Causos & Cousas

De Resende Costa a São José dos Campos (SP)

13 de Novembro de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Nesta 139ª. edição do JL eu decolo de Resende Costa para pousar na cidade paulista de São José dos Campos. Vou visitar uma das minhas paixões que nasceu e mora lá. É jovem, inteligente, bonita e está festejando seus 45 anos. Teve e continua tendo muitos filhos, um dos quais vai nascer em princípios de Dezembro. E por esses dias ficou grávida novamente. É muito conhecida no Brasil e no mundo inteiro. Chama-se Embraer.

Todos nós seres humanos temos nossas paixões. Quem mais, quem menos. Algumas intrínsecas à nossa própria vida, como nossas famílias, a religião, a nossa terra natal e outras complementares, como as artes, a ciência, os esportes, o trabalho etc. Nessa categoria, costumo dizer que tenho três: a música, a linguística (os estudos da linguagem) e a aeronáutica. Pois bem, o motivo de minha viagem é justamente para compartilhar com meus leitores essa última paixão.

Acredito que a grande maioria dos brasileiros conhece a Embraer, a Empresa Brasileira de Aeronáutica. Ela nasceu em 1965 no âmbito do Ministério da Aeronáutica, mais especificamente no CTA (Centro Técnico Aeroespacial), sediado em São José dos Campos, com o objetivo inicial de produzir aeronaves para a FAB (Força Aérea Brasileira). Os pioneiros dessa ideia foram corajosos, pois trata-se de um empreendimento de alta tecnologia, dominada por poucos empreendedores em poucos países. O primeiro filhote da Embraer nasceu em 1968 e foi batizado com o nome de “Bandeirante”. O nome foi simbólico: os seus idealizadores foram mesmo verdadeiros bandeirantes. E o Bandeirante está vivinho até hoje.

E vieram muitos e muitos filhos. Por sorte, a Embraer foi privatizada em 1994. Infelizmente, conhecemos nosso país: tudo o que cai nas mãos dos governos... já sabemos o que pode acontecer... Com a privatização, a Embraer deslanchou, a ponto de tornar-se, num curto espaço de tempo, a terceira ou quarta maior indústria aeronáutica do mundo. Hoje as aeronaves produzidas pela Embraer, sobretudo as comerciais (transporte de passageiros) e as executivas (jatinhos particulares) voam por todos os continentes e, curiosamente, com forte presença nos Estados Unidos, o maior produtor de aviões do mundo.

Mas vamos ao próximo filhote. Vai ser um parto difícil, pois será o maior de todos até hoje. Já tem nome: KC-390. É uma aeronave de carga de grande porte. O projeto foi desenvolvido, inicialmente, para a fabricação de 28 unidades para a FAB. Os famosos cargueiros da FAB, os Lockheed C-130 - Hércules, quadrimotores a hélice, já estão velhinhos, com seus quase 40 anos de uso. O KC-390 já vem com dois potentes motores (turbinas a jato), com dispositivos para reabastecimento de outras aeronaves em voo e com o que há de mais moderno em aviônicos atualmente. Medidas: envergadura (de uma ponta a outra das asas): 35,05m; comprimento: 35,20m; altura: 11,84m e velocidade máxima: 870 km/h. O parto está previsto para inícios de dezembro, dia do primeiro voo. Mas como a Embraer é muito fértil, já está prenhe de outro filho. Outra história.

O Brasil tem uma das mais fracas forças aéreas do mundo: velhos caças americanos (F-5E/F) e franceses (Mirage 2000). Os F-5 americanos passaram por uma “modernização”, feita pela Embraer, e os franceses foram aposentados no ano passado. Em 2001, no governo FHC, a FAB conseguiu emplacar um projeto de aquisição de caças modernos, o chamado “Projeto F-X”. Coisas do Brasil, só depois de 8 anos o Ministério da Defesa escolheu três concorrentes: o F-18 E/F (da Boeing americana), o Rafale (da Dassault francesa) e o Gripen NG (da Saab sueca). No ano seguinte (2009), o ex-presidente Lula, ao receber a visita do presidente Sarkozy, em cerimônia militar no 7 de setembro, informou, prematuramente, que o Brasil iria optar pelos caças franceses. Os militares não gostaram e em fins do ano passado escolheram o caça Gripen NG (New generation) e, às pressas, na sexta-feira do último debate eleitoral, assinaram o contrato com a Saab sueca, com medo de o(a) futuro(a) presidente voltar atrás. O contrato prevê a fabricação de 36 caças, no valor de U$ 5,4 bilhões (13 R$ bilhões), com direito à transferência de tecnologia. Parte dos caças será produzida na Saab e parte, na Embraer. São produtos de alta tecnologia, caríssimos e de fabricação demorada: o primeiro caça só ficará pronto em 2019 e o último em 2024. Engenheiros da Embraer irão para a Suécia, para dar início ao processo de transferência tecnológica. Assim a Embraer passa a fazer parte do seletíssimo grupo que detém a tecnologia de produção de caças de última geração.

 

Minha paixão pela aeronáutica passou, via DNA, para meu filho mais velho, o Renato. Acabou formando-se engenheiro aeronáutico pela UFMG, a segunda escola de engenharia do Brasil a oferecer esse curso no Brasil, através do Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA). A primeira foi o ITA/CTA, do Ministério da Aeronáutica. O Renato há 16 anos trabalha na Embraer e, neste momento, faz parte da equipe de produção do KC-390, no setor militar da empresa.  

Adeus pomares & hortas!

17 de Outubro de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Os pomares e as hortas domésticas de Resende Costa começaram a sumir desde meados do século passado. Naquela época, a grande maioria das casas de Resende Costa se orgulhava de ter seu pomar e sua horta. O termo “horta” abrangia pomares e hortas, e a horta propriamente dita se chamava “horta-de-couve”, fechada por causa das galinhas. Imagino que esse nome tenha sido consagrado porque a couve era, e talvez ainda seja até hoje, a rainha das hortaliças. Em outras cidades usava-se o termo quintal.

As melhores hortas eram aquelas que, além de frutas e hortaliças, abrigavam chiqueiros e galinheiros. O chiqueiro costumava ter apenas um porco ou uma porca, pois o trato era mais pesado. Mal se matava um, já se tinha um coitado leitãozinho de espera. Os galinheiros, esses sim, eram grandes, com seus poleiros sujos e um bebedouro de pedra. Curiosamente, galinhas e muitas vezes até porcos costumavam, de dia, dar seus passeios pelas ruas, onde havia espaços de terra a serem explorados tanto por umas como pelos outros. À tardinha abria-se um portão (ou um buraco) ao lado das casas e a bicharada voltava para seu pernoite. E falando nisso, lembro-me, ainda poucos anos atrás, do nosso querido amigo Davi do Ciro, que soltava suas galinhas nas lajes de cima. Mal começava a escurecer, voltavam direitinho pelo pequeno buraco donde saíram.

O Sô Góes, meu pai, era um belo exemplo do que eu mostrei acima. A horta, bastante grande, bem no centro da cidade, tinha variados tipos de frutas: bananas (prata e maçã); laranjas (campista, serra dágua - que chamávamos de “campanha” -, laranja branca, bahia – que chamávamos de “imbigudas”-, limas, mexericas (mais comuns as “candongueiras”), abacates, mangas, jabuticabas, pêssegos, marmelos, amoras, mamões, uvas, ameixas, cajá (“tomate de árvore”), fruta do conde, além de muitos pés de café.  

Na horta-de-couve dominava a própria couve, além do almeirão, alface, salsa, pepino, abóboras, morangas, abobrinhas, cebolinha, tomate, tomatinho, quiabo, ora-pro-nobis, taioba, mogango, ervilha, chuchu pelas cercas, cará-do-ar.

Ia me esquecendo: a horta do Góes tinha também sua pequena farmácia de plantas “fitoterápicas”: funcho, marcela, erva-cidreira, erva doce, losna e hortelã.

Como se não bastasse a horta-de-couve, Sô Góes todos os anos plantava sua roça, sempre como meeiro, pois nunca pôde ter um palmo de terra. De lá vinham o milho (para fubá, galinha e porco), o feijão, o arroz e os deliciosos produtos das matas: o muchoco, a samambaia, o pinhão. E de quebra, sempre vinham uma trairinha, umas cambevas, uns bagres e uns lambaris no embornal.

As hortas das casas, além dos pomares e das hortas de couve, cumpriam uma bela e saudosa finalidade: era ali que as crianças brincavam. Era maior tranquilidade para os pais, pois a rua, não tanto como hoje, era sempre um risco de qualquer coisa ruim. Brigas, más companhias, pequenos roubos nas hortas dos outros, malandragens de todo tipo. As hortas abrigavam as gangorras, os brinquedos de “casinha”, as estradinhas para os “carrinhos de 4 rodas”, os pequenos “circos” montados após a saída dos circos de verdade, as imitações da igreja e suas missas, o prazer de subir nas árvores grandes, as arapucas e o visgo para pegar passarinhos, enfim, era o paraíso da criançada.

A horta era o dodói do Góes meu pai. Ai de quem bulisse nela: iria saber que ele tinha 1,60m de altura, porém, 2m de brabeza. Colocou cacos de vidro sobre o muro de pedra que descia beirando a horta desde a avenida até onde está hoje a casa da Lôra do Miro. Havia ainda por cima as espinhentas “saborosas”. O vizinho de baixo era o Joãozinho dos Óculos, meu padrinho. Frente à porta de sua casa havia uma falha de vidros no nosso muro.

Em fins dos anos 40 rondavam por Resende Costa uns marmanjões atrevidos. Não tendo o que fazer, andavam, aprontando por todo lado. Além de avacalhar na escola, na igreja, no cinema, uma de suas estripulias era pular nas hortas dos outros e roubar frutas. Sô Góes ficou sabendo que dois desses molecões andavam roubando logo na sua horta, e, pior, atacavam o pé de laranja campanha, a preferida dele.

Certa noite, ali pelas 10 horas, quando se apagava a luz elétrica do Azevedo, armado com um galho roliço de marmelo, Sô Góes se enfiou no meio de uma grande bananeira, bem perto das laranjas. Vieram dois, um, o famoso Marcinho do Osvaldo Maia, que morava ali no Grêmio e o outro, um dos filhos do Sô José de Souza Maia, conhecido como “Zecanão”, pois era quase um anão. De repente, sai o Sô Góes da touceira de banana. Os dois correram para o buraco do muro e o primeiro conseguiu pular para fora, mas o outro ficou agarrado nele. Levou uma surra de vara de marmelo. E olha que o ramo de marmelo era, naqueles tempos, o melhor instrumento para uma boa surra, seja qual fosse o motivo. A notícia do fato se espalhou rápido. E ninguém mais ousou enfrentar a brabeza do Sô Góes.

Saudosos tempos, em que a horta, além dos alimentos, era o espaço da diversão nossa de todos os santos dias.

Dos pastinhos, às garagens e às vagas

17 de Setembro de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Sou do tempo do onça e até hoje não sei o porquê desse “do onça”. Mas vamos lá, sendo do tempo do onça, sou também do tempo dos pastinhos. Lembro-me muito bem dos pastinhos. Aqui no Arraial da Lage (de tão velho que ainda era escrito com “g”), durante mais de dois séculos, um “pastinho” era artigo de luxo, símbolo de riqueza e de nobreza.

Mas para chegar aos pastinhos, vale a pena uma pitada fajuta de história dos meios terrestres de locomoção de antigamente. É óbvio que por muitos séculos o único meio de locomoção de nossos antepassados eram as pernas. Depois lançaram mãos dos animais: camelos, cavalos e outros. Depois veio a grande invenção: a roda. A partir daí, juntou-se a roda com os animais e apareceram as diligências e as carruagens puxadas pelos cavalos e os “carros de boi” puxados pelos bois. Em nossa região predominaram o cavalo e o carro de boi. Ou o burro, quando se tratava de transporte de mercadorias. Em outras regiões do Brasil, de São Paulo para o sul (sobretudo aquelas povoadas com imigrantes italianos e alemães), usavam-se muito as diligências no transporte de pessoas.

Mas o nosso arraial virou cidade e depois município, por volta de 1911 e 1912. Predominavam no município, já desde o século 18, as atividades agropecuárias. Era a época dos latifúndios e das grandes fazendas. Os fazendeiros ocupavam o centro da cidade com suas casas grandes e vistosas.  A cada casarão ou sobrado das famílias mais abonadas correspondia, mais perto ou mais longe, maior ou menor, um pedacinho de terra chamado “pastinho”.

Até meados dos anos 30, quando apareceu o primeiro “automóvel” em Resende Costa, os pastinhos eram o espaço destinado ao repouso, à segurança e à alimentação dos cavalos, éguas e burros dos fazendeiros ricos.  Quanto mais ricos, mais perto, maiores e mais bem cuidados os pastinhos. Os que não podiam ter o luxo de um pastinho costumavam ter, ao lado de suas casas, uma espécie de garagem. Abria-se um portão e os animais entravam para serem arreados ou desarreados e raspados. Ao lado de minha casa mesmo havia uma “garagem de cavalos” do Nico Silva.

Lembro-me de alguns dos pastinhos. Cito alguns, começando com o do Nico de Souza (Antônio de Souza Maia Júnior, fazendeiro dos mais abastados e político importante, prefeito municipal no período de 1947 a 1950). Ele era proprietário da Fazenda dos Currais, no Curralinho. O seu pastinho, a rigor, um “pastão”, era lá no final do Canela, perto do Cruzeiro, à esquerda de quem está saindo da cidade.  Como seu sogro, o Nico Cassiano, era também fazendeiro (Fazenda do Quilombo, mais modesta), ele utilizava o mesmo pastinho.

Além do Nico de Souza, tinham seus pastinhos o Perboyre, ao fundo do terreno da “Chácara” e ao lado do Buraco do Inferno, o Francisquinho Mendes, o Sôbico, na Serra do Urubu, e o famoso “pastinho da Sá Custódia” (casada com o José Jacinto Lara), entre outros. Para se ter uma ideia do tamanho do pastinho da Sá Custódia, ele compreendia o terreno hoje ocupado pela prefeitura e pelo Bairro das Flores inteiro.

Curiosamente, além dos pastinhos particulares, havia também os “pastinhos de aluguel”, para pessoas que estavam de passagem pela cidade. Lembro-me de dois deles: o da “Chácara” e o do Manuel Cassiano, este também um terreno muito grande, hoje ocupado por muitas casas, pelo campo de futebol do Expedicionário e pela Escola Conjurados Resende Costa.

Aos nove e dez anos de idade eu já começava a ganhar algum dinheirinho. Eram trabalhos esporádicos. Na própria casa do Nico de Souza (hoje conhecida como “Casa do Boqueirão”), quando se matava um porco (e isso era frequente...) eu passava o dia vigiando as carnes expostas para espantar os urubus que esvoaçavam ao redor do quintal. Ao final do dia, o prêmio: Sá Donana (esposa do Nico) entrava no quarto, tirava do alto do guarda roupa uma caixinha e dela saía uma moeda de um cruzeiro. Dava para comprar bolinhas de gude, material para fazer “estrelas” (papagaios, arraias) e alguns picolés. Antes das Semanas Santas se apurava também uma graninha, alguns tostões, capinando rua.

Voltando ao pastinho do Nico de Souza, lembro-me de que fui freguês dele. Era o trabalho de buscar e levar cavalos ao pastinho. Tanto do Nico de Souza como do Nico Cassiano. Os arreios ficavam em casa (havia também uma “garagem de cavalos”). Rédea e cabresto na mão, encostava o animal ao lado de um lugar mais alto, colocava um saco de aniagem (que a gente chamava de “saco de linhage”), um pedaço de pau na mão, e rumava para o “Pau de Canela”. Na volta, a grana.Hoje tudo mudou. Os cavalos passaram a ser objetos de lazer (ainda se vêem pelas roças raros fiéis ao cavalo...) e a cidade inundou-se de carros, motos, caminhões, ônibus, bicicletas – todos baseados na velha roda – garagens e vagas disputadas, enfim, um inferno de barulhos, brigas, acidentes, mortes, poluição etc., etc. Não sou profeta, mas...salve-se quem puder

História da história de Resende Costa

13 de Agosto de 2014, por Rosalvo Pinto 0

A preservação da memória da vida do ser humano e do seu habitat é considerada por filósofos, historiadores, sociólogos, psicólogos etc. como fator importante, diria mais, inerente à vida dos humanos. Expressões como “Povo que não tem história não tem alma” e muitas outras semelhantes confirmam a importância da ligação entre o passado e o presente. Daí a atração pelas biografias e pela história de nossas cidades, estados e de nossa nação. Em especial nossas cidades, que amamos, porque nos viu nascer, crescer e amadurecer para a vida.

Trazer para o presente a memória do passado de nossas cidades é uma tarefa difícil. Vamos conhecer um pouco do que temos em matéria de história referente à nossa Resende Costa. Minhas considerações são restritas ao que eu conheço.

Até a década de 80 e inícios da década de 90 temos notícia de duas tentativas referentes à história de nossa cidade, porém, de naturezas diferentes.

A primeira, escrita por um não resende-costense, o professor José Augusto de Rezende, o primeiro diretor do “Grupo Assis Resende”, em 1920. Seu opúsculo, singelo, apresenta-se com a estrutura de um tradicional livro de história. Esse livrinho desapareceu por muitos anos. Tinha-se notícia de que havia apenas um exemplar na Prefeitura, em estado crítico de conservação. A Associação dos Amigos da Cultura de Resende Costa (amiRCo) se empenhou para sua restauração e o publicou, em 2010, em edição fac-símile, constituindo-se no volume número 1 da Coleção Lageana. Seu título, um pouco grande, como se fazia no passado: Livro de Pallidas Reminiscências da antiga Lage – Villa de Rezende Costa.

A segunda, não estruturada em forma de obra histórica, é constituída por uma série de informações, em forma de contos e crônicas, publicadas em seis livros pelo resende-costense Gentil Ursino Vale. O seu grande amor por Resende Costa (embora tenha vivido grande parte de sua vida em Divinópolis, onde faleceu) o levou a incluir nessas seis obras muitas referências históricas a Resende Costa, e a sua gente, através de textos esparsos, abrangendo apenas o espaço de tempo referente a sua vida. São os seguintes livros: Confidências do Agreste (1982); Escavações no Tempo (1984); Ecos de Ontem (1989); Clara Fonte (1990); Visões Perdidas (1991) e Estrelas Cadentes (1993). Esses livros têm aproximadamente 40 “minibiografias” de pessoas características e populares da cidade. Na sua lista, obviamente, não poderia faltar as figuras da dupla Carrinho & Caraco...

Outra obra tendo como tema Resende Costa veio a lume em 2010, também publicada pela amiRCo e patrocinada pelo Fundo Estadual de Cultura (FEC). Na verdade, embora tenha como tema aspectos históricos da cidade e da zona rural, não foi estruturada como uma obra sistematicamente histórica: trata-se de uma produção sui generis. Curiosamente, é uma obra escrita a 46 mãos. O alentado livro de 608 páginas cumpre seu objetivo de lançar Um olhar sobre Resende Costa, o seu título, e tem uma riqueza de informações oriundas de textos publicados pelos seus 46 autores no Jornal das Lajes, em suas edições de 2003 a 2007.

Entretanto, Resende Costa merecia uma obra mais alentada, estruturalmente mais definida e, o mais importante, que apresentasse uma pesquisa mais profunda sobre os primórdios de sua existência. E, de repente, miraculosamente aparece agora, em 2014, a obra Memórias do Antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage, atual Cidade de Resende Costa, desde os Proêmios de sua Existência, até os Dias Presentes, de autoria do resende-costense José Maria da Conceição Chaves (Juca Chaves). Logo acima eu falava dos “primórdios de sua existência” e o Juca havia preferido o termo “proêmios”, sinônimo do meu. O Juca terá sido um campeão em criar um título tão grande, mas esse título é revelador da grandeza de seu trabalho sobre a história de sua terra natal.

Juca também tinha um grande amor pela sua cidade. Foi o grande sonho de sua vida escrever a sua história. Pesquisou, revirou arquivos públicos, buscou informações com outras pessoas até ter o seu livro pronto. Dadas às suas duras condições financeiras, não pôde publicá-lo. Apelou para a prefeitura de Resende Costa e para órgãos do Estado e não conseguiu. Continuou por muito tempo pesquisando e anotando informações nas margens do livro e faleceu (1978) sem ver o seu sonho realizado. Décadas depois ficamos sabendo, através do Tonico do Cartório, da existência daquele trabalho. Dados o interesse do mesmo para Resende Costa e a sua qualidade, a amiRCo se ofereceu para publicá-lo, o que foi possível com a anuência e a colaboração de seus herdeiros, bem com o patrocínio do Fundo Estadual de Cultura (FEC).

 

Assim, o dia 9 de agosto deste ano vai ficar marcado com o lançamento póstumo de um precioso trabalho. Até que enfim nossa cidade recebe um grande presente para a recuperação e a preservação de sua história. História que remonta à longínqua Inconfidência Mineira (capítulo inicial do livro) e se encerra na década de 1970 com seu falecimento. 

Curiosidades sobre a Inconfidência Mineira

16 de Julho de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Na coluna anterior eu fazia comentários sobre o nome “Resende Costa” de nossa cidade, discutindo se a homenagem - quando da emancipação do município - teria sido ao inconfidente José de Rezende Costa (pai), ou ao seu filho do mesmo nome ou a ambos. Eu já havia adiantado a minha opinião a respeito: a terceira hipótese. Mas permanece aberta a questão, aguardando outras opiniões.

Volto agora com outra questão interessante, de certa maneira ligada à anterior. Aparentemente simples, porém de difícil solução ou comprovação. Sabemos com certeza que o movimento da Inconfidência Mineira tinha como objetivo único a separação do Reino Português e a criação de uma república. Mas aí vem o problema: o objetivo era separar a “Capitania das Minas Gerais” ou o “Brasil”?

A historiografia da Inconfidência não se pronuncia explicitamente a esse respeito. Até onde cheguei em minhas pesquisas, não encontrei uma resposta definitiva. Já tenho o meu ponto de vista, mas prefiro por ora não manifestá-lo.

Vamos experimentar ir “comendo o tema pelas beiradas”, ou “roendo o osso aos poucos”. Corria o ano de 1789. Obviamente, o projeto dos inconfidentes, pela sua própria natureza, deveria ser conduzido com o absoluto segredo e sua logística deveria ser conhecida apenas pelos seus líderes. É certo também que Tiradentes era um dos mais inflamados conspiradores. Tamanho era o seu envolvimento, que se tornou um falastrão, pondo em risco o sucesso do levante. Ele carregava sempre consigo um livro famoso e perigoso em francês (conhecido hoje entre os estudiosos como Recueil, “coletânea”, naquela época conhecido como “O livro de Tiradentes”), pois continha as constituições dos separatistas ”americanos ingleses”, que já haviam se separado dos ingleses em 1776.

Certamente já havia um documento “oficial” que mencionava o objeto dessa separação. Dois dos inconfidentes mais envolvidos no levante, os advogados Tomás Antônio Gonzaga e Inácio José de Alvarenga Peixoto, foram incumbidos de escrever a constituição da futura república. Logo, no primeiro artigo desse texto deveria constar o nome de quem estava se separando, o Brasil ou a Capitania de Minas. Esse texto já deveria estar pronto, pois os líderes do movimento estavam fazendo uma de suas últimas reuniões, às vésperas do “dia da derrama”, data secreta para o início do levante.

Nessa reunião eles determinaram como seria a bandeira da república e qual seria o seu lema. O formato da bandeira, sugerido por Tiradentes e o lema, proposto por Alvarenga Peixoto (Libertas quae sera tamen), foram aprovados. Antes dessa reunião já haviam definido que a capital da república seria São João del-Rei e a universidade seria em Vila Rica (Ouro Preto). Penso que essa informação já traz um pequeno indício de que a separação poderia ser apenas da Capitania de Minas.

No dia 15 de março de 1789 veio a bomba: a entrega da carta-denúncia do ex-inconfidente português Joaquim Silvério dos Reis ao governador visconde de Barbacena. Na verdade, ele teria sido o segundo, pois outro português chamado Basílio de Brito Malheiro do Lago já havia feito sua denúncia, oralmente. Foi numa dessas noites que o famoso “Embuçado da Vila Rica” teria saído disfarçado e às pressas, na calada da noite, alertando seus colegas que as prisões já estavam em andamento e, ao mesmo tempo, sugerindo que queimassem todos os papéis relativos ao levante e tratassem de fugir de Vila Rica. Era óbvio que o documento mais comprometedor seria o texto da constituição da república. Nunca se soube do destino desse documento.

Manuseando os inúmeros documentos referentes à Inconfidência, sobretudo o calhamaço dos “Autos de Devassa da Inconfidência Mineira” (hoje, reunido em uma edição de 10 grossos volumes), ora se lê que os inconfidentes pretendiam separar de Portugal o Brasil, ora a Capitania de Minas. Esse tema aparece em inúmeros textos dos Autos de Devassa.

Um documento dos mais importantes, o “Acórdão” (sentença condenatória), por exemplo, diz que “[os réus] formaram um infame plano (...) pretendendo desmembrar e separar do Estado [português] aquela capitania, para formarem uma república independente” (Autos, v. 7, p.215). O próprio José de Rezende Costa (pai) declarou em sua primeira inquirição que “... quando [o inconfidente padre Carlos Toledo] viera a Vila Rica, achara uns poucos conjurados a fazerem um levante e a reduzirem as Minas a uma república” (Autos, 1, p. 254).

Além dos documentos do processo, os estudiosos da Inconfidência divergem a esse respeito. Cito apenas um caso. O historiador inglês Robert Southey, em sua História do Brasil, dedicou um capítulo à Inconfidência. José de Rezende Costa (filho) traduziu para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1839 esse capítulo, cujo título era: “Conspiração em Minas Gerais para a Independência do Brasil”.

 

Há muito ainda a se estudar sobre a Inconfidência: está aí um tema interessante e controverso. Quem se habilita a deslindá-lo?