Contemplando as Palavras

A aurora de nossas vidas

11 de Outubro de 2017, por Regina Coelho 0

Em palestra no Rio, ao tratar da distância entre as gerações e o mito de que os filhos não se entendiam mais com os pais, Ziraldo (1932 – cartunista, desenhista, jornalista, cronista e chargista), em dado momento, afirmou manter uma boa relação com seus filhos, discorrendo ainda sobre como se deveria lidar com uma criança. De uma moça presente na plateia veio a sugestão para que ele escrevesse um livro sobre o tema. “Fiquei com essa ideia de um menino que, por ser feliz, compreendido e amado, criado com carinhos na infância, sem ser sacaneado e chateado pelos pais, tinha grande chance de virar um cara legal”, confessou Ziraldo mais tarde. Corria o ano de 1980, nascendo assim O Menino Maluquinho, clássico infantil da nossa literatura. Obra de temática parecida, O Menino no espelho leva a assinatura de Fernando Sabino (1923 - 2004). Nela, o menino Fernando, que vem a ser o próprio autor, vive todas as fantasias da infância numa maravilhosa viagem ao passado. Sabino conta suas memórias, intercalando fatos reais e imaginários, histórias mirabolantes de um menino que cresceu na BH dos anos 20 e 30 do século passado. Emocionante e engraçado, o livro é puro deleite.

Indo da prosa à poesia, exemplo perfeito desse tempo de singelas recordações é retratado por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em Infância, poema de recriação da vida de menino na monotonia da roça, sob a perspectiva do adulto (“Meu pai montava a cavalo, ia para o campo/ Minha mãe ficava sentada cosendo/ Meu irmão pequeno dormia/ Eu sozinho menino entre mangueiras/ Lia a história de Robinson Crusoé/ Comprida história que não acaba mais...”). Da literatura para a música, a composição Bola de meia, bola de gude, de Milton Nascimento (1942) e Fernando Brant (1946-2015) é a própria representação da alegria infantil.

Curiosamente nascidos em outubro, nos dias 24 (Ziraldo), 12 (Fernando Sabino), 31 (CDA), 26 (Milton, mineiro de coração) e 9 (Fernando Brant), esses cinco dignos representantes das Gerais são alguns dos muitos poetas que souberam eternizar em palavras a essência da criança feliz.

Mas nem sempre são belos os dias em plena aurora da vida. Em Meus oito anos, do poeta romântico Casimiro de Abreu (1839-1860) veio a motivação para o surgimento de muitas paródias, como a da escritora Ruth Rocha (1931) ao externar com o humor típico desse tipo de texto as aflições vividas por uma garota oprimida pelos adultos. Antes, usando o mesmo texto, o modernista Oswald de Andrade já havia assegurado seu poema-paródia abordando aspectos sociais, políticos e econômicos do país, distanciando-se assim da idealização observada na poesia original, em que tudo é magia, beleza e encantamento.

“E volta sempre a infância/ Com suas íntimas, fundas amarguras. Oh! Por que não esquecer/ As amarguras/ E somente lembrar o que foi suave/ Ao nosso coração de seis anos?”

Os versos acima compõem a primeira estrofe de Infância, publicado no livro Prisioneiro da noite (1941), da Henriqueta Lisboa (1901-1985). No poema, a temática da morte de uma criança presenciada pela irmã pequena desconstrói o ideal da infância perfeita, considerada pelo eu-lírico como “misteriosa”, “melancólica” e “inquieta”.

Na lembrança desses anos marcados por definitivas emoções, que viva para sempre o Maluquinho, símbolo do menino feliz. Que a gente possa saber a tempo que a nossa história é mais bonita que a de Robinson Crusoé. Que sejam uma crença as palavras que cantam “Há um menino/ Há um moleque/ Morando sempre no meu coração/ Toda vez que o adulto balança/ Ele vem pra me dar a mão./ ...Bola de meia, bola de gude...” E como Sabino, em epitáfio (inscrição posta sobre os túmulos) escrito pelo próprio, por que não morrer menino? “Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino”, deixa ele em testemunho o que teria sido sua existência.

Nascidos da imaginação e da inspiração de nossos artistas, esses personagens de agora bem poderiam ser nossas crianças reais. Se possível, sem as dores dessa vida.

Entre vizinhos

15 de Setembro de 2017, por Regina Coelho 0

A palavra “vizinho” vem do latim vicinu, que significa “próximo, que mora perto, vicinal, da aldeia”. Com exceção dos eremitas, que preferem viver em lugares ermos, isolados, vivenciamos todos a condição de vizinhos de alguém, situação essa propícia a toda sorte de relacionamentos.

“Vizinhos” (Neighbors - 2014), de Nicholas Stoller, é uma comédia que retrata a vida de Kelly Radner e Mac depois da chegada da primeira filha. Além de lidar com as novas tarefas ligadas à recém-nascida, o casal passa a viver seu dia a dia ao lado dos novos vizinhos: mais de 50 estudantes festeiros de uma república. Em “Vizinhos 2” (2016), a vizinhança da família é outra mas não menos barulhenta: um grupo de garotas, também estudantes.

Barulho! Esse é, com certeza, um dos maiores problemas enfrentados pelos que compartilham espaços próximos entre si. Do volume alto do som aos ensaios intermináveis de músicas, da presença ruidosa dos bichos de estimação às brincadeiras infantis (às vezes transformadas em vidraças alheias quebradas), do toc-toc do andar no andar de cima aos gritos e xingamentos ouvidos a distância como resultado de costumeiras brigas, as perturbações sonoras por que passam muitas pessoas em casa são muitas. E não é só isso. Desavenças por muros e cercas, por invasão de animais ao outro lado ou subtração dos mesmos, por fofocas e intromissões recíprocas costumam destruir ligações antes tão civilizadas ou mesmo amigáveis. E se a grama do vizinho parece mais verde, talvez a gente esteja olhando muito para a dele, sem nos lembrar de regar a nossa.

Por outro lado, nem tudo é barraco ou inveja nesse universo de pessoas vivendo próximas umas das outras. Exatamente por isso, principalmente nas pequenas cidades, a ligação com vizinhos tende a ser muito forte. Disso entendia bem a poeta Cora Coralina, mulher simples, nascida e criada na Cidade de Goiás (antiga Goiás Velho - Go), doceira de profissão e afeita à vida interiorana, para quem “vizinho é mais que parente, pois é o primeiro a saber das coisas que acontecem na vida da gente”. Bonitas e verdadeiras palavras, mesmo percebendo nelas uma possível segunda intenção de Cora ao dizer subliminarmente que aquele que mora próximo de nós “acompanha” a nossa vida de perto.

Definir o vizinho como o chá da horta, como minha mãe gostava de fazer, é uma boa metáfora – ambos verdadeiramente próximos e prestimosos. E da doce lembrança que dona Olga provoca em mim surgem também histórias ligadas a antigos vizinhos nossos. Alguns eram diferentes, como o pessoal da cadeia, então instalada na parte de baixo do Fórum de Resende Costa. Ou como a Zita e o Álvaro, sempre juntos e separados ao mesmo tempo, amparando-se mutuamente os dois irmãos, ainda que brigando muito. E na Casa Paroquial, cujos fundos fazem divisa com a nossa casa, havia o Mons. Nélson, seu ilustre morador por longos anos.

E houve uma época em que funcionou com perfeição um atalho que levava a gente e a família da dona Inacinha (vizinha do lado) até a praça Cônego Cardoso passando pelo quintal da dona Maria do Carmo, avó da Socorro Daher. Aquilo era uma coisa bonita de ser vista. Parecia uma rua particular, uma exclusividade nossa, fruto de um acordo entre as três famílias vizinhas.

Dos casos pessoais àqueles comuns a tantos é fato que a vida entre vizinhos mudou, é claro. Os biscoitos caseiros feitos em grande quantidade e os pedaços de carne em dia de matança de porco trocados com as vizinhas mais chegadas não circulam mais. A xícara de açúcar e os ovos emprestados em momento de urgente precisão parecem coisa do passado. As conversas dos adultos ao cair da tarde com a meninada brincando na rua que é de todos perderam força.

Ainda assim continuamos vizinhos de alguém. E não é preciso frequentar a casa dele e nem tomar cafezinho lá. Mas respeito, gentileza, educação e solidariedade são fundamentais para uma boa convivência com ele, o que é sempre um ganho nessa relação de proximidade entre as pessoas.

Só na harmonia

10 de Agosto de 2017, por Regina Coelho 0

de passagem por Maringá (PR) no início de maio deste ano para um show, Anitta acabou criando uma grande polêmica com os moradores da cidade. A confusão começou quando ela publicou vídeos em seu Instagram Stories chamando a atenção dos internautas para os erros de inglês das placas de avisos da suíte do hotel onde estava hospedada. Nos posts, Anitta grifou os deslizes linguísticos e aparece usando orelhas e focinho de burro.

“Please, DO NOT CHANCE MY BEDSHEETS TODAY.”

(Por favor, não troque (change) meus lençóis hoje.)

YOY BEDSHEETS ARE CHANGED DAILY.”

(Seus (your) lençóis são trocados diariamente.)

Transcritas acima (aqui traduzidas e corrigidas por mim), as frases em questão e a imagem da “professora” Anitta devidamente caracterizada de asno provocaram muitos comentários nas redes sociais, a maioria deles reprovando a atitude da cantora.

Episódios não tão agradáveis envolvendo artistas e seu público são relativamente comuns. Nessa relação de duas partes que se completam numa autêntica simbiose, em algum momento, de lado a lado, essa harmonia pode se quebrar. Fala-se muito, por exemplo, do artista afetado pela fama, o famoso “mascarado”, aquele que passa a ignorar quem o acompanha ou o admira. Fala-se pouco, no entanto, do fã abusado, aquele que passa a perseguir seu ídolo insolentemente a qualquer hora, em qualquer lugar. Em ambos os casos, o estresse é certo, como acontece em outras circunstâncias também.

Mas nada supera o que ocorre nos shows ao vivo em se tratando de tudo o que pode causar estranhamento entre os lados envolvidos nesse tipo de evento. No topo da lista de problemas aparecem as bebedeiras não controladas no palco, situação que continua rendendo, não só literalmente, muita dor de cabeça a certos cantores por este país afora. Recentemente, precisamente no dia 28 de maio deste ano, em apresentação na Festa Nacional do Milho (Fenamilho), em Patos de Minas (MG), o cantor Bruno, parceiro de Marrone na dupla que leva o nome dos dois, extrapolou na bebida, deu vexame e desculpou-se depois pelo ocorrido. Caso parecido se deu em 2015 protagonizado pela também dupla sertaneja Jads e Jadson. Alegando problemas de saúde, Jadson não compareceu em um show deles que aconteceria no Parque de Exposições de Entre Rios (MG) e fez com que o irmão fosse vaiado pela plateia ao tentar explicar a ausência do parceiro, que teria tomado todas e ficado sem condições de se apresentar profissionalmente no local. E claro! É quase obrigatório completar essa trinca de etílicos fiascos públicos vindos dos palcos lembrando uma certa noite em Resende Costa. Nos idos anos 90, o público presente no Parque do Campo viveu momentos inesquecíveis em mais uma edição da nossa Exposição Agropecuária. Naquele dia, quem roubou a cena, não exatamente por seus atributos artísticos, foi a cantora Nalva Aguiar. Visivelmente embriagada, portanto incapaz de cantar decentemente, ela teve de ser retirada do palco sob vaias e xingamentos quase gerais. Espetáculo patético aquele!

Existem muitas outras situações em que essa relação artista/público pode ficar estremecida. Em se tratando, por exemplo, de pequenas cidades do interior, há registros de casos de artistas que nem se dão ao trabalho de guardar e citar publicamente o nome do lugar onde se apresentam. Ou pior, trocam o nome da cidade. Pode parecer bobagem, mas todo mundo gosta de ser tratado com o que o identifica corretamente. Os atrasos monumentais para o início de um show costumam também incitar, no mínimo, muitas vaias aos astros retardatários. Mas verdade seja dita. Muitas vezes é a plateia que “desafina” com brigas incontornáveis, insultos gratuitos dirigidos a quem está se apresentando, objetos perigosos atirados ao palco ou mesmo invasão do local.

Show de verdade tem protagonismo certo: o artista e seu público, mesmo reconhecendo o anônimo trabalho coletivo dos que atuam em favor do bom espetáculo. Sem conflitos. Encontro feliz dos dois lados.

Tributo a Resende Costa

16 de Junho de 2017, por Regina Coelho 0

Homenagear é demonstrar admiração, respeito ou gratidão por alguém. É também destacar fatos e feitos merecedores de distinção. Homenagens são feitas com flores, salvas de palmas, medalhas, troféus, estátuas, faixas, placas, monumentos, comendas, discursos, exposições, mensagens, dedicatórias, títulos, presentes... Homenageiam-se vivos e mortos. Homenageiam-se santos, personagens bíblicos e pessoas com nomes de ruas, praças, avenidas, prédios, sítios, escolas, cidades, músicas, estabelecimentos de comércio, áreas culturais... Nomes próprios de registros acrescidos de Júnior, Filho, Neto e Sobrinho contemplam homenageados em família. No calendário, não faltam datas comemorativas – cívicas, como o nosso 2 de junho; comerciais, como o Dia dos Namorados e religiosas, como o Corpus Christi. De certa forma, datas homenageantes também.

Motivada pela singela homenagem do pessoal da Banca Resende em inscrição nela própria, que lembra o Francisco Machado (o Chico), seu primeiro proprietário, fiz um giro mental pela cidade em busca de espaços públicos que representam parte importante da história de Resende Costa por si mesmos e pelos nomes que os identificam.

Desconsiderando a citação aos logradouros oficiais e devidas justificativas nominais, por absoluta impossibilidade de aqui mencioná-los, nosso ponto de partida é a E.E. Assis Resende, que leva o nome de seu fundador e abriga a Biblioteca Ana Rocha (D. Nininha, antiga diretora da escola). Em sequência, vem a E. M. Conjurados (uma referência aos inconfidentes), que conta com a Biblioteca Olga Rios Pinto (D. Olga, primeira diretora da escola) e a Quadra Esportiva Profª Carminha Mendes. Alojada em bonito prédio situado no Mirante das Lajes, a Biblioteca M. Antônio Gonçalves Pinto é criação daquele que lhe empresta o nome. Dentro dela, o Espaço Cultural Prof. Geraldo S. Chaves lembra o maestro e educador de incontáveis alunos. Bem próximo às Lajes, na Praça Cônego Cardoso, está erguido o Salão Paroquial Padre Adelmo, assim denominado como preito a seu criador, hoje mais conhecido como CPP (Centro de Pastoral Paroquial). Chega-se à Praça Profª Rosa S. Penido, de cujo centro um busto feminino justifica a denominação do lugar e de onde se avista o centenário sobrado do Fórum Des. Mello Júnior (presidente do TJMG, responsável pela manutenção da comarca de RC. quando da ameaça de sua extinção).

Alcançando outros pontos da cidade, o caminho tomado envolve três direções distintas: o Estádio M. Olíndio Argamim de Freitas, o Parque dos Trabalhadores Geraldo Magela de Resende e o Terminal Rodoviário José Pedro dos Santos. Esses importantes espaços estão respectivamente marcados com a lembrança do “Sô Bico” (dentista e esportista), do Geraldo do Lulu (professor, advogado e um dos idealizadores do Parque do Campo) e do “Gancho” (motorista e músico da Banda Santa Cecília).

Homenagem em quatro versões para um mesmo homenageado: Mons. Nélson, por 44 anos à frente da Paróquia N.S. da Penha de França, com atuação marcante na área da Educação. Sendo hoje nome de uma das principais avenidas de Resende Costa, de um ginásio poliesportivo e do escritório paroquial daqui, é igualmente reverenciado na figura de um busto inaugurado em 2014, por ocasião do centenário de seu nascimento.

De volta ao nosso estádio, o caminho agora, ou melhor, a caminhada é feita também pelo Campo do Expedicionário, clube cujo nome lembra os pracinhas resende-costenses. E dos já mencionados conjurados da Lage veio a inspiração para batizar como Rádio Inconfidentes essa outra forma de espaço na cidade, assim como também o é o JORNAL DAS LAJES, que carrega no nome sua identidade em forma de homenagem a Resende Costa.

E chega-se finalmente à estátua de José de Resende Costa, monumento erguido em 2012 próximo à histórica casa do inconfidente como marco dos 100 anos de emancipação política do município, de igual forma oportuna homenagem àquele de quem herdamos para esta terra o honroso nome de Resende Costa.

De pão em pão

18 de Maio de 2017, por Regina Coelho 0

O abel já tinha prática naquilo. Afinal de contas, com 11 anos já trabalhava com o Aldair, padeiro do Antônio (do Sérgio Procópio). E depois com o Jesus “Barbeiro”, então envolvido com padaria. Mais tarde, no Regimento, foi ser... padeiro. O Heitor trabalhava em SP, num outro serviço. Foi aí que o Abel o convidou para abrirem uma padaria em Resende Costa. Nascia assim a Panificadora Vale LTDA em fevereiro de 1963, numa época em que, segundo seus fundadores, “nenhuma padaria ia pra frente na cidade”.

Instalado na rua Assis Resende, o empreendimento passou a enfrentar os primeiros problemas. Um deles era a forte concorrência com São João del-Rei, aonde o pessoal daqui, por dependência quase total do município vizinho, ia com grande frequência e, como hábito, quase como obrigação, trazia de lá o pão. O produto feito aqui encontrou no comércio local seu principal comprador. Entregue em enormes balaios a donos de botequins e armazéns que o revendiam ao consumidor, foi chegando à mesa do resende-costense. Outra grande dificuldade era conseguir a farinha de trigo. Através da obtenção de cotas, os concorrentes já estabelecidos conseguiam comprá-la diretamente dos moinhos pagando menos, enquanto eles a compravam no mercado atacadista. Concorrentes também, carros vindos de BH e Barbacena, principalmente, chegavam a Resende Costa vendendo a praticidade e a durabilidade do pão embalado. Tempos difíceis aqueles! De resistência.

Típico da profissão, o trabalho dos dois começava cedo, às 3, 4 horas da manhã, no máximo. As funções eram divididas meio a meio, diferentemente da ideia inicial do Heitor de atuar somente como administrador do negócio. A quatro mãos, tudo era feito manualmente. Usavam cilindro, masseira e, como não tinham modeladora, faziam um por um o pão. Para garantir a produção do dia seguinte, a fermentação tinha início às 17h do dia anterior. Ofertando ainda roscas, rosquinhas, biscoitos de polvilho e demais quitandas, estendendo suas vendas até Coroas (Cel. Xavier Chaves), a padaria tinha uma particularidade interessante: num único ambiente, quem chegava lá via todo o processo de preparação dos produtos.

Em funcionamento até 2005, o estabelecimento dessa dupla empreendedora é agora página importante na história da panificação do município. Hoje, Heitor Vale, 78, padeiro aposentado e Abel R.Vale, 72, padeiro ainda em plena atividade por pura devoção a seu ofício, muito têm para contar sobre aqueles anos. E destacam, entre tantas passagens marcantes, as idas constantes de mães e crianças carentes até a padaria pedindo-lhes pão, que eles nunca negavam. Mas Heitor afirma que resolveu estipular um “regulamento” para disciplinar aquela situação. Ou seja, quem quisesse sua sacola de pães teria que contribuir com um feixe de lenha. E mais. Para evitar possíveis desavenças com terceiros, ficava claro que mourões e pedaços de madeira não seriam aceitos. O reconhecimento pelo que faziam vem hoje de muita gente que garante a eles jamais se esquecer daquele gesto de ajuda a quem muitas vezes não tinha o que comer.

“Uma experiência de vida muito boa”, assim Heitor resume o que representa para ele esse trabalho. E, sem falsa modéstia, garante: “a gente deixou boas lembranças”. E quem vem construindo outras histórias profissionais é o Abel, há cinco anos trabalhando no Supermercado N. S. da Conceição, para o Marquinhos, a quem elogia muito. Sobre a importância da Panificadora Vale, não deixa por menos: “estudei meus três filhos”, diz com natural e indisfarçável bom orgulho. Provocado a dar uma dica para se fazer um bom pão, esse vocacionado padeiro não vacila ao citar em primeiro lugar o capricho como requisito obrigatório, para depois acrescentar que é preciso colocar o pão no forno “na hora certinha”. E, palavra de quem entende, fazê-lo corar com o vapor.

O pão é símbolo do alimento e de todo esforço para consegui-lo. O ritual da massa formada e transformada tem a conduzi-lo mãos hábeis de padeiros. De gente como os irmãos Vale.

  P.S. Agradeço à minha tia Stela, irmã do Abel e do Heitor, a mediação essencial na produção do presente artigo.