para saber que tem razão, ou quem é o mais forte. Cronômetro? Jogo de futebol é para ser jogado, sem essa de hora para acabar. Joga-se até cansar, ou até a mãe chamar para almoçar, ou até a hora de ir para a escola, ou até empatar (porque ninguém gosta de perder), ou até a luz do dia acabar.
 
Futebol não tem essa de pobre e rico, de subúrbio e zona sul, de negro e branco. Futebol é democrático!
 
A copa do mundo acabou nas quartas de final. O Brasil perdeu para a Holanda. Ninguém veste mais verde e amarelo. As bandeiras foram recolhidas. O amor à pátria foi adiado para daqui a quatro anos, para a próxima Copa do Mundo. Brasileiro não gosta de perder no futebol, não aceita sequer ser vice-campeão. Defeito de formação que os paraguaios não têm: uma linda modelo paraguaia prometeu homenagear seu país saindo nua às ruas se o Paraguai passasse das quartas de final. Se o Paraguai vence essa partida seria, na verdade, uma “pelada”. Imagine então se o Paraguai vence a Copa do Mundo?! Isso mesmo: teríamos o primeiro país do mundo cuja população feminina seria inteira adepta do naturismo!
 
Apesar de nossa funesta derrota, que adiou de morte nossa esperança do hexa, ainda bem que a Argentina levou de quatro da Alemanha! Ninguém aguenta esses nossos “hermanos”.

Cozinhando e limpando!

15 de Junho de 2010, por Rafael Chaves 0

Mania todo mundo tem a sua! Melhor até dizer no plural: manias. Eu, fumante inveterado, já cansei de ouvir conselhos para eu parar de fumar. Até já tentei largar esse maldito e tive a oportunidade de contar a história desse insucesso aqui. Mas também já me disseram que todo ser humano, mesmo aquele sujeito que não fuma, não bebe e não se droga (que não é viciado em nenhuma droga, lícita ou ilícita) é adicto de alguma coisa. Daí que eu gostaria de saber das manias de todo mundo, de tal sorte que quem viesse me aconselhar, eu logo retrucaria “Então porque você não para de...”. Largando o cigarro de lado – pelo menos desse jeito, aqui nesse palavrório, como diria o Cumpadre Barreto –, tenho outras manias ou gostos. 
 
Eu gosto de cavalos e todo mundo que me conhece sabe disso. Também já cansei de ouvir conselhos para largar esse negócio de criar cavalos. Onde já se viu um negócio que só dá prejuízo! Mulher então é a primeira a reclamar. Acha que você está gastando mais com cavalos do que com ela! Verdade ou não – melhor desconversar – não abro mão da minha mania. Até já os ofereci todos – cavalos, éguas, potros e potras – a certo alguém para acabar com a discussão, mas, adivinhe, não aceitou! E tem mais uma coisa: mais vale um gosto que um dinheiro no bolso.
 
Os cavalos acabam por suscitar outras consequências, aliás, corrigindo, efeitos colaterais. Se vir um chapéu de que gosto, não sossego enquanto ele não for meu. Botinas eu não sei quantas tenho, fora as polainas. Selas? Ihhh..., tenho uma coleção, para todos os gostos e formatos e tamanhos de bundas. Embocaduras de cavalos eu vivo encontrando uma melhor que a outra, “eu creio que tenha uma personalidade meio influenciável...”. Outro dia comprei uma rédea trançada de crinas de cavalo, maravilhosa, você precisa ver, daquelas que se usavam antigamente, antes de o náilonaparecer entre nossas comodidades.
 
E até aqui fiquei cozinhando o galo para falar do ato de cozinhar. Tenho prazer em cozinhar. Não todo dia, é claro! Porque esse vício, assim como os dos cavalos, não traz dependência química, é apenas um estado comportamental particular, idiossincrásico. Trem danado de bão, sô, reunir os amigos na cozinha, tomando umas, enquanto você cozinha. A cozinha é o melhor lugar da casa, sem dúvida. É o lugar mais íntimo onde se pode estar com alguém, depois do quarto. Ou você leva qualquer um para sua cozinha? Deus nos livre!
 
O ato de cozinhar traz, igualmente, efeitos colaterais: receitas (sempre fui eu quem as colecionei em casa), panelas “preciso comprar um wok”, facas (dizem que os dois elementos principais de uma cozinha são a faca e o fogo), temperos (do sal às ervas) e tudo quanto é ingrediente capaz de aguçar o paladar e o olhar (que se come também com os olhos).
 
Já grelhei avestruz, já importei faca da China, já comprei descascador de legumes de camelô... Tenho até diploma de sushiman! Tudo em nome da boa mesa.
 
Quem gosta de cozinhar sonha com o prato que vai preparar. Elabora mentalmente e meticulosamente cada passo. Porque o prazer estará nos sabores e sensações que poderão despertar e proporcionar. Tem uma dica: deixe todo mundo com fome antes de servir! (risos)
 
Cozinhar deixou de ser um ato exclusivo feminino. Se antes as mulheres ganhavam os homens pelo estômago, hoje elas têm que se desdobrar muito mais. São consequências da igualdade entre os sexos, do movimento feminista. Quem ganha o bônus paga também o ônus. De outro lado, elas não querem mais um homem exclusivamente provedor, embora a nossa organização social tenha deixado sequelas em algumas delas. Então, saber cozinhar, nos dias de hoje, pode ser um predicado interessante ao homem, assim como trabalhar e ser independe o deva ser à mulher. Aquele homem que chegava em casa após um dia de serviço e espalhava-se no sofá, abria uma cerveja assistindo ao futebol, está fadado à extinção. Do mesmo modo aquela mulher que fazia arroz com feijão e “arroz-com-feijão” não satisfaz mais.
 
O problema está é na limpeza. Depois de você despender horas cozinhando e mais uma comendo sua obra de arte ainda ter de lavar panelas e vasilhas, ninguém merece! Ainda bem que há gosto para tudo. E nessa hora convém encontrar alguém que tem essa mania e ir dizendo: “então, por que você não arruma a cozinha?”. Afinal, ninguém é perfeito! (risos)

A vida como ela é!

12 de Maio de 2010, por Rafael Chaves 0


Meu pai, outro dia, acordou bem não! Cheguei ao seu quarto e o vi ao lado da cama ainda se vestindo, apertando os cintos para segurar as calças e antes mesmo do meu “bom dia” disse assertivo que “contei mais de mil cavalos”. “Mil cavalos?”, perguntei meio espantado. “É... mais de mil...”. “Uai, mas onde isso, Pai?”, tentei extrair da situação. Nessa hora fez um bico e emendou que “essas cavalgadas que vocês fazem aí é fichinha!”. Disse que tinha feito uma cavalgada pelo Brasil, norte a sul, e que seu encargo era contar todos os cavalos que visse. Contou mais de mil e quatrocentos, segundo ele. Mais tarde tentei puxar assunto, mas ele declinou. Creio que voltou à razão. (Lembrei dos tempos em que ele fazia a Cavalgada Bolívar de Andrade e gostava de parar numa porteira e contar quantos cavaleiros havia. Chegou a contar mais de quatrocentos...).
 
Meu pai, outro dia, acordou bem não! Cheguei ao seu quarto e o vi ainda deitado na cama, olhos espantados, e antes mesmo do meu “bom dia” disse afirmativo que “um filho meu me roubou!”. “Que isso, Pai, de onde você tirou isso?”. “É... me roubou...”. “Quem, Pai?”, tentei colher da circunstância. Ele me disse um nome que eu não vou dizer qual. “Que isso, Pai, deve ser porque ele te pediu um dinheiro emprestado e ainda não pagou.” “Não, ele era pequeno...”. (Coitado do meu irmão, cinquentão, com uma fama dessas desde pequeno!) Mais tarde nem tentei puxar assunto, mas ele mesmo esclareceu e me disse que fora um sonho... Ainda bem!
 
Meu pai, outro dia, acordou bem não! “Preciso ir no banco tirar um dinheiro.”, disse ele. “Mas hoje é domingo, Pai!”. “Vou assim mesmo, se eu bater na porta eles me atendem.”, retrucou. Meu pai havia ressuscitado o Banco Almeida Magalhães, quem diria!
 
Meu pai não anda bem não! Cismou com umas coisas e, pasmem, anda perdendo a paciência. E paciência era a palavra de ordem, o preceito de vida dele. De vez em quando solta uns impropérios pelo ar. Inimaginável pouco tempo atrás. Levamos ao médico e, agora, está mais calmo.
 
A gente fica triste! Pai é referência para qualquer filho, e não é diferente para mim. Depois tem esse negócio de cabeça, que é difícil de compreender. Será que a gente fica assim meio fora do ar na velhice para se esquecer dela própria? Teria a vida na velhice outra dimensão, assim com a infância tem a sua?  Quereria eu ter, numa hipotética vida de oitenta anos, dez de infância, sessenta e nove de juventude (com experiências e conhecimentos se acumulando) e só um ano (ou menos) de velhice. Mas eu não sou deuso!
 
Mas ainda assim, ainda que sua mente pareça não funcionar bem, meu pai vai todos os dias à sua hortinha, rega e cuida dos pés de couve, das mudas de cebolinha, das touceiras de taioba, das estacas das vagens, das folhas das alfaces, dos vasos de flores... Cuida da vida, do que vive – vegetais que sejam –, que brota e se renova e continua, completando seu ciclo de semente, planta, flor, fruto, semente (outra semente que não aquela, mas a mesma semente)...
 
Se meu pai cuida é porque admira a vida. Que motivo outro haveria? Só pode cuidar da vida quem a deseja. E se cuida de outras vidas é porque sua vida depende das outras vidas. A sua própria vida deve ter sentido para ele se ela, a sua vida, faz sentido para outras vidas.
 
Meu pai não está muito bem não! Curvou a coluna, cismou de usar bengala, apresenta um olhar meio vago, esbraveja com o que não concorda ou acredita, anda engordando de tanto “qsp” nos comprimidos que toma regularmente de manhã, depois do almoço e à noite. Protesta que está impedido de ir à cidade sem companhia para fazer as compras que sempre fez, ou para ir ao Banco sacar dinheiro, ou para ir à Associação dos Veteranos da FEB – Força Expedicionária Brasileira. Não diz, mas não está achando graça de não poder mais andar de moto-táxi (meu pai andava de moto-táxi aos 90 anos, quase todos os dias, trazendo a sacola de compras, a mando da minha mãe). Não anda muito satisfeito com as limitações que lhe estão sendo impostas.
 
Eu não ando muito bem não em ver meu pai assim! Mas meu pai continua regando e cuidando das plantinhas...