Esperança carpe diem
16 de Janeiro de 2013, por Rafael Chaves 0
Primeiro, no Natal, a gente reflete mais sobre nosso espírito, nossa alma, nossa condição humana diante do mistério da existência. O Natal tem uma conotação mais intimista, mais familiar. Para resumir: religiosa! Mesmo aqueles que não têm religião acabam por incorporar o significado natalino e comemoram o nascimento de Jesus. E rezam.
O ano novo, por sua vez, reflete mais a nossa aparência, a nossa convivência social, nossa condição humana diante do nosso instinto. O ano novo tem um sentido mais ostentoso, uma preocupação com o corpo e com os outros. Para resumir: mundano! Mesmo aqueles que têm religião acabam caindo em tentação e caem na gandaia. E foliam.
Embora todo ano seja quase a mesma coisa, podendo mudar uma ou outra situação, um ou outro personagem, não há como sair ileso ou ignorar. Eu próprio, que abomino ser maria vai com as outras, com esse meu ceticismo exacerbado, rezo e caio na folia. Entra ano, sai ano, todo ano eu, aqui no Jornal das Lajes, sempre me rendo, e arrisco-me a cronicar acerca dessas coisas. Balanço entre o pessimismo e o otimismo; balanceio, cada um em um prato, a esperança e o desespero; batalho entre forças e sentimentos opostos.
Faço um esforço hercúleo para não me lembrar das coisas que aconteceram e que me tiram do sério. Fico nervoso só de pensar. Não quero! O máximo de mal que desejo a algumas pessoas é que elas se vão: plantar batatas, longe de mim e dos meus cavalos, que não comem batatas!
Também não quero, inocente e alienado, enaltecer as coisas e as pessoas boas. Que elas vençam. Que elas consigam plantar coisas mais nutritivas: alfafas, perto de mim.
Este Natal foi muito bom, de muita fartura na mesa, como convém. E de paz, ainda que consentida. E de saúde, ainda que meio senil. Saúde envelhece? É bom abraçar os pais, os irmãos, os sobrinhos e toda a família. Não há ressentimentos nos abraços trocados no Natal. Não há trocas de maus-olhados. Os desejos e a emoção são sinceros. Presentes? Ganhei um ou outro. Aprendi a amar os presentes que eu recebo, todos eles, por menores e insignificantes que pareçam. De algum modo pensaram em mim, ainda que possa ser às avessas.
Agora, assim de pronto, creio que 2013 vai ser um ano bom. Vai ser prolífico pelo menos (que o digam as minhas éguas, pois este ano, depois de anos, mais de uma dezena delas estão prenhas e parirão, ah parirão...)! Sinto que alguma sorte me reserva. Será? Economizo sorte para que ela, quando vier, seja grande, enorme, valiosa, rica, abundante e me resolva de vez. Uma mega de virada!
Falando em éguas e fim de ano, por via das dúvidas, uma das últimas potras que nasceram este ano eu a batizei de Esperança: Esperança Carpe Diem. É um bom nome para encerrar um ano e começar outro... Que assim seja, amém!
A barriga
13 de Novembro de 2012, por Rafael Chaves 0
As coisas foram mudando. Quase uma mutação. Ele se lembrou do dia em que as mãos trêmulas do Jesus Barbeiro insistiram em raspar com uma navalha a pele fina e delicada do rosto apavorado de seu sogro. Em todo lugar - assim como se surgissem ao lado da barbearia do Jesus Barbeiro, do Zé do Jesus Barbeiro e depois do Cláudio do Zé do Jesus Barbeiro – apareciam novos e charmosos salões de beleza. Salões unissex. Edward mãos de tesoura tirou proveito reencarnando-se em múltiplas almas e revelando-se em inusitadas esculturas capilares. Os homens se renderam àquelas mãos ágeis e precisas e se libertaram da ditadura e do monopólio do Príncipe Danilo, ainda que não dos jogadores de futebol (os cabeça-de-Neymar que o digam!).
Os campos de várzea foram vitimados a uma pela especulação imobiliária e a outra pela proliferação indiscriminada de pessoas nas cidades. Não foram em praças que os campos se transformaram. Foram em casas, comércios e edifícios. Pelo baixo retorno em votos que rendiam os investimentos em obras de saneamento, os córregos e rios se deturparam em redes de esgoto a céu aberto. E porque todo mundo passou a ter carro, as ruas foram asfaltadas para não empoeirarem os carros e se converteram em garrafas (para engarrafarem os carros). Assim, a despeito dos cabelos arrumados, das unhas feitas e da pele limpa, foi-se sedentarizando lenta e gradualmente e uma calosidade proeminente, macia e redonda, foi se desenvolvendo em seu abdômen, flácido.
À medida que ele conhecia o universo feminino, de dentro e na intimidade unissex dos salões, foi se convencendo de cuidar de outras coisas que não só do cabelo. Pareceu-lhe de bom tom cuidar das unhas, mantê-las limpas e aparadas. E num lampejo ou descuido, marcou limpeza de pele com a Regina do Salão “por favor, depois que todo mundo tiver ido embora”.
Os cabelos dele foram ficando cada vez mais grisalhos também. Um dia “fizeram sua cabeça”: convenceram-no a aplicar um produto novo, revolucionário, que prometia a cor natural dos cabelos de volta. Não, não era tintura, nada disso! “Aos poucos, sem ninguém perceber, os cabelos voltarão à cor natural”, prometeram-lhe, tal qual o processo às avessas do branqueamento. Ele não se fez de rogado e seguiu, voluntariamente, ao seu cadafalso, um rato de laboratório! Os dias que se seguiram à experiência foram uns dos mais vexatórios da vida dele. Enquanto pôde refugiou-se em casa, mas não tinha como deixar o trabalho e seguia, constrangido, tentando disfarçar seu cabelo azul pelas ruas. Prometeu a si mesmo que nunca mais tentaria mudar a cor dos seus cabelos.
Recentemente, mirando uma foto dele, de sunga, sorridente “não sei rindo de quê” à beira de uma praia que mal se lembrava de onde ou quando, foi que ele se deu conta da sua barriga. E de que do tamanho 38 tinha passado a usar o 40 e que o 40 já não lhe servia mais... Não havia medida em salão unissex que pudesse reduzir essa imperfeição. “É a cerveja, eu já te disse, é a cerveja...”, insistiam uns. “Faz a dieta da sopa!”, diziam outros.
No dia seguinte deu origem à sua catarse. Deixou o carro na garagem, caminhou por sete quilômetros até o sítio dele lá na beira do rio Santo Antônio, arriscando pequenas corridas e lavou-se e à sua alma nas águas correntes do rio. Em casa fez a barba e borrifou “aqua velva” no rosto – ainda existem homens como antigamente! – e pensou “se eu parei de fumar, posso parar de comer”...
O pagador de promessas
16 de Outubro de 2012, por Rafael Chaves 0
Quando me chamaram – ou eu me ofereci – para a cavalgada, eu nem sabia que o objetivo dela era o de pagar uma promessa que o Vilmar do Zé do Alípio tinha feito. De modo que o meu motivo primeiro, o de cavalgar, foi acrescido ao que o Vilmar fez questão de lembrar a todos durante todo o percurso e pelos dois dias entre Resende Costa e Congonhas do Campo: “Gente, cavalgada cristã, gente!”.
Domingo ensolarado, saímos, lá da fazenda do Tuc, pouco pra frente do Curralinho dos Andrada, Vilmar à frente (feito um Davi do Ciro em Cavalgada Bolivar de Andrade), o próprio Tuc, Dersinho, Deivid, Chiquinho, Felipe Bola, Fabinho, Ricardo, Vander, Weller, Nando e eu, montados, com destino ao Senhor Bom Jesus de Congonhas, em plena festa do Jubileu pagar a tal promessa. No apoio o Mauro, o Pai Faca e o Anderson. Apoio, diga-se, é a função gastroeconômica de uma cavalgada. É encher o gastro e dividir o gasto.
A cavalgada seguiu, no seu primeiro dia, pelos campos e vales perdidos entre Resende Costa e Entre Rios, com direito a parada para descanso – leia-se cerveja gelada e carne na chapa – nos Coelho e num Pesqueiro.
Tardezinha, noite chegando, já na casa onde pernoitaríamos, Vilmar se esparramou pelo chão sujo da varanda, de roupa e tudo, queixando-se de dor lombar, nele e no cavalo dele. Prenúncio de boa coisa não era. Ele, Vilmar, abastado das mesas fartas de torresmo e outras iguarias feitas por Idê e o cavalo, acostumado aos cochos nutridos de soro de leite e silagem de milho, ressentiam-se do trabalho árduo e sem tréguas daquele dia. Vilmar, que apesar dos anos de labuta rural, sabia que cavalo era cavalo só porque, diferente das suas vacas, relinchava, não entrava na fila da ordenhadeira, não tinha chifres e não tinha os cascos divididos em dois, começou a entender que andar a cavalo e cumprir promessa eram coisas mais complicadas e doloridas do que supunha. Cansado e sem coragem de se levantar, engatinhou feito criança pela varanda para se reunir com a turma e, dizendo qualquer coisa, voltou ao seu lugar rolando pelo chão. O pagamento da promessa começou a ir por água abaixo.
Sob a batuta de Pai Faca, serviu-se frango com arroz e carne na chapa, regados a cerveja e um pouco, só um pouco, de pinga. Uma viola quebrou o silêncio da noite e insistiu em ser tocada pela noite afora, até desafinar de tanta tontura.
No dia seguinte, ainda que apenas reanimado por uma noite mal dormida no improvisado colchão que o Tuc lhe cedera por gentileza de cunhado, Vilmar arreou o cavalo e montou, decidido a tomar ponteira na cavalgada, assim como o fizera no dia anterior e, por óbvio, pagar sua promessa. Mas não passaram de Jeceaba. Nem Vilmar nem seu cavalo resistiram às alturas das montanhas que dominaram a paisagem daquele segundo dia de cavalgada.
Assim que foi possível, Vilmar acenou para que o Mauro encontrasse onde embarcar o cavalo e a ele próprio. Acabou de chegar a Congonhas montado no caminhão. No Santuário do Bom Jesus de Congonhas confessou seus pecados, rezou longas e demoradas preces que o padre lhe aconselhou para quitar seus pecados, comungou, destruiu e atirou no lixo o maço de cigarros recém comprado e decidiu “não fumo mais”. Ajoelhou-se ante o abrigo do Senhor Bom Jesus, beijou a fita e se foi. Quase nesse mesmo instante, entre os cavaleiros ainda montados, chegando em Congonhas, Dersinho soltava essa pérola, dita por não sei quem: “óia, no Senhor Bom Jesus de Congonhas eu tenho fé, mas nesses outros que tem por aí, ah, nesses tenho não”.
Até hoje não sei qual era a promessa que o Vilmar fizera. Também não perguntei. Talvez fosse a de parar de fumar, mas essa pode ter sido uma decisão de última hora. O certo é que depois de uns dias fui à casa dele e o encontrei fumando. Eu acho que é porque ele não conseguiu fazer o trajeto todo a cavalo. Não sei se é possível cumprir meia promessa. O fato é que Vilmar deu sinal de que “ano que vem vamos de novo”. Promessa é dívida!
De quando a guerra chegou a Resende Costa
13 de Junho de 2012, por Rafael Chaves 0
Affonso recebeu a notícia com inquietação. Olhou para o filho, José Eloy, que cochilava no canto da sala, e pressentiu que ele seria convocado para a guerra. No ano seguinte, a sua previsão tornou-se realidade e José Eloy foi praticar tiros de carabina no 11º Batalhão de Infantaria, em São João del-Rei. No dia em que ele partiu, sua mãe, lacrimosa, mandou Affonso afixar na porta de sua casa o cartão “SALVE A F.E.B. – DAQUI PARTIU UM EXPEDICIONÁRIO”.
Mais de dois anos depois do anúncio da declaração de guerra, num dia de primavera sem flores, o Sargento Onofre Lara, seguido de Waldemiro, Osmar e Cyro, subiram a rampa do navio General Meigs, que os levaria à Itália. O Sargento virou-se para trás do alto da rampa, mas não conseguiu distinguir os outros companheiros de Resende Costa no meio do mar de capacetes que tomavam conta do porto.
Lá atrás, quase no fim da fila de soldados, os “Chicos” Francisco Campos e Francisco Resende riscaram um fósforo e acenderam, quase ao mesmo tempo, um cigarro Camel. Baforaram juntos círculos e colunas de fumaça enquanto caminhavam. Distraídos pelos desenhos que formavam, pareciam querer esquecer o porquê de estarem embarcando naquele navio.
Quando se ajeitou na prateleira de cima do beliche dentro do navio, fazendo da mochila um travesseiro, Vicente suava em bicas. O navio lhe parecia um forno. Sentiu saudades do vento fresco de Resende Costa e resmungou qualquer coisa para os colegas Paulo Henrique e Wadih que, no meio de tanto burburinho, nada entenderam. E entenderam menos ainda quando desembarcaram na Itália, sob um frio paralisante, que eles jamais haviam sentido.
Logo depois de seus batismos de fogo em Monte Castello, o Cabo Jair convocou seus comandados para a missa que Frei Orlando já havia anunciado, tocando o sino pelo acampamento e que começaria em poucos minutos. Délio fez um em nome do pai e do filho e do espírito santo amém e levantou-se. Antonio Argamim ajeitou o fuzil no ombro e enfiou a mão no bornal procurando alcançar pelo tato a foto de sua amada. Elci terminou de calçar as meias de lã e o capuz. Sebastião e Gilberto seguiram logo atrás do Cabo. E sob uma tempestade de neve, batendo seus queixos de frio, rezaram naquele dia mais que todos os outros dias do resto de suas vidas.
A batalha de Montese estava no seu auge. José Mendonça ajeitou-se como pôde no fox hole que ele e João Baptista haviam escavado nos dias que antecederam àquele grande dia de batalha. De vez em quando se levantava no buraco e atirava na direção dos inimigos. Rapidamente, quando isso era possível, lambuzava o dedo na lata de ração de carne com ovos e levava à boca para saciar a fome. Depois bebia um gole d’água de seu cantil. Os tiros zuniam sobre sua cabeça. Explosões ensurdecedoras aconteciam de tempos em tempos. Granadas detonadas espalhavam estilhaços por todos os lados. E assim se seguiram horas até que certa quietude tomou conta de tudo. José Mendonça animou-se a levantar do buraco e viu que a tropa tinha alcançado a linha inimiga, vencendo definitivamente aquela batalha. Ao sair do buraco, meio zonzo ainda, passou ao lado de três corpos ensanguentados e inanimados no chão. Mais tarde soube que estavam mortos e que um deles era o de Baêta, um seu conhecido, lá de Entre Rios de Minas. José Mendonça por quanto tempo viveu jamais esqueceu duas datas: o dia em que se alistou no exército como voluntário para a guerra e desse 15 de abril de 1945.
Em 2 de maio de 1945, O General Mascarenhas de Morais, comandante da FEB, comunicou ao Presidente Getúlio sobre as vitórias nos combates de Montese-Zocca-Marano di Panaro- Collecchio e Fornovo. Três dias depois enviou o seguinte telegrama ao Presidente Getúlio Vargas: “Com encerramento dia dois corrente campanha do teatro operações da Itália vg com fulminante e integral vitoria armas aliadas vg em cujo âmbito forças brasileiras tiveram desempenho à altura da confiança que lhes foi outorgada pela nação sinto-me orgulhoso tê-las comandado em tão transcendentes circunstâncias pt...”.
A igreja de Nossa Senhora da Penha de França estava repleta naquele domingo de julho de 1945. Padre Nelson anunciara uma missa em homenagem aos “pracinhas” que lutaram na II Grande Guerra e em sufrágio das almas daqueles que tombaram na luta pela liberdade e democracia. Em cortejo e sob aplausos efusivos da população que lotava o largo em frente da igreja, os pracinhas de Resende Costa alcançaram o adro da igreja. Antônio Guedes, antes de adentrar na igreja, ainda esfregou sua Medalha de Guerra na lapela do paletó, aumentando-lhe o brilho. E sob um silêncio respeitoso, chegaram ao lugar de honra que lhes fora reservado perto do altar.
Depois daquela missa, depois que batizaram a rua que levava ao campo de futebol e o próprio estádio com o nome de “Expedicionários”, muito pouco se ouviu sobre os “pracinhas”...
Ficção baseada em fatos reais. Os nomes são os dos
expedicionários de Resende Costa, segundo artigo de
Ana Paula de Mendonça Resende (JL, 9ª edição).
O Rio de Janeiro continua... feio
14 de Maio de 2012, por Rafael Chaves 0
Eu ia mesmo precisar de um táxi, mas antes mesmo que eu avaliasse o lugar, à minha frente, umas quatro ou cinco “garotas” gritavam e gesticulavam de suas minúsculas cabinas em minha direção:
- Táxi! Táxi! Taxi, táxi! Preço tabelado, preço tabelado! Táxi, aqui, táxi!
A gritaria acabou de me despertar. Mirei e me dirigi a uma das cabinas da extremidade, para evitar ser prensado e pressionado pelas outras “garotas”. Eu também temia pela saúde delas, que ameaçavam se engalfinhar, numa disputa em que eu seria o prêmio. No outro dia, fatalmente, eu seria notícia nas páginas sangrentas de “O Dia”: “Mineiro desembarca na rodoviária, causa morte de duas jovens e foge de táxi”. E vá explicar para a polícia carioca que não era nada disso que tinha acontecido, enquanto me levavam, aos trancos e algemado, para Bangu I.
Enfim, delírios a parte, contratei a viagem ao centro da cidade a preço fixo. Pelo menos não fiquei a mercê de um “tour” involuntário e alternativo (passando por ruelas e favelas) pela cidade, cobrado por metro percorrido, pensei.
O cheiro da rodoviária foi trocado pelo cheiro fétido do canal do mangue. O esgoto pútrido e infeccioso escorria pelo meio da rua e chamava a atenção para os excrementos flutuantes que se moviam no seu leito, lenta e preguiçosamente, até serem despejados e se desintegrarem nas águas da baía de Guanabara. Enquanto não alcançamos a Avenida Getúlio Vargas, uma sensação de insegurança e medo tomou conta de mim. Ainda que fosse manhãzinha, a sujeira das ruas, as construções decadentes, empobrecidas e pichadas e o horizonte cinzento me causavam inquietação e repugnância. Já na Avenida Getúlio Vargas, minha velha conhecida dos tempos de office-boy, fiquei mais confiante. Pelo menos a sujeira agora era outra, sequelas do carnaval, expelidas pelo sambódromo.
Fiz o que eu tinha que fazer, não sem antes ter de deixar meus pertences aos cuidados de um guardador. Por questões de segurança eu não poderia entrar com celular no prédio onde eu tinha meu compromisso, então o mais seguro para mim, por incrível que pareça, foi deixar aos cuidados de um guardador de rua. Os cariocas são alegres e solícitos, principalmente se vai lhes render algum dinheiro. Mas não confie em ninguém que troca o s pelo x, o negócio deles é te extorquir. Experimente deixar um carro na rua sem pagar o que lhes pedem.
Como eu tinha o dia inteiro na cidade, pois havia de esperar pela condução de volta, resolvi dar um giro pelos arredores. Andei pelas ruas entre camelôs e gente até chegar à Praça XV, que havia sido tomada por viadutos. Era quase impossível de se ver o céu da praça. Peguei um ônibus que ia na direção oposta à da zona sul. Deixei o Pão de Açúcar e Corcovado pelas minhas costas. Esqueci de Copacabana ou Ipanema. Fui sentir o cheiro de fábrica de sardinha. Fui ver favelas da janela do ônibus. Desci num caótico centro de subúrbio. Andei novamente entre camelôs que tomavam conta de passeios e ruas. Lembrei-me dos preços exorbitantes dos pedágios quando fui a Cabo Frio. Lembrei das viaturas atravessando a Avenida Brasil, apinhada de policiais apontando seus fuzis para os lados. Lembrei de tanta coisa... Perguntei onde estavam os royalties de petróleo, que tornavam o Estado tão rico.
O Rio de Janeiro é lindo, visto de longe, do alto do Pão de Açúcar, do alto do Corcovado, de um ponto qualquer de Niterói ou das orlas cuidadas de suas praias da zona sul. Mas o Rio que vi é feio, muito feio e muito maior que a zona sul e é onde vive o povo carioca...