Recomeçar
13 de Janeiro de 2016, por Regina Coelho 0

Ilustração: Lucas Lara
No ano passado,...
Já repararam como é bom dizer “o ano passado”? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem... Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse “tudo” se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas, no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado, deparei com um despacho da Associated Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:
“Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados”.
Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás, praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...
Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo sexagésimo quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição – morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova. (...) Texto extraído da obra Porta Giratória (1988), de Mário Quintana.
Pode-se concordar ou não com a visão do saudoso Quintana sobre a passagem de um ano para o seguinte. É fato, porém, que, pelo menos hoje é ainda novo este bissexto 2016. Aliás, essa característica tem uma explicação interessante. Vamos a ela. O ano é medido pelo tempo que a Terra leva para dar uma volta em torno do Sol. Esse período tem duração de 365 dias e 6 horas, aproximadamente. Um ano se encerra com 365 dias e deixa de lado essas 6 horas. Em quatro anos, temos 24 horas de sobra, ou seja, 1 dia. Assim, 29 de fevereiro é inserido no calendário para que o movimento da Terra possa ser ajustado.
Ainda sobre a magia da virada do calendário, Drummond escreveu: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial./ Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão./ Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos./ Aí, entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número/ e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente”.
Pode ser psicológico, mas pelo sim ou pelo não, o desejo de conquistar uma nova vida deve ser um bom começo para este começo de ano. O que vem depois daí já é outra história, ou melhor, são outros projetos. Cuidar mais da saúde, encarar aquele check-up tão adiado, estudar muito para o Enem e garantir uma vaga na faculdade, preparar-se para o primeiro emprego, conseguir um outro emprego, ter coragem de mudar de emprego, construir a casa própria, reformar a casa, voltar para Resende Costa, mudar-se de Resende Costa, arrumar namorado(a), viajar por aí e para longe, ter um pedacinho de chão para chamar de seu, parar de fumar, começar a malhar, comprar um carro, trocar de carro, pescar no Pantanal, ler mais, voltar a frequentar o Mirante das Lajes e se deixar levar por sua beleza inspiradora e acolhedora, tornar-se voluntário(a) de uma causa social, dedicar mais tempo à família...
Coletivamente falando, que haja entre nós e para nós mais saúde, menos sofrimento; mais educação, menos corrupção; mais civilidade, menos impunidade; mais justiça, menos desigualdade; mais decência, menos violência. Eleições municipais e Olimpíadas batendo à porta, que seja ganhador nas urnas o Brasil, do qual se espera, como anfitrião e competidor, correto desempenho. Que assim seja. Feliz 2016.
1- Natal
17 de Dezembro de 2015, por Regina Coelho 0
A palavra presépio, na língua portuguesa, designa o local onde se recolhe o gado, curral e estábulo. Na tradição do Natal, presépio é a representação da estrebaria de Belém e das figuras que, segundo o Evangelho, participaram do nascimento de Jesus e das cenas que a ele se seguiram. Segundo consta, essa reconstituição simbólica se deve a São Francisco de Assis, que, em 1223, teria sido responsável pela montagem do primeiro presépio do mundo usando representativas peças de argila. Desde então, esse ritual vem se repetindo através dos anos como preparação de grande parte da humanidade para a celebração natalina. Montados no aconchego das casas, no silêncio reverente das igrejas ou na amplidão dos espaços públicos, os presépios se destacam entre os símbolos dessa data pelo fascínio que exercem nas pessoas em razão da boniteza de tão inspirador cenário e da lembrança de outros tempos evocada por eles.
Particularmente, carrego comigo imagens familiares de muitos presépios montados em casa. Tudo começava com as folhas de papel preparadas com grude para servir de gruta. Sobre elas eram jogados o carvão (ou a borra de café) e a malacacheta moídos, fazendo faiscarem as supostas pedras que, depois da secagem dessa mistura, iam sendo modeladas de modo a compor a base daquele trabalho artesanal. Com os protagonistas, coadjuvantes e figurantes colocados em cena, havia espaço até para uma banda de música e um laguinho feito de espelho sobre o qual se postavam alguns patinhos. Naqueles momentos, história e imaginação eram uma só coisa.
Também guardado na memória, o presépio montado no centro da Praça Dr. Costa Pinto era puro encantamento para os apreciadores daquela bonita forma de caracterização do Natal. Evidentemente proporcionais às dimensões do local, as peças chamavam a atenção pelo tamanho, destacando-se as da Sagrada Família (Jesus, Maria e José), belo conjunto cênico instalado no coração da cidade, quando Resende Costa respirava ares bem mais inocentes.
2 - A caminho da utopia
“Aqui na esquina acaba de morrer um humanista (Mello Cançado, professor de generosidade). Na televisão e nos jornais o mestre Alceu dá um banho de vida e lucidez. Meu pai, menino de 70 anos, me dá lições diárias de sabedoria e esperança. E o que dizer do Drummond? Estão velhos ou mortos os homens que acreditam nos homens? Os justos estarão no fim? Não e não. Assim como a injustiça, a violência e o ódio se espalham e deixam seu rastro de miséria por onde passam, a semente de amor, dignidade e justiça que recebemos frutifica e também estende seus braços. Está plantada no coração dos jovens. Esteve e está em todos os nossos discos. Como sempre, continuamos a repetir palavras essenciais: justiça, crença, esperança, alegria. Brasil (povo e país, nação que faremos). Debaixo de nosso abençoado sol tropical, junto com nossos maiores e nossa juventude (mãos dadas com nossa infância) apostamos tudo na utopia”.
Texto extraído do encarte que acompanha o LP Caçador de mim (1981), de Milton Nascimento. Escrito há 34 anos, na essência, ele continua atual. As pessoas nele citadas são o professor mineiro Antônio Augusto Mello Cançado; Alceu Amoroso Lima, crítico literário, professor, pensador e escritor carioca; o desembargador mineiro Dr. Moacyr Brant; e o poeta Carlos Drummond de Andrade, os três últimos também falecidos. Homenagem ao cronista e compositor Fernando Brant (1946-2015), autor dessas e outras belas palavras:
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. (Maria, Maria)
Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração. (Canção da América)
Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração. (Bola de meia, bola de gude)
P.S.: De um outro Fernando, o Pessoa (1888 - 1935), fui buscar as palavras para lembrar a Sônia e a Aleluia e dedicar a elas (in memoriam) este último Contemplando as palavras de 2015:
A morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser mais visto.
Três Marias
19 de Novembro de 2015, por Regina Coelho 0
“Aprendi com minha mãe, que faleceu com apenas 57 anos. Eu tinha 20 anos e assumi a responsabilidade da casa, pois minhas irmãs já eram casadas. Fiquei com meu pai, quatro irmãos (homens) e minha irmã mais velha, que tinha problemas de saúde. Com isso fui praticando mais. Trabalhei na Panificadora Sobrado e na Padaria Casa Nova por bons anos. Com a experiência, passei a fazer em casa bolos, biscoitos e salgados. Isso há 18 anos.” – Maria da Penha Resende
“Minha mãe gostava de costurar para nós. Eu ficava perto dela, encantada ao ver a transformação dos panos em lindos vestidos e blusas. Então, meu pai me deu de presente uma máquina manual. Aí comecei a praticar, fazendo as primeiras peças de roupa. Nessa época, eu tinha 16 anos. Com a Elisa, filha da Adelaide, aprendi o corte centesimal.” – Maria Helena de Resende Vale
“Comecei a trabalhar com bordado bem nova, mais ou menos com 12 anos. Via minha mãe bordar. Praticamente, ela não ensinava. A gente ficava junto com ela e aprendia. Bordo mais coisas de igreja – roupas das imagens, toalhas de batizado – e roupinhas de bebê. Isso é o meu forte. O dom que Deus me deu é tudo na minha vida”. – Maria Imaculada Conceição
As responsáveis pelos depoimentos acima são conhecidas popularmente pelos respectivos apelidos de Peninha, Lena (da Zilá) e Titinha (do Miro), e suas respectivas atividades de confeiteira, costureira e bordadeira.
A boa freguesia e o contato com as pessoas que vão à sua casa comprar seus produtos são motivo de alegria para Peninha. E não pode faltar também a hora de bater um papo com os fregueses, o que lhe faz muito bem, já que mora sozinha desde que perdeu a Floripes, irmã de quem cuidava. Dizendo-se atingida pela crise econômica atual, com menos encomendas, ela entende que temos de economizar. E só fica triste quando o que faz não fica como ela quer.
Quanto à Lena, fazer para as freguesas o que elas pedem é sentir-se feliz, realizada. Chateada ela fica com a falta de compromisso de uma ou outra freguesa, ou quando nota a insatisfação de alguém com seu trabalho. E mesmo com a facilidade de hoje na compra de roupas prontas, serviço não lhe falta. Segundo ela, muitas pessoas gostam da peça exclusiva, feita sob medida, porque não encontram o modelo e/ou o tamanho desejados.
Titinha garante que sua maior satisfação é lembrar que está trabalhando para Deus e pede ao Coração de Jesus que a ilumine, agradecendo-Lhe quando termina um trabalho. Sincera, ela explica que não gosta que deem opinião no que está bordando, por isso prefere trabalhar sozinha, trancada em casa. Sobre a valorização de seu delicado ofício, enfatiza que, de um modo geral, as pessoas acham bonitas as peças bordadas, querem vê-las, mas não entendem o trabalhão que dá o bordado. E costumam achar caro o que cobra.
Aposentadas formalmente, as três continuam atuantes. Peninha, para complementar a renda da aposentadoria e pelo prazer de trabalhar, mesmo considerando que não é fácil o seu serviço, um trabalho bastante pesado. Lena, por ser a costura agora para ela um passatempo, portanto também um prazer. E Titinha, da mesma forma, pelo prazer. No seu caso, de ver surgir de suas mãos uma peça única, de ver nos lugares aonde vai uma obra sua e ser parabenizada por isso. O gosto pelo que fazem – eis aí parte do segredo, ou melhor, da razão pela qual elas e tantos outros se realizam profissionalmente. A persistência lembrada pela Peninha, associada à dedicação citada pela Lena e à paciência e responsabilidade apontadas pela Titinha são fatores primordiais para se manterem firmes em suas atividades.
E na alquimia dos ingredientes da cozinha, na precisão do corte e do feitio da costura e na criatividade das linhas coloridas do bordado, nossas três Marias se impõem como dignas representantes da força do trabalho feminino. Em comum no aprendizado do ofício de cada uma, revela-se a determinante presença materna em simples e cotidianas histórias de vida.
Atentados ao português
17 de Outubro de 2015, por Regina Coelho 0

Ilustração: Elimar do Carmo
A imprensa nacional não tem poupado matérias sobre o pífio desempenho, nas provas de redação, de grande parte dos aspirantes ao curso superior nas mais concorridas universidades brasileiras. Do vestibular, então tido como processo exclusivo de seleção para a faculdade, ao atual e disputadíssimo Enem, a situação em nada mudou. Aliás, se antes apenas os tradicionais jornais e revistas de informação repercutiam em forma de comentários, críticas e exemplos o que os candidatos escreviam, agora a internet se encarrega também de propagandear a “burrice” desses alunos. Diante disso, leitores, ouvintes e telespectadores, todos “cultíssimos”, por sinal, se divertem com essas trapalhadas linguísticas. Acontece, porém, que, rigorosamente falando, essa situação não tem a menor graça e é injusta com esses jovens ridicularizados pelo baixo rendimento demonstrado nas provas que fazem.
Não cabem aqui aprofundamentos sobre essa questão, mas pensar que esses garotos todos não querem nada com os estudos e por isso fracassam é de um simplismo total. Ideia insustentável também é achar que eles têm de arcar sozinhos com a ignorância acumulada de toda uma nação ao longo dos tempos. O problema é mais complexo. Dizer que o Brasil ainda não consegue promover maciçamente uma boa educação de base a favor de seu público-alvo, que compreende as crianças e os adolescentes, ajuda a explicar esse incômodo quadro.
Nas mesmas mídias que destacam as deficiências críticas dos jovens candidatos ao Enem, tropeços em relação ao uso padrão do português são observados com certa frequência em textos produzidos por profissionais da palavra. É claro que há tropeços e tropeços. Muitos se devem sobretudo à pressa, fator característico nesse meio, e à consequente falta de releitura do material produzido. Outros são fruto do desconhecimento da própria língua e das manhas de construção de frase, comprometendo clareza e coerência do texto. Sobre esse último complicador, o trecho a seguir é exemplar: Ainda não tinha nascido quando a rainha Elizabeth II inaugurou o transatlântico Queen Elizabeth II em 1969. Esse período, por omissão do sujeito da primeira oração, diz que Sua Majestade inaugurou o navio antes de nascer. No caso, não sendo o sujeito o mesmo nas duas orações, é necessário explicitar quem não tinha nascido – Eu (ou você) não tinha nascido...
Muito comum em textos jornalísticos é a colocação equivocada de um termo na frase. Seguem abaixo alguns exemplos desse vacilo:
Familiares são avisados sobre mortes por SMS (título de um site de jornal sobre a queda do avião da Malaysia Airlines em 2014). Desse jeito, o texto diz que a causa da morte é SMS. Uma simples troca de posição de um termo devolve a clareza à frase: Familiares são avisados por SMS sobre mortes.
O MP de Pernambuco decidiu, por enquanto, não denunciar o sanfoneiro César Carvalho por lesão corporal leve à Justiça. O problema se repete aqui, pois o texto informa que a Justiça sofreu lesão. A vítima em questão é a ex-namorada do sanfoneiro. Dessa forma, a redação da notícia ficaria correta assim: O MP de Pernambuco decidiu, por enquanto, não denunciar o sanfoneiro César Carvalho por lesão corporal leve contra a ex-namorada.
O motorista de um caminhão embriagado envolveu-se em uma batida... Caminhão embriagado? Impossível. Assim a frase fica melhor: Embriagado, o motorista de um caminhão...
Por outros e óbvios motivos, os textos seguintes são um “primor”:
Carro capota com 4 pessoas e uma mulher.
E todos vocês que nos ligarem fazendo seus pedidos serão depositados aqui. (Padre da Rede Século 21 mostrando uma urna com papéis contendo nomes dos que fizeram ligação para o programa.)
O Corpo de Bombeiros recolheu hoje pela manhã nas águas do Capiberibe o cadáver de um homem completamente morto, visivelmente embriagado.
Como se vê, os atentados ao português não se restringem às redações do Enem, atingindo outros setores da sociedade letrada.
As flores do bem
17 de Setembro de 2015, por Regina Coelho 0
Escritos com inicial maiúscula, Açucena, Amarílis, Angélica, Camélia, Cássia, Clívia, Daisy, (margarida, em inglês), Dália, Flor-de-lis, Gardênia, Hortênsia, Íris, Jacinto, Magnólia, Margarida, Narciso, Petúnia, Rosa, Vanda (uma espécie de orquídea), Verbena e Violeta são nomes de pessoas. Em outros tempos, aqui mesmo em Resende Costa, vivia um casal cujos filhos, todos eles, inclusive os homens, receberam alguns desses nomes, originalmente designativos de certas flores. E como é primavera, falemos delas, das plantas em geral, de seus nomes e curiosidades.
Mosquitinho, peixinho (ou orelha-de-coelho), pratinho-de-doce, esporinha, camaradinha, buchinha e amor-agarradinho são termos diminutivos reveladores da singeleza dessas espécies. Esse último caberia ainda na categoria dos nomes românticos como colchão-de-noiva, amor-perfeito, beijo, candura, suspiro (de tudo quanto é cor), saudade, flor-do-papai (que floresce em agosto). Por alguma característica específica, quase todas as denominações populares são bem sugestivas. Algumas são mais. Por exemplo: chifre-de-veado, costela-de-adão, moeda, bailarina, bico-de-papagaio, pata-de-elefante, copo-de-leite, unha-de-vaca, girassol, lírio-da-paz, pena-de-pavão, brinco, boca-de-leão, crista-de-galo, camarão, confete ou julieta. Na contramão dessa ideia, aparece a catinga-de-mulata, que é uma das ervas mais conhecidas. No item “Diversos”, não pode faltar o dinheiro-em-penca. E também a bela rosa-do-deserto, a comigo-ninguém-pode (contra o mau-olhado), a árvore-da-felicidade (que a pessoa não pode comprar, tem que ganhar), a perfumosa dama-da-noite e o manacá (que muda de cor e exibe ao mesmo tempo tons variados). E ainda a prímula, cujo nome popular é pão-e-queijo, a flor-de-seda (ou flor-de-maio) e a gloxínia, que floresce no Natal e parece um sino. Não faltam nomes irreverentes e engraçados como a cara-enrugada (um tipo de begônia), a maria-sem-vergonha, a maria-peidorrreira (jogada no fogo, estala) e a flor-de-defunto.
Das orquídeas e samambaias (a paulistinha, a chorona, a renda portuguesa), passando pelas parasitas e trepadeiras, cabem aqui as árvores frutíferas com a exuberância dos pessegueiros, maracujazeiros, das laranjeiras e gabirobeiras em período de floração. Em seu ambiente natural, florescendo na pedra, no cascalho, no orvalho e, às vezes, sob as adversidades do vento, as flores do campo são um espetáculo à parte.
Presentes nas datas mais significativas como expressão de nossos mais nobres sentimentos de pesar ou de alegria e mesmo usadas em ocasiões meramente protocolares, as flores conferem beleza e leveza à vida. E inspiram artistas como Van Gogh, o pintor dos girassóis. Aliás, um belo e refulgente campo dessa espécie é um dos principais cenários do clássico Os girassóis da Rússia, filme estrelado por Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Já Érico Veríssimo em Olhai os lírios do campo, romance cujo título é baseado num trecho do Sermão da Montanha, destaca essa qualidade de lírio em analogia ligada às palavras de Jesus. Em A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, ganha destaque a bonita flor sem perfume. Citadas em músicas de todos os tempos, as flores são cantadas em prosa e verso, sendo a rainha delas especialmente lembrada por Cartola na antológica As rosas não falam. Do poeta francês Charles Baudelaire, a obra As flores do mal é assim explicada pelo autor numa carta: “Neste livro atroz, pus todo o meu pensamento, todo o meu coração, toda a minha religião (travestida), todo o meu ódio”.
Explicação dada e confirmada, as flores de Baudelaire são importantes símbolos de aspectos sombrios da condição humana, as flores do mal. Pelo propósito do texto e pela nossa felicidade, optemos pelas flores do bem, com todas as suas conotações. E saibamos nos deixar encantar pelo espetáculo dos ipês floridos espalhados por aí.
P.S.: Pela parceria na produção do presente artigo, dedico-o à minha irmã Fátima. Também aos demais apaixonados por flores.