Causos e Cousas do Cajuru


Conheça o Município

André Eustáquio / Cláudio Luís Resende0

Umadas

A série “Conheça nosso município” pretende levar aos leitores a história dos povoados de Resende Costa, assim como os seus principais atrativos turísticos. Uma das principais preocupações é apresentar a formação cultural, as tradições folclóricas e religiosas, com o intuito de compreender melhor a região em que vivemos.

Em cada povoado que visitamos, muitas coisas nos surpreendem: fatos, causos, organização comunitária, religiosidade e pessoas. Tudo isso tem motivado o nosso trabalho in loco. Chegar a um lugar sem conhecer quase nada da sua história, tendo como compromisso informar, é uma tarefa instigante e, ao mesmo tempo, desafiadora. O prêmio pelo trabalho é, quando chegarmos ao fim do dia, termos todo um dossiê, adquirido através da fonte oral, que nos possibilita escrever a história de um povo e de um lugar.

Como é prazeroso voltar no tempo! Começamos a nossa jornada pelo Cajuru conversando com uma quase centenária e simpática senhora, Dona Messias Antônia de Avelar, 90 anos. Possuidora de uma lucidez incrível, Dona Messias nos impressionou com os causos de um tempo do qual restam apenas saudades e lembranças. Ela foi personagem de uma história cujo enredo é a fé.

Casas dispersas pelo campo, cruzeiros erguidos no alto do morro, taperas de barro e capim. Este é o cenário. Parece um set de gravação de uma mini-série global. Mas não é. Trata-se do Cajuru dos anos 30. O núcleo principal de nossa história é um grupo de pessoas que se reuniam quinzenalmente para arrecadar dinheiro em prol da construção de uma capela.

As dificuldades eram tantas, mas a fé as superava. A vida transcorria normalmente naquelas bandas: a lida com o gado, o plantio, a capina, enfim, tudo que envolve a luta diária com a terra. Lá pelos idos da década de 30, veio a idéia de levantar uma capela, fato que mobilizou os habitantes do Cajuru, antes chamado de Bocaina, que quer dizer depressão numa serra, vale ou canhada entre duas elevações do terreno. Alguns líderes, como Domiciano Monteiro de Oliveira (Sanico do Retiro de Cima), Francisco de Sousa Sobrinho (Chico Varisto), Onias Monteiro e sua esposa Antônia de Lurdes (Dona Mulata), Jesus Gonçalves e Aladin Sebastião Pires, reuniram o povo e começaram a promover eventos para levantar fundos para a capela. Esses eventos movimentaram o lugar. Novenas eram rezadas, leilões e bailes. Sim, bailes.

Terço nas mãos, crianças no colo e prendas a serem leiloadas. Assim ia o povo, no final do dia, rezar, agradecer a Deus as dádivas conseguidas e pedir novas coisas. O cansaço ficava para trás, pois era hora de encontrar os amigos. Já era costume naquele tempo rezar nas casas e nos cruzeiros, assim como fazer promessas. Porém, em maio de 1939, começou uma novena na casa de Dona Mulata. O objetivo mudava o cotidiano das rezas; uma capela ia ser erguida.

Depois do terço e da novena, era a hora do leilão. O leiloeiro incentivava o arremate e, aos poucos, as prendas iam saindo e o sonho da capela ficando mais próximo. Depois de muitas rezas e leilões, deveria ser escolhido o Santo padroeiro. Aí veio o embate, pois de um lado estavam os negros que queriam Nossa Senhora do Rosário, e, de outro, estavam os brancos querendo Santo Antônio. Que dúvida Cruel! Contudo, a liderança falou mais alto, uma vez que o conflito tinha de ser solucionado. Assim, depois de muito discutirem, o Sr. Sanico, que era o tesoureiro, tomou a palavra e disse: -“Temos que decidir isso logo. Conforme os brancos sejam a maioria, fica sendo Santo Antônio o nosso Santo Padroeiro”. Dona Mulata sorriu de alegria, pois era a maior devota de Santo Antônio.

Então, em 1940, começa a construção da capela. Além de tesoureiro, o Sr. Sanico do Retiro de Cima foi um dos construtores da capela. Missionários Redentoristas pregaram naquelas paragens; era uma grande ocasião de fé, união e trabalho.

Muita coisa aconteceu durante a construção. Dona Messias não se esquece delas: “Ah, os bailes, como eram bons!” O sanfoneiro ditava o ritmo e a festa não tinha hora para parar. Os pares iam se formando; os olhares apaixonados, a dama difícil, o cavalheiro insistente... A música ia amolecendo os corações mais duros; com o rosto colado, não havia espaço para a timidez. No transcorrer da noite, o sanfoneiro ia descansar e era a ocasião das declamações. Durante o baile, os apaixonados compunham seus próprios versos para conquistar seus amores. Uns eram retribuídos, outros não. Os mais ferrenhos amigos e inimigos também se saudavam com versos, como este: “Sua mão pegou na minha / agora somos amigos com a faca na bainha”.

Depois que o sanfoneiro retomava a cena, os mais espertos faziam a sua parte: “O cavalheiro romântico ficava cortejando a dama a noite inteira. Era só ele se descuidar, que o espertalhão a roubava”, diz dona Messias.

Os costumes daquele tempo são difíceis de conceber nos dias de hoje. Dona Messias se lembra dos causos contados por sua avó, de homens prometidos em casamento com uma jovem. Quando chegava a data do enlace, aparecia no lugar da noiva, com o rosto coberto com um véu, sua irmã mais velha. E era justamente a irmã mais velha que ia para o altar!

Ela também se lembra das inúmeras procissões que iam longe, de cruzeiro a cruzeiro: “A gente colocava o andor na estrada, carregava por todos os cantos, nas costas. A gente ia rezando e cantando. Ia muita gente; era muito bonito”, diz.

Quando a capela foi inaugurada, a imagem de Santo Antônio chegou ao lombo de um burro. Era a coroação de um longo trabalho, realizado por homens virtuosos, mulheres piedosas e laboriosas e fazendeiros caridosos. Começa assim a devoção a Santo Antônio, que nunca decepcionou os seus devotos: “O Santo não é fácil. Tem sempre alguém se casando por aqui. Ele é forte”, diz o Sr. Evaristo, morador do Cajuru.

Quase nada se mudou daquele tempo. A capela pouco se modificou; apenas da antiga casa paroquial encontra-se somente um pedaço, pois foi construída uma em anexo à igreja.

Testemunha da história

Três casas barreadas, cobertas por capim, e um cruzeiro. Essas foram as primeiras imagens que Dona Messias teve do lugar chamado Cajuru. Ela foi aluna da primeira escola local (época do Dr. Costa Pinto). Lembra-se da criação da atual escola por José Augusto de Resende. Recorda-se, nostalgicamente, da primeira professora, Adalgisa Barros, e de seu marido, Antônio Nicolau. Ela se lembra do Cajuru das parteiras, dos pseudomédicos, que tratavam seus pacientes à base de ervas. O Sr. Evaristo recorda-se da parteira Dorcelina Gonçalves: “Dona Dorcelina fez uns 3000 partos. Ela nunca perdeu uma criança, muito menos a mãe. Foi madrinha de mais de 500 crianças”, diz.

Das primeiras famílias que habitaram a região, ficou um legado de fé e trabalho. Os negros eram abundantes no lugar, sendo considerados os primeiros moradores. Na formação do povoado, não houve separação (apenas discordâncias na escolha do Santo padroeiro). Famílias assumiram cargos de lideranças na comunidade, desde os acontecimentos de 1940, como é o caso dos Messias, que sempre têm um líder comunitário, ou seja, alguém que preside um conselho, é leiloeiro e até carrega a cruz nas procissões – tradição familiar.
O tempo foi passando e Dona Messias viu o progresso chegar ao Cajuru. Demorou, mas chegou. Ela se recorda da abertura da estrada, feita por trabalhadores usando enxadões, no mandato do Prefeito Geraldo Monteiro. Até então, nunca um carro a gasolina havia aparecido por lá. Os primeiros veículos da região foram adquiridos pelo José Augusto da Taquara (ex-Vice-prefeito de Resende Costa, já falecido) e pelo ex-vereador e líder comunitário, Wilson de Oliveira Resende (já falecido).

A casa de Dona Messias localiza-se ao lado da capela de Santo Antônio. De lá, ao longo dos seus 90 anos, acompanha a história da comunidade, sendo testemunha da mesma. Conheceu pessoas que marcaram as páginas da história do Cajuru; presenciou momentos importantes, como a tentativa de se mudar o nome do lugar para Hidelbrando Craque – tentativa frustrada.

Hoje, com 90 anos de idade, 63 de vida conjugal com o Sr. Antônio Ribeiro de Avelar, Dona Messias ainda fia algodão, carda, costura, faz crochê e cuida dos afazeres da casa. E ainda encontra tempo para fazer deliciosos doces, como os canudos que comemos na ocasião da entrevista. Dona Messias possui 7 filhos, 34 netos e 22 bisnetos. Aprendeu com a avó a arte de fiar e tecer.  Agora passa os seus conhecimentos para a sua neta Gilciana, de 14 anos.

Sempre bem humorada, a simpática Dona Messias é testemunha de um tempo e de uma história abençoada por Santo Antônio.


Organização, economia, estrutura fundiária, cultura e turismo

O Povoado do Cajuru é caracterizado por ser uma região agrícola com muitos meeiros, cultivando milho, feijão, arroz e dedicando-se à Bovinocultura de leite. São predominantes solos do tipo cambissolo, com pouca fertilidade e susceptíveis de processos erosivos significativos. Existe uma tendência de expandir a área plantada em floresta de eucalipto, pois hoje o Povoado já é responsável por uma parcela significativa da produção de carvão do município de Resende Costa.

A comunidade possui em torno de 120 famílias, 50 casas e aproximadamente 350 habitantes. O acervo arquitetônico gira em torno da capela em honra a Santo Antônio e um prédio da Escola Municipal José Augusto de Resende, construído na gestão do Prefeito Ocacyr Alves de Andrade, em 16/06/80. Diz Sr. Evaristo que o referido Prefeito foi quem mais contribuiu para o desenvolvimento da comunidade, trazendo, inclusive, energia elétrica, escola e água para o Povoado.

As principais festas são a Festa de Santo Antônio e a tradicional e badalada Festa da Colheita do Milho.Esta festa vem se consagrando como a principal festa rural do município.


Cenário futuro

A localização geográfica do povoado contribui para o desenvolvimento do turismo local. Situado a exatos 30 Km de Resende Costa, 30 de Passa Tempo, 18 de Desterro de Entre Rios e 35 de São Tiago, a comunidade do Cajuru vem sendo ponto de encontro de cavalgadas, como a tradicional Bolivar de Andrade. A Festa da Colheita congrega pessoas de várias cidades. Tudo isso pode motivar, cada vez mais, o investimento em infra-estrutura, maximizando o turismo rural na região que é riquíssima em beleza natural, hospitalidade e história.