De um ponto de vista

Então...

19 de Fevereiro de 2020, por João Bosco Teixeira 0

Uma senhora aproximou-se de mim e disse: “Agora, em 2020, quero ir à missa toda semana”. Ela havia abandonado esse costume. Falou-me isso, sem mais. E acrescentou:  “Ah! Tem que ser num horário de uma missa boa, com um padre falando legal.”  

Refleti um pouco com ela. Primeiro: não existe missa boa ou não. Missa é missa. O que existem são variações secundárias: mais canto, menos canto, melhores ou piores leitores, padres mais ou menos preocupados com a excelência do momento para oferecer uma boa catequese.

“Eu sei, me disse ela, que a missa é a missa. Mas, Deus me livre de ouvir certas pregações.”  

Está bem. Nem todo padre tem o dom da palavra. Muitos padres deixam nos fiéis a impressão de que se preparam pouco, por isso falam muito, e sempre de tudo e a mesma coisa. Poucos conseguem transformar a celebração da Palavra em celebração de vida. Falta para muitos até um cursinho de didática.

“E a cantoria que às vezes aprontam?” Concordei com ela. Embora as celebrações litúrgicas estejam melhorando, há cantos que nada têm a ver com o que se está celebrando. As baterias animadoras dos cânticos soam, muitas vezes, como a coisa mais importante.

“Mas, como é que eu fico, porque desejo mesmo voltar a frequentar a eucaristia”.

Ótimo, disse-lhe eu. A senhora, então, haverá de entender que já não pode ir à missa com os mesmos sentimentos, com a mesma postura de quando era mais jovem. Sua missa hoje precisa ter a idade da sua idade.

“O que significa isso?”

Significa que seu compromisso não pode ser com as aparências da missa. Tem que ser com Jesus, tem que ser expressão de uma vida comunitária. A gente vai à missa com algumas finalidades. Primeira delas: celebrar a Palavra. Palavra que cada domingo é anunciada pelas leituras da Sagrada Escritura. Palavra que os padres devem ajudar a compreender e vivenciar. Depois, vai-se à missa celebrar a memória da passagem de Jesus pela morte e ressurreição. Passagem que teve início numa ceia na qual Jesus deixou para nós uma ordem: Fazei isso em memória de mim. E o que foi que Jesus fez? Distribuiu o pão e o vinho, dizendo que quem fizesse aquilo, estaria fazendo o que Ele é. E finalmente, celebrar a comunhão, que é a máxima expressão da comunidade em se declarar toda fraterna, toda igual, mesmo com as mil diferenças possíveis entre as pessoas.

“Eu não posso comungar. Faz tanto tempo que não me confesso.” Tudo bem. Mas lembre-se: assim como na comunhão nós professamos nossa fraternidade universal, assim também a única coisa que nos afasta da comunhão é o ódio, é a separação, a indiferença frente aos irmãos. Com a comunhão, vou repetir, a gente professa fé na fraternidade universal, todos iguais, todos filhos do mesmo Pai. E mais: se se cometem pequenos erros, é preciso lembrar que Jesus veio para os pecadores.

Então...

Agora é Advento

18 de Dezembro de 2019, por João Bosco Teixeira 0

Agora é “Advento”, espera, expectativa para quem alguma coisa espera, para quem quer enxergar além do que a vista alcança. É celebração eminentemente religiosa, católica. Pode haver nela, entretanto, uma contemplação que ultrapasse os limites da religiosidade.

Cíclica é a natureza, em movimento ascendente. Igualmente cíclica é a ciência. Cíclica é a história. E, se formos falar dos humanos, cíclica, muito cíclica é a vida biológica, a vida psíquica. Com o avançar dos anos, em nós tudo vai se transformando, biologicamente. Na velhice, psicologicamente voltamos a ser crianças, que de nada têm medo, que ignoram os riscos do viver, que não dão importância a tanta coisa considerada já desnecessária. A velhice nos põe mesmo diante de um mundo infantil: tudo ignora, de um lado, porque tudo passa, de outro. A nada se dá tanta importância. Com a velhice vamos ficando nus, novamente. Noutro estado. Noutra dimensão. Em evolução.

Cíclica também deveria ser a vida espiritual, sempre crescente. Por que não? Não podem os anos passar, a vida evoluir em todos os aspectos e mantermo-nos infantis diante do enigma da vida, diante da certeza da morte que nos coloca numa colossal incerteza. É preciso acreditar que o cíclico da vida exige uma vida espiritual também cíclica. Caso contrário, uma enorme fraqueza: corpo adulto com espírito infantil, pobre, desajustado, doentio. Incompreensível.

A festa que se aproxima, cujo Advento nos leva a contemplá-la como um fenômeno cíclico, enriquecedor, em evolução, nos surge como um convite permanente ao crescimento. O centro da festa é o irmão Jesus, que não vai nascer, que não vai voltar, e a quem convém contemplar em sua vida plena. E vale relembrar: contempla quem sabe que não vê, mas sente. Contempla quem não tem certeza, mas experimenta. É a transcendência a que se pode aspirar, mesmo enraizados numa vida corpórea, já de imenso valor, pois é ela que nos permite esperar, que é capaz de gerar em nós a certeza de um dia que vem vindo.

Criar expectativa não é viver ilusão. É aguardar o possível encontro. Que ele nos aconteça, encontrando-nos, ciclicamente, mais avançados mais perto, mais com Ele, adulto, vivo entre nós.

Bom Advento! Rica expectativa! Feliz encontro em crescente cíclica harmonia!

Abuso de autoridade

15 de Outubro de 2019, por João Bosco Teixeira 0

Autoridade é qualquer pessoa que exerce algum poder. E, no exercício de tal poder, pode cair no erro de abusar da autoridade.

Assim é que pais, que punem o filho sem conhecer os detalhes do erro que o filho cometeu, abusam da autoridade paterna. Superiores, gerentes, administradores, de qualquer categoria, que baixam normas sem levar em consideração a real possibilidade de serem obedecidas, abusam do poder. Pessoas, de qualquer nível intelectual, moral, econômico, religioso, que, valendo-se de seu maior preparo, impõem sua opinião sobre os menos capacitados, coagindo-os a aceitar suas opiniões, abusam do poder. Autoridades dos mais variados níveis hierárquicos, dos mais variados tipos de serviço, nos mais variados espaços de convivência humana que, independentemente do mister que exerçam, entendem não dever dividir com seus colaboradores decisões que envolvam todos, abusam do poder.

Convenhamos: nada mais natural, assim como é natural o desejo de poder. Isso é tão forte nas pessoas que, para muitos psicólogos, a dinâmica do poder constitui a maior fonte de energia na constituição psíquica das pessoas. Portanto, autoridade, poder, uso e abuso de uma coisa e outra, estão no dia a dia de nossas vidas, ainda que pouca importância demos a isso, ainda que sequer percebamos como somos “abusados”.

Quando, porém, se trata da autoridade que é investida de poder por delegação de uma comunidade, o abuso de autoridade se torna mais evidente. Quando o poder que uma autoridade tem lhe é atribuído por manifestação pública, o seu exercício fica sujeito a variáveis muito mais exigentes. E haverá, então, uma condição inalienável do poder, que é o exercício da autoridade em busca do bem comum.

Se um frentista de posto de gasolina, que também tem seus momentos de exercício do poder, atende mal a um cliente; se um médico deixa de acolher um paciente com menos atenção, poderá haver nisso um abuso de poder que, no entanto, não causa maiores prejuízos à população em geral. Mas, se a Câmara dos Vereadores, se a Assembleia Legislativa Estadual, se o Congresso Nacional, se o Presidente da República estabelecem princípios, leis, decretos que não visem ao bem comum, não apenas abusam do poder como são merecedores de desprezo por parte daqueles que representam.

Para grandes conhecedores do assunto, a atual lei sobre Abuso de Autoridade, emanada pelo Congresso Nacional, é desnecessária, pois o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos legais suficientes sobre a matéria.

Além do mais, essa lei é para ser desprezada porque sequer é lei. Sabe-se que a condição para que uma lei seja lei é que ela vise ao bem comum. Ora, o projeto dessa lei que aí está, “foi feito com interesse direto de inibir as investigações que atingem os políticos”, segundo Miriam Leitão. Por conseguinte, ela não visa ao bem comum e, consequentemente, não é lei.  Ela é a clara manifestação de um ABUSO DE AUTORIDADE.

Anticristo

13 de Agosto de 2019, por João Bosco Teixeira 0

O jornalista Dimas Roque escreveu um artigo que leva o seguinte título: “O Anticristo chega na presidência”. Nesse artigo ele lembra que Nostradamus já falava, em suas profecias, que haveria três anticristos até a chegada do fim dos tempos. Dois deles seriam Napoleão Bonaparte, no século XIX, e Adolf Hitler, no século XX. O terceiro viria no século XXI. Dimas Roque indaga, ou insinua, se Bolsonaro e Moro não estariam cumprindo a terceira profecia de Nostradamus, relativamente ao século XXI.

Um grande amigo enviou-me o tal artigo e indagou: “Oi, João Bosco, você que tem acesso privilegiado ao pai de Cristo, o que acha disso? Na minha ignorância religiosa, eu concordo.”  

Respondi ao meu amigo, dizendo que havia lido o artigo com muita atenção e respeito. No entanto, eu dizia que entendia aquilo tudo como fruto de uma visão pouco cristã da vida. E nessa visão eu incluía, inclusive, as pseudoprofecias do francês Nostradamus. Se não for uma visão pouco cristã, pelo menos é uma visão com a qual não compartilho. De qualquer forma, entretanto, se há mesmo a possibilidade de um terceiro anticristo, acho pouco provável que um terceiromundista viesse a sê-lo. Quando se pensa num Hitler, num Napoleão, homens cuja vida impactou o mundo inteiro, o mínimo necessário seria pensar num Trump, homem da maior importância. Quem é o Bolsonaro para se alinhar com eles? Um homem que se mostra cada dia mais destemperado na sua linguagem, como provou ainda na semana que passou, não seria capaz de levar um anúncio ou uma ameaça para a humanidade.

O essencial, porém, não é isso. Do possível anticristo, tenho outra visão. Anticristo, para mim, são outras coisas. Anticristo é a injustiça implantada no mundo, a fome que não cessa de grassar, a miséria que mantém parte notável da humanidade em situação anti-humana, a barbárie praticada por tantos governos, a escravidão que insiste em permanecer em tantas estruturas sociais de trabalho, o analfabetismo que mantém legiões de pessoas em permanente estado de submissão e dependência, e tantas outras manifestações da vida que não se personificam em ninguém e atingem a tantos. Isso para mim é o anticristo. Isso para mim é que é radicalmente contrário à mensagem que nos deixou Jesus. Falar de anticristo como uma pessoa é isentar-se, cristamente falando, da responsabilidade social a que somos chamados. Não precisamos procurar um anticristo fora de nossas vidas. Não precisamos incorporar nossas misérias e desventuras numa determinada pessoa. O anticristo acontece quando se privilegia a mentira e se abusa do poder, quando se humilham os fracos e aniquilam-se os demais com a injustiça, quando se exploram os pobres e nega-se a vida aos oprimidos.

Procurar o anticristo fora de nós é querermos colocar os males do mundo nas costas de outrem para fugirmos de nossas responsabilidades.

Democracia em vertigem

16 de Julho de 2019, por João Bosco Teixeira 0

Democracia sempre me interessou. Considero o exercício democrático do poder uma força irresistível. Não desconheço, entretanto, os riscos que um democrata corre. Um, entre outros, de se tornar um demagogo. 

Em palavras simples, a democracia é um regime de governo cujo poder emana do povo. De origem nas cidades-estado gregas, lá mesmo a própria democracia já tinha suas falhas, já continha suas limitações. É que a democracia, entendida como governo do povo, “destina-se a todos os cidadãos, ou seja, a todos aqueles que gozam do direito de cidadania...”  Acontece que, nas tais cidades-estado, a grande maioria da população era escrava. Seus habitantes, pois, não gozavam de liberdade, não eram cidadãos. A democracia era, então, o governo voltado para uma ínfima minoria. Modernamente, a democracia nada mais é que a forma republicana de governo, em oposição à forma aristocrática.

A democracia, como noutros tempos, tem seus limites, configurados até nos desvios a que está sujeita. É muito fácil empanar, encobrir, empalidecer seu significado. Todos, que se dizem democratas, se empenham com os processos eleitorais, em todos os níveis. Esquece-se, entretanto, de que as eleições são apenas uma exigência da democracia. Ela vai além. Porque, se no processo eleitoral é-se capaz de identificar por quem a maioria da população faz opção, com tal processo não se identificam quais as ambições populares. Diz-se que isso é possível, pois os eleitores votam segundo os programas de governo. Balela, absoluta balela. Qualquer singela pesquisa demonstra a falsidade de tal afirmativa.

A democracia, como processo, tem suas exigências, intransferíveis. Grande entre todas, a exigência de um Judiciário. Governo do povo, pelo povo, com o povo sem judiciário é buraco n’água, é firmeza em lamaçal, é transparência em nuvens carregadas.

Foi assim que vi o recente documentário Democracia em Vertigem. Ao dispor-me a vê-lo, pensei, de um lado, em enriquecer-me, em fortalecer minhas convicções sobre a democracia; e, de outro, imaginei que acabaria por concordar com o título, pois a pobreza invadiu nosso sentido republicano, nossa visão democrática. Confesso que, no documentário, nem me entusiasmei, nem vi a democracia em vertigem. Já na voz da narradora senti um tom de lamento, de queixa. Portanto, subjetividade à flor da pele. Direito dela, ou de quem produziu o documentário, sem dúvida. Objetividade, entretanto, a léguas de distância. Se tivesse que avaliar o filme em pobres e únicas palavras, eu diria: a democracia está em vertigem porque um líder popular está preso, porque se perdeu o respeito pelo Judiciário.

 Convenhamos: uma visão muito pobre de democracia, pois democracia não existe onde há gurus, não existe onde há mitos intocáveis, não existe onde a autoridade maior não é o povo. Este pode querer ter um ídolo. A democracia, se o tiver, deixa de ser democracia.

Acredito, sim, que nossa democracia esteja em vertigem. Não, porém, pelas razões apresentadas no documentário: apologia de uma ideologia.