Você sabe...?
13 de Agosto de 2015, por Regina Coelho 0
Todo mundo sabe que a primeira infância é uma fase determinante na vida de qualquer pessoa. Mais do que isso, ela marca também o tempo dos desafios iniciais para quem está apenas começando a viver. Os sons balbuciantes que se transformam em palavras, os pequenos e desengonçados passos que buscam o equilíbrio do corpo em movimento e o momento mágico em que as letras se juntam em forma de leitura constituem o aprendizado básico – falar, andar, ler – do ser humano em formação. A partir daí, inúmeras outras capacidades vão sendo desenvolvidas ao longo dos anos.
Dessa forma, duas pequenas e curiosas palavras – Você sabe? – iniciam quase obrigatoriamente uma série de interrogações reveladoras de nossas habilidades do dia a dia, sejam elas feitas ou respondidas por nós. Numa mistura de fazeres envolvendo talento pessoal, personalidade, simples prazer ou obrigação, é praticamente inevitável lançar mão de certos complementos para a tal pergunta. Vejamos.
Você sabe... dançar?; cantar?; fazer imitações?; contar piada?; fazer conta de cabeça?; ler cifras musicais?; jogar baralho, sinuca, futebol, vôlei...?; tocar violão ou algum outro instrumento musical?; tocar berrante?; assoviar?; rezar?; guardar segredo?; de cor os números dos seus documentos ou a senha de sua conta bancária?; andar de bicicleta, de moto, de patins, de skate...?; andar a cavalo?; nadar?; cozinhar?; costurar?; dirigir?; aplicar injeção em alguém ou lhe aferir a pressão?; mexer com computador ou com planta?; fazer tricô ou crochê?; consertar chuveiro, trocar lâmpada ou fazer algum outro serviço doméstico?; falar inglês, francês ...?; tabuada? ...
Para essas e outras tantas indagações, as respostas, é lógico, são únicas, como também são únicas as próprias pessoas. É preciso destacar, no entanto, o grupo das criaturas prendadas, aquele tipo de gente provida de muitas aptidões, que se desdobra em seus múltiplos dons, fazendo tudo com muita competência. E há os que sabem se fazer notar por um saber específico, muitas vezes bem simples, para quem o executa, bem difícil para os outros. A propósito dessa última consideração, lembrei-me de um episódio envolvendo minha mãe. Um dia, estando com dificuldade para cortar um certo cacho de bananas em nossa horta, ela resolveu recorrer aos serviços do falecido “seu” Isolino Gouveia, que, de pronto, com uma eficiência impressionante, fez descer intacto da bananeira o objeto de seu intento. Isso prova que há sempre o que aprender com alguém.
Em outros tempos, tão valorizadas na formação das mocinhas, que, como numa preparação para a vida adulta, aprendiam bordado, corte e costura, culinária e outras artes do lar, as prendas domésticas pouco lembram os dias atuais. O mesmo se pode dizer em relação aos meninos, que geralmente aprendiam um ofício ou ajudavam o pai na lida diária. Tudo tão diferente hoje, com crianças e adolescentes totalmente tecnológicos, em perfeita sintonia com a realidade que os rodeia. Muito questionável é considerá-los mais inteligentes do que os jovens de gerações passadas, pois o aprendizado envolve as necessidades inerentes a cada época. Em outras palavras, o interesse em aprender está ligado à vida de cada um, em qualquer época.
De volta à série “Você sabe?”, é curioso observar que a criançada de agora é capaz de saber e fazer coisas dignas da admiração dos adultos. Por outro lado, contrariando a natureza infantil, não sabe correr, subir em árvore ou andar descalça, pequenas, prazerosas e inesquecíveis aventuras associadas aos tempos de criança de muita gente. Quanto aos que se encontram na fase adulta, em se tratando daquela velha máxima segundo a qual “quanto mais se vive mais se aprende e se morre sem saber nada”, tudo isso é verdadeiro. E vive-se mais hoje, freneticamente, numa época em que a facilidade da informação nem sempre se traduz nas boas práticas de vida.
Você sabe de uma coisa? Chega desse assunto!
Arte do palhaço
16 de Julho de 2015, por Regina Coelho 0
Pensar na figura do profissional “palhaço” no Brasil é se lembrar do Carequinha, ídolo da criançada durante sete décadas. Nascido George Savalla Gomes, no dia 18 de julho de 1915, em Rio Bonito (RJ), filho de trapezistas, ele teve a sina de nascer literalmente no circo, berço da história de vida daquele que chegou a ser considerado o melhor palhaço do mundo.
Com apenas 2 anos de idade, George perdeu o pai, daí ter sido criado pelo padrasto, também responsável pelo nascimento de um dos maiores mitos mundiais das artes circenses. Colocando no menino, então com 5 anos, uma careca postiça, ele decretou: “Você será o palhaço Carequinha”.
E assim foi. Dotado de um talento peculiar para fazer rir, ele foi conquistando aos poucos o coração das pessoas e imortalizando bordões como: “Hoje tem marmelada? Tem, sim, senhor! E o palhaço, o que é? É ladrão de mulher!” É dele também o tradicional “Tá certo ou não tá, garotada?”, que era sempre respondido em uníssono com um empolgante “Táááááá!”.
Em 1938, iniciou-se como cantor na Rádio Mayrink Veiga, no Rio. Com o Circo Bombril estreou na tevê em 1951 na inauguração da TV Tupi (hoje extinta), permanecendo no ar com o programa ao vivo por 13 anos e transformando-se no primeiro palhaço da televisão brasileira. Premiado na Itália, gravou 26 discos e emplacou marchinhas carnavalescas. Entre seus sucessos, o destaque maior é O bom menino (“O bom menino não faz xixi na cama/ o bom menino não faz malcriação...”), música definitivamente associada ao palhaço mais famoso do país.
É importante ressaltar que Carequinha inovou o conceito de sua arte. E sabia disso, a julgar por suas próprias palavras: “Antes de mim, o palhaço levava farinha na cara, era o bobo, só apanhava. Eu fiz o palhaço-herói, modifiquei o estilo. A intenção era fazer do palhaço um ídolo e não um mártir”. “A Xuxa é muito bonitinha, mas quem inventou brincar com crianças na televisão foi o Carequinha.” Nessas considerações, é possível enxergar uma certa imodéstia e uma clara consciência de seu valor profissional. E por razões não exatamente ligadas à integridade dos animais, Carequinha desaprovava a presença deles nos espetáculos por acreditar que eles podiam provocar medo nas crianças e achar perigosa a proximidade deles com a plateia.
O artista morreu aos 90 anos, em São Gonçalo (RJ) e teve seu corpo enterrado no cemitério de São Miguel, na mesma cidade. Esse local tem grande valor simbólico, pois nesse cemitério está enterrada a maior parte das vítimas do histórico e, para muitos, criminoso incêndio no “Gran Circo Norte-Americano” ocorrido em 1961 em Niterói, no qual morreram centenas de pessoas.
Transcorridos exatos 100 anos do nascimento do Carequinha, a imagem do (a) personagem palhaço se mantém viva. Há os palhaços de picadeiro, sem os quais o circo não teria a menor graça. E há ainda os ocasionais palhaços e palhacinhos do carnaval. E também os animadores de festas infantis em trajes e performances de palhaço. Digna de aplauso é a atuação voluntária de grupos que usam a risoterapia. Inspirados e transfigurados na figura do palhaço e em que tudo o que ela representa, trupes como os Doutores da Alegria, Tutores do Riso, Doutores Palhaços e Palhaços em Rede, entre outros, fazem visitas regulares a hospitais e abrigos do país levando alegria a pacientes e albergados.
De sapatos grandes, roupas largas em cores e estampas chamativas, berrantes e brilhantes, peruca ou penteado exagerado e uma gravata enorme, o palhaço e sua arte são tudo de bom. Símbolo maior dessa caracterização física, o falso nariz vermelho e arredondado transpôs os limites dessa bonita composição artística para servir de protesto a quem o usa por se sentir ludibriado ou ridicularizado como cidadão desrespeitado em seus direitos. Da mesma forma, as boas palhaçadas, que arrancam gargalhadas do “respeitável público”, decididamente não são aquelas que se traduzem em cenas lamentáveis vistas por aí.
Nota - O presente artigo é dedicado aos saudosos Antônio Resende (Antônio "Dentista") e Célio Ramos, palhaços de muitos carnavais, os dois guardados na memória afetiva de boa parte dos resende-costenses.
Um lugar especial em Resende Costa
17 de Junho de 2015, por Regina Coelho 1
Qual é o seu lugar em Resende Costa? Veja o que foi ouvido por aí.
Gosto das lojas porque nelas tem um tanto de coisas – brinquedos, roupas e muito mais. Gosto dos supermercados também. Eu fico impressionada com as coisas para ver e comprar.
Ellen Bruna Silva Ribeiro, 9 – estudante
Nasci em Resende Costa, mas passei um bom tempo da minha infância em Belo Horizonte. Desde pequeno, meu lugar favorito na cidade são as Lajes. Sempre sinto uma vibe boa quando vou pra lá, um local perfeito para refletir e relaxar. A paisagem e a tranquilidade do lugar me proporcionam um sentimento de paz sem igual.
André Vieira Ribeiro, 17 – estudante
Para mim o melhor lugar em Resende Costa é a Fazenda Catimbau, de propriedade do meu avô. Sou apegada às minhas raízes e, como dizem os mais velhos, estamos ligados ao local onde nosso umbigo está enterrado. Foi lá que cresci e aprendi a gostar da natureza e dos animais, especialmente dos cavalos e também de uma boa cavalgada, o que gosto de fazer nas horas vagas. Sinto-me privilegiada por ter nascido em Resende Costa e ter tido a oportunidade de crescer nesse ambiente.
Ana Patrícia Resende Fernandes, 25 – advogada
Não há lugar melhor no mundo que ao lado das pessoas de que gostamos, mas a junção verão, amigos e Cachoeira dos Pintos não tem melhor. E esse sim em Resende Costa é o meu lugar – agradável, sossegado e lindo. Amo ir lá nos fins de semana para descansar e me refrescar.
Talita Roberta de Mendonça, 27 – estudante e atendente em farmácia
Sempre que tenho oportunidade, gosto de estar na Praça Nossa Senhora de Fátima, próxima à Matriz, pois é um lugar tranquilo e silencioso, que me traz muita paz e tem uma vista muito bonita da natureza e um por do sol maravilhoso.
Mírian Valéria de Andrade Ribeiro, 33 – dona de casa
Quando estou em busca de tranquilidade e silêncio, gosto de ir às Lajes e ficar admirando a paisagem. Sinto uma paz de espírito incrível.
Anna Paula Vivas Reis, 41 – comerciante
O meu lugar em Resende Costa é o Curralinho do Andrade, na casa dos meus sogros. É lá que eu recarrego as energias. O contato com a natureza e com os animais me revigora para enfrentar as tensões do dia a dia.
Cláudio Márcio de Matos Rocha, 42 – comerciante
Desde pequeno, frequento a Praça do Rosário. Hoje, bato papo com os amigos, principalmente conversando com os mais antigos. Aí vêm os papos sobre o futebol e as notícias da cidade.
Gilvacir Antônio Silva, 50 – aposentado como encarregado de obras
O que mais aprecio é quando estou participando das atividades e das cerimônias religiosas na Matriz e indo aonde os Corais (Mater Dei e Nossa Senhora da Penha) são convidados ou frequentando o Movimento de Cursilhos de Cristandade, com reuniões semanais. Tudo isso é uma bênção.
Heitor Evangelista dos Santos, 67 – aposentado
Amo Resende Costa. Sou nascida e criada aqui, por isso há vários lugares que me emocionam, porém nenhum é tão especial quanto as Lajes. Não me canso de admirar aquela beleza. Gosto muito de viajar, mas voltar ainda é mais prazeroso.
Maria Melo, 71 – comerciante aposentada
O lugar em que eu me sinto melhor é nas Lajes. Às vezes vou lá, depois de ir à igreja, pra enxergar aquela paisagem toda e rezar na gruta. Faço isso há muito tempo.
Jorge Teodoro de Sousa, 79 – sapateiro
Sinto-me melhor indo à minha fazenda. Comprei uma terra nua e lá construí tudo. Aqui na cidade, frequento mais a Ramona (Churrascaria) com a família, para tomar uma cerveja e encontrar os amigos.
Luís de Resende Chaves, 85 – auditor aposentado da Receita Federal e fazendeiro
Os lugares mais significativos para mim são a igreja, onde me sinto bem ao lado de meus amigos do Coral, cantando e louvando a Deus. O Parque do Campo, onde faço ginástica, que me faz muito bem. E o Mirante das Lajes, para contemplar as montanhas e uma exuberante natureza.
Filomena Andrade Lourdes Resende, 85 – modista aposentada
Além das notícias
14 de Maio de 2015, por Regina Coelho 0
Para início de conversa, podem ser consideradas no mínimo interessantes as notícias abaixo. Conferindo:
Amigo ladrão,
Dia 06/03 às 21h, próx. este local você arrombou a porta do meu carro e robou (sic) minha mochila c/ notebook da Samsung e pen drives. Te recompenso se me devolver tudo, pois é de trabalho.
Fique tranquilo, não vou chamar a polícia.
Depois de ser furtado na última sexta-feira, o gerente de projetos Marco Barcelos, de 36 anos, decidiu apelar para o lado emocional para reaver os seus pertences e “chegar a um acordo com o ladrão”. Próximo ao prédio onde mora, em Contagem, na RMBH (Região Metropolitana de Belo Horizonte), o mineiro pendurou uma faixa (texto transcrito acima), na qual chama a pessoa que roubou dele de “amigo”, pedindo-lhe que lhe desse de volta seu computador, que estava dentro do carro dele, arrombado durante a noite. Jornal Extra – 12/3/2015.
Motorista derruba moto e deixa aviso: “Sou nova na baliza, pode me ligar”
Olá,
Sem querer derrubei sua moto (sou nova na baliza). Qualquer coisa pode ligar ou mandar um WhatsApp. Número: ........ ”
Uma moradora de Santos (SP) usou uma rede social para relatar uma história curiosa. A internauta, que prefere manter sua identidade em sigilo, deixou sua moto estacionada em uma avenida do município por alguns minutos e, quando voltou, encontrou o veículo danificado, junto a um bilhete (transcrito acima). Nele, uma pessoa assumia ser responsável pelo acidente, deixando o número do celular para contato e reafirmando que reembolsaria o valor gasto no conserto. Ainda de acordo com o bilhete, a motorista dizia ser “nova na baliza”.
A dona da motocicleta conta que ligou para o número deixado, e o pai da condutora pediu para que ela (a vítima) lhe enviasse o valor gasto com o conserto. Após a internauta fazer três orçamentos em oficinas mecânicas diferentes, ele depositou o dinheiro na conta bancária dela, no mesmo dia.
Agradecida com a atitude dos dois, a dona da moto, que prefere não revelar sua identidade e a dos demais envolvidos, utilizou uma espécie de página do Facebook para publicar a foto do bilhete e sua história. “Esse é um fato que demonstra que o ser humano ainda tem dignidade e respeito pelo próximo. Fico muito agradecida pela honestidade da moça e de seu pai”, concluiu ela.
g1.globo.com – texto adaptado 14/3/2015.
Confrontados os episódios (recentes) aqui narrados, o que se observa vai muito além do mero interesse que ambos podem suscitar, dado seu caráter até certo ponto inusitado. No primeiro caso, a tentativa do desesperado Barcelos de negociar com o “amigo ladrão” a devolução de sua mochila soa quase como uma concessão dele ao que lhe fizeram. Com promessa de recompensa ao gatuno caso venha a ter o que é seu de volta, o rapaz ainda tenta tranquilizá-lo, prometendo não chamar a polícia. No texto da faixa, o grau de indignação do autor é zero. Não sei dizer se sua história teve um final feliz. É bem provável que não. Diante disso, o que dizer mais? Sinal dos tempos? Talvez. Por outro lado, considerando o segundo caso, as palavras da dona da moto são o testemunho de peso de quem pôde comprovar na prática que nem tudo está perdido. E que as pessoas podem ser simplesmente corretas umas com as outras.
O caso da moça “nova na baliza” me fez lembrar um episódio semelhante contado e vivido por minha amiga Dora Silva. Há mais ou menos três anos, estando em São João del-Rei e tendo deixado seu carro estacionado em certo ponto da cidade, ao voltar para buscá-lo, segundo suas próprias palavras, ela se surpreendeu com a presença de um rapaz que esperava por sua chegada. Dizendo ter batido no carro dela, ele a levou até a Fibra para que fossem feitos a avaliação do dano e o orçamento do reparo. Depois de passar para Dora o dinheiro correspondente ao serviço que seria efetuado pela firma, ele ainda deixou com ela seu cartão pessoal caso houvesse algum problema posterior. Mais um final feliz.
Nos dias de hoje, com a sucessão de tantos casos escabrosos registrados por aí, mesmo aqueles tidos como menos graves como os de arrombamento (notícia 1), o comportamento ético das pessoas pode parecer a exceção à regra, mas isso não é verdade. Sem chamar a atenção, o bem acontece. Ainda bem.
Uma ilha perdida no oceano da razão (Machado de Assis)
15 de Abril de 2015, por Regina Coelho 0
Ano passado, foi vista passeando por algumas ruas da cidade, por vezes entrando em bares, uma mulher vestida de noiva. Não a conheço, não vi a cena protagonizada por ela, mas mesmo assim aquela situação me chamou a atenção. Fico pensando na história que pode haver por trás de alguém que, sem ser uma artista numa performance de rua, age dessa forma.
Em março de 1988, poucos dias após a morte do Padre Nélson, como era do desejo dela morrer, faleceu a Zita de Melo, nossa vizinha de sempre na Rua Gonçalves Pinto. Isso porque ela e seu irmão Álvaro já moravam ao lado do terreno onde mais tarde foi construída nossa casa. Desde quando nos lembramos deles, não eram mais jovens. Guardamos dos dois inúmeras histórias, quase todas alegres e divertidas. Mas saber que a Zita estava sendo levada para ser internada em Barbacena não era nada engraçado. Era um misto de dó, susto e tristeza vê-la de partida para lá.
Figura de destaque em Resende Costa como médico e prefeito (1935-1946), o doutor Costa Pinto marcou época aqui na primeira metade do século passado. Por intermédio de minha mãe, exímia contadora de casos, fui levada a conhecer um pouco da vida de D. Santinha. Tendo vivido parte de sua existência afastada da família devido aos constantes tratamentos de sua saúde mental, ela era casada com o doutor Costa Pinto.
Isaac Newton (1643-1727) foi um dos maiores gênios de todos os tempos. Inventor do cálculo, desenvolveu a Lei da Gravidade e construiu o primeiro telescópio refletor. Apesar do brilhantismo, era conhecido por seus transtornos mentais. Newton era uma pessoa de difícil convivência e apresentava mudanças drásticas de humor. Alguns de seus biógrafos sugerem que ele tinha transtorno bipolar e esquizofrenia.
Como se vê pelos breves relatos acima, os problemas de perturbação da mente não fazem distinção de época, de condições social e intelectual, ou de gênero, representando um desafio constante para os especialistas dessa área do conhecimento humano. E em que pesem os reais avanços observados nos tratamentos para as popularmente chamadas “doenças da cabeça”, a vida dos acometidos por elas representa ainda um estigma social a ser superado. Em outros tempos, durante séculos, pessoas com sofrimento mental eram simplesmente afastadas da sociedade, escondidas pelos familiares, e até encarceradas em casa ou submetidas a maus-tratos em hospícios de triste memória. Hoje, felizmente, a luta antimanicomial e a consequente humanização no atendimento e acompanhamento desses pacientes são um alento, pois conferem dignidade aos que vivem ou sobrevivem fora dos limites da chamada normalidade.
No Brasil, na dianteira dos estudos sobre tratamentos não violentos, a médica alagoana Nise da Silveira (1905-1999) deflagrou uma completa transformação do modelo de atendimento psiquiátrico no país. Por se opor radicalmente às terapias utilizadas até então, que incluíam eletrochoques, lobotomia (intervenção neurocirúrgica em que se extirpa parte do cérebro como forma de “acalmar” pacientes mentais, hoje em desuso) e trabalhos forçados, Nise optou pela defesa e aplicação de técnicas terapêuticas inovadoras. Uma delas envolvia a convivência dos doentes com seus prováveis animais de estimação, através dos quais os pacientes iam recuperando seu vínculo com o mundo real. Outro método desenvolvido pela psiquiatra era a terapia ocupacional ligada a atividades prazerosas para que os necessitados de seus cuidados pudessem se expressar por meio da pintura, do teatro e de trabalhos manuais como o artesanato.
Revolucionária essa doutora Nise. Pioneira também por buscar outros caminhos, certamente mais leves, nem por isso menos seguros, como forma de respeito e amparo aos discriminados em razão de sua condição de saúde. E ainda inspiradora, certamente, pois deve haver em projetos interessantes espalhados por aí muito do que ela pregava e realizava como notável profissional da psiquiatria.