Abrindo novos caminhos

ROTA LISBOA (10): Pandemia e estado de emergência na Europa

07 de Novembro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Hospitais à beira do colapso, embora melhor preparados (foto: Jornal de Negócios).

No dia (6/11) em que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa anunciou o estado de emergência, a pandemia bateu novo recorde em Portugal (mais 5.550 casos de covid-19 e 52 mortes), segundo relatório da Direção-Geral da Saúde. Nota-se que uma preocupação ficou patente neste segundo estado de emergência nos oito meses de pandemia: limitar ao máximo a abrangência do estado de emergência.

O Parlamento votou a proposta e o presidente reiterou, em discurso à nação, que as medidas serão muito limitadas e de caráter preventivo. Uma das características deste segundo estado de emergência foi a busca de convergência entre a Presidência, o Governo, a Assembléia da República, os partidos e os parceiros sociais. “O estado de emergência tem por objetivo conciliar a vida e a saúde com o emprego, o salário e o rendimento dos micro, pequenos e médio empresários, mais em risco nestes tempos difíceis, afirmou o presidente.

As medidas aprovadas prevêem limitações à circulação (recolher obrigatório) nos municípios com nível mais elevado de risco; interdição das deslocações (exceção às justificadas para desempenho profissional, cuidados de saúde, frequência à escola, abastecimento de bens e serviços e outras); utilização pelas autoridades públicas competentes dos recursos, meios e estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde integrados nos setores privado, social e cooperativo, mediante justa compensação; mobilização dos funcionários públicos para a realização de serviços de apoio à saúde; medição de temperatura por meios não invasivos e realização de testes de diagnóstico à covid-19” nos locais de trabalho ou serviços e instituições públicas, estabelecimentos educativos, meios de transporte, espaços públicos (comerciais, culturais etc.) e pessoas “acolhidas” (estruturas residenciais, de saúde, prisionais, centros educativos e seus trabalhadores); e requisição das Forças Armadas e de Segurança  para ajudar as autoridades de saúde.

Como determina a Constituição, o estado de emergência deve durar 15 dias (a partir de 9/11), podendo ter eventuais renovações com o mesmo limite temporal. É um estado de emergência decidido com os olhos voltados para salvar o Natal, tão caro aos portugueses. Mas, acima de tudo, para tentar atenuar o custo da pandemia na vida, saúde e economia. Resta saber se daqui a 15 dias (a partir de 9/11) o estado de emergência terá surtido algum efeito, em termos de redução do número de casos e de mortes – desaceleração da curva ascendente - ou terá de ser endurecido.

Europa

Neste início de novembro, já são cerca de 20 países que fecharam ginásios, restaurantes, museus e outros locais, introduziram recolher obrigatório, proibiram as pesssoas de sair para serviços não essenciais ou tudo isso junto. A França, por exemplo, proibiu reuniões sociais e reprimiu todo tipo de saída de casa senão para comprar comida, remédios ou ir à escola. Mesmo a Suécia, que teve uma abordagem mais leve na primeira onda, limitou o tamanho dos grupos em restaurantes e desencorajou encontros familiares.

No Reino Unido, o primeiro ministro Boris Johnson mudou de curso em 31 de outubro, depois que cientistas do governo alertaram que a doença mataria até 4 mil pessoas por dia na semana anterior ao Natal. Isto seria um “desastre moral e médico”, de acordo com Johnson, com hospitais lotados e médicos tendo de escolher a quem salvar.

De maneira geral, uma diferença importante entre as medidas de agora e aquelas da primavera passada é que escolas e universidades continuam abertas. Outra é que desta vez é o inverno que está chegando, com as inerentes condições adversas de atividades externas e de agitação contidas.

Acredita-se que estes confinamentos de agora serão menos efetivos do que os da primeira onda, quando as restrições foram mais fortes e as pessoas confinadas estavam menos cansadas e mais predispostas a precauções restritivas. Isto aumenta a necessidade de os governos fazerem o melhor para gerir a crise com menos danos inclusive emocionais e morais.

O aprendizado da primeira onda, novos instrumentos, como maior disponibilidade de testes rápidos e mais baratos, e novos tipos de tratamento reduzem o risco de severidade  da doença e oferecem novas oportunidades de profilaxia. E há principalmente a esperança da vacina. Tudo isso pode ajudar no moral das pessoas que se submetem aos contrangimentos deste tempo.

Fonte: TVI, The Economist e Euronews

LINK:

A fala do presidente de Portugal - https://tvi24.iol.pt/politica/06-11-2020/marcelo-rebelo-de-sousa-fala-em-estado-de-emrgencia-sem-confinamentos-compulsivos

 

ROTA LISBOA (9): Estados Unidos, acordo de Paris e mudanças climáticas

05 de Novembro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Clima: esperança depositada em Biden.

Os Estados Unidos não são uma ilha, principalmente quanto se trata da ameaça do aquecimento global, embora nos últimos quatro anos o presidente republicano Donald Trump tenha agido de forma isolacionista. Tanto que, em plena apuração dos votos das últimas eleições, o país formaliza o seu desvinculamento do Acordo Climático de Paris, cuja decisão fora tomada por Trump em 2017. 

Assim, a esperança de uma reversão desse retrocesso recai sobre o provável presidente eleito, o democrata Joe Biden. Ele prometeu tornar a América neutra em carbono em 2050, se eleito. Promessa que ganha significância, pois os Estados Unidos são o país que mais emite gases de efeito estufa per capita, e sua omissão compromete o movimento mundial contra as mudanças climáticas. A vitória no controle do aquecimento global depende das ações coordenadas de todos os países. 

Porém nem tudo foi perdido, graças à ação de estados-chave norte-americanos, que tentam utilizar a autonomia que possuem para fazer a sua parte. Um exemplo é a Califórnia, o maior estado do país, que tem “uma política nacional californiana para combater as alterações climáticas”, diz Thomas Pellerin-Carlin, diretor energético do Instituto Jaques-Delors, em entrevista à Euronews (04/11). “Portanto, ainda podemos continuar a trabalhar com os estados americanos – ou pelo menos com alguns, mesmo se os Estados Unidos se retirarem formalmente do acordo de Paris.”

Enquanto se aguarda a definição dos Estados Unidos, o novo primeiro-ministro do Japão, Suga Yoshihide, em seu primeiro discurso no parlamento no final de outubro, prometeu reduzir as emissões de gases poluentes para zero em 2050, avançando em relação ao seu antecessor, Abe Shinzo, segundo a revista The Economist (edição de 29/10). O Japão é a terceira maior economia mundial e o quinto maior poluidor, com relativamente baixo recorde na redução de emissões, em linha com o Reino Unido e a União Europeia e um pouco à frente da China, que em setembro prometeu zerar as emissões em 2060. 

De acordo com a revista britânica, no Japão, mais de 160 governos locais, representando 62% da população, já haviam prometido emissões zero em 2050. Muitas empresas-líderes, como Sony, Panasonic e Sumitomo Chemical, tem adotado ambiciosas metas de emissões. Mesmo a Keidanren, a poderosa federação das indústrias que é o bastião da indústria pesada, começou a falar sobre “descabonização”. “As indústrias de energia intensiva que opõem à mitigação climática tem se tornado uma minoria”, diz Kameyama Yasuko, do Instituto Nacional de Estudos Ambientais. 

O Japão não quer ficar atrás de países como a China e os Estados Unidos (caso vença Joe Biden), diz Sugiyama Masahiro da Universidade de Tóquio. “É algo vergonhoso para o Japão ficar atrasado em relação à China.” Muito menos resistir a um consenso global. 

O primeiro passo seria aumentar as metas para energia renovável. Atualmente, o governo estima que 22 a 24% da eletricidade virão das renováveis em 2030; 20 a 22% de nuclear; 26% de carvão; e 27% de gás natural. Mas a expectativa do Ministério da Economia, Comércio e Indústria é de que esta meta pode mudar, uma vez que a tendência é a política de clima se antecipar à política de energia.   

ROTA LISBOA (8): Pandemia, confinamento e vacinas

25 de Outubro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Autódromo Internacional do Algarve em dia de treino (foto: facebook de Rui Moreira).

Se a infantilidade política (ou politicagem?) não atrapalhar, os brasileiros poderão ter acesso à vacina contra a covid-19 antes dos europeus. 

Segundo a imprensa portuguesa, a Comissão Europeia (CE) contratou a compra de 300 milhões de doses da potencial vacina da AstraZeneca, que está em fase avançada de ensaios clínicos. O acordo foi assinado em nome dos 27 Estados-membros da UE. 

A CE também terá concluído negociações com a francesa Sanofi-GSK para a compra de 300 milhões de doses de uma vacina contra a covid-19, em nome dos Estados-membros, tão logo seja desenvolvida e aprovada.

Bruxelas ainda discute acordos semelhantes com outras fabricantes de vacinas, como a Johnson & Johnson (EUA), a GlaxoSmithKline (Reino Unido), a Moderna (EUA) e a CureVac (Alemanha). A vacina da norte-americana Moderna, chamada RNA-1273, está em fase bastante adiantada de ensaios clínicos.

Porém os mais otimistas acreditam que a disponibilização de vacinas para imunização dos europeus, independente de qual venha a ser a fabricante bem-sucedida, dificilmente ocorrerá antes da primavera (entre março e junho de 2021). 

Infecções disparam 

Enquanto a vacina não chega, os europeus preparam-se para um outono/inverno penoso. Espanha e França, por exemplo, ultrapassaram um milhão de contágios de covid-19, mas os próprios governos admitem que este número pode ser bem maior. Em toda a Europa, o número de infecções diárias bate recordes a cada dia. 

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, admite o número real de casos de covid-19 no seu país acima de três milhões, e avisa que o cenário vai ficar ainda mais sombrio. Tanto que já tem sobre a mesa a proposta de estado de emergência nacional. Aliás, a França acaba de aprovar o estado de emergência até 16 de fevereiro, com probabilidade de prolongamento porque a pandemia tende a se estender pelo menos até o próximo verão, segundo adverte o presidente Emmanuel Macron. Outros países, inclusive Portugal, já admitem esta possibilidade. 

Evidente que o entendimento entre as forças políticas facilita a travessia deste clima tempestuoso. Na sua última edição (24/10), a revista britânica The Economist observa que o caos político contribui para o agravamento da crise pandêmica na Espanha, que está entre os países mais duramente afetados pela segunda onda da pandemia. Isto é parcialmente porque o governo minoritário de esquerda e a oposição conservadora falham em acordar numa estratégia nacional. Somente algumas regiões estabeleceram efetivos sistemas de testagem-rastreamento-isolamento, e os índices de infecção variam descontroladamente.

Na Europa, o número de infecções diárias e de mortes aumenta dia a dia naquela que já é a segunda onda da pandemia. Com a diferença de que norte e leste europeus, bem comportados na primeira onda, estão sendo mais pressionados nesta nova fase.  Tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já alerta que muitas unidades de cuidados intensivos na Europa, inclusive no norte, vão chegar ao limite da sua capacidade nas próximas semanas.

O fato é que as medidas se tornam gradativamente mais restritivas, com redução de horário de funcionamento do comércio, recolhimento obrigatório à noite, obrigatoriedade do uso de máscaras nas ruas, restrição à circulação entre municípios (como a decretada para o período de finados em Portugal) e o temido confinamento, a partir do estado de emergência que respalda medidas medidas de exceção (restrições à circulação e a reuniões, por exemplo). Para quem esperava o fim dos estádios de futebol vazios, parece que as poucas experiências realizadas recentemente podem ser revertidas na medida em que a pandemia se agrava. 

A volta do confinamento (lockdown), regional ou nacionalmente, tende a agravar a situação econômica com a ampliação das falências no pequeno e médio comércios, aumento do número de desempregados, queda na receita dos governos e estresse do tecido social. Daí o crescente pipocar de manifestações de rua contra as medidas coercitivas, o que ironicamente contribui para agravar ainda mais o problema na medida em que promovem ajuntamentos de pessoas sem distanciamento físico e sem uso de máscaras. 

Na contra-mão, para além de festas sociais (como casamentos com dezenas de convidados flagrados aqui e ali), eventos de grande público como o prêmio de Fórmula 1 em Portugal são autorizados pelas autoridades de saúde. O treino deste sábado (24), na definição da primeira pole position do Autódromo Internacional do Algarve (AIA), já mereceu críticas como a do presidente da Câmara Municipal do Porto (equivalente a prefeito), Rui Moreira, em seu facebook. 

Para além da “falta de respeito” àqueles que estão a salvar vidas, diz Moreria, “o pior e o mais crítico é que muitas das pessoas que ali estão - e muitas sem máscara - vão ser elas próprias a agravar a sobrecarga (dos hospitais). A DGS (Direção Geral de Saúde) devia, por isso, ter cuidado. Não deixa mais de 1.500 pessoas estarem num estádio ao ar livre a ver futebol, não permite pequenos eventos organizados com todos os cuidados pelas autarquias, mas deixa que 27.500 pessoas estejam em cima umas das outras a ver F1. Estes paradoxos fazem com que os portugueses percam a confiança nas instituições. Numa altura em que essa confiança é crucial para que todos se sintam motivados e se empenhem.” 

Grávida de um morto

O Parlamento português acaba de aprovar a inseminação pós-morte, depois de uma iniciativa legislativa de cidadãos (ILC). Esta decisão foi motivada pela série de reportagens denominada “Amor sem fim”, da TVI, que foi ao ar há cerca de um ano. 

Foram quatro reportagens que mostraram a luta de uma mulher, Ângela Ferreira, para se engravidar do marido Hugo, já morto; e fizeram com que a procriação medicamente assistida (PMA) voltasse a debate na Assembleia da República. Pela nova lei, a mulher pode engravidar-se recorrendo ao material colhido e criopreservado num processo de PMA, interrompido pela morte do marido. 

Galiza e Atlântico 

Aquilo que seria curso natural e histórico acaba de ser confirmado pelo governo. A prioridade portuguesa para a rede ibérica de comboio (trem) de alta velocidade é a ligação atlântica Lisboa-Porto-Vigo, de acordo com a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, segundo o Jornal Econômico (23/10/2020). “A nossa prioridade não é a ligação entre Madrid e Lisboa porque de Madrid para Lisboa vamos de avião.” 

Ana Abrunhosa falou durante as II Jornadas Amizade, promovidas pela eurocidade Cerveira (Portugal)-Tomiño (Galiza). Ela disse que a prioridade portuguesa ficou “clara” quando o governo apresentou o Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030.

“A ligação de alta velocidade será a Norte, por Vilar Formoso, muito provavelmente. O que o Governo português não quer é que a solução seja imposta. Foi isso que transmitimos na cimeira ibérica, e isso é muito importante”, afirmou Ana Abrunhosa no painel intitulado “Europa Sem Fronteiras: o papel da cooperação transfronteiriça na consolidação do projeto europeu”.

O presidente da Junta da Galiza, Alberto Feijóo, reforçou que para a alta velocidade “o importante para Portugal e para a eurorregião é o Atlântico”. “Somos lugares atlânticos, somos lugares fundamentais para o Arco Atlântico. Temos de apostar, como europeus, no Atlântico. Compreendo que outra parte dos espanhóis tenha de apostar no Mediterrâneo, mas nós apostamos no Atlântico de forma clara”, reforçou.

ROTA LISBOA (7): Pandemia e liberdade

16 de Outubro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

O aplicativo da discórdia.

A decretação do estado de calamidade em Portugal, em meio à segunda onda antecipada da pandemia, gerou intensa polêmica. Entre as medidas propostas pelo governo do primeiro-ministro Antônio Costa, uma em especial está no meio do tiroteio: a obrigatoriedade do uso de máscaras na rua e do aplicativo “Stayaway Covid” em empresas, escolas, Forças Armadas e órgãos públicos.

A proposta de lei foi enviada para aprovação à Assembleia da República (equivalente ao nosso Congresso Nacional), e prevê multas de 100 a 500 euros para quem não cumprir a lei. O debate está instalado na sociedade: nas ruas, na imprensa, no parlamento. No centro da discussão estão o direito à privacidade e a inconstitucionalidade da proposta, considerada antidemocrática por parlamentares da maioria dos partidos.

Em relação ao uso de máscaras, há menos polêmica, apesar de que há dúvida quanto ao critério a ser utilizado para fiscalizar se a norma estará, ou não, sendo cumprida. Pela proposta, a máscara será obrigatória em caso de aglomeração de pessoas nas ruas. Vai ser um tal de põe e tira máscara que pode neutralizar parte da sua eficiência no combate ao vírus. Daí que a lei terá de definir claramente os critérios.

Quanto ao aplicativo (instrumento de saúde pública para rastrear possíveis infectados pelo vírus), a questão é mais complicada pois viola o direito individual à liberdade, tão caro na democracia. Imposição, só em estados autocráticos, advertem parlamentares e especialistas. Até agora, cerca de 1,7 milhão de pessoas descarregou, voluntariamente, o aplicativo de rastreio em seus celulares, de acordo com o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC).

O aplicativo Stayaway Covid tem tantas restrições de ordem técnica, para proteger os dados pessoais, que se tornou ineficaz, como mostram reportagens publicadas na imprensa. Doentes infectados e contatos de risco, entrevistados, disseram que não receberam qualquer alerta, médicos confirmaram que problemas técnicos os impedem de gerar códigos, sem falar de profissionais que resistem a alimentar a app. Aliás, os problemas técnicos com aplicativos também estão ocorrendo em outros países europeus.

A polêmica gira em torno da violação ao direito constitucional à liberdade. Como obrigar, por exemplo, que um cidadão entregue seu celular (telemóvel, em Portugal) a um policial para verificar se está instalado o aplicativo? Até o histórico Partido Comunista Português (PCP) questiona a proposta por este ponto de vista. Especialistas, defensores dos direitos digitais e cidadãos em geral consideram a ideia como uma agressão à privacidade. Para além do aspecto repressivo, o aplicativo exige a subscrição de um pacote de dados e a ativação do serviço de localização.

Qualquer que seja o resultado da votação na Assembleia da República, a proposta teve a virtude de promover o debate sobre a defesa dos valores democráticos. Tanto que o primeiro ministro português, Antônio Costa, ao comentar as reações, disse: “Eu odeio ser autoritário”, mas falou da necessidade de “alterar comportamentos”: “Senti muito claramente que era preciso haver um abanão na sociedade”. Chegou mesmo a concordar com o presidente da República de que o Natal deve ser repensado para evitar ajuntamento de familiares em tempo de pandemia. “Hoje dependemos terminantemente do comportamento das pessoas”, concluiu Costa. 

Novo confinamento?

O governo português está a tentar ao máximo evitar a adoção de novo confinamento. O primeiro-ministro Antônio Costa considerou que é melhor recorrer agora a medidas como utilização obrigatória de máscara e do aplicativo de rastreamento “do que estar daqui a uma semana ou daqui a um mês ou daqui a dois meses a ter que impor medidas muito mais restritivas”, como “não poder ir à rua, nem com máscara nem sem máscara”. Porém o risco real é de que as duas coisas possam acontecer, ou seja, uso obrigatório de máscara e, mediante o agravamento da situação, restrição à liberdade de movimento.

Uma pesquisa em quatro países europeus (Alemanha, Itália, França e Reuno Unido) mostra diferentes opiniões de residentes em relação à resposta dada à pandemia. A maioria de alemães e italianos aprova a atuação de seus governos, enquanto apenas um terço de franceses e britânicos se alinham com as estratégias seguidas. Nestes países, grande parte dos cidadãos apoiaria um novo confinamento, como o ocorrido na primeira onda da pandemia, com maior apoio entre os britânicos e alguma resistência entre os franceses. 

Mais detalhes desta pesquisa em: https://pt.euronews.com/2020/10/16/europeus-divididos-quanto-a-estrategia-de-combate-a-pandemia?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR0xh2hSj8UHeQlXLNPmVX408hSFo-QqtL58VaPP3NQSU3EyM_lYFJIUBYE#Echobox=1602834017

 

ROTA LISBOA (6): Pandemia e fronteiras

12 de Outubro de 2020, por José Venâncio de Resende 0

Trem ou comboio que liga Porto a Vigo na Galiza (foto: Atlântico Diário)

Apesar do recrudescimento da pandemia (aumento aos milhares no número de casos) na Europa em geral, e particularmente em Portugal e Espanha, os dois países ibéricos não pretendem fechar as fronteiras. Milhares de portugueses e espanhois atravessam a fronteira em vários pontos, todos os dias, principalmente para trabalhar e consumir.

O grande dilema europeu, frente à segunda onda da pandemia antes mesmo de chegar o inverno, está entre fechar tudo por algum tempo, sobretudo nas principais cidades, ou funcionar a meio gás (baixo movimento). O que traria menos custos para os agentes econômicos numa economia que funciona muito abaixo de suas potencialidades? Uma resposta difícil que muitas vezes coloca em lados opostos autoridades/especialistas em saúde e dirigentes políticos/entidades civis.

Na 31.ª Cimeira (Cúpula) Luso-Espanhola (em 10/10, na cidade de Guarda), os chefes dos governos de Portugal e Espanha, respectivamente Antônio Costa e Pedro Sánchez, foram incisivos contra a possibilidade de novo encerramento das fronteiras, sublinhando a necessidade de mais responsabilidade individual no combate ao novo coronavírus. O pano de fundo é justamente a visão de que a economia destes países não pode, de novo, parar totalmente.

Mas o encontro não se restringiu às restrições ocasionadas pela pandemia. Os dois países, em declaração conjunta, renovaram o compromisso de estreitar as relações, com o desenvolvimento de ligações ferroviárias e rodoviárias, e reafirmaram a sua aposta num transporte sustentável e multimodal que continue a aproximar os dois países integrantes do chamado Corredor Atlântico.

No radar está o “empenho em avançar na melhoria da ligação ferroviária entre o Porto e Vigo (Galiza), cujas obras de eletrificação já estão concluídas do lado espanhol. O projeto de eletrificação e modernização dos sistemas de sinalização e segurança deve ser concluído na sua totalidade em 2023, e parte do investimento (mais de 6,5 milhões de euros) será paga pela Europa (Rádio Vale do Minho, 19/11/2019).

A “quase” completa modernização da ferrovia, com financiamento estimado em 16 milhões de euros, permitirá a circulação de trens elétricos de última geração (do tipo Alvia) com a redução do tempo entre as duas cidades de mais de duas horas para uma hora e meia. Para além da modernização da linha férrea, o que se aspira mesmo é o resgate do projeto de alta velocidade ferroviária (AVE) entre Porto e Vigo, que encurtaria ainda mais o tempo para Santiago de Compostela, por exemplo.

Já o tão sonhado trem de alta velocidade entre as capitais Lisboa e Madri está no horizonte, de acordo com o primeiro-ministro português, Antônio Costa. Quanto à alta velocidade, é seguro que Portugal não ficará de fora da rede ibérica da alta velocidade, disse. Mas no momento próprio, acrescentou o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez. A questão está em como conseguir os recursos necessários para um investimento deste porte.

Sonho de fusão

A aposta numa estratégia ibérica coordenada entre Portugal e Espanha (Iberolux) – modelo semelhante ao que existe entre Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo (Benelux) - é defendida por Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto (Observador, 05/02/2020). Mas há gente que vai mais longe, defendendo simplesmente a fusão entre os dois países. 

Além da resistência natural, com base na visão tradicional de estado-nação, há especialistas que consideram que a Espanha, na verdade, é um estado formado por um conjunto de nações, o que explicaria a força dos movimentos independentistas em várias províncias. Assim, numa eventual fusão, Portugal passaria a ser mais uma entre estas nações espanholas.

Eu, particularmente, acharia mais viável, e emocionante, a fusão de Portugal e Galiza, cujas afinidades culturais e linguísticas permitiriam a existência de um estado-nação alargado e autêntico. As línguas portuguesa e galega surgiram do galego-português falado durante a Idade Média nestas duas regiões; a proximidade entre Portugal e Galiza é visível. A probabilidade de um estado-nação ampliado seria muito maior. 

Uma questão para lá de polêmica e incômoda!