Tô batido!
14 de Agosto de 2013, por Rafael Chaves 0
O mundo não é o mesmo sem meu pai. É difícil ir para casa sabendo que não vou encontrá-lo mais, que ele estará fazendo parte do mundo das lembranças. Conviver com a morte (paradoxal que seja) poderia ser simples, mas não o é. Esperar pelo tempo do esquecimento é penoso.
Meu pai teve uma morte digna, bela e significativa. Estávamos todos da sua família reunidos em uma pousada, às suas expensas, para comemorar os noventa anos de vida de minha mãe. Era um dia de festa, de alegria, de comemoração. Terminadas as festividades daquele sábado, recolheu-se ao quarto. E foi no quarto, minutos depois, longe de médicos, enfermeiros, aparelhos, hospital e perto de nós que terminou sua caminhada. Meu pai sempre foi assim, simples, direto e silencioso, como sua morte. De fato, não lhe caberia morrer na insensibilidade e impessoalidade de uma cama de hospital, travestido de aparelhos e tubos, ao som de um bip bip bip monótono e decrescente e cada vez mais espaçado. A nós também não caberia aguardar a notícia fatídica em algum corredor ou sala de espera. A ele sempre interessou a sua casa. A ele assentava a mesma roupa, o mesmo estilo, dia após dia. A seus ouvidos agradavam as sinfonias, que ele acompanhava como se o seu dedo fosse a batuta. Da última vez que ele foi internado – e em outras também –, o que lhe importava era sair logo do hospital:
- Quero ir para casa, quero ficar ao lado de sua mãe, meu filho! Estou com saudades dela!
As pessoas quando morrem são santificadas. A elas é reservado um lugar no paraíso, bem antes do juízo final. A morte tem essa capacidade de consumir, além do corpo, também os malfeitos. Meu pai não era um santo. Entretanto era, com certeza, um homem de princípios e de valores. E virtuoso. A simplicidade, o desprendimento, a moderação, a concisão, a serenidade, a compaixão e a modéstia eram suas companheiras. Se eu pudesse simbolizar, abreviar seus ensinamentos e seu legado eu creio que poderiam ser essas três frases sugestivas que ele costumava repetir quando lhe davam oportunidade de falar: 1) não dê passos maiores que as pernas; 2) pouca coisa não se regra, acaba logo com isso que sossega; 3) paz e paciência. Há tanta sabedoria nisso!
A morte do meu pai veio com outros acontecimentos mais ou menos concomitantes. Duas de minhas irmãs viraram avós. Isto porque uma sobrinha minha tornou-se mãe e um sobrinho meu tornou-se pai. A vida segue seu rumo, inexorável. As gerações se sucedem e a minha se torna a dos avós. Meu pai, morto, perpetua seus genes, ainda que misturado, compartido com outros. Aliás, os seus nem são tão seus assim, que vieram de outros que lhe antecederam. Uma nova vida que surge é a vida se renovando. Deve ser por isso que comemoramos o nascimento.
“Não quero ir. A vida é tão boa!” Choramos diante da morte porque sabemos que a morte nos tira essa vida, que jamais teremos de volta. A morte nos lembra de que somos finitos. A possibilidade do paraíso não é consolo, a vida eterna não é consolo. Ninguém quer trocar uma pela outra! Mário Quintana disse que “a morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapato”. Hoje, quando eu chegar em casa vou me deitar de sapatos, sem culpa. Para quê esperar a morte para sentir a leveza da liberdade?
Quero viver, repito. Mas quando eu morrer eu quero morrer uma morte encantada, como foi a de meu pai. Ele morreu deitado numa cama quente e confortável, rodeado das pessoas que amava, fartas e felizes, jogando um jogo de buraco imaginário contra minha mãe. E creio que antes de seus olhos terem perdido o brilho da vida ele sonhou ter se levantado da cama e se despiu e então, totalmente nu, disse à minha mãe:
- Duas canastras limpas! Tô batido! – e o jogo acabou.
O ladrão de galinhas
15 de Maio de 2013, por Rafael Chaves 0
Comprei umas frangas. Meia dúzia delas. Lindas, as frangas. Tão lindas que todo sábado, no meu dia de ir ao sítio, a primeira coisa que eu fazia era procurar por elas. E perguntar ao secretário notícias delas. Queria saber como elas estavam se desenvolvendo:
- Começaram a botar?
Minha preocupação vinha de um histórico de sumiço frequente de galinhas do meu galinheiro. Simplesmente sumiam. Diziam que eram os bichos. Bichos, que bichos? Lobos, cachorros do mato?
Eram seis frangas: três vermelhas e três pretas. As vermelhas eram da raça Rhode Island Red. As outras eram pretas, não me recordo mais de qual raça. Pretas sim, mas com “luzes” cor de ouro nas bordas das penas, principalmente nas penas do pescoço: chiques! Todas poedeiras legítimas.
Quando eu fui comprar as galinhas, minha intenção era de comprar só as vermelhas. As vermelhas são nossas velhas conhecidas, tradicionais. Porém, quando eu vi aquelas outras, pretas, eu não resisti. Além do mais, elas tinham uma característica interessante e inusitada. Elas botavam ovos azuis! Galinhas cruzeirenses! – pensei. Embora não fosse fanático, não haveria como deixar passar em branco os ovos azuis. Foi daí que resolvi comprar das duas qualidades.
Como eu disse, aos sábados eu as contava. Eu apontava pra cada uma, e é uma, é duas, é três (vermelhas). É uma, é duas, é três (pretas). Eu apontava e contava cada uma porque galinhas de raça são todas muito iguais, parecem gêmeas, e eu queria ter certeza da contagem. Ia tudo bem até o dia em que eu contei as vermelhas, mas não encontrei as pretas:
- Ué, cadê as frangas pretas? – fui perguntar ao funcionário.
- Sumiram.
- Sumiram? Mas como sumiram?
Enquanto isso eu andava de um lado para o outro, que é o meu jeito, tentando dissipar a raiva e entender a situação.
- Acho que foram os bichos – respondeu o caseiro.
- Bichos? Mas que bichos? Que bicho ia escolher logo as pretas? Só as pretas? – perguntei.
Só me faltava essa agora, bicho racista! – pensei.
- Então o bicho vem aqui, na escuridão da noite, pega três galinhas e escolhe quais vai levar? E ainda escolhe pela cor? – desabafei ao empregado.
Eu estava à beira de um ataque de nervos, de explodir em fúria. Que bicho seria esse capaz de um amor ou ódio tão grande a uma pretinha que se esquecia de que era um ser irracional?
Não, não era um bicho do mato. Só podia ser o bicho de dois pés! Mas antes que eu completasse meu raciocínio, o funcionário, fazendo uma cara de quem talvez não me contasse caso não me visse naquele estado, disse:
- Olha, eu vi umas galinhas parecidas lá na casa de “fulano”.
O fulano era o vizinho. Então era isso! O bicho era o cachorro, o cachorro do vizinho! Na mesma hora eu parti em direção à casa dele. No galinheiro dele eu encontrei duas delas. Peguei as duas frangas (na verdade quase galinhas), com a licença da dona da casa e fui me encontrar com o vizinho, que eu sabia onde ele estava. Quando ele apareceu eu fui logo perguntando:
- O que minhas galinhas estão fazendo no seu galinheiro? – e mostrei as galinhas a ele, segurando-as pelos pés, cada uma em uma mão.
O cínico – porque ele sabia que as galinhas eram minhas – me veio com a lorota de que as galinhas tinham aparecido lá, do nada, como se galinhas tivessem o saudável costume de visitarem umas às outras, de passearem entre a vizinhança. Depois disse que as tinha comprado e jogou a culpa em outro pobre coitado. Enfim, inventou lá umas histórias que nem compensa relembrar.
Foi a última vez que eu comprei galinhas de raça. Hoje em dia eu vejo galinhas correndo pelo curral e não as conto mais, para não me aborrecer. Umas são pretas, outras mulatas, outras ruivas. São de todas as cores, mestiças, frutos da liberdade e da promiscuidade que reina entre os galináceos do meu sítio. E da seleção natural: sobrevivem as que mais correm dos bichos.
Ah, e antes que esqueça, sumiu uma panela novinha e uma sela lá de casa (entre outras coisas que vêm desaparecendo ao longo do tempo)...
Não passe dos 60
16 de Abril de 2013, por Rafael Chaves 0
Eu ando meio nervoso. Meio não, inteiro! Não vejo TV, não leio notícias, nada! Estou um completo alienado. O que foi feito de mim, um quase trotskista? Cadê o “libelu” que combatia a ditadura militar e insuflava greves? Onde estão guardados os discursos inflamados de sentimentos? E os sonhos utópicos?
Não é que eu não tenha mais ideologia. Eu creio que seja de esquerda, mas a impotência, a descrença e o pessimismo tomaram conta de mim. Quem sabe eu tenha hoje um ideário próprio? Assim como se, a essa altura de minha vida, me fosse permitido pensar por conta própria. Seria isso possível ou permitido? “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra”.
Charles de Gaulle não disse, mas o Brasil não é mesmo um país sério! Somos um país hipócrita.
A maioria das pessoas diz que as coisas estão melhorando. Têm esperança! Eu não! É por isso que eu me alieno: para não me enraivecer além da conta. Seria isso o que estou fazendo uma crônica? Por via das dúvidas, peço licença.
Eu poderia citar uma infinidade de motivos que me fazem pensar o que eu penso. Vou me restringir a um fato só. Há algum tempo aconteceu um acidente com o João do Galo e sua família que me deixou estarrecido. Segundo a versão que eu conheço (mesmo que haja outras, não invalidam o que eu vou dizer), ele vinha de Belo Horizonte para nossa Resende Costa quando, em Congonhas, um caminhão veio batendo em diversos veículos, entre os quais o dele. O caminhão não conseguiu reduzir a 60 km/h, velocidade permitida pelo radar, e bateu em dois carros antes de bater no dele e depois em mais outros três, num total de sete veículos envolvidos. Uma senhora morreu no momento do acidente, parece que outros três morreram depois. João perdeu o carro e quase a família toda!
A causa do acidente foi o radar. Quem vai a Belo Horizonte sabe o que eu estou dizendo. O radar foi instalado depois de um longo declive, de mais de cinco quilômetros, em uma rodovia de mão dupla, a BR 040, e camuflado depois de uma curva. O local de instalação foi meticulosamente estudado. Não para cumprir sua função de segurança, mas para multar. Todo mundo sabe que, no local, o que cabe é uma passarela, não um radar. Ainda que houvesse a necessidade de redução de velocidade, não poderia ser desse modo, instantaneamente, de repente, sem mais nem menos. Haveria de ser paulatina, desde o início do declive, com avisos e outros meios mais.
Eu tenho quase a convicção, a certeza, a ousadia de dizer que, após a instalação do radar, mais acidentes e mais mortes passaram a acontecer nesse lugar. Caberia apurar. Seria trágico se se confirmasse essa hipótese.
No dia do acidente, o caminhão que provocou o acidente estava no nome de uma empresa transportadora. No processo, segundo João, apareceu um recibo de venda do caminhão, com data anterior ao do acidente, provavelmente para isentar a transportadora. Devem ter colocado como responsável no lugar da transportadora um pobre coitado que dificilmente terá condições de pagar pelo prejuízo.
Definitivamente não sou contra radar ou, antes, pelo desrespeito às leis de trânsito. Mas do jeito que está sendo feito, não! Os radares são instalados quase todos com velocidade máxima de 60 km/h, aparentemente sem qualquer estudo de ser esta a velocidade de segurança para a via, e geralmente em locais preparados para flagrante, com intuito de arrecadar.
Nossa sociedade, nossas leis, nosso país esta infestado de hipocrisia. Hipocrisias como essa. Hipocrisias noticiadas nos jornais (que evito de ver ou ler) todos os dias. Dizem para a gente não passar dos 60 e, embora isso possa nos causar a morte, continuamos calados, subservientes, inertes, mansos...
A amansação
12 de Marco de 2013, por Rafael Chaves 0
A1: ... Prá mim pegar ela dentro da baia eu gastava aí em torno duma meia hora...
E: Mas quando é assim é bão, quando num tem maldade... é arisco o bichinho...
A1: ...uma coisa horrorosa. Eu gastava, Rafael, uma meia hora pra pegar ela dentro da baia, dentro da coberta lá em casa, precisa ver que coisa. Um dia eu cidi, assim tentando com jeito, resolvi assim jogar o cabresto nela assim. Rapaz!, ela fez igualzinha um a, um a..., um passarinho nas régua assim, oh, vupt: vuô lá em cima...
Todos: (risos)
A1: Eu falei assim: Nossa Senhora, ah morreu, ué. Aí fui com jeito dali, fui levando com jeito uma cuinha de fubá, devagar, com o tempo fui pegando confiança, mas eu gastei um mucado de tempo pra poder coisa... Eu falei assim: com um ano e meio dois ano eu vou amansar ela. E foi dito e feito, com um ano e meio eu já tava com ela, ela já tava arriadinha, eu já tava montando nela, mas, oh, quando eu botei ela na coberta e que amarrei uma, uma sacolinha numa, numa varinha de pescar pra poder tirar ela... porque nada podia balançar que ela virava um tiro, né.
A3: Nó!
A1: Eu botei ela na coberta. Rapaz, vou desabusar... Vou chegar nela a sacolinha nela assim e ela só faltava morder, vê, ela queria bater com os quatro é duma veiz naquele trem ... Você precisava de ver que coisa horrorosa... Enquanto ela num tava bufando, suano ela num parava...
E: Tem animal que é assim mesmo, tem umas que sua de raiva
A1: Nossa Senhora!
A3: Nossa Senhora, né Leomar?
E: Ué, essa do Elfar aí, essa aí também, eu mexi com essa potra mais ou menos um mês de dentro do redondel. A potra não entregava de jeito nenhum. Aí eu fiz igual ocê ta falando aí. Eu falei assim: hoje eu vou resolver e vou passar a perna nessa égua, vamos ver o que que dá. Às vezes montada - ainda veio na minha cabeça - às vezes montada ela sai mió. Já tinha quase um mês que eu tava charretiano ela - tá entendendo? - que eu tava charretiano ela. Aí a égua arriada já, passei a perna nela, pus o pé no estrivo. Quando eu levei a perna por cima dela e antes d’eu já ganhar o outro estrivo ela já fechou comigo e paf paf paf na beira das régua Eu só senti a bunda minha no lombio assim óh pá pá pá (batendo com as palmas da mão). E eu sem o estrivo no pé. Enquanto ela tava pulando na régua assim acompanhando o redondel eu segurei, sabe. Ela deu umas três volta e saiu pro meio do redondel.
A1: Hummmm.
E: Quando ela saiu pro meio do redondel foi treis pulo só e ela me pôs no chão. Aí vortei ela no charretiamento...
Paula Fernandes: Eu quero ser ao seu lado...
E: ... Mais rodei a potra no charretiamento até ela fazer isso assim com a cabeça, baixou a cabeça, chegou a esticar o pescoço, entendeu?
A1: Entregou...
E: É... Falei assim: entregou, agora num pula mais não. Tornei a tirar as corda do charretiamento, botei a embocadura e muntei. Muntei. A potra ficou quitinha, aí eu fiz assim com o estrivo no pé, pus no pé e falei assim, eu sozinho e Deus: é, égua, agora você num tira eu de cima não, você deixou eu calçar o estrivo, cê num me tira mais de cima não! Toquei ela na boca e ela num foi não. Mas quando eu fiz assim com o calcanhar nela, e toquei, a potra fez só assim: vapt! E ela subiu mais de dois metro do chão...
Todos: (risos)
E: Ela vuô, sabe? Ela fez assim com as pernas no chão e fez assim “vapt”, vuô lá em cima. E começou, nego: aqui, aqui, aqui e eu mão nela tentano dominar ela na boca, entendeu? Mão nela, supapando ela dum lado, supapando do outro, discontraino, nada d’eu dá conta da égua. Eu falei assim: ela vai me jogar no chão de novo. Larguei a rédia e agarrei assim na frente e atrás do lombio. E falei assim: agora ela vai ter de pular comigo em cima e sem rédia. Ademir, ela pulô tanto, menino, mas tanto comigo. Ela pulou assim uns 20 minuto, fechado nas quatro mesmo...
Todos: (risos)
E: Quando ela parou de pular - ela parou duma vez! - que eu cacei minhas perna, minhas perna tava assim, tava assim bambela, bambela. Só pus a mão assim na cabeça do lombio e quando eu fui caçar a perna, cadê?, meu filho, tinha perna não. Eu fiz assim pra trás e caí...
A2: (faz um comentário meio incompreensível)
E1: Então, o redondel era lá embaixo ainda, lá embaixo ainda. Vai escutando procevê. Prá mim sair de lá até aqui na cuberta eu custei vim, Ademir. Vim andando, tinha hora que eu escorava assim no pescoço dela assim pra mim consegui...
A2: Deu tranco na sua coluna, Sô, aí bambeia as perna...
E: Aí eu cheguei aqui. Isso era na parte da tarde. Peguei um cavalo e fui imbora pra rua. Isso foi na terça-feira. Fui imbora prá rua, cheguei, tomei banho e falei assim: hoje eu num vô mexer com nada. Eu tava arrebentado, meu filho. Deitei na cama, aquela dor nas pernas, aquela coisa horrorosa. E aí quando foi aí pelas oito e meia mais ou menos eu comecei a sentir uma dor fina aqui por baixo do umbigo, aqui ó, fina, apertando, apertando, igual quando cê ta com vontade de urinar bastante, de bexiga cheia, sabe? Aí eu fui no banheiro pra uriná mas não saiu nada. Daí tornei deitar na cama. Daí mais ou menos uma meia hora veio aquela dor de novo; eu fui no banheiro já urinei aquele trem amarelozinho, sabe? Quando foi meia noite eu comecei a urinar quase sangue. Aí a dor num passava, eu só tomando buscopam, buscopam, num passava . Quando foi meia noite e meia eu tive que subir pra emergência.
A3: Hospital...
A1: Quantos dias cê ficô lá?
E: Mais de 15 dias...
Essa é a (primeira) reprodução (o mais fidedigna possível) de uma conversa à beira do fogão de lenha, lá no meu Sítio. Participantes A1: Aldemir Aarão; E: Eleomar; A2: Adelmar Aarão, A3: Alex do Afonso; e eu.
Para o Eleomar, com meus agradecimentos pelo companheirismo e dedicação aos cavalos!
Alexandria
15 de Fevereiro de 2013, por Rafael Chaves 0
Eu não sei se todo mundo é assim, mas eu acordo praticamente todos os dias pensando em viajar. “Aonde eu irei durante as minhas férias este ano?”, penso. E canto “deu prá ti, baixo astral, vou prá Nova York, tchau...”. A vontade e o impulso são tantos que Porto Alegre é trocada por Nova York. Mas está explicado: tudo depende do astral.
A questão talvez não seja o tamanho da terra, afinal ela é limitada, nos seus 40.075 km de circunferência. Se pudéssemos viajar a 100 km/h, initerruptamente, sem dormir, em linha reta, em pouco mais de 16 dias teríamos cumprido toda a viagem em sua circunferência. Entretanto, o máximo que teríamos seriam imagens do que se pode ver a 100 km/h, em uma rota só, num só sentido. Ou seja, praticamente nada do que nela realmente tem para se ver!
O mundo que eu vejo agora da janela de minha sala se resume a uma casa amarelo clara, com telhas de barro e janelas de madeira e atrás dela folhas de uma árvore frondosa cuja copa se ergue acima do telhado da casa e acima disso um céu com nuvens ameaçando chuva. Essa é a imagem que tenho durante praticamente 8 horas por dia, de segunda a sexta-feira. Mude o céu, conforme o clima e mude as folhas das árvores, conforme a estação, mas é isso que vejo. Dedicamos muito de nossa vida vendo as coisas de uma só maneira, de um só ângulo. E seguimos sem ver o que há por detrás dessa casa ou dessa árvore! Pior, nem sequer tentamos imaginar o que haveria lá do outro lado...
Alexandria apareceu na minha vida como uma dessas surpresas que a vida, ou melhor, a terra nos reserva. Entre mim e a janela existe outro jeito de ver o mundo, na tela de um computador. Quando Alexandria surgiu na minha frente eu quase que imediatamente busquei nos recônditos de minha memória quando eu teria ouvido falar de Alexandria. Voltei aos bancos da Escola, a uma aula de história do ensino fundamental e redescobri a famosa biblioteca de Alexandria, aquela que sonhou reunir todos os manuscritos existentes na terra.
Mas a Alexandria que insistia em saltar aos meus olhos estava localizada no agreste nordestino, no extremo sudoeste do Rio Grande do Norte, encravada aos pés da Serra da Barriguda. E eu que cheguei a ter lampejos de orgulho por essa terra ao mesmo tempo inóspita e cultural, fui descobrindo que Alexandria se gabava não de sua biblioteca, mas da Barriguda, eleita a primeira maravilha do Rio Grande do Norte! (Ah Genipabu, Ponta Negra, Redinha, Maracajaú, Pipa e tantas outras. Ah Fortaleza dos Reis Magos...) E que Alexandria não fazia nenhuma homenagem ao conhecimento, senão, fazia reverência à mulher de um dos seus governadores, a Sra. Alexandrina Barreto Ferreira Chaves.
O mundo é grande e inesperadas são as suas razões. É por isso que eu desejo viajar; é por isso que me bate essa vontade de conhecer Alexandria. A Alexandria no Egito e a Alexandria no Rio Grande do Norte.