Contemplando as Palavras

Família Resende Costa

16 de Junho de 2016, por Regina Coelho 1

o casamento do português (natural da ilha de Santa Maria, arquipélago dos Açores) João de Resende Costa com a jovem Helena Maria de Jesus (pais de José de Resende Costa) aconteceu no dia 3/10/1726 na Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Prados, comarca do Rio das Mortes, capitania de Minas Gerais. Helena, Júlia Maria da Caridade e Antônia da Graça formam as lendárias três ilhoas portuguesas de que fala a história de Resende Costa. Nascidas na ilha do Fayal, em Açores, as três irmãs vieram para Minas Gerais logo que essa província se formou.

João e Helena tiveram 15 filhos, 6 mulheres e 9 homens. O filho José nasceu no território da então capela de Santo Antônio da Lagoa Dourada, freguesia do Arraial de Prados (atual Prados, MG). Do casamento com Ana Alves Preto vieram os filhos: José de Resende Costa e Francisca Cândida de Resende. Profissionalmente, Resende Costa (Pai) era capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São João del-Rei, com jurisdição sobre a Lage e Santa Rita (atual Ritápolis, MG) e um rico fazendeiro, proprietário da fazenda dos Campos Gerais da Lage, onde nasceram os filhos.

Para estudar, Resende Costa (Filho) foi enviado ao Rio de Janeiro pelo pai, que tinha o objetivo maior de mandá-lo posteriormente para a Universidade de Coimbra, Portugal, tendo a acompanhá-lo padre Toledo. Inteirados pai e filho das tramas da Inconfidência Mineira, conspiração que, segundo consta, contava entre seus planos, evidentemente caso obtivesse êxito, com a fundação de uma universidade em Minas, JRC/F aqui permaneceu, engajando-se com o pai e o padre Toledo no movimento.

Francisca casou-se com Gervásio Pereira Alvim, tendo o casal residido na fazenda dos Campos Gerais, onde ela faleceu em 1845. Dos filhos vivos à época da lavratura do testamento de Francisca (já viúva), constam 6, a saber: Gervásio, Manoel, Joaquim, Antônio, Mafalda e Francisco. Entre eles, destaca-se o padre Joaquim Carlos, primeiro vigário da freguesia da Lage, instituída em 1840. Por sua iniciativa, deve-se a construção da igreja do Rosário entre 1857 e 1867. Uma curiosidade: os casamentos entre parentes, fato comum naquela época. Alguns deles são observados entre netos de Francisca: Mafalda Cândida (mãe: Mafalda) e Francisco Machado (pai: Francisco), Gervásio Cândido (mãe: Mafalda) e Ana Cândida (pai: Gervásio), Mafalda Umbelina (pai: Francisco) e Domingos Teodoro (pai: Gervásio).

Bisneto de JRC/P, Gervásio Cândido cursou a faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo diplomado em 20/12/1850. Possuía ele uma fórmula de excelente resultado para a cura do bócio (conhecido popularmente como papo, papeira), da qual sua filha Maria Madalena guardava o segredo. Além de excelente médico, Dr. Gervásio era “um literato de primeira grandeza, exímio latinista”, segundo as palavras de meu primo Alair.

Também culto e admirador das artes, Joaquim Leonel de Resende Lara adquiriu a prática da medicina no convívio com Dr. Gervásio, de quem era sobrinho. É de sua autoria o projeto que deu às vias públicas da Lage as suas primeiras denominações oficiais, cabendo-lhe ainda a ideia de ser dado ao município o nome de Resende Costa.

Dando continuidade a essa despretensiosa “expedição” genealógica, surge o nome de Maria José de Resende (também filha de Mafalda Cândida de Resende e de Antônio Pinto de Góes e Lara). Do casamento com o primo Joaquim Rodrigues Lara, entre outros filhos, ela gerou Joaquim Leonel e José Jacinto Lara Sobrinho. Este, por sua vez, casado com Custódia Josina de Resende, é pai, entre outros, de Alcides Gabriel de Resende (Alcides Lara), que vem a ser o pai, entre outros, de Vera (filha do primeiro casamento dele) e de Olga Resende Lara Coelho (do segundo casamento, casada com Adenor de Assis Coelho), minha mãe e de outros 8. Ufa! Finalmente entrei nessa história.

 

   No mês em que Resende Costa comemora mais um aniversário, rendo minha homenagem aos notáveis resende-costenses Alair Coêlho de Resende, Gentil Vale, Juca Chaves (os dois últimos in memoriam), Rosalvo Pinto e Vera Cruz Resende (minha saudosa tia, fonte essencial de pesquisa com o seu Trilha no passado). De seus escritos sobre a Lage extraí grande parte das informações aqui contidas. Méritos a eles, dignos guardiões da memória da cidade.

Muito mais do que um carro

12 de Maio de 2016, por Regina Coelho 0

Quando falam de certas relíquias que têm em casa, Amadeu Coelho (63, advogado), Ézio Henrique (60, comerciante), Rosângela Chaves (61, aposentada) e Paulo Lara (79, promotor de justiça aposentado) se enchem de orgulho. O Voyage LS cinza do Amadeu (1986, comprado na Cacel – SJdR no dia 5 de setembro do mesmo ano), passando pelo Passat Village vermelho do Ézio (1986, também adquirido nos mesmos local e ano), seguindo com a Brasília branca da Rosa (1979, comprada de um irmão há dois anos) e chegando ao Fusca 1300 L marrom do meu tio Paulo (1974, ano de fabricação e de compra, também na Cacel) representam muito na vida dos quatro.

Afirmando ter muito zelo e carinho pelo Voyage, o dono dele gosta de dizer que seu veículo serve para estrada de terra e asfalto. E o que acha melhor nele é o porta-mala bem espaçoso. E mais, por ser de duas portas, não deixa entrar poeira fácil. E mais ainda, nos períodos de troca de óleo, nunca baixa uma gota. Indagado sobre a possibilidade de vendê-lo algum dia, Amadeu responde que por enquanto não tem interesse nisso e só admite tal negócio se for para alguém da família, revelando que tem um sobrinho interessado em comprá-lo. “Lembro-me especialmente da primeira viagem que fiz nele em estrada de terra. Eu e meu pai fomos a Carandaí buscar uma bomba de cisterna”, comenta ele sobre histórias marcantes ligadas ao carro.

Em referência ao seu Passat, Ézio avalia que ele “foi um carro comprado com muito esforço”. E acrescenta que os filhos “cresceram com ele servindo à família”, inclusive na primeira viagem deles à praia e em inúmeras e inesquecíveis viagens a Valadares também. Auxiliado pela Dora (esposa), ele enumera algumas das vezes em que o carro chamou a atenção de pessoas interessadas nele (no Espírito Santo, aqui na cidade e em Viçosa, quando um papel com uma proposta de venda foi deixado no painel do cobiçado Passat). Às vezes admitindo vendê-lo para logo desistir, Ézio é só elogios ao “carrão”, que não tem vazamento de óleo, nunca o deixou na mão e tem motor original.

Um carro espaçoso, essa é a maior qualidade da Brasília da Rosa, para quem, por ter sido de seu pai, na família não se fala em vendê-la. “Para mim ela vale mais que um carro zero”, compara a atual proprietária numa avaliação cheia de estima e saudade pelo que esse carro representa. Um momento particularmente significativo se deu em 2009, por ocasião da última viagem que a Brasília fez para o Morro da Garça (MG), na casa da irmã Tânia, levando até lá os pais (hoje falecidos) e os irmãos Beto e Socorro (falecida em 2010).

Para tio Paulo, seu Fusca representa a compra do primeiro carro zero. Versatilidade e mecânica simples aliadas à capacidade que ele tem de andar em qualquer estrada são qualidades destacadas nele. Desconsiderando vendê-lo algum dia, meu tio destaca o fato de que a Stela (esposa) e seus filhos aprenderam a dirigir usando o valente Fusca, tendo até tirado carteira de motorista usando-o para tal, à época, podendo ser feito o exame em carro próprio. “Ele faz parte da minha história”, declara o responsável pelos 42 anos de tão ilustre presença habitando sua garagem.

Com 290 mil, 180 mil, 97.588 e 184.610 Km rodados, o “Veneno” (Voyage), o “Passatão” (Passat), a “Brasília do vovô Zezé” ou “Brasília do papai” e o “Marronzinho” (Fusca) têm ainda muito combustível para queimar e muita história para “viver”, de preferência, conduzidos por seus devotados donos de sempre.

O Corcel azul do Célio (do Valdemar), o Golf vermelho do Ivan Barbosa e o Fusca bege da Elzi Lara devem ter também um lugar especial na vida de seus donos. O Fusca branco da Coraci Vale idem. Segundo me disseram, ela nem gosta de dirigir outro carro. E um certo Fusquinha bege (1976) não pode ser esquecido. Usado para levar a Irmã Ernestina em suas andanças pela zona rural em busca de prendas para os leilões beneficentes da Santa Casa (sua proprietária), ele e os outros carros aqui citados são um luxo só.

 

   PS: Agradeço ao meu irmão Amadeu a parceria que fizemos na produção do presente artigo.

Momentos de decisão

14 de Abril de 2016, por Regina Coelho 0

“A escolha de Sofia” é uma expressão que invoca a imposição de se tomar uma decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982, que valeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz. A trama, dirigida por Alan J. Pakula a partir do romance “Sophie’s Choice” (1979), de William Styron, conta a história de Sofia, uma polonesa que, sob acusação de contrabando, é presa com seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, no campo de concentração de Auschwitz durante a II Guerra. Um sádico oficial nazista dá a ela então a opção de salvar da execução apenas uma das crianças, ou ambas morrerão, obrigando-a à terrível decisão.

O rei Salomão tornou-se famoso por seus julgamentos sábios. Certa vez, num caso a ele apresentado, duas mulheres discutiam sobre o destino de um bebê, cada qual dizendo ser a mãe dele. Assim sendo, ele ordenou que se cortasse o bebê ao meio e se desse a cada uma “sua” metade. A primeira mulher concordou com o tal arranjo, mas a outra contestou de imediato a proposta dizendo que a criança deveria ser entregue viva à sua oponente. Sua atitude bastou para que Salomão visse quem era a verdadeira mãe do bebê.

Publicado pela primeira vez em 1964, “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles, é um livro que imprimiu sua marca na memória afetiva de gerações de leitores e ocupa lugar de destaque na literatura infantil brasileira. No poema que segue abaixo e dá nome à obra, Cecília coloca a criança diante dos caminhos a seguir perante a vida, que é feita de escolhas, muitas vezes difíceis, com o cotidiano marcado pela dúvida e pela certeza da impossibilidade do tudo querer.

 

Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva.

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva.

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares.

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro.

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

Entre a personagem fictícia Sofia, Salomão e as situações relacionadas por Cecília Meireles em seu singelo texto, o ponto comum é o momento da decisão. No primeiro caso, uma escolha crucial de quem se vê forçada a optar entre duas alternativas igualmente insuportáveis. Quanto à personagem bíblica, prevalece a sabedoria salomônica ao julgar e decidir com acerto a causa das duas mulheres. O título “Ou isto ou aquilo” define com precisão o pensamento da poeta e é incisivo ao deixar claro que as pessoas são responsáveis pelas escolhas que assumem, abrindo mão do que não combina com elas ou do que não pode ser.

De simples e pequenas decisões são feitos os dias. Que roupa vestir hoje? O que fazer para o almoço? Ir ou não a uma festa? O que comprar de presente para alguém? Pedir uma pizza em casa ou sair com a turma?... De importantes escolhas também. Recém-chegados à universidade, os meninos de Resende Costa saídos da Escola Estadual Assis Resende e mostrados na galeria de 22 fotos de bonitos e vitoriosos rostos (Jornal das Lajes, edição de março último) são a prova disso. Que tenham acertado em suas opções de estudo. Em muitos casos, decidir nem sempre é fácil, principalmente quando as decisões envolvem diretamente a vida de terceiros.

 

“Ser ou não ser: eis a questão” é a frase que Hamlet, personagem de Shakespeare, pronuncia em um momento de dúvida entre vingar ou não a morte do pai. Ele não sabe se age de acordo com a moral (e desiste da vingança) ou de acordo com seu desejo (e vinga-se). Numa dimensão mais ampla, esse questionamento representa o dilema do próprio homem confrontado com suas convicções e indecisões, na inevitabilidade de escolhas possíveis, tomando para si a condução de seu destino.

Para cada multa uma desculpa

17 de Marco de 2016, por Regina Coelho 0

Ilustração Lucas Lara.

Ninguém gosta de ser multado. Isso é certo, pois equivale a um castigo em forma de pagamento em dinheiro por um negócio que não foi honrado como o estabelecido ou por uma situação de desobediência legal. No direito do trânsito, considerando as autuações impostas aos infratores, a consequência é a aplicação de multas que se multiplicam por aí. Entram em cena, então, os recursos contra muitas delas. Alguns, cabíveis; outros, fruto do famigerado jeitinho do brasileiro em se dar bem a qualquer custo.

Na primeira categoria, por exemplo, encontra-se o caso recente de um empresário de Araraquara (SP) multado por excesso de velocidade. No documento da multa, há o registro de que o carro dele foi flagrado quando rodava a 72 km/h em uma via de 50 km/h. Detalhe fundamental: o carro estava parado, como prova a imagem do radar. “Por sorte, eu estou do lado do carro e até saí na foto. Por isso dá para ver que ele estava parado. Se eu não estivesse ali, seria difícil provar”, afirma o motorista. Vítima de um erro na triagem de multas, ele teve o trabalho de contestar a sua para vê-la cancelada. Relativamente comuns e igualmente justificáveis são os casos envolvendo carros multados em locais onde comprovadamente nunca estiveram, o que pode caracterizar clonagem desses veículos.

Excluídas essas e demais situações resultantes de anulação das infrações de trânsito, na hora de simplesmente escapar de uma multa, muita gente costuma apelar para tudo na tentativa de tirar a dívida do bolso e os pontos da carteira. Para tanto, as desculpas usadas por muitos variam de acordo com a situação. Para o caso da falta do cinto de segurança, a alegação mais frequente dada pelos motoristas é que estavam, sim, com o acessório, mas foram autuados por uma confusão, já que usavam roupa preta. Nesse caso, sobra até para a camisa do Vasco. O auditor de trânsito teria confundido o cinto com a faixa preta diagonal da roupa. Problemas de saúde também são usados como pretexto para a falta de uso do mesmo cinto. É conhecida a história de uma mulher que trafegava sem ele em Brasília. Percebendo que teve a placa de seu carro anotada e seria multada, justificou-se com o auditor dizendo que havia feito uma cirurgia na mama. E como achou que ele não estava acreditando naquela explicação, começou a tirar a roupa para provar que estava falando a verdade. Para o Detran, se a pessoa se mostra impossibilitada de usar o cinto de segurança, que é obrigatório, não deve estar na condução de um veículo.

Das desculpas mais esfarrapadas usadas pelos infratores de trânsito, algumas são clássicas. Segundo pesquisas feitas por estudiosos dessa área, em 1º lugar aparece esta: “eu fiquei aqui apenas cinco minutinhos”. A segunda frase mais ouvida é: “o senhor devia estar correndo atrás de bandido em vez de ficar multando pessoas trabalhadoras”. E tem aquela: “a culpa é do governo, que não faz estacionamento para a gente parar”. E mais: “o governo só quer é tirar dinheiro do povo com essa indústria de multas”. O que a maioria dessas frases e similares têm em comum é a atitude do infrator em responsabilizar outra pessoa pelo erro que ele cometeu.

Há situações que chegam a ser cômicas. É o caso de um senhor que foi abordado por três vezes em Brasília (de novo lá) dirigindo embriagado. Nas três vezes, ele alegou estar gripado e ter tomado conhaque para acabar com a gripe. Dá para acreditar nisso? Pelo menos sincero e “trêbado”, talvez por isso mesmo sem condições de negar o óbvio, numa das vezes em que foi preso em BH por dirigir alcoolizado, Elisson Miranda admitiu publicamente ter bebido muito. “Bebi, bebi, bebi, bebi, bebi”, afirmou ele jocosamente a jornalistas e cinegrafistas, tornando-se momentaneamente famoso como “o bêbado do pijama”.

 

Entre multas e desculpas, uma curiosidade final. O recado afixado em frente ao Cartório de Registro de Imóveis da vizinha São João, - “NEM POR 5 MINUTINHOS”- adianta-se ao pretexto da breve paradinha. Boa essa!

Nossa mãe

16 de Fevereiro de 2016, por Regina Coelho 0

O dia 14 de dezembro foi especialmente feliz na casa da dona Zezé e do Alcides Lara graças à chegada de Olga, filha do casal ansiosamente aguardada. Tendo já como irmãos Vera e José Alencar (Dezinho, falecido aos 12 anos em um acidente com arma de fogo), frutos do primeiro casamento do pai, vieram-lhe os outros irmãos: José, Otto, Ana, Custódia, Celso, Alcides, Paulo, Maria (Lilia) e João (falecido aos 13 anos vitimado pelo tétano). Sob o olhar atento e constante da mãe, foram crescendo juntos, desfrutando anos inesquecíveis de uma bonita convivência. Infância e adolescência vividas intensamente, o quintal da casa de número 21 da Praça Dr. Costa Pinto chegava até as Lajes “de baixo”, um extenso território a perder de vista aos olhos da criançada. Nele, pela fartura e gostosura dos frutos, destacavam-se entre as muitas árvores as jabuticabeiras, de que eram “donos” os filhos de dona Zezé, cada um com a sua escolhida e protegida. Aquilo era o próprio paraíso para eles, lugar de algazarras e traquinagens.

Já mocinha, ajudando a mãe no cuidado com os meninos mais novos, ora fazendo tricô, arte em que era exímia, ora cantando no Coro Paroquial, condição na qual, ensaiada pelo tio, padrinho e maestro Quinzinho, cantou o Pange língua e foi Verônica na Semana Santa; ora jogando vôlei como levantadora, Olga tinha uma tarefa que cumpria com grande prazer. Era dela a responsabilidade pela manutenção da biblioteca do pai, o que certamente acentuou seu gosto pela leitura.

Em fevereiro de 1946, casou-se com o jovem Adenor, que, ainda menino, das Lajes, já a observava transformada na artista Sudária em brincadeiras de circo com os irmãos em algum ponto daquele mesmo encantado quintal.

Vida nova, casa nova e nova família se formando. Magda, Marlene, Elmo, Amadeu, Fátima, Regina, José Celso, Olga e Maristela compunham com os pais um entrosado time que, por exemplo, cabia perfeitamente no carro da família (quase sempre uma Rural) para os inúmeros passeios feitos pelos onze. Coisa impensável nos dias de agora. Anos de muita alegria para todos e muito trabalho para os pais. Momentos difíceis também. E dona Olga, ao lado do marido, sempre forte, calma, equilibrada e religiosa. A devoção a Nossa Senhora presente até no nome das filhas, todas elas Maria. Disso ela fez absoluta questão.

Filhos criados e formados, a saudade dos que se foram é imensa, mesmo assim a família cresce, mantendo-se unida em torno daquela magnífica figura de mulher. Sem o nosso pai, nossos sobrinhos falecidos, sem a Magda e o Lúcio, dona Olga segue em frente, à frente de todos nós, impondo-se pela personalidade única, cuidando de sua prole. Até que, naturalmente, sem se fazer aperceber, foi chegando a hora de a gente tomar conta dela.

Na rotina diária de quase seis anos nos cuidados diretos com ela, nada de cama, a não ser nos períodos de alguns sobressaltos com a saúde. No mais, disposição total para o trabalho em forma de pequenos consertos de costura feitos à mão ou usando sua prestimosa máquina. Ou ainda tricotando sapatinhos de bebê para a Irmã Ernestina usar nos recém-nascidos da Santa Casa deles necessitados. Na cozinha, bolos feitos para o “batalhão”, lombos temperados com maestria, a couve picada bem fininha e os doces de figo de todo ano. Nos horários de descanso, os livros lidos e poupados só para a história não terminar logo, outros consultados com frequência como o da irmã Vera sobre a genealogia da família, o calhamaço de 498 folhas sobre as cidades mineiras, também procuradas por ela no grande mapa exposto na parede do escritório de nossa casa e os incontáveis livrinhos de caça-palavras. Nas sessões de casos engraçados, o talento incomparável da contadora mais experiente da turma. Em casa, comunhão aos domingos, missas e programas religiosos pela televisão e pelo rádio, os horários sagrados das orações diárias, o terço das quintas-feiras rezado com os presentes, a visita mensal da Mãe Rainha... Em tudo, alguém da família sempre por perto.

 

Como lembrou seu filho Zé, “nossa mãe rezava todos os dias para não perder a memória (e assim foi). Com ela aprendemos muito, rezamos muito, cantamos muito, nos divertimos muito... Deu tempo para cuidarmos dela e desfrutar todos os dias de sua companhia. Até que ela descansou. Como sempre, serena e bonita”.