"Cabeleireiro de Homens - Vander", este é o salão do paulista Vanderlei em Lisboa


Imigrantes & Empreendedores

José Venâncio de Resende0

Vanderlei, na porta de seu salão no centro de Lisboa.

O paulista Vanderlei de Moraes, 47 anos, é “Cabeleireiro de Homens - Vander” em Lisboa – o popular “barbeiro” do Brasil, profissão que aprendeu na Aeronáutica. “Aprendi com o senhor Gusmão, que tinha o cargo de taifeiro. O taifeiro usava duas divisas, como o cabo. Um dia ele me disse: ´Agora, você já tem uma profissão´. Aí eu pensei: ´Imagina, eu!´ Mas a vida dá muitas voltas.”

Aos 18 anos, Vanderlei deixou Jacareí, sua terra natal no Vale do Paraíba, para servir a Aeronáutica, em São José dos Campos. Ao final de um ano, dos 312 soldados, ficaram apenas cinco, entre eles, Vanderlei, que logo depois prestou concurso para cabo. Nesta época, ele concluiu o segundo grau… E se casou. Do casamento, que durou dois anos e meio, nasceu Lorrine hoje com 24 anos.

A menos de um ano da efetivação, ou seja, seis anos depois, deixou a Aeronáutica por volta de 1993. “O meu engajamento foi indeferido e eu resolvi não recorrer.”

Vanderlei via outras oportunidades fora da carreira militar, mas as coisas não aconteceram como desejava. A falta de emprego coincidiu com o fim do casamento. “Foi um período muito difícil na minha vida. Mas eu era sereno e sabia que isso ia passar.” Sereno e com imensa facilidade de fazer amigos.

Sem opções, ia morar na rua quando foi socorrido por uma senhora que lhe ofereceu um quarto. Depois morou com um primo da cunhada e seu colega, na casa que este herdara da mãe falecida. Três desempregados e sem dinheiro para as despesas mínimas. “Nem luz a casa tinha.”

Um dia Vanderlei viu um anúncio no jornal do restaurante chinês Jinjin, oferecendo vagas para trabalhar na cozinha. Deixou o currículo lá e foi um dos escolhidos, com a condição de que fizesse um curso de uma semana em São Paulo. Dos seis selecionados, dois tornaram-se cozinheiros e quatro auxiliares - um deles, Vanderlei. Além do salário, ainda levava comida para os dois colegas desempregados que estavam em casa.

“Na prática, era eu que cozinhava”, recorda Vanderlei. “Os clientes, inclusive o pessoal da TV Globo de São José dos Campos, sempre queriam saber quem tinha feito aqueles pratos.” Depois de nove meses, o restaurante encerrou as atividades e foi abrir as portas no Rio de Janeiro.

De novo, Vanderlei estava na rua à procura de emprego. Era por volta de 1996 quando aceitou a vaga de segurança de uma loja da C&A. Nesta ocasião, encontrou um amigo de colégio, Lúcio da Silva, que trabalhava de cobrador de ônibus. “Ele me convidou para morar na sua casa, com a autorização da mãe que também era cobradora de ônibus.” Por intermédio da mãe de Lúcio, Vanderlei conseguiu emprego de cobrador de ônibus. “Ela sempre me tratou como um filho.”

Coincidiu que Lúcio tocava violão clássico e Vanderlei estava aprendendo o mesmo instrumento. Acabaram ingressando numa banda em São José dos Campos, Lúcio na guitarra e Vanderlei como baixista.

Vanderlei dividia o tempo entre o trabalho e um curso de enfermagem, que durou um ano e meio entre 1997 e 1998. Depois de dois anos como cobrador de ônibus e com uma nova profissão, resolveu mudar. “Eu trabalhava à noite, era meio perigoso.”

Seu primeiro emprego na área de saúde foi no Hospital Pio XII de São José dos Campos, mas chegou a fazer jornada dupla – o outro hospital era o Unicor – até que, passados cerca de três anos, deixou o Pio XII. “Sempre trabalhei em unidade intensiva e pronto-socorro.” Em seguida, passou a acumular o Unicor com o Hospital Alvorada, de Jacareí.

Nesse período, Vanderlei resolveu fazer um curso de radiologia – foi aluno de uma das primeiras turmas – mas não conseguiu ingressar na área porque o mercado era muito restrito. Em compensação, as condições financeiras já permitiram a aquisição de uma casa própria pela Caixa Econômica Federal. Assim, em 2002, deixava a casa do amigo Lúcio.

Vanderlei, então, ficou noivo de Maíse que conheceu no Hospital Pio XII. Decidiu vender a casa e mudar para Campinas com o intuito de se casar. Mas o noivado acabou e, desiludido, Vanderlei telefonou para Luiz Lima, antigo colega de Aeronáutica que vivia em Madri (Espanha). Passou pouco mais de um mês em Madri e voltou a Campinas na tentativa de reatar o noivado – o que não aconteceu.

De novo, sem moradia e sem emprego. Então, Vanderlei comprou uma moto financiada e foi trabalhar como motoboy para uma empresa do ramo de entregas. Ficou durante um ano neste trabalho.

Na Europa

De novo, sem perspectivas. Vanderlei então telefonou para uma amiga em Valência, de nome Marisa, que conhecera na passagem por Madri. Em 2003, embarcou para a Espanha, com escala na Itália, mas foi barrado pelo serviço de imigração.

Enquanto aguardava num banco para ser interrogado, Vanderlei viu uns óculos rayban aparentemente perdidos. De repente, teve a ideia de pegar os óculos e entregar a um policial. “Logo fiz amizade com ele, foi o que me salvou. Entreguei os óculos perdidos e perguntei onde podia trocar dinheiro. No final, ele interferiu a meu favor.”

Em Valência, Espanha, Vanderlei foi morar na casa da família de Marisa onde ficou cinco anos. Trabalhou como motorista de van fazendo entregas em geral, principalmente roupas e livros. “Tive a oportunidade de conhecer toda a região sul da Espanha.”

Com a crise de 2008 que atingiu em cheio a Espanha, Vanderlei veio parar em Portugal por influência de um dentista mineiro de nome Valter e de outro brasileiro, Manuel. Desembarcou em Setúbal, na região de Lisboa, e foi morar em casa de Manuel. Conseguiu trabalho de garçom num restaurante, mas foi por pouco tempo.

Um dia apareceu um rapaz procurando por um cabeleireiro de homem. Vanderlei ofereceu-se para cortar o seu cabelo. Relutante, o rapaz acabou por aceitar. “ Eu tinha uma tesoura trazida da Espanha e comprei uma maquininha numa loja chinesa. Ele gostou tanto do corte do cabelo que me fez procurar trabalho nesta profissão.”

Vanderlei descobriu o salão de um brasileiro, o Rocha, que não tinha vaga para cabeleireiro. Mas Rocha indicou o salão de um português no bairro Barreiro, pertencente a Setúbal. Coincidiu que Manuel pediu Vanderlei para desocupar o quarto onde morava.

De novo, estava desempregado e sem moradia. “Estava um frio danado e eu sem saber o que fazer, quando toca o telefone. Era o Rocha. Quando contei a situação, ele me arrumou um quarto num apartamento de sua propriedade.”

Vanderlei procurou o salão do português do Barreiro, mas não passou no teste por falta de experiência. Mas ouviu palavras animadoras: “Você é muito bom, vai ser um excelente profissional”.

Então, Vanderlei decidiu procurar trabalho em Lisboa, com dinheiro emprestado por Rocha. No centro da cidade, viu um salão com placa anunciando a necessidade de um cabeleireiro. O dono era brasileiro e ofereceu trabalho por comissão para começar de imediato.

Vanderlei começou a maratona de dormir em Setúbal e trabalhar em Lisboa. “A comissão não era suficiente para comer e pagar passagem. Então desisti e o Rocha me indicou outro brasileiro, o Pedro, que também tinha salão no centro.” A situação melhorou porque Pedro, além do trabalho por comissão, arranjou um quarto para Vanderlei. “Era um salão de homem com mais movimento. O dinheiro já dava pra comer e morar, e não precisava pagar passagem.”

Depois de três meses, Pedro indicou Vanderlei para trabalhar como contratado no salão de um português em Queluz. “O senhor Ferreira veio ao salão do Pedro e cortou cabelo comigo sem eu saber.” Em seguida, Ferreira telefonou para Pedro e pediu que Vanderlei comparecesse ao salão dele. “Era um salão movimentado. De 20, 40 euros por mês, de repente passei a ganhar um fixo de 900 euros, fora a comissão. Quatro meses depois, ele me colocou como responsável pelo salão.”

“Quando fui trabalhar para o Pedro e o senhor Ferreira, eu tremia, suava, principalmente quando era uma criança que ia cortar cabelo e a mãe estava perto. Hoje, pode aparecer o Cavaco Silva (presidente da República) aqui que é tranquilo.” Vanderlei trabalhou entre 2009 e 2012 no salão de Ferreira. “Nesse período, acertei a minha documentação e, em 2012, fui ao Brasil me casar.” Casou-se com a potiguar Luzimeire.

Salão próprio

De volta a Lisboa, Vanderlei retomou o antigo trabalho no salão de Pedro onde ficou durante quatro meses. “Aí apareceu um espaço para alugar por cerca de 450 euros. Minha esposa trabalhava numa loja chinesa, o que dava para garantir o aluguel do espaço.” Era uma rua pequena, com pouco movimento, mas Vanderlei resolveu arriscar e começou com alguns clientes que tinha em Queluz e no salão do Pedro.
Vanderlei formou uma clientela tipicamente portuguesa, embora também atenda brasileiros. “A diferença é que o brasileiro gosta do pé do cabelo mais comprido e dos lados bem mais curtos, como um degradê, e em cima mais cheio. Já o português gosta que fique tudo por igual.”

Em 2013, apareceu uma casa para alugar numa rua mais movimentada, ponto comercial perto do Mercado Municipal. Vanderlei instalou o salão próprio no espaço da frente e a moradia na parte dos fundos. “Hoje, frequento a igreja ao lado do salão e de casa. É o que eu mais quero.”

Vanderlei pertence à igreja evangélica Assembleia de Deus. “Eu nasci em frente a uma Assembleia de Deus e nunca imaginei que fosse frequentar uma.”

Quando trabalhava no Hospital Alvorada, sempre via um médico lendo a Bíblia. “Aí comecei a tirar dúvidas com ele e vi que era protestante. Ele disse para eu procurar uma igreja onde me sentisse bem.”

Então, Vanderlei começou a frequentar uma igreja Batista, mas em Valência mudou para a Assembleia de Deus. “Aí realmente pude entender o que é ser crente. Aí eu entendi todas as dificuldades que eu passei, e mesmo as inspirações que tive como aquela da imigração na Itália.”

Vanderlei toca baixo elétrico na igreja onde frequenta e está começando a ter aulas de piano. 





 
 
 

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