Causos & Cousas

De Arraial da Lage para Resende Costa

13 de Junho de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Sabemos que o nosso torrão natal ao nascer foi batizado com o nome de “Lage”, em meados do século 18. Depois passou, por muito tempo, a “Arraial da Lage”. No início do século 20, passou a “Vila Nova da Lage” Enquanto “Lage”, escrito na época com “g”, havia uma razão: o povoado nasceu em cima de uma enorme laje. Um nome tão apropriado que, tempos depois, seus moradores passaram a ser jocosamente apelidados pelos seus vizinhos de “lagartixas”.

Se alguém, por acaso, nos perguntar por que nossa cidade tem o nome de Resende Costa, o que responderíamos?  Que o nome foi dado como homenagem aos inconfidentes José de Rezende Costa (o pai e o filho do mesmo nome)? Estaria certo? Não seria em homenagem ao capitão José Resende Costa, o pai? Ou seria uma homenagem ao Rezende Costa filho, o Conselheiro José de Rezende Costa?  Vamos conversar um pouco sobre esse assunto.

Ao se emancipar do município de Tiradentes, no século 20 (1911/12), é óbvio que os moradores quiseram homenagear um “lageano” importante chamado José de Rezende Costa. Imagino que os líderes da Vila Nova da Lage que conduziram o processo de emancipação e de transformação da vila em município teriam colocado essa questão. E deverão, claro, ter tomado uma decisão. Que eu saiba, não conheço nenhum documento que teria registrado essa situação e essa decisão. Mas vamos recorrer a outros documentos que poderiam esclarecer essa questão.

Os líderes do movimento separatista teriam, também obviamente, que encaminhar esse pleito junto ao Estado, através dos seus poderes legislativo e executivo, no caso específico, à Assembleia Legislativa. Então, trataram de elaborar um abaixo-assinado da população e encaminhá-lo ao órgão competente. Esse abaixo-assinado, datado do dia 1° de julho de 1911, com 289 assinaturas (devidamente reconhecidas) de moradores, foi bem elaborado e pode ser visto nos arquivos da Câmara Municipal.

Os signatários do abaixo-assinado se expressam no seu último parágrafo com os seguintes dizeres: “O povo pede para o novo município a denominação de “Resende Costa”, perpetuando, por esta forma, a memória de um dos precursores da democracia brasileira e um dos mais conspícuos companheiros do imortal Tiradentes”. Pois bem, ao que parece, aqui os signatários estariam se referindo ao inconfidente José de Rezende Costa (pai), uma vez que o pai foi por primeiro  envolvido na conjuração e teria contado o segredo do levante ao seu filho, de 24 anos, que estava se preparando para fazer o curso de advocacia em Portugal, na Universidade de Coimbra. Ao saber que o padre Carlos Correia Toledo, vigário de São José del-Rei (Tiradentes) e seu amigo e vizinho, pretendia viajar para Portugal, seu pai havia lhe solicitado que levasse consigo o seu filho.

Além disso, parece ser óbvio que a adesão à conjuração seria, antes de tudo, por parte do pai. O filho, jovem, preparava-se para viajar, e só o pai detinha as condições necessárias para se meter em uma empreitada daquela magnitude. Por fim, ao que tudo indica, o “conspícuo (ilustre, distinto, notável) companheiro” de Tiradentes seria seu pai, e não seu filho. Logo, pelo teor do abaixo-assinado, o homenageado seria o Rezende Costa pai.

Preparado o abaixo-assinado, os líderes do movimento resolveram encaminhá-lo através do deputado Francisco Alves Moreira da Rocha, por ser irmão do médico Domingos Alves Moreira da Rocha, que atuava na vila naquela época, tendo tido até o  seu nome dado a uma das principais ruas da vila. Ao apresentar e defender o projeto de lei no dia da votação na Assembleia (21.07.1911), o deputado Moreira da Rocha pronunciou um vibrante discurso, no qual mencionou que os signatários solicitavam “que fosse dado o nome de “Resende Costa”, prestando, assim, uma homenagem àquele antigo conjurado, cujo nascimento se deu naquele lugar”.

A menos que o deputado estivesse enganado, no seu discurso fica explícito que a homenagem seria atribuída ao Rezende (filho), pois foi ele quem nasceu “naquele lugar” (o Arraial da Lage). Em seus depoimentos nos Autos de Devassa e nos seus escritos ele diz claramente “que nasceu no Arraial da Lage”. O Rezende (pai) nascera na freguesia de Prados, que na época pertencia a Lagoa Dourada.

Na minha opinião, tendo em vista que ambos tinham o mesmo nome, essa homenagem teria sido feita a ambos. Por um lado, o pai fora um dos primeiros, ou seja, um dos fundadores do arraial; por outro, imagino que os líderes teriam pensado em uma homenagem destinada aos dois, para celebrar o papel que desempenharam na história daquela época: ambos se envolveram na conjuração, tanto que foram igualmente julgados e condenados.

Por fim, por não estar diretamente ligado à luta pela emancipação – era apenas um zeloso colaborador - o deputado Moreira da Rocha poderia estar cometendo um erro naquele momento, esquecendo-se de mencionar os dois como homenageados.

 

Os limites desta coluna não me permitem alongar essa discussão, mas há outras fontes referentes a essa questão. Está em pauta um problema a ser pesquisado.

Casario de Resende Costa

15 de Maio de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Reza o ditado que “povo sem memória é povo sem alma”. Logo, preservar a memória de nós mesmos, de nossas famílias e de nossos lugares significa preservar a nossa vida. Adaptando a frase dos romanos, podemos dizer: ubi memoria, ibi anima (onde está a memória, aí está a alma). Nossas casas fazem parte de nossa vida. São como nós mesmos: nascem, vivem e morrem. Este texto pretende registrar um pouco da história das casas de Resende Costa.

Vamos nos lembrar de algumas casas existentes em meados do século passado, tomando como limite as últimas casas das ruas ou das saídas da cidade, tentando nos lembrar de seus moradores. Começaremos, neste texto, por parte do casario das duas praças da igreja Matriz.  

Começamos pela Mendes de Resende, a que fica atrás da igreja matriz. Coitada, é uma meia-praça. Alguém já ouviu falar em roubo de praça?  Pois isso aconteceu em nossa terra. Na calada da noite, parte dela foi tomada do povo e vendida a particulares. Mas vamos ao nosso giro. Começamos lá no fundo, à direita de quem olha para a parte traseira da matriz. Ali foi a casa do Marcos de Oliveira Neto, o Marcos das Barreiras, filho da Chiquita das Barreiras. Demolida, hoje abriga o Correio.

Um pouco acima estava a casa do Alcides Souza, irmão do Antônio de Souza Maia Júnior (Nico de Souza, ex-prefeito de Resende Costa em fins dos anos de 40 e início de 50). Ali morou dona Ivone Maia, prestigiada professora daqueles tempos. Essa casa passou depois para o Geraldo de Souza Resende, o Geraldo Capoeira da Cana.

Subindo, vem a casa do Sanico do Retiro de Cima, também resiste aos tempos. Lá morou, na década de 50, o ex-prefeito Geraldo Monteiro e nela mora hoje o Marcos do Sanico, ambos filhos do Sanico.

Acima do beco, permanece impávida a casa do José Gabriel de Resende, pai da dona Maria Aparecida de Resende Maia (Aparecida do Hélcio, recentemente falecido).

A casa de cima pertenceu ao Alfredo Chaves, pai do Luizinho Chaves. Era uma das casas onde nós, coroinhas, íamos com o turíbulo buscar brasas para as cerimônias da igreja.  Essa antiga casa foi destruída, cedendo o lugar à casa moderna do doutor Geraldo Resende, do Lulu. Atualmente pertence à Copasa. Acima era a casa da Confraria de São Vicente, seguida do “Passinho”.

Atravessamos a praça N. Sra. de Fátima e chegamos a uma das casas mais charmosas dos velhos tempos: o sobradão que pertenceu a um membro da família Pinto e no qual, posteriormente, por muitos anos funcionou a Prefeitura Municipal.  Hoje é a sede da Câmara Municipal.

Passando para a outra praça, de frente para a matriz (a praça Cônego Cardoso), temos o casarão que pertenceu ao Pedro Esteves e hoje pertence à família do Geraldo de Paula Magela (Geraldo Porteiro) e da minha tia, a Tia Nhazinha. É outra relíquia de muitas décadas.

Na sequência, a casa que pertenceu ao Domingos do José Carlos da Cachoeira dos Pintos.

Seguem-se as casas do Davi do Ciro e a do Mazinho do Saneco. A casa do Mazinho, todo resende-costense sabe, pertenceu ao inconfidente padre Carlos Correia de Toledo Melo, vigário em São José del-Rei (atual Tiradentes) em meados do século 18. Antes do Mazinho, esta casa pertenceu à família do “Tirim dos Campos Gerais”, à época proprietário da fazenda dos Campos Gerais, cuja casa, infelizmente, foi demolida.

Segue-se o antigo “Salão Paroquial”, construído pelo padre Adelmo Ferreira da Silva em 1951/52. Abaixo dele, a casa do Pedro Teodoro, conhecido como “Pepedro”. Essa casa foi comprada por outro filho do José Carlos, o Geraldo Magela.  Herdou-a seu filho, o Savinho da Iaiá. Essa casa está ligada, por “parede-e-meia” à casa mais importante do ponto de vista histórico para nossa cidade, a casa do inconfidente José de Resende Costa (pai). Essa casa pertenceu ao terceiro irmão do José Carlos da Cachoeira, o José Manuel e hoje pertence às pessoas da família do Heitor do Cassiano Vale.

Dobrando-se à esquerda, estava a casa do Ataídes de Resende Maia, pai do nosso padre José Hugo de Resende Maia. Foi demolida, integrando-se o terreno ao Hospital N. Sra. do Rosário.

O outro lado da praça começava com a Casa Paroquial, construída entre 1913 e 1916. Acima dela havia a casa antiga dos descendentes do Gabriel da Quitéria. Hoje, alterada, pertence à família do Álcio Daher e de dona Socorro.

Segue-se a casa da família do Antônio da Carioca, ainda hoje com seus herdeiros. As duas que se seguem, a de dona Sinhazinha, mãe do Zé Rodrigues e a do Paulo Procópio Pinto também são propriedades de seus descendentes.

Fechando a praça, está firme a antiga casa que pertenceu ao “Tio Totonho Naná”, casado com a Tia Zulmira. Hoje pertence aos herdeiros. Essa era também uma casa que fornecia brasas para a igreja.

 

Com essa casa, fechamos, por ora, esse giro e esse texto. Para fechar as duas praças, faltam as casas que estão à direita da igreja matriz, a partir da casa, também antiga, que pertenceu ao Alcindo Resende e a sua esposa, a dona Vera Cruz Resende, até o antigo sobrado do Álvaro Mendes, que foi demolido. Nos anos 50, o terreno do seu sobrado ocupava quase todo o fundo da praça. 

Porteiras do arraial da Lage

16 de Abril de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Desde seus inícios, o Arraial da Lage (voltando ao “g” do passado...) tinha quatro entradas. É sobre essa laje e o acesso a ela que vamos conversar. Sempre intrigou-me imaginar como teria sido a vista, de longe, dessa portentosa laje, quando era inabitada. Será que índios ousaram viver no topo dela? Desde quando e até quando? Depois teriam sido os portugueses desbravadores, a partir do século 17, talvez mesmo do 16. Provavelmente já no início do século 18, portugueses, ou mesmo brasileiros, sobretudo paulistas (época da “guerra dos emboabas”.), já teriam subido, tal como lagartos, esse imenso bloco de pedra.

Os estudiosos que tentam perscrutar como se deu o início do povoado começam a partir da construção da primeira capela em 1749, quando o primeiro bispo de Mariana (sede da diocese da Comarca do Rio das Mortes), dom frei Manuel da Cruz, autorizou a construção. Outros opinam que por essa época chegaram as famílias Malta (fazenda da Lage), Marques Monteiro, Resende Costa (fazenda dos Campos Gerais), Alves Preto, Pedrosa de Morais (fazenda do Pinhão) e Pinto de Góes e Lara (fazendas na região dos povoados do Ribeirão e dos Pintos). Bem, são conjecturas. Com certeza mesmo sabemos que o José de Rezende Costa (filho) nasceu no arraial em 1765.

Entre esses estudiosos que andam pesquisando essa história, alguns dizem que no centro do arraial cruzavam-se dois caminhos, um que vinha de Goiás em direção ao Rio de Janeiro e outro que descia do norte até o sul da Capitania das Minas Gerais. Isso seria lá pelos meados do século 18. Mas, como explicar o motivo pelo qual esses caminhantes teriam que subir e descer uma monstruosa pedra, a 1140 metros de altura, tocando tropas carregadas de mercadorias? Talvez tenha sentido essa opção, por se tratar de um posto de parada estratégico e seguro, justamente pelo fato de sua altura.  

De uma coisa eu estou certo: desde menino, perambulando pelas ruas da cidade, eu dava notícia desses caminhos de acesso à mesma. Eram quatro: o Tejuco (Tijuco), o Beira-muro (Beramuro), o Pau-de-canela, e o caminho supostamente chamado de “Terra caída”.

O primeiro era o acesso aos povoados do Ribeirão de Santo Antônio, Cajuru, Jacarandira (antiga Salva Terra), aos 3 Curralinhos, a Desterro de Entre Rios e a Entre Rios de Minas; o segundo dava acesso à Restinga, Santa Rita do Rio Abaixo (Ritápolis), Boa Vista e São Tiago; a terceira era o acesso ao arraial do Mosquito (depois São Francisco Xavier, Coroas e finalmente, Coronel Xavier Chaves), Ponta do Morro (Prados), São José del-Rei (Tiradentes) e São João del-Rei e o quarto dava acesso aos povoados do Barracão, do Brumado, dos Campos Gerais e à vila de Lagoa Dourada. Esse caminho tinha um grande barranco, na chegada da vila, daí o nome de “Terra caída”.

Esses caminhos, que convergiam para o topo da laje onde nasceu a capelinha, transformada mais tarde em igreja Matriz, seriam as quatro porteiras de acesso à laje. 

O arraial - e no início do século 20, a Vila da Laje -, começou a crescer a partir de sua emancipação, ocorrida em 1911/12. Vieram novas ruas, novas estradas, novos acessos e, curiosamente, novos nomes. De repente, desapareceram os belos nomes que norteavam as entradas e as saídas da cidade.

Não se fala mais em “Tijuco”: agora a referência é “Vargem”. Curiosamente, os dicionários ensinam que várzea, várgea, varge, vargem e varja são variações de uma mesma palavra. Até meados do século passado a gente falava Tijuco ou Vargem do Tijuco (Onde você mora? – Lá no Tijuco, ou lá na Vargem do Tijuco). O nome “Tejuco” (ou Tijuco) é intrigante: dizem os dicionários que é uma palavra oriunda da língua indígena tupi e significa “água podre, lama, pântano, atoleiro”.

Quando menino, eu achava que era nome usado só na minha terra. Depois descobri que São João del-Rei tinha também seu Tejuco e, posteriormente, vim a saber do nome “Tijuca”, aplicado a dois bairros do Rio de Janeiro: Bairro da Tijuca e Barra da Tijuca. Outra Tejuco importante foi a atual Diamantina: “Arraial do Tejuco”. Imagino que o significado do nome indígena se refere a alguma região pantanosa, ao lado da taba de alguma tribo, nome que continuou na medida em que os desbravadores foram desalojando os índios de suas terras.

O “Beramuro” sumiu do mapa. Mais perto do centro, parece que deixou de ser bairro. O “Pau-de-Canela” também sumiu, até porque a árvore “pau-de-canela”, que dava nome ao local, terá também sumido. Alguns mais antigos ainda usam esse nome.

Com o quarto acesso aconteceu o pior. Até a década de 70 se falava “Vavaso” (nome derivado de Gervásio: “moro lá pelo lado do Vavaso”). Depois, por causa da pavimentação asfáltica do acesso à rodovia Belo Horizonte/São João del-Rei, aquela região passou simplesmente a ser conhecida como “Asfalto” (Onde fica o restaurante Xegamais? – Lá no Asfalto!). E o asfalto da rodovia ganhou até um status de nome próprio, com direito à letra maiúscula. Por enquanto permanece o “Asfalto”. Que pena! 

Resende Costa: como a vi, como a vejo

12 de Marco de 2014, por Rosalvo Pinto 0

Antes de mais nada, uma declaração de amor: amo Resende Costa. Para quem como eu, que tive o privilégio de nascer exatamente sobre aquela montanha de pedra e viver o período mais gostoso da vida, os 10 primeiros anos, nada mais gratificante. O que ficou gravado naqueles 10 anos ficou para sempre, temperado com a saudade. Tempos em que a gente vivia ou na cama, ou na rua, ou na escola, ou na horta. Saía de casa e via a pracinha doutor Costa Pinto. Não tinha nada, nem uma planta. Mas tinha um pequeno barranco e um espaço para jogar finco, fabricado em casa, ou bolinha de gude, comprada ali no negócio do Zé Augusto. No meio de galinhas e, por vezes, um porquinho que escapava furtivo de seu chiqueiro. Em tempos de festa promovida pela paróquia para angariar dinheiro, as barracas com as quermesses. Os jogos do coelhinho, do avestruz, da pescaria, do tiro-ao-alvo, o Guil do Prudêncio vendendo, por um tostão, um copo de um “refrigerante” fabricado por ele: água, limão e um produto que fazia borbulhar a bebida. Hoje vejo na pracinha apenas um jardim, que, de tão feio, talvez não merecesse esse nome. Pelejaram para fazer um, mas, tal como os jardins suspensos da Babilônia, levantado, por causa de vândalos. Dobro os Quatro Cantos e subo. A praça Mendes de Resende, atrás da igreja era, para nós meninos, enorme. Ali podia-se bater uma pelada com bolas de meia. Nos tempos de Semana Santa, ali se instalava a sempre esperada “Chácara do Judas”, inocente brinquedo montado com todo tipo de bugigangas que davam sopa nas ruas e nas hortas do povo. Hoje, há apenas um pequeno jardim, por sinal bem cuidado, pois metade da praça foi surrupiada ao povo década atrás.  Continuo subindo, contornando a matriz pela direita. Ah!, as Lages de Cima. Era o cartão postal da cidade. Era o ponto predileto de todos. Nas tardes claras e frescas da primavera, a despedida do sol era celebrada com inúmeras “estrelas”, “papagaios” ou “balaios”.  Vamos “soltar estrelas (pipas)”, era como se dizia. O balaio era quadrado. Havia balanços, escorregadores e até um campo de vôlei, apetrechos da prefeitura. Aí resolveram plantar no meio do mirante uma horrorosa caixa-d’água. A água foi um grande benefício, claro, mas faltou um pouco (ou um muito...) de descortino, pois a caixa poderia ser colocada à esquerda ou à direita do mirante. Já havia lá, inclusive, o espaço ocupado pela antiga caixa d’água.  Contornando a matriz, passo à praça cônego Cardoso. Hoje está bonita. Lá estão ainda o cruzeiro e a árvore “pau-Brasil”.  Ali mais embaixo, em frente à casa do Inconfidente José de Rezende Costa, eu me vejo, aos 9 anos, assentado com uma marretinha na mão, em meio a um formigueiro de outros meninos (da Cruzada Eucarística ou coroinhas), quebrando pedra para fazer brita a ser utilizada na construção do antigo “Salão Paroquial”.  Coisas do saudoso e dinâmico padre Adelmo Ferreira da Silva. Vejo que a praça ganhou, recentemente, dois hóspedes importantes. Ao meio lá está, altaneiro, o nosso inconfidente. Ele chegou em junho de 2012. E, para quem não sabe, a sua face modelada pelo escultor pode ser considerada autêntica. E mais, a face reconstituída cientificamente pelos pesquisadores e técnicos da Unicamp, é a única face visível entre todos os inconfidentes. Nem o Tiradentes teve esse privilégio. O segundo hóspede chegou faz menos de um mês: é o busto do sempre lembrado, merecidamente, monsenhor Nélson Rodrigues Ferreira. Continuo descendo. Contorno a esquina onde, por muitos anos, funcionou a “distribuidora” de energia elétrica, produzida no rio Carandaí, a “usina do Azevedo”, onde está hoje a casa do doutor Paulo Dias.  De repente, parece-me ver caminhando para lá, gordo e manquitolando, a figura simpática do “Zé Piluço” (Pelusi), o responsável pela distribuição. A pracinha “Rosinha Penido” (poucas pessoas sabem quem seria essa senhora...) está razoavelmente cuidada. À direita está o Grupo Escolar Assis Resende. Quantas vezes passo por ali penso na importância para todos os resende-costenses daquele saudoso “Grupo”, como a gente falava. Vejo a dona Teresinha, na janela da sala à esquerda. Vejo o meu tio, o “Geraldo Porteiro”, com um balaião de merenda no braço para a turma da “caixa”. Me vejo entrando de calça curta, cabelo raspado com um topete quadrado na frente, descalço, com um embornal manchado de tinta, que levava o “caderno de pontos”, o lápis, a borracha, a caneta de pena, o tinteiro e um vidro de café, fechado com um pedaço de sabugo, mais os biscoitos da merenda.  Vi lá dentro também a dona Nininha, a diretora e a Donana do Zé Reis, com um canivetão fazendo ponta nos lápis dos alunos.  Lembro-me da alegria no dia em que pude ter um tinteiro especial, chamado “tinteiro econômico”, aquele que a gente podia virar de cabeça para baixo sem entornar a tinta... E paro meu giro por aqui. Nesse lugar sagrado e entre as pessoas que me ajudaram a ser o que sou hoje.

Uma guerra civil chamada Brasil

12 de Fevereiro de 2014, por Rosalvo Pinto 0

2014, ano que vai marcar época. Infelizmente, copa do mundo à vista. Mas veio atrelada, propositadamente, ao que seria muito mais importante: as eleições. O país se desintegrando em pedaços. Se dissermos que somos uma democracia, só as eleições poderiam nos salvar da agonia proveniente da falência múltipla de órgãos. As “manifestações” que se espalham pelo país talvez pudessem salvar-nos, mas nas condições atuais tornou-se impossível “manifestar”, sem badernas, prisões, depredações e mortes. E fica a dúvida: quem seriam esses brasileiros escondidos atrás de uma máscara? Saudade da campanha das “diretas já”, quando um milhão de brasileiros se manifestaram sem sequer danificar uma única cabine de telefone.

Na década de 80, morando em Brasília, eu e mais dois outros colegas do Senado criamos uma associação de pais para defesa da ganância das escolas particulares, ao mesmo tempo em que levantamos uma bandeira de luta pela escola pública, gratuita e de boa qualidade para todos os brasileiros. Com muito trabalho a associação cresceu e deu alguns frutos. Conseguimos algumas vitórias. Mas fomos vencidos. Lembro-me de que meus dois filhos estudavam no Colégio das Irmãs Salesianas. Foram literalmente expulsos, pelo envolvimento de seus pais naquela luta. Já naquela época um dos colegas profetizava: a sociedade brasileira estava se tornando uma guerra civil. Se há 25 anos atrás meu colega tinha essa percepção, eu diria que hoje estamos em plena guerra. O movimento de junho do ano passado já foi um prenúncio de dias piores. Até porque nada se fez até agora para atender aos clamores da sociedade.

No horizonte das próximas eleições não consigo vislumbrar alguém que poderia começar a encarar, enfrentar e estancar com coragem essa guerra. Esse alguém deveria ser um cidadão acima de todas as suspeitas, líder clarividente, cidadão que saiba separar o político da politicagem vergonhosa que floresceu no país no pós-ditadura, enfim, um estadista. Isso do lado do executivo. Talvez pior seja o legislativo, pois só ele tem poderes para promover uma reforma radical na estrutura política do país. Seria a tábua de salvação. Mas está na cara que esses senadores e deputados que se perpetuam no poder jamais farão isso. FHC e Lula em 16 anos de poder tiveram a faca e o queijo nas mãos para realizar este sonho e cederam diante de um legislativo interesseiro, despreparado e corrupto.

Os brasileiros na década de 80 tiveram coragem e souberam livrar a sociedade brasileira da guerra em que se tornara a ditadura. Mas não conseguiram levar avante um projeto de cidadania, a começar por entregar o poder executivo a um crápula e incompetente presidente. O pós-ditadura exigia, obviamente, uma nova constituinte. A incompetência e as malandragens (lembram-se da CPI da Corrupção, em 1989, que durou um ano?) desse presidente levaram o povo a apelar para outro despreparado, corrupto e falastrão. Com o impeachment, assumiu o “pulador de partidos” (imaginem: passou para o partido do Collor, precisa dizer mais alguma coisa?), cidadão que no máximo daria um prefeito de interior e que depois teve uma desastrada passagem pelo governo de Minas. Pobre povo brasileiro! Seria o caso de parafrasear: “diga-me quem nos governa, e diremos quem são os brasileiros”.

Depois vieram os dois mandatos de 8 anos, um do PSDB, partido criado assim que terminou a Constituinte e um do PT. A maior aspiração do político brasileiro é a permanência no poder. Até parece que nos esquecemos do período da ditadura. O PSDB logo armou seu golpe de permanência: através de aconchavos, alterou a constituição aprovada quase no dia anterior, e permaneceu mais quatro anos. Teve o mérito de “arrumar” a combalida economia brasileira, que estava à beira da falência. Aí entrou em cena o PT, com um sonhado projeto de 20 anos no poder. Teve o mérito de dar continuidade ao plano de estabilidade da economia, mas deu início aos seus aconchavos para se manter no poder, aliando-se ao que havia de mais espúrio na política partidária, que antes combatia ferozmente. Teve o mérito de tentar atacar os vergonhosos bolsões de pobreza do país mas logo descobriu que podia tirar proveito dessa situação para continuar no poder.

 

O problema crucial é que nenhum dos dois governos soube olhar o Brasil a longo prazo. Matar a fome do dia, sim, é preciso, mas é preciso pensar no futuro. E o futuro se constrói, entre outros mecanismos, por um grande projeto de educação, o que ainda não foi feito neste país. Conclusão: sem educação, entram em colapso economia, saúde, infraestrutura, justiça, segurança, energia etc., pondo-se a nação em pânico. O povo entende que é preciso sair às ruas. E o Brasil torna-se uma guerra civil.