Abrindo novos caminhos

ROTA LISBOA (6): Pandemia e fronteiras

12 de Outubro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Trem ou comboio que liga Porto a Vigo na Galiza (foto: Atlântico Diário)

Apesar do recrudescimento da pandemia (aumento aos milhares no número de casos) na Europa em geral, e particularmente em Portugal e Espanha, os dois países ibéricos não pretendem fechar as fronteiras. Milhares de portugueses e espanhois atravessam a fronteira em vários pontos, todos os dias, principalmente para trabalhar e consumir.

O grande dilema europeu, frente à segunda onda da pandemia antes mesmo de chegar o inverno, está entre fechar tudo por algum tempo, sobretudo nas principais cidades, ou funcionar a meio gás (baixo movimento). O que traria menos custos para os agentes econômicos numa economia que funciona muito abaixo de suas potencialidades? Uma resposta difícil que muitas vezes coloca em lados opostos autoridades/especialistas em saúde e dirigentes políticos/entidades civis.

Na 31.ª Cimeira (Cúpula) Luso-Espanhola (em 10/10, na cidade de Guarda), os chefes dos governos de Portugal e Espanha, respectivamente Antônio Costa e Pedro Sánchez, foram incisivos contra a possibilidade de novo encerramento das fronteiras, sublinhando a necessidade de mais responsabilidade individual no combate ao novo coronavírus. O pano de fundo é justamente a visão de que a economia destes países não pode, de novo, parar totalmente.

Mas o encontro não se restringiu às restrições ocasionadas pela pandemia. Os dois países, em declaração conjunta, renovaram o compromisso de estreitar as relações, com o desenvolvimento de ligações ferroviárias e rodoviárias, e reafirmaram a sua aposta num transporte sustentável e multimodal que continue a aproximar os dois países integrantes do chamado Corredor Atlântico.

No radar está o “empenho em avançar na melhoria da ligação ferroviária entre o Porto e Vigo (Galiza), cujas obras de eletrificação já estão concluídas do lado espanhol. O projeto de eletrificação e modernização dos sistemas de sinalização e segurança deve ser concluído na sua totalidade em 2023, e parte do investimento (mais de 6,5 milhões de euros) será paga pela Europa (Rádio Vale do Minho, 19/11/2019).

A “quase” completa modernização da ferrovia, com financiamento estimado em 16 milhões de euros, permitirá a circulação de trens elétricos de última geração (do tipo Alvia) com a redução do tempo entre as duas cidades de mais de duas horas para uma hora e meia. Para além da modernização da linha férrea, o que se aspira mesmo é o resgate do projeto de alta velocidade ferroviária (AVE) entre Porto e Vigo, que encurtaria ainda mais o tempo para Santiago de Compostela, por exemplo.

Já o tão sonhado trem de alta velocidade entre as capitais Lisboa e Madri está no horizonte, de acordo com o primeiro-ministro português, Antônio Costa. Quanto à alta velocidade, é seguro que Portugal não ficará de fora da rede ibérica da alta velocidade, disse. Mas no momento próprio, acrescentou o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez. A questão está em como conseguir os recursos necessários para um investimento deste porte.

Sonho de fusão

A aposta numa estratégia ibérica coordenada entre Portugal e Espanha (Iberolux) – modelo semelhante ao que existe entre Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo (Benelux) - é defendida por Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto (Observador, 05/02/2020). Mas há gente que vai mais longe, defendendo simplesmente a fusão entre os dois países. 

Além da resistência natural, com base na visão tradicional de estado-nação, há especialistas que consideram que a Espanha, na verdade, é um estado formado por um conjunto de nações, o que explicaria a força dos movimentos independentistas em várias províncias. Assim, numa eventual fusão, Portugal passaria a ser mais uma entre estas nações espanholas.

Eu, particularmente, acharia mais viável, e emocionante, a fusão de Portugal e Galiza, cujas afinidades culturais e linguísticas permitiriam a existência de um estado-nação alargado e autêntico. As línguas portuguesa e galega surgiram do galego-português falado durante a Idade Média nestas duas regiões; a proximidade entre Portugal e Galiza é visível. A probabilidade de um estado-nação ampliado seria muito maior. 

Uma questão para lá de polêmica e incômoda!

ROTA LISBOA (5): Tempos tempestuosos

07 de Outubro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Primeiro jogo com público da liga de futebol na pandemia (fonte: Rádio Renascença).

Era uma convidada para lá de especial. Em evento incomum, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, deixou Bruxelas (Bélgica) para participar da reunião do Conselho de Estado de Portugal (órgão de consulta do presidente da República), no dia 29 de setembro (uma terça). Citou o grande poeta Luís de Camões e fez rasgados elogios a Portugal, principalmente na forma como vem lidando com a pandemia. “Não consigo pensar num país melhor para nos guiar na tempestade.”

Uma semana depois, surge a notícia de que um dos conselheiros que participaram da reunião com von der Leyen estava infectado com o novo coronavírus. Trata-se do advogado Antônio Lobo Xavier, um dos cinco cidadãos designados pelo chefe de Estado para compor o Conselho. Os demais membros são titulares de cargos (primeiro-ministro; presidentes da Assembleia da República, do Tribunal Constitucional e dos governos regionais; provedor de Justiça e antigos presidentes da República), além de cinco eleitos pela Assembleia da República.

Até agora, os demais membros do Conselho de Estado testaram negativo à covid-19, muitos deles inclusive com idade avançada. Esta foi a primeira reunião presencial durante a pandemia (as duas anteriores foram por videoconferência). O detalhe é que a reunião ocorreu com todas as medidas de segurança exigidas pela pandemia, como distanciamento físico e uso de máscaras.

Tão logo a Presidência da República foi informada pelo próprio Lobo Xavier de que estava infectado, no domingo (4) ao fim da tarde, “todas as pessoas que estiveram presentes na reunião, inclusive a presidente da Comissão Europeia, foram avisadas. Lobo Xavier disse que não conseguiu identicar onde “as minhas defesas e os meus cuidados falharam” contra o vírus. E, aliviado, completou: “Seria trágico, muito triste pra mim que fosse eu a infectar alguns dos conselheiros, pessoas que eu admiro muito, e a própria presidente da Comissão Europeia. Felizmente isso não aconteceu”. A observar que, além do infectado, a presidente da Comissão Europeia (que testou negativo) ficou em quarentena porque assim o exige o governo da Bélgica.

À parte a citação de Camões e o elogio de von der Leyen, em Portugal discute-se como investir, em apenas nove anos, cerca de 50 bilhões de euros disponibilizados pela Comissão Europeia. Há o risco - um grande temor por aqui até por razões históricas - de que esse “saco de dinheiro” caia nas mãos erradas e Portugal desperdice uma oportunidade que ninguém sabe se haverá de novo, como advertiu o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Despejar dinheiro em projetos questionáveis (obras públicas rodoviárias, por exemplo) é um risco.

Recentemente (23/09), o primeiro-ministro Antônio Costa resumiu o que se deseja com o programa de recuperação econômica e resiliência, cuja primeira versão será entregue a Bruxelas nos próximos dias. Prioridade 1: responder às vulnerabilidades sociais evidenciadas pela pandemia (saúde, proteção dos mais velhos, carências habitacionais, integração dos territórios); prioridade 2: “aumentar o potencial produtivo» (qualificações, modernização do ensino profissional e diversificação dos estudantes a frequentar o ensino superior, reforçar a cooperação entre a ciência e o tecido produtivo com foco na reindustrialização e reconversão em setores estratégicos para a integração de Portugal nas cadeias de valores globais); e prioridade 3: «assegurar um território mais competitivo externamente e mais coeso internamente».

De acordo com a orientação da União Europeia, as três prioridades devem considerar o máximo aproveitamento das “potencialidades da transição digital” e a urgente transição climática (substituição das energias poluidoras por energias limpas).

Estádios vazios

Sábado (3) foi especial para a principal liga portuguesa de futebol. Os Açores foram palco da volta do público aos estádios, com o jogo Santa Clara-Gil Vicente; isto apesar de os números de infecções e mortes pela covid-19 terem voltado a subir, na chamada por muitos de “segunda onda”. Após meses sem público, mil pessoas (10% da capacidade) puderam ver um jogo profissional no estádio de São Miguel, um ensaio para o regresso do público tão reclamado pelos dirigentes do futebol.

A experiência continua com o jogo amistoso entre as seleções portuguesa e espanhola, em Lisboa, nesta quarta-feira (7). O público vai ocupar 5% (2.500 lugares) da lotação máxima do estádio de Alvalade. Além do distanciamento físico, outras exigências são as de uso de máscara e higienização das mãos, acrescidas do controle de entrada e saída dos torcedores.

ROTA LISBOA (4) Jovens voltam à luta por um mundo melhor

28 de Setembro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

A cantora luso-inglesa Mia Rose, inspirada por Greta, em protesto no Ártico (foto: Greenpeace)

Muita gente, inclusive jovens, pensa que as alterações climáticas são muito mais graves do que a pandemia. Parece óbvio, mas não para todo mundo, uma vez que há muitos céticos em relação à crise ambiental espalhados pelo planeta.

A conceituada revista Nature, em sua edição semanal de 24/09, tem como destaque de capa o título “Point of no return”, o que coloca mais combustível nesta fogueira. O estudo assinado pelos cientistas Ricarda Winkelmann e seus colegas mostra quão vulnerável é a camada de gelo do Antártico frente às mudanças climáticas.

De acordo com a pesquisa, como o clima da Terra torna-se mais quente, a camada de gelo torna-se progressivamente mais sensível a dada quantidade de aquecimento. Os cientistas que assinam o artigo alertam que, quanto mais conhecemos a Antártica, mais sombrias se tornam as previsões.

Os autores avisam que, mesmo que sejam cumpridos os objetivos do Acordo de Paris, o nível da água do mar irá subir 2,5 metros até o final do século devido ao desgelo do Antártico. Se os limites estabelecidos no Acordo de Paris não forem atingidos, a contribuição da Antártica no longo prazo para os níveis do mar vai aumentar dramaticamente e vai ficar próximo do impossível de reverter.

Não é mera coincidência que as “greves” climáticas estudantis das sextas-feiras tenham voltado às ruas de milhares de cidades do mundo todo no último dia 25. O movimento, liderado pela ativista sueca Greta Thunberg, passa a chamar-se “Mobilização Climática” e pretende alcançar todos os setores da sociedade civil.

Os jovens querem utilizar estas jornadas de sexta-feira pela emergência climática para exigir medidas concretas (mais e modernas ferrovias, mais energias limpas, mais medidas contra a degradação ambiental, mais produção sustentável) e ao mesmo tempo estimular a mudança a partir de casa (menos consumo de proteína animal, menos uso de lixo descartável como plásticos etc.), por acreditarem que a pandemia não desacelerou os impactos sobre a sustentabilidade do planeta.

Pelo contrário, até piorou a situação na medida em que surgiu um novo tipo de lixo, as máscaras descartáveis, cada vez mais presente nas ruas e praças das cidades.

Referendos na Itália e na Suíça

Tem sido muito comemorado o referendo recente (20 e 21 de setembro), que, por maioria de 70% dos italianos, reduziu o número de parlamentares por mais de um terço. Assim, a Câmara dos Deputados passa a ter 400 membros (abaixo dos 630 anteriores), enquanto o Senado terá 200 membros (abaixo dos 315 anteriores). A reforma ainda limitou em cinco o número dessa figura estranha chamada “senador vitalício”, nomeado pelo presidente da República.

A nova lei, a partir do referendo proposto pelo Movimento 5 Estrelas, deverá ter efeito depois da próxima eleição geral, prevista para ocorrer até 2023. Mas a proposta tem dois problemas: não reduz os altos salários e vantagens dos parlamentares italianos nem resolve a duplicidade de funções da Câmara dos Deputados e do Senado.

Na Suíça, a intolerância contra a migração acaba de ser derrotada pela maioria dos cidadãos. Nas urnas, disseram “não” às intenções do Partido Suíço das Pessoas (SPV) de impor a limitação de imigrantes europeus, que atualmente representam cerca de 25% da força de trabalho do país. Como se sabe, a Suíça não faz parte da União Europeia e o SVP, partido de direita, tem a maior representação no parlamento.

Dessa forma, será mantido o acordo bilateral entre a Suíça e a União Europeia que permite a livre circulação de pessoas. Prevê-se que a migração contribua para aumentar a população da Suíça, dos atuais 8,6 milhões, para cerca de 10 milhões de habitantes, ao longo dos próximos 30 anos.

 

ROTA LISBOA (3): “Saco de dinheiro”

24 de Setembro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Jogador mais caro do mundo (fonte: maisqueum jogo).

Por que falar de centavos se podemos falar de milhões?

O jogador Faiq Jefri Bolkiah, considerado o futebolista mais rico do mundo, vai jogar na primeira liga portuguesa nesta temporada. O sobrinho do sultão do Brunei assinou contrato com o Marítimo, time da ilha da Madeira, terra de Cristiano Ronaldo, depois de uma carreira feita em Inglaterra.

O médio ofensivo de 22 anos, com dupla nacionalidade (Estados Unidos e Brunei), tem fortuna avaliada pela revista “Forbes” em 18 bilhões de euros (cerca de 117 bilhões de reais), mais do que ganham juntos Messi, CR7 e Neymar. Faiq jogou em clubes como Newbury, Southampton, Arsenal e Leicester.

Um “saco de dinheiro” é o que Portugal vai receber da Comissão Europeia para bancar o “plano de resiliência e recuperação econômica”. Aqui, discute-se febrilmente como gastar a dinheirama dos fundos europeus, uma base de 6 bilhões de euros por ano que o país receberá entre 2021 e 2030. Muita gente quer pegar uma carona nos recursos do plano, cuja primeira versão o governo terá de apresentar a Bruxelas em meados de outubro.

Quem cunhou a expressão “saco de dinheiro” foi o ministro da Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, em entrevista na televisão. Mas ele acrescentou: “não podemos fazer o que quisermos (com esse dinheiro)”. Os recursos terão de ser usados para criar uma sociedade mais inclusiva e justa, resolver problemas estruturais, reduzir a dependência de carbono e de recursos naturais (economia mais limpa) e ampliar o acesso à digitalização. “Uma sociedade em que as pessoas e as empresas possam beneficiar das tecnologias digitais para melhorar a sua condição de vida e a produtividade da nossa economia.”

Trata-se de uma “enorme oportunidade, mas sobretudo de uma gigantesca responsabilidade”, reforçou o primeiro ministro Antônio Costa. Afinal, milhares de empresas e postos de trabalho foram perdidos e estão ameaçados de desaparecer e houve uma queda no rendimento do conjunto da sociedade. E “daqui a seis anos estarão cá (os burocratas da Comissão Europeia) para pedir as contas do que fizemos com esses recursos extraordinários que foram postos à nossa disposição”. No mesmo sentido, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alertou: “Este tipo de comboio (trem) só passa uma vez”.

Faltou crescimento

Em entrevista ao Jornal de Notícias (20/12/2012), o ex-embaixador alemão em Lisboa, Helmut Elfenkamper, já alertava que os fundos europeus não produziram crescimento em Portugal. Apesar do fato de o país ter recebido “um influxo de dinheiro muito substancial, não produziu realmente crescimento”. Entre 2000 até aquela data, as taxas de crescimento foram de 0,2%; “se contarmos até 2008, eram 0,8%”.

Entre 1986 e 2011, Portugal terá recebido 80,9 bilhões de euros em fundos estruturais e de coesão, de acordo o estudo 25 Anos de Portugal Europeu da consultora Augusto Mateus & Associados para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). O valor chegaria aos 96,7 bilhões de euros até ao final de 2013.

Especialistas ouvidos pelo Diário de Notícias (20/05/2013) consideraram que erros foram cometidos, como na “aposta excessiva em infraestruturas, principalmente as rodoviárias”, como definiu o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus e ex-eurodeputado, Carlos Costa Neves. Ele admitiu que nem sempre foram definidas as melhores prioridades, houve um investimento não reprodutivo, muitas vezes porque era preciso cumprir prazos ou, pior, ir ao encontro de expectativas eleitorais.

Outros especialistas garantiram que houve desperdício e falta de controlo na aplicação dos fundos, o caso de Isabel Meirelles, especialista em assuntos europeus. Devia-se ter investido mais nos sectores reprodutivos e não na política do betão”, acrescentou. Entre 2007 e 2011, por exemplo, o dinheiro europeu ajudou a construir mais de três mil quilômetros de estrada.

Isabel Meirelles disse ainda que não houve uma visão global de aproveitamento dos fundos” e que houve “excesso de burocracia”. Além disso, houve erros no Fundo Social Europeu: por exemplo, houve cursos que não foram dados porque houve desvios de dinheiro e outros que nunca deveriam ter sido aprovados”, como o ensino de “fazer queijo da serra no Algarve.

Na sua entrevista, Helmut Elfenkamper lembrou que, em 20 anos, foi o terceiro maior recipiente de recursos comunitários per capita, e que naturalmente haveria uma redução desse montante. Ainda assim, muita gente ficou desapontada com os resultados (desemprego, recessão acentuada, receita fiscal abaixo do esperado etc.). Por isso, insistiu sobre a importância das reformas estruturais para gerar crescimento.

O ex-embaixador alemão defendeu o crescimento da produtividade e o aumento da qualificação profissional para aumentar os salários: “o caminho é pela formação, mais qualificação das pessoas que trabalham, e, certamente, não a longo prazo pela descida dos salários”.

Da entrevista de Elfenkamper para agora, muitos desafios ainda continuam presentes: desigualdades sociais e regionais, baixa produtividade, justiça deficiente, excessiva dependência do turismo de massa, envelhecimento da população, êxodo de profissionais qualificados.

Enquanto escrevo sobre Portugal, fico pensando nas carências e na falta de visão de longo prazo no nosso Brasil. Tão diferentes, mas tão iguais! 

 

ROTA LISBOA (2)

20 de Setembro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Ponte romana Trajano, sem veículos (fonte: Câmara Municipal de Chaves).

Nova fase da pandemia 

Portugal entrou na sua terceira fase da pandemia, de acordo com autoridades da área de saúde. A primeira fase aconteceu entre março e abril; a segunda, mais amena, entre maio e julho; e a terceira chega agora, antecipando ao período de outono/inverno. Um indicativo do agravamento da situação é que o índice de contágios (o chamado Rt que mede a transmissibilidade) voltou a ultrapassar o 1 (cada 10 infectados, por exemplo, transmitem o vírus a mais de 10 pessoas).

Terceira fase ou segunda onda? O fato é que os contágios voltaram com força na Europa, aos milhares por dia em países como Espanha, França e Reino Unido. Tanto que, depois de algum relaxamento, países já adotam confinamento parcial, restrições em ajuntamentos sociais e ampliação do uso obrigatório de máscaras. A exceção é a Suécia, muito criticada por ter optado por um caminho diferente (não fechou escolas, manteve o comércio aberto e focou na responsabilidade individual).

Em Portugal (país de 92.210 km² e cerca de 10 milhões de habitantes entre Espanha e o Oceano Atlântico), o governo acredita que o país caminha para os 1000 casos diários já na próxima semana, seguindo a tendência geral da Europa. No período de um mês, o número de contágios pulou de pouco mais de 200 por dia para 849 casos (em 19/09). No auge da pandemia, em 10 de abril (uma semana depois do início do 2º estado de emergência), o número de casos diários atingiu 1516 e o número de mortes, 26.

Acredita-se que este resultado tenha a ver com um certo relaxamento durante as férias de verão porque a população estava cansada do confinamento e de outras restrições que praticamente pararam o país desde março. Um novo salto nos contágios deve aparecer nos próximos dias em decorrência da volta às aulas presenciais com o início do ano letivo em meados de setembro.

Se é que podemos chamar de positivo, o fato é que número de mortes é bastante baixo na atual fase da pandemia, comparando com a primera fase. Até porque os contágios estão atingindo as faixas etárias mais jovens da população, embora os surtos em lares de idosos continuem ocorrendo em diferentes regiões do país. O resultado tem sido a menor pressão sobre o sistema de saúde.

O discurso do governo é de que não se pode baixar a guarda, mas sem parar o país. As autoridades, por exemplo, resistem à volta do confinamento total, mas defendem a adoção de medidas descentralizadas (regionais e locais). A palavra de ordem é controlar a pandemia sem trancar o país: sem fechar escolas, sem proibir visitas a lares de idosos, sem destruir empregos. 

Além da experiência acumulada desde março na forma de lidar com a pandemia, o governo apela à responsabilidade da população e os especialistas esperam por maior capacidade de resposta do sistema de saúde. Acredita-se que a evolução desta terceira fase vai depender da efetividade das medidas de saúde pública e da responsabilidade de cada cidadão ao lidar com a doença.

Mas 2020 e parte de 2021 já são dados como perdidos do ponto de vista econômico. Em entrevistas na imprensa ou mesmo em conversas informais, os empresários são menos otimistas do que os governantes. Os negócios vão de mal a pior e o desemprego só aumenta. Há previsões de que, no caso de uma segunda onda, a taxa de desemprego possa atingir cerca de 17,5% este ano, acima de estimativas anteriores (entre 11% e 14,5%), afetando mais fortemente o comércio e o setor de restaurantes e alojamento que empregam trabalhadores menos qualificados e mais vulneráveis.

Num shopping center do bairro onde moro, só se falam de lojas fechando as portas. O movimento caiu tanto que o dono de um restaurante, que já teve sete funcionários, trabalha agora com a esposa e uma funcionária. Decidiu que o melhor é viver cada dia como se fosse o último.

Consulta popular

Uma consulta popular (referendo) no mínimo curiosa aconteceu recentemente na cidade de Chaves (cerca de 18.500 habitantes), no norte de Portugal (divisa com a Espanha). No domingo (13 de setembro), os moradores decidiram, por 85,37%, que a ponte romana (construída na época do imperador Trajano entre fins do século I e início do II e classificada como monumento nacional) deveria continuar exclusiva para pedestres. É que havia uma reivindicação no sentido de que a ponte fosse reaberta ao trânsito de veículos.

Isto nos remete para um dos editoriais da revista britânica The Economist (edição de 19/09), que comenta o surgimento em vários países das “assembleias de cidadãos” e outros grupos deliberativos, para considerar questões que exigem respostas dos políticos. Por semanas ou meses, 100 ou mais cidadãos – tomados aleatoriamente mas com a ideia de criar um corpo reflexivo da população como um todo em termos de gênero, idade, renda e educação – encontram-se para discutir um tópico escolhido de maneira cuidadosa. No final, eles apresentam suas recomendações aos políticos.

Sem se fixar no número de participantes (pode variar de acordo com o tamanho do município) e se são pagos ou voluntários, o importante é que haja independência da parte deles em relação aos políticos. “Assembleias de cidadãos são muitas vezes promovidas como um meio de reverter o declínio na crença na democracia, o qual tem sido precipitado na maioria do mundo desenvolvido na última década mais ou menos”, conclui a revista.

Pesquisas recentes mostram que os cidadãos em geral queixam-se de que os políticos não tem entendimento da, ou interesse na, vida e nas preocupações da população. “As assembleias de cidadãos podem ajudar a remediar isto.”

Fico imaginando cidades do porte de Resende Costa ou São João del-Rei realizando “assembleias de cidadãos”, adaptadas, evidentemente, aos seus perfis. Discutindo, por exemplo, temas como a retirada dos veículos do centro da cidade ou a mudança de um terminal rodoviário para um local mais adequado.