Ótima ocasião
14 de Junho de 2020, por João Bosco Teixeira 0
A educação é competência específica da família e da escola. Esta nada tem a fazer, no momento, dado que os sujeitos da educação, os alunos, não a estão frequentando. Em situação oposta estão as famílias. Elas se viram frente a frente com o processo educacional palpitando, exigindo dos adultos que convivem com os menores, uma dedicação sem precedentes. Na maioria dos casos, estão todos em casa, pais e filhos, envolvidos uns com os outros, o tempo todo.
O processo educativo, essencialmente um processo de relação, está exigindo dos membros da família uma interação sem precedentes e sem folga. E tudo se reveste com novas cores, porque o dia a dia introduziu, para muitos, a novidade do preparo da alimentação, do cuidado da casa, e até da função de ensino para aqueles com filhos menores. A convivência familiar tornou-se mais intensa, cobrando de todos mais criatividade. É verdade que esse novo estilo de vida pode também ocasionar momentos de impaciência, desentendimentos, desgaste emocional, cansaço, fadiga. E há já tanta gente assim. Tudo isso, no entanto, pode resultar numa revisão de tantos aspectos da vida em geral e da vida familiar, em particular.
No tocante ao ensino,as escolas estão se esforçando para ministrá-lo à distância. Acontece, entretanto, que tal ensino tem suas peculiaridades e não consiste na mera transposição da sala de aula para a internet. Não é assim. Há sérias exigências, particularmente relativas à linguagem e à metodologia de ensino. A linguagem do professor no ensino a distância é muito diversa daquela empregada em sala de aula. Nesta, a fala do professor tem entonação, acompanhada de emoção, mímica, expressão corporal, todos fatores que ilustram a comunicação. No ensino a distância, a maioria de tais fatores se perde, ainda que sejam aulas por teleconferências. A metodologia de ensino, então, é totalmente outra: nada de explanações, discursos, belas falas. Processa-se uma interação direta, o que supõe todo um material didático apropriado e condições tecnológicas sem percalços. Na maioria dos casos, não é o que vem acontecendo. A escola não está preparada para tal ensino. O professor continua agindo da mesma forma que o fazia dentro da sala de aula. E boa parte dos alunos não tem condições tecnológicas favoráveis.
Acredito, no entanto, que esse esforço deveria perdurar. Precisamos nos convencer de que o aprendizado é individual. E que ele pode ocorrer à distância.
Precisamos nos convencer de que o aluno é quem aprende, mediante a utilização de metodologia e material instrucional devidos. Numa sala de aula com vinte e tantos alunos, não há professor capaz de ajudar tantos ao mesmo tempo.
Educação exige relação, presença. Ensino, não.
O assunto é velho: ensino. A atividade é nova: ensino a distância. Novas e necessárias exigências para a escola e para o professor. O aluno, como sempre, continuará aprendendo quando quiser.
Morte e vida com coronavírus
10 de Maio de 2020, por João Bosco Teixeira 0
Novo coronavírus, causador de mortes. Novo coronavírus, antecipador de vida.
É assim que vou vendo essa terrível epidemia. Terrível, porque causadora de terror. Terrível, pois, ainda não se conhece bem esse minúsculo ser sobre o qual, a cada dia, descobre-se uma novidade. Sabe-se que poucas partículas do vírus são suficientes para infectar uma pessoa.
Sabe-se que ao entrar no corpo o vírus encontra receptores aos quais se conecta e começa a se replicar. Sabe-se que atua em sistema. Sabe-se que as pesquisas são preliminares e muita investigação científica se faz ainda necessária para validar as hipóteses dos pesquisadores. Isto é: sabe-se que não se sabe. Cada dia uma novidade. Cada dia uma incógnita. Cada dia o desafio colocado para quem pretende saber da “vida”: o que é, em que consiste, como se estabelece, onde teve origem.
Enquanto isso, mata.
Comovem-me todas as mortes. Algumas, porém, em particular. Comovem-me aquelas mortes de quem atende os que podem morrer. Estão lá, lado a lado, com uma segurança discutível, com o cuidado indiscutível, com uma esperança que pode ser contra toda esperança. É dedicação em estado puro. É saber que não vale viver se não for para que outros vivam. É colocar a própria vida em segundo plano, frente à vida do outro. Por isso digo: Bem-aventurados os que morrem pelos que morrem, pois já estão nos braços do Pai comum.
Novo coronavírus, fonte de vida. Vida que nasce da “comunhão”, da união com aqueles que morrem porque não conseguiram vencer o inimigo. Comunhão igualmente com aqueles que morrem para não deixar outros morrerem. Eles estão morrendo por nós, levados pelo compromisso profissional, que, acredito, não se sustenta sem a plena convicção de que é preciso lutar para viver, para não deixar morrer, para não se abater com a derrota frente ao desconhecido. Doam a vida: são mártires, na melhor acepção da palavra. Pois não há maior amor que doar a vida pelo irmão. Por isso, recebem a vida, que vírus algum aniquila.
Temos tido grande oportunidade de experimentar a verdade de que não se vive em vão. Como suportar ver o irmão definhar, ir-se embora, sem colocar nisso um sentido maior? Como, em pleno século vinte e um, marcado por avanços tecnológicos em todas as manifestações de vida, não conseguir controlar esse conhecido coronavírus, na sua atual manifestação de “novo coronavírus”? Não me escape a verdade de que a vida não só é misteriosa na sua origem quanto o é no seu desenrolar, nas suas insondáveis manifestações. E isso é que me leva de volta para onde ela teve origem. Sim, a Covid-19 me está dando a oportunidade de reconhecer o dom da existência, de melhor me conhecer, de entender que ninguém é senhor da vida, exceto aquele que deu origem a ela.
A Covid-19 tem fortalecido em mim o sentido da comunhão. Comunhão na vida: uns pelos outros. Comunhão na morte: todos para a fonte da vida.
O dia que o Senhor fez
12 de Abril de 2020, por João Bosco Teixeira 0
“Pai, por que me abandonaste?”
Meu leitor! Agora é a hora. Dessa não passa. Sem essa hora, não há como se dizer cristão.
Jesus chegou ao maior dos sofrimentos: sentiu-se abandonado pelo Pai, ao qual foi fiel até a sua total consumação.
É isso mesmo. Sem tirar nem pôr. Jesus chegou ao máximo da humilhação humana: o suplício da cruz, reservado aos grandes facínoras. Embora tenha sido um ser humano completamente consciente de si mesmo, de sua missão, de seu compromisso inarredável com as criaturas, viu-se só. Tremendamente só. Sentiu-se abandonado por aquele a quem nos ensinou a chamar de Pai.
Pois bem. Entendo que esse foi o melhor caminho, a mais digna atitude para Jesus voltar para os braços do Pai. Sofrer pelo abandono, sem que isso o aniquilasse. Sem que com isso sua súplica fosse de desespero. E Deus o ressuscitou de fato. Para alcançar a ressurreição passou pela absoluta morte, antecipada por um completo despojamento.
Jesus ressuscitou.
A religião católica tem conteúdos doutrinais de difícil assimilação. Há verdades construídas pelas criaturas ao longo da história, em ocasiões tão específicas, que nos é difícil e até mesmo impossível assimilar nos tempos tão diversos em que vivemos. A nossa história nos leva a outra compreensão da realidade e de muitos fatos. Pode-se, pois, ser cristão, e até católico, com alguma divergência relativa a doutrinas e costumes. Há, no entanto, uma verdade intocável. Uma verdade sem a qual não nos resta alternativa na condição de cristãos. Verdade que se constitui em pedra de toque de nossa adesão a Jesus: a verdade da sua Ressurreição.
Para tanta gente, fato de difícil aceitação e compreensão. Talvez porque haja aí um engano. Ressuscitar não é um retorno à vida biológica. A ressurreição não é acessível à captação sensível, ela é objeto de fé e não de conhecimento. Por isso, falar de uma visão do Ressuscitado carece de sentido. E menos ainda achar que a fé na Ressurreição é demonstrada pelas “aparições”. Não. A Ressurreição de Jesus vai além de qualquer aparência. E nela, ou simplesmente se acredita, ou não se acredita.
Mistério imenso. Sem dúvida. Sem tal mistério, porém, sem a crença nele não se alcança o inteiro significado da vida de Jesus. Pela sua Ressurreição Jesus é introduzido na plenitude divina. Plenitude que Ele alcançou, sim, em consequência de seu grito “Pai, por que me abandonaste”, plenitude que alcançou sentido à luz da total aniquilação material que a morte lhe proporcionou. Mas plenitude na morte, geradora da acolhida divina que o Pai lhe concedeu.
“Se Cristo não Ressuscitou vã é a nossa fé (1Cor 15,12). Crer na Ressurreição, pois, é dizer de nossa fidelidade a Ele. Então, crer na Ressurreição é dizer se somos ou não cristãos. É dar sentido vital àquilo que tantas vezes dizemos: Ele está no meio de nós.
Ressuscitou. E ressuscitaremos também, pois este é “O DIA QUE O SENHOR FEZ”.
Pode ser bom silenciar
05 de Abril de 2020, por João Bosco Teixeira 0

DOMINGO DE RAMOS, Jesus que chega a Jerusalém. Domingo que inicia a semana em que ocorre o tríduo sagrado, preparação para a maior festa cristã: a Ressurreição de Jesus.
Que semana! Ramos. Procissão do Encontro. Ceia Pascal. Senhor Morto. Vigília Pascal. Páscoa.
Quanta festa. Sim, festa, pois grande aglomeração de pessoas. Festa, porque ramos para o Rei, montado num jumentinho. Festa, porque um solene encontro de uma Mãe com o Filho condenado. Festa, porque uma linda celebração para a bênção dos óleos reservados para vários sacramentos. Festa, porque se comemora a instituição da Eucaristia, ocorrida em volta de uma mesa. Festa porque, superada a triste memória da flagelação, coroação, caminho do calvário, crucifixão e morte ignominiosa, entoa-se, proclama-se o maior de todos os anúncios: Ele ressuscitou.
Este ano, entretanto, que festa? Onde a aclamação vibrante de Hosana ao Filho de Davi? Onde os ramos de oliveira para, com eles, aclamar a chegada do rei? Onde o desfile de fiéis acompanhando uns a Mãe, outros o Filho, até seu comovente Encontro? Onde a Missa da Ceia do Senhor? Onde a bela cerimônia do lava-pés, a lembrar-nos o que a cada um de nós compete fazer? Onde a emocionante cerimônia do descendimento da cruz? Onde a beleza da adoração da cruz: “povo meu, o que foi que te fiz?” Onde a multidão acompanhando o esquife a transportar a imagem de Jesus, enquanto a verônica, chorosa, indagava: “Ó todos vós que caminhais pelas estradas, dizei-me se existe dor semelhante à minha?” Onde foi parar o sublime anúncio pascal na noite de sábado? A igreja nas trevas que, de repente, se faz toda de luz, movida pela verdade do canto: Só tu, noite feliz, soubeste a hora em que o Cristo da morte ressurgia?
Para tudo isso, o silêncio. Por que? Porque, se para viver o espiritual gostamos tanto de nos servir do corpo, das cores, do incenso, da matraca, da música, dos sinos, das figuras bíblicas teatrais?
Mais vale perguntar que responder. A verdade é que temos a oportunidade de viver uma intensa semana, sem sermos incomodados por tanta festa, por tanta solicitação, por tanto atrativo. A sós, é o que viveremos nos próximos dias. O silêncio de tais dias, que não é o silêncio de Deus, não nos fazer surdos e cegos pela ausência de estímulos belos, embora não necessários, válidos, embora não indispensáveis.
Esta semana é para se crer sem intermediação externa. É para se celebrar, ainda que sem celebração. É para se festejar, ainda que sem festa. É para se aprofundar a verdade de que Deus não exige cruz para nossa salvação; mas quer que a busquemos, apesar da cruz.
Esta despojada semana vai nos permitir entender que tudo o que nela ocorre só faz sentido se se entende que o essencial é o que depois dela acontece: “Por que procurais, entre os mortos, Aquele que vive? Ele não está aqui; ressuscitou” (Lc 24,5s).
O celebrar não interrompe o viver
17 de Marco de 2020, por João Bosco Teixeira 0
A conversa com aquela senhora sobre a missa prolongou-se. Dizia-lhe eu: “É preciso, pois, participar da missa com a idade que se tem.”
Falemos do começo da missa. Quantos de nós não tomam consciência de que a missa tem início com a confissão dos pecados: Confesso a Deus e a vós irmãos e irmãs. Que beleza! A presença de Deus que exige a paz com os irmãos. Mesmo porque se responde à saudação que o sacerdote faz, dizendo: Bendito seja Deus que nos reuniu NO AMOR DE CRISTO. Isto é, estamos ali na igreja porque Deus nos chamou. Não se está ali porque se é obrigado. Não se está ali porque o padre tal é que vai celebrar. Não! Estamos ali para acolher o Amor de Cristo por nós. Isso não é uma coisa insignificante.
O fiel adulto vai à igreja para acolher a Palavra que será anunciada. É verdade, muitas vezes é mal anunciada, com leitores menos preparados, com som defeituoso. Então, por que não chegar um pouquinho antes e correr os olhos pelos textos que serão lidos, ou, quem sabe, ler o comentário que a maioria dos folhetos traz? Isso facilita ouvir as várias leituras e até acolher a palavra do sacerdote.
Por que, também, não se dedicar à leitura de algum livro sobre o PAI NOSSO? Há tantos ótimos: de Pagola, de José Tolentino Mendonça, de Comblin, de Leonardo Boff. É mais uma atitude para nos ajudar a celebrar melhor a Eucaristia. Afinal, o Pai Nosso nos leva para a comunhão.
Não vou comentar toda a liturgia eucarística. Prefiro lembrar que celebrar é “fazer brotar, tornar visível, inegável e inevitável a presença do Ressuscitado-entre-nós”. Dizemos, erroneamente, que se tem na missa um momento sagrado. Sagradas são nossas vidas. E quando estamos em partilha, em comunhão com os irmãos, “o sagrado nos acolhe, nos fala, nos espia e desafia, nos anima”.
Falo tais coisas, mas não se pense que a missa é assunto para os conhecedores de teologia, os estudiosos. Não, não é isso. Pois crer em Deus não é pensar Deus, mas SENTIR Deus, a partir da totalidade do nosso ser. A religião, embora possua uma dimensão racional, não se confunde com a razão. “É o coração que sente Deus, não a razão”, como dizia Blaise Pascal.
Então, quando se fala que é preciso celebrar a missa com a idade que se tem, não significa querer colocar a razão, o pensamento, a crítica antes da emoção. Não se trata disso. Na missa, nossa inteligência vem saturada de emoções e de afetos. Por isso a celebração eucarística é uma festa, alegre, feliz, cantante. E saber superar a materialidade da vida, mesmo em suas manifestações de emoção, é próprio da vida adulta, que é preciso levar conosco para todo lado, inclusive para a igreja.
O celebrar não interrompe o viver.