Causos & Cousas

Meu Tio o Saneco

15 de Abril de 2015, por Rosalvo Pinto 1

Plagiando o título de um dos mais belos contos de Guimarães Rosa (“Meu Tio o Iauaretê”, do livro Estas Estórias), vou relembrar aqui um dos tios que marcaram minha infância. A única diferença do título é que o Iauaretê do Rosa era uma onça/homem mansa, ao passo que o meu tio Saneco era um homem bem bravinho. Era de porte pequeno (marca da “família da Chácara”...), mas um leão para trabalhar, um grande homem em todos os sentidos.

Lembro-me bem do tio Saneco (Domiciano de Paula Pinto) quando morava no Maracujá, numa fazenda arrendada. Tia Quiquita (Maria Benedita Santos) era a rainha da casa: alta, magra, bondosa e trabalhadora. Em minhas primeiras férias na roça, lá estavam os 9 filhos, em ordem de nascimento: a Maria (já casada e residente nas redondezas do Maracujá), o Dinho (Geraldo), a Adair, a Carmem (Sebastiana do Carmo), a Olga, a Ivone, o Renato, a Vera e o Osmar (Mazinho).

Tio Saneco tinha um trato com o Góes, meu pai. A Adair vinha para nossa casa em Resende Costa para fazer o primário e tornar-se professora na zona rural (no Maracujá) e eu passaria as férias de fim de ano lá na roça. O mesmo aconteceu com a Ivone, depois que tio Saneco se mudou para a Floresta, onde nasceu seu 10º filho, o Zé Imar.

Imaginem que Resende Costa era muito pequena, quase uma grande roça. Mas para mim, com meus oito anos, a fazenda era um paraíso. As vacas no curral berrando de manhã bem na janela do quarto, sobretudo a “Paraíba”, pegadeira, que dava medo, os cavalos, a mula para levar fubá, banda de porco e milho para vender na vila, o cachorro Piloto do Renato, com uma cangalhazinha de verdade no lombo para a gente brincar de burro de carga, um fornão de lenha na cozinha, de onde saíam os gostosos biscoitos da tia Quiquita, um engenho para o açúcar, o melado e a rapadura e a gente tirando escondido os torrõezinhos de açúcar que secavam ao sol nas esteiras, quanta coisa boa na memória de um menino da vila...

À tardinha era uma gostosura. Na frente da casa havia um espaço gramado, no qual o Dinho costumava soltar uma bola para nossa alegria. Daí ele ia ao munho (moinho) e ligava um pequeno dínamo, que acendia uma lâmpada fraquinha no quarto dele e de onde saíam os sons de um velho rádio. Costumava também chegar algum violeiro, para se ajuntar ao cavaquinho do agregado Zé Maria.

Numa tarde fomos todos ver a sede do sítio Floresta, que o tio estava comprando. Achei gozado ver o proprietário, doente na cama, debaixo de tábuas de queijo corando dependuradas no teto.

Mas acabou-se o que era doce. Antes do fim das férias no Maracujá, peguei um sarampo brabo. Para minha tristeza, numa manhã ensolarada de domingo, o tio Saneco me pôs na garupa da mula, marchando para a minha casa. Era 1950 e a cidade estava engalanada de bandeirinhas para a festa da Missa Nova do padre Josué Francisco da Natividade.

Nas férias seguintes fui para a Floresta. Era fim de ano e a Adair fez uma festinha de “formatura”, colocando-me para declamar uma poesia. Numa tarde fomos visitar o vizinho senhor Belena, já bem doente no seu enorme casarão. No canto, ao pé do catre (cama), uma galinha chocava tranquilamente os seus ovos.

O tio Saneco era bem bravinho. E era mesmo. Um dia ele foi ao armazém do Chiquito Vale, na vila, para fazer a tradicional barganha: descarregar da mula uma banda de porco para colocar depois um saco de açúcar. Ali por perto estava o Sô Pedro (o Sô Pedro Reco-reco) varrendo a rua. A mula era alta e tio Saneco pelejava para arribar o saco. Sô Pedro não perdeu a oportunidade para dizer: “Aí, Sô Saneco, que falta que faz um palmo de homem, hein?”. E, sabendo que o tio Saneco era bravo, correu para ajudá-lo...

Assim era o tio Saneco. Sempre me lembro dele desde quando, muitos anos depois, li um belo conto do Guimarães Rosa, “Substância”, (Primeiras Estórias)*. Conto de amor na roça, envolvendo o Sionésio, a Maria Exita e a brancura no fabrico do polvilho. Ficou gravado na minha memória o ambiente da Floresta e tio Saneco todo branquinho de polvilho, ali por perto da cachoeirinha que cantava dia e noite nos fundos da casa da Floresta. Tempos bons que não voltam mais...

 

 

*Pedro Bial e sua ex-mulher, Giulia Gam, transformaram esse conto e mais quatro outros em cinema (longa).

Por uma Resende Costa mais florida e mais arborizada...

11 de Marco de 2015, por Rosalvo Pinto 0

Com frequência colegas, amigos e amigas, ou mesmo conhecidos meus costumam, após conhecer Resende Costa, me ligar ou me dizer pessoalmente que gostaram da cidade. Dizem que a cidade é bonita, interessante, acolhedora e limpa. Como dizia a dona Trindade do Góes, minha mãe, eu “fico inchado”... Daí, penso comigo mesmo: e poderia ser muito mais. E mais: seria muito fácil torná-la ainda muito mais bonita. Fácil e barato.

Vamos começar pelo “florida”. Atualmente só existem duas praças floridas, razoavelmente conservadas e arborizadas: uma na frente e outra atrás da igreja matriz. Da Praça Costa Pinto, no centrinho da cidade, o que deveria ser florido transformou-se em um monstrengo escuro e feio. As ruas maiores e mais importantes mereceriam ser mais cuidadas e floridas. Vejam-se os canteiros das três maiores ruas que atravessam a cidade: a Av. Alfredo Penido, a Rua Dr. Gervásio (Rua Nova) e Rua José Coelho (Rua do Rosário). O canteiro central da Rua Nova torna-se, de vez em quando, depósito de lixo e de entulhos de construção, sem se falar no acúmulo de mato. Há pouco tempo sumiram com o canteiro central da rua Dr. Abeilard. Entram e saem prefeitos e nenhum foi capaz de perceber isso. Vem um e planta, vem outro e corta. Ressalte-se o trabalho do prefeito Ocacyr Alves, que construiu as duas praças no entorno da matriz.

Nas décadas de 30 a 60 ainda havia na cidade muitas casas com seus pequenos jardins, onde predominavam as dálias, de várias cores. Com o tempo desapareceram. Sobraram no centro poucas casas com jardim ou, pelo menos, casas com vasos de flores: a casa do Vicente do Zé Duque, entrada da casa da dona Olga (do senhor Adenor), a casa do Nelson e da Tote, a casa do doutor Paulo e da Stela, a casa da Luzia e do Mário Nilson, a Casa Paroquial, a casa da Larissa e do Cristian etc. Lá no Beramuro (Beira Muro), vejam os coloridos “jardins suspensos” das senhoras Marilene (Marilene do Roque), Marina (do Zé Raimundo) e da dona Maria da Penha.

A prefeitura em todos os anos gasta muito dinheiro com ações (festa do campo, carnaval, festas em todos os povoados etc.) que são eventos efêmeros e passageiros. Com menos de 20% do dinheirão que se gastou para pagar o show de duas horas do tal de Luan Santana, na festa do ano passado (que, segundo dizem, foi um fracasso...), daria para custear um belo projeto de jardinagem nas três ruas principais acima citadas e em outras pequenas praças, ações que são baratas e perenes. Paralelamente, a mesma prefeitura poderia promover uma campanha para estimular os moradores a participarem da manutenção desses jardins.

Enfim, nossa cidade ficaria ainda mais charmosa. Afinal, cidade limpa, florida e arborizada significa povo educado, respeitoso, de bom gosto, culto, progressista e outros tantos valores e seus respectivos adjetivos. Tive a oportunidade e o prazer de conhecer a nossa quase-xará portuguesa (Resende): menor do que a nossa, mais parecia um cartão postal colorido.

Agora algumas considerações sobre o “arborizada”. Pela nossa altitude (1.140 m) e pela gigantesca laje, temos uma grande insolação e um calor acentuado durante o dia. As noites em geral são frescas, por vezes frias. Faltam-nos mais árvores. Que eu me lembre, apenas um prefeito tentou arborizar a cidade, o doutor Luiz. Plantou muitas árvores, mas, como estamos no Brasil, os vândalos acabaram com elas. As árvores, quando bem escolhidas e bem cuidadas, além de enfeitar a cidade nos dão o conforto das sombras.

 

Tal como nos jardins, os moradores poderiam ajudar a cuidar das árvores, vigiando e regando. Para uma cidade que já tem hoje uma grande parte de suas casas bem cuidadas, em bom estado, limpas e pintadas, com a vinda das flores e das árvores, teríamos uma cidade muito mais bonita e atraente.  

Que País é este?

11 de Fevereiro de 2015, por Rosalvo Pinto 0

Quando menino, final da década de 40, corria um versinho na boca do povo: “Resende Costa, / Cidade que seduz. / De dia falta água, / De noite falta luz”. E era mesmo verdade. A água vinha nas latas de 20 litros, sobre uma “rodilha” de pano, nas cabeças das mulheres, proveniente das 5 fontes que nasciam no perímetro da cidade. No início da noitinha, chegava a “luz do Azevedo”. A gente acendia uma lâmpada fraquinha, que era apagada às 10 da noite. No mais, era lamparina e vela. E a gente era feliz.

Pois é, passados os quase 70 anos, podemos dizer que temos água e luz durante o dia e a noite. E parece que não somos lá tão felizes assim. Basta abrir jornais e revistas, ligar rádios, televisões, telefones, computadores e toda esta parafernália eletro-eletrônica que invadiu o mundo. É quase só notícia ruim. E o pior, estamos correndo o risco de não termos nem água e nem luz. E o “mais pior” ainda: não é só Resende Costa, é o Brasil todo. Está acabando aquele Brasil que até parecia que seduzia, “deitado eternamente em berço esplêndido...”. E agora vem à tona a famosa pergunta: “Que País é este?”.

Por incrível que pareça, quem por primeiro “cunhou” esta pergunta foi o senhor Francelino Pereira dos Santos, ex-governador de Minas. Francelino nasceu em Angical do Piauí em 1921. Ainda menino, sua família mudou-se para Minas, fixando-se em Belo Horizonte. Formou-se em Direito, foi vereador em Belo Horizonte, deputado federal, governador de Minas e senador. Aderiu de corpo e alma ao regime da ditadura. Foi deputado pela Arena, partido da ditadura, do qual foi presidente. Foi nesse período, 1976, que ele teria cunhado a tal da frase. O presidente Geisel assumiu a presidência acenando com a “abertura” da ditadura. Foi criticando os opositores da ditadura, descrentes das promessas, que o Francelino proferiu o “Que País é este?”. Mas o tiro saiu pela culatra. Geisel, através do famoso “pacote de abril de 1977”, fechou o Congresso, criou os senadores “biônicos”, passou para 6 anos o período da presidência da República e impôs outras medidas, geradas no que se chamou na época de “A Constituinte do Alvorada”. Tempos depois Geisel presenteou o presidente da Arena nomeando-o como governador-biônico de Minas (1979/1983).

Mas a história do “Que País é este?” não ficou por aqui. Em 1980, o escritor e poeta Affonso Romano de Sant’Anna saiu com mais uma obra poética, dando-lhe como título a famosa pergunta. Como coordenador da área de Língua portuguesa no vestibular da universidade de Governador Valadares naquele ano, lembro-me de ter escolhido essa pergunta como tema de redação.

Em 1987 a pergunta do Francelino chegou à área musical em forma de rock. Foi quando o músico e compositor Renato Russo, ao lançar o terceiro álbum de sua banda, a Legião Urbana, deu-lhe o nome de “Que País é este?”.

Ao longo do século 20 e nessas duas décadas, o Brasil vem capengando com uma pseudo-democracia. De uns tempos para cá voltamos novamente ao “Que País é este?”. Em 2013, o povo brasileiro saiu nas ruas fazendo essa pergunta, à vista dos problemas do país, culminando com o julgamento do mensalão. Em 2014, perguntou-se “que País é este?”, ao se ousar, aos trancos e barrancos, sediar uma Copa do Mundo, em meio a confusões e atrasos, culminando com um fiascão. Voltaremos à essa pergunta quando, daqui a pouco, estaremos assistindo ao julgamento do petrolão.

 

Olhando para trás em nossa história, infelizmente nos damos conta de que tivemos, em sua maioria, governantes e legisladores incompetentes, populistas, interesseiros e desonestos. Faltam-nos brasileiros estadistas que, enxergando a longo prazo, possam convencer o povo a sair pelas ruas para defender um grande projeto de educação e de uma reforma radical da estrutura política. Só assim poderemos trocar a fatídica pergunta para afirmar que somos um país sério, democrata, com uma sociedade igualitária, mais sadia e livre dessa insegurança que hoje nos sufoca.

Bananeira, cancioneiro e menestrel das Lajes

13 de Janeiro de 2015, por Rosalvo Pinto 0

Hoje, 4 de janeiro deste novo ano, ainda pairam no ar os sons do Natal, na beleza do Adeste fideles da igreja matriz. Mas o presente de Natal eu ganhei foi na virada daquela noite, no alpendre da casa do povo do Góes: um miniconcerto do repertório dos sambas e marchinhas do Bananeira.

Voltando ao passado, a Mercês minha irmã se lembra, com saudade, das noites em que desciam cantando pelo beco abaixo ora o pai, ora seus dois filhos. O Tomé, o pai, cantarolando suas canções preferidas, dos tempos de Vicente Celestino, Nelson Gonçalves e Orlando Silva. Tempos depois, o Marcinho, seu filho, com as canções da Jovem Guarda, tempos da “Querida”, de Jerry Adriani e por fim, o Camilo (o Bananeira), com seus sambas e marchinhas. Belas e afinadas vozes.

Camilo de Lélis Silva, o Bananeira, 60 anos, nasceu em Resende Costa, filho do José Tomé da Silva (de Piedade do Rio Grande) e de dona Eleonilda Rosa Belo (de Resende Costa). Seu pai tinha apenas um braço e com ele batia firme um violão ou um cavaquinho. Gostava de tocar, entre muitas outras, as canções Abismo de rosas, Marcha do marinheiro e Maringá.

Aos 18 anos o Bananeira se mudou para São Paulo, para “tentar a vida por lá”, como se dizia. Aos 33 anos ele voltou para Resende Costa, de onde não mais saiu. “São os dois grandes amores de minha vida” , diz ele, com orgulho, “São Paulo e Resende Costa”. São os temas dominantes em suas criações musicais, através dos sambas e das marchinhas. Vamos começar por São Paulo e pelo samba. Em seguida, já de olho no carnaval, Bananeira canta uma marchinha carnavalesca, com letra sua e música de Milton Rodrigues:



Parabéns São Paulo 459 anos

(Letra e música de Bananeira)

 

459 anos de glórias,

Canto um pedaço da sua história.

Oh! São Paulo, tão ordeira,

Terra de gente hospitaleira.

 

São Paulo, quanta gente boa,

São Paulo, terra da garoa.

Ali passou a Elis Regina

Que até hoje o povo fascina.

 

Teve também Adoniran Barbosa,

Que cantou versos, cantou rimas e trovas.

Jair Rodrigues, que é gente bamba,

É sertanejo, é popular e é samba.

 

 

Nosso querido padre Marcelo Rossi,

Ele com Deus tem muita posse.

 

 

O marco zero é na praça da Sé,

Lá é a catedral de muito amor e fé.

Vinte e cinco de janeiro está no calendário

Parabéns, São Paulo! É seu aniversário.

 

 

Esse sambinha foi eu que compus

Com ajuda do mestre Jesus.

Eu canto ele com muita alegria,

Agradecendo a nossa santa Maria.

 

Resende Costa, eu te amo

 

Resende Costa, linda cidade,

Lugar onde eu nasci,

Estarei com alegria,

Resende Costa, vem pra mim.

 

 

Refrão:

Eu vim aqui saudar meu povo,

Com muita gratidão.

As palavras que saem da boca

São vindas do coração.

 

Carnaval, festa bonita,

Alegria do povão.

Todo mundo fica pulando

E bate palma na mão.


Resende Costa, eu te amo,

Resende Costa, doce terra onde nasci.

Resende Costa, eu te adoro,

Resende Costa, Resende Costa, vem pra mim!

 

Bananeira sempre é um dos mais animados carnavalescos de Resende Costa. Virando o ano, ele já vai pensando em comprar o seu tradicional e inseparável apetrecho: um prato branco esmaltado. Com ele rodopiando no alto, na ponta de uma varinha, ele vara as madrugadas de todos os dias em meio aos foliões.

Para não interromper o veio musical do pai e do filho, me conta o Bananeira que seu sobrinho Márcio Geraldo (filho do seu irmão Marcinho) vive, há 12 anos, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Sua fama de refinado músico já era conhecida aqui pelos seus conterrâneos. Informa o Bananeira que ele trabalha durante a semana em uma empresa americana, mas as noites de sexta, sábado e domingo são dedicadas a tocar para americanos e turistas brasileiros que passam por lá.

 

O “cancioneiro das lajes” costuma acordar cedo. Ali pelas 05h45, ele sai de sua casa (na laje de baixo) para fazer sua caminhada, cantando com emoção, afinação e vibrato, a Ave Maria em latim (de Schubert) e em português (de Gounod).   

Se meu fusca falasse...

17 de Dezembro de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Indubitavelmente, Resende Costa é a cidade dos fuscas. Posso até estar equivocado, mas por onde andei não vi coisa igual. Há fuscas de todos os anos de fabricação, de todas as cores, na cidade e nas roças, mais ou menos conservados, originais e adaptados, mais ou menos barulhentos e por aí vai. Há fuscas de estimação, nos trinques, como o “Azeitona” do Tataca, enquanto outros rodam por aí caindo aos pedaços. É nos dias de festa que eles costumam aparecer mais, pois muitos vêm da zona rural. Basta dar um giro pela cidade para confirmar a presença colorida e barulhenta deles.

Assim, Resende Costa poderia ser apelidada de “fuscolândia” ou de “fuscópolis”.  Fuscolândia, para quem gosta das raízes linguísticas anglo-germânicas: land (terra, no inglês e no alemão) e para quem prefere raízes mais clássicas: pólis (cidade, do grego). Mas, e o fusco? É claro que vem do termo “fusca”.

E é aí que vem a historinha ou a curiosidade. Para chegar ao “fusca” é preciso conhecer um pouco da origem dele, o carro, e/ou, posteriormente, do vocábulo.

O pai do fusca foi o alemão Ferdinand Porsche (1875/1951). Aos 18 anos começou a exibir sua grande habilidade mecânica. Entre outros tantos projetos, participou da criação de um dos mais famosos carros, até os dias de hoje, o Mercedes. Em meados da década de 30 o caminho desse mecânico famoso cruzou com o caminho do também famoso ditador Adolf Hitler. Em 1934, assumindo o poder na Alemanha, Hitler propôs a Porsche desenvolver o projeto de um carro popular. Esse carro seria um Volkswagen, ou seja, um carro (wagen) do povo (volks – o “v” em alemão corresponde ao nosso “f”). Mal sabia Porsche que ele estava criando o carro mais famoso do mundo em todos os tempos, superando inclusive os carros da americana Ford. Hitler impôs várias exigências ao projeto do volkswagen, como, por exemplo, o preço baixo (daí o “popular”) e a refrigeração do motor a ar, uma novidade, por causa do congelamento da água no período do inverno. Há quem diga também que ele se tornou útil na 2ª. Grande Guerra, sobretudo na África, pela escassez de água no deserto.

E o volkswagen alemão chegou ao Brasil em 1950 e, sete anos depois, veio a sua fábrica, inaugurada em setembro de 1957 em São Bernardo do Campo (SP). Curiosamente, o primeiro produto da, agora, “Volkswagen do Brasil”, foi a Kombi (nome derivado do alemão, que tem a mesma raiz do termo do português: “combinação”, carro que combina passeio e carga). O primeiro fusca só chegou em janeiro de 1959.

E assim o carrinho caiu nas graças do povo brasileiro. Logo apareceu no cinema, com o filme americano The Love Bug, em 1968 (no Brasil, “Se meu fusca falasse”). Tempos depois veio o “fuscão”, logo homenageado com a canção popular Fuscão Preto, de Atílio Versutti & Jeca Mineiro. E para quem tinha dificuldades financeiras, apareceu o também o fusca “pé-de-boi”, o mais despojado de todos. Quando a montadora resolveu aumentar o tamanho das duas lanternas traseiras, época em que estava na crista da onda a cantora paraense possuidora de dois volumosos seios, a Fafá de Belém, apareceu o “fusca Fafá”. Mais barato em relação aos outros sedans, o fusca continuou sendo modificado, aumentando sua potência e oferecendo mais conforto.

E a historinha vai chegando ao fim. Para tristeza dos seus fãs, sua fabricação foi suspensa no Brasil em 1986. Porém, ao assumir a presidência da República, Itamar Franco forçou a montadora a reabrir a produção do fusca, alegando que era para manter um carro popular e mais barato. E o fusca voltou em 1993. Agora com um novo nome: “O fusca do Itamar”. Porém, o projeto não deu certo e o fusquinha saiu de cena em 1996.

Tempos depois, 1998/99 a Volkswagen-mãe resolveu fazer um fusca modernizado e estilizado. Deu-lhe o nome de Beetle (besouro). Além de muito caro, já não era mais “aquele” fusca. Não colou. Talvez para atrair compradores, trocou recentemente o nome beetle para Fusca. Perguntem ao presidente da República do Uruguai, o José Mujica, 79, se ele comprou esse novo fusca. Nem Nunca! Todo mundo sabe que ele, mesmo sendo presidente, só anda no seu velho fusquinha azul claro.

E o nome “fusca? Inicialmente os brasileiros falavam “folkswagen”, nome meio complicado para falar e escrever. A criação de palavras nas línguas é algo misterioso. Um dia um brasileiro qualquer, para facilitar, começou a falar o nome “fusca”, obedecendo inconscientemente ao mecanismo linguístico chamado de “menor esforço”. E o nome pegou. Posteriormente, num gesto de carinho pelo carro, apareceu o termo “fusquinha”.

E Resende Costa continua sendo uma verdadeira fuscolândia ou uma fuscópolis. Muitas pessoas que têm carros modernos e caros não abandonam seu humilde fusquinha. É simples e puramente uma questão de amor.

 

A propósito, quem aí na cidade um dia não organizaria um encontro e uma carreata de fuscas? Eu estarei lá, com certeza.