Causos & Cousas

Ah! Por enquanto, tô remediado de muié

12 de Setembro de 2009, por Rosalvo Pinto 0

Nossa língua nos surpreende a cada dia e nos revela coisas curiosas. Mais que curiosas, coisas de uma força expressiva incrível. Basta prestar atenção nas falas das pessoas.

Um pequeno passeio pela linguagem de nossa cidade pode nos revelar algumas curiosas expressões, entre centenas de outras. São expressões que podem ocorrer também na linguagem de outras cidades, regiões ou mesmo de outros países. É claro, o ser humano está sempre em constante atividade. E cada ação do dia-a-dia, marcada por uma intencionalidade, é expressa linguisticamente de maneiras variadas, geralmente metafóricas. O gostinho especial é que, muitas vezes, são essas expressões que constroem o humor - ou a “graça” -, de muitos de nossos causos. São expressões da sabedoria popular, de uma certa ética ou moral do bom senso, ou mesmo do espírito gozador de nossa cultura.

Nesses últimos anos venho pesquisando, anotando e tentando interpretar essas expressões, conhecidas por “expressões populares”. Minha coleção já passa das duas mil. É claro que, para mim, as ouvidas e registradas em Resende Costa têm um sabor todo especial. Muitas dessas expressões têm um mesmo objetivo comunicativo, mas mostram diferenças de lugar para lugar. É o caso, por exemplo, de uma expressão que fecha com humor um causo rolado por aqui há muitos anos: “Cuia que leva pimenta, nunca mais perde o ardume”, que encontrei com outra versão parecida, bisbilhotando alguma coisa pela internet: “Cabaça que leva leite, nunca mais deixa a catinga”.

Perambulando pela cidade e pela zona rural, a gente ouve coisas curiosas. Muitas delas, parece, já em extinção. “Tinha um colosso de gente na Festa do Campo”: veja-se o uso curioso do termo “colosso”, para indicar quantidade. “Aquele churrasco foi uma beleza: comemos à riviria”, ainda há gente que fala assim. Nunca consegui saber de onde saiu esse termo “riviria”, que nem sei como deve ser escrito, se “riviria” ou “reveria”. Não tenho muita certeza, mas acho que também se usava a forma “bisuria”, ou “bizurria”, não sei.

Mas é na zona rural que a gente ouve expressões mais antigas, ainda conservadas. “Fulano falou isso, meio pros rumo(s)”. Às vezes somos surpreendidos com um convite para almoçar: “vamos quebrar o torto”? Discutem os culinaristas ou as cozinheiras: “couve boa tem que tá lumiano na gordura!” Recomenda-se que devemos ter cuidado ao falar as coisas, para não “montar num porco”. “Fulano tá sartando feito burro sem cangaia” (fulano está saltando feito burro sem cangalha), é o que se ouve dizer de alguém que, longe da mulher, noiva ou namorada, está aprontando por aí. Mas se esse alguém for uma mulher ... “tá numa galinhage (galinhagem) danada...”

De vez em quando alguém, preocupado, comenta: “acho que fulano ficou cavaqueado comigo”. Esse “cavaqueado”, que se ouve falar “cavaquiado”, finalmente eu encontrei no dicionário do Aurélio. Ouvia-se muito na Resende Costa de antigamente. Quando alguém está atormentado por algum desejo ... “eu tô qui num posso!” Muito curioso também o uso, normalmente contínuo em uma conversa, sobretudo na zona rural, do “pronto, cabo”: “Não vou dizer mais nada, pronto, cabô (“pronto, acabou”).

“Coitado do fulano, que Deus o tenha, mas que ele num era boa bisca, isso num era não”! “É, mas quando chegou a hora do pega-prá-capá, ele afinô”. Diante de uma dificuldade, coisa mais comum na vida de todo mundo (olhem só como é curioso esse “todo mundo”, no sentido de “todas as pessoas!), as línguas criam as mais variadas expressões. Enquanto o francês, por exemplo, diz: “on s’arrange comme on peut” (a gente se arruma como pode), o povo aí costuma dizer, muito mais saborosamente: “pra cada pezinho torto tem sempre uma chinelinha cambeta”. Pra tudo se dá um jeito! Não é legal? E falando em “todo mundo”, no sentido de “todas as pessoas”, é bom lembrar o “toda vida”, no sentido de marcar uma distância bem longe: “Onde fica a farmácia? – É fácil, você vai andando nessa rua toda vida e, lá na frente, vira à direita”.

A expressão lá do título ainda se ouve aí por nossas roças: “purinquanto tô remediado di muié”. Vou ficando por aqui. Ainda tenho que passar lá no fulano “pra fazê uma fezinha”. Pronto, cabô!

Sabor das Vertentes

16 de Agosto de 2009, por Rosalvo Pinto 1

Deixo de lado os “causos” e, desta vez, vou dar uma de gourmet ou de culinarista. Estou criando e vou passar para meus leitores uma receita curiosa e, presumivelmente, gostosa. Trata-se de um prato exótico, o “Sabor das Vertentes”. De sabor único e inconfundível, é o “filezinho de sapo ao molho de gabiroba, com farofa de tatu e repolho gratinado com queijo“. Após ir à mesa, apesar de seu aroma abundante e convidativo, não é preciso se preocupar com os mosquitos ou outros bichinhos, pois as lagartixas que andam por aí se incumbem de comê-los. Para a sobremesa, “café com biscoito doce” mas, caso você abuse, tenha por perto sempre um penico, pois nunca se sabe...

“Lagartixas” ou “largatixas”, pouco importa, é assim que somos conhecidos na região do Campo das Vertentes. Talvez seja o apelido coletivo mais metaforicamente apropriado para os seres humanos que subimos e descemos sem parar nossas lajes. Apelido perfeito, apropriado, dispensa explicações. Nossas lajes são grandiosas e bonitas. Daí a inveja dos vizinhos, que nos aplicaram o apelido. Mas o tiro saiu pela culatra: o apelido nos dá orgulho. Somos lagartixas, e com muita honra!

Lá de cima das nossas lajes olhamos à esquerda, com desdém, para as bandas de São João del-Rei. Lá moram os “queijeiros”, nossos vizinhos da São João dos-Queijos. Se por acaso foram eles que nos chamaram de lagartixas, bem feito pra eles, não escaparam de um apelido. São João dos-Queijos, mas com todo o respeito, é a grande e charmosa São João del-Rei. Afinal, nós, por enquanto, ainda somos aquela cidade “perto de São João del-Rei” ...

Onde você mora? – Lá pras bandas do Mosquito, ouvia-se antigamente. À esquerda da terra dos queijeiros, muito “cundida”, pequenina como um mosquito, está a terra dos “mosquitos”. Isso mesmo. Quem nasce em Coronel Xavier Chaves (antiga Coroas) é mosquito. Lá até o riacho que corta a cidade é Mosquito. Seu nome remonta ao século 18, talvez ao 17. Depois o nome passou para uma antiga fazenda, a partir da qual surgiu o povoado. De Mosquito o povoado virou São Francisco. De São Francisco, passou a Coroas. Tornou-se município com o nome de Cel. Xavier Chaves. Vai gostar de mudar de nome! Na emancipação, que coincidiu com a época da “Jovem Guarda”, logo surgiu o sugestivo apelido: Cel. chá-chá-chá, o nome de um dos ritmos típicos daqueles tempos. Nossos vizinhos torceram o nariz, mas ... o antigo apelido de mosquito ficou, pelo menos para os mais velhos.

Virando o olhar um pouco para a direita de São João dos-Queijos, logo ali atrás da serra moram os “gabirobas”. A frutinha é uma delícia e o apelido, até engraçado. A gabiroba (guabiroba ou guavira) é uma fruta em extinção, pelo menos em nossa região. Os gabirobas de Ritápolis (antiga Santa Rita do Rio Abaixo) devem ter acabado com elas. De tanto comer gabirobas, sobrou para eles apenas o apelido. E olha que gabiroba significa, na língua guarani, “árvore de casca amarga”, sei lá ...

Virando-se para oeste, lá está a majestosa serra de São José, também conhecida como serra de Tiradentes. Ela é a confidente e guardiã de muitas histórias que rolaram de seus dois lados. Do lado de cá está o “piniquinho (peniquinho) de Minas”. Do lado de lá estão os comedores de “tatu com repolho”. Na ponta onde ela termina, conhecida nos anos setecentos como “Ponta do Morro”, está o famoso “Bichinho” (atual Vitoriano Veloso, nome do único inconfidente negro e escravo, ali nascido). Pois bem, o Bichinho está apertado entre seus dois vizinhos: a simpática Prados, dos belos e vetustos casarões, o “Piniquinho de Minas” e a charmosa Tiradentes, o “Tatu com repolho”. Piniquinho de Minas, um apelido até carinhoso, porque foi plantada num grande buraco, espremida entre montanhas e Tatu com repolho, por ser o prato preferido dos habitantes de sua cidade.

Bem, os “sapos”, todo mundo sabe quem são e onde moram. Logo ali, do outro lado do morro que circunda a cidade dos lagartixas. Quem não se lembra da antiga cantiga: “O sapo não lava o pé – não lava porque não qué (quer) – ele mora lá na lagoa – não lava o pé porque não qué”? Só que a lagoa deles é chique, é dourada e os sapos de lá são os ancestrais importantes de muita gente por esse Brasil afora, os famosos “resendes” ou “rezendes”, ou melhor, os “reszendes”, para evitar confusões.

Quem ainda não pôde ir a São Tiago de Compostela, console-se indo a São Tiago, ou “São Tiágua”, (como diz o povo da roça), nosso outro vizinho das Vertentes. Peregrinando até São Tiago, os “café com biscoito” vão receber você muito bem e você vai se cansar de tanto café com biscoito que vão lhe oferecer. É a marca da cortesia deles e vale a pena provar.

Esse é o prato dos sugestivos e folclóricos apelidos, marca da saudável rivalidade e da gostosa convivência do nosso povo no Campo das Vertentes. Prato que contém a cultura e os costumes típicos de uma região rica em histórias e em tradições gastronômicas.

Santa e indesejada companhia ...

13 de Julho de 2009, por Rosalvo Pinto 0

Era naquele tempo em que o tempo gostosamente não passava. Sobretudo por lá na nossa Resende Costa, no topo de suas lajes, isolada do mundo. Fins dos anos quarenta e início dos cinquenta. Habitava a Casa Paroquial, até então uma fortaleza inexpugnável, uma dupla da pesada: Pe. Nélson e Pe. Adelmo. Dupla do contraste: a seriedade, o rigor, a sisudez do primeiro, uns dez anos de sacerdócio a mais, e a jovialidade e o dinamismo do segundo, recém ordenado e chegado. Para desespero do primeiro, a casa paroquial passou a ser escancarada para a meninada. Nunca se soube que alguém tenha ousado entrar no quarto do primeiro, mas o quarto do segundo, um que dava para a rua, virou casa-da-mãe-joana. Meninos e meninas entrando e saindo, algazarras, barulho. O inimaginável: até na sala de jantar, lá nos fundos, era possível ver coroinhas e cruzados rodeando a mesa, ganhando biscoitos e tomando café. No princípio, todos desconfiados, de olho no chefe da casa. Depois, a meninada já se sentia em casa.

O novo ocupante da casa trouxe ainda outro problema: as visitas de parentes. Seu Leôncio, seu pai, volta e meia botava seu velho fordinho-bigode preto na estrada e vinha de Prados visitar o filho. Não demorou a aparecer um problema mais complicado para o guardião da fortaleza.

Entre as visitas, num daqueles dias de inverno bravo, tinha vindo uma jovem moça. Por alguma razão, os visitantes tiveram que pernoitar na cidade. E agora? O problema era onde colocar a moça. Como imaginar uma mocinha, no esplendor de sua donzelice, perambulando à noite pelo severo corredor que levava da sala central à sala de jantar e ao banheiro, lá no fundo? Havia um quarto de hóspedes e um ao lado. Mas esse outro já tinha um inquilino importante, fixo, que não iria sair dali. Vestido de roxo, ajoelhado, com uma enorme e pesada cruz preta nos ombros, uma aterrorizante coroa de espinhos, o sangue escorrendo pelo rosto ... Era nada mais nada menos que o Senhor dos Passos. Colocar uma mocinha ali, para dormir junto com ele? Não seria uma profanação, um sacrilégio, um pecado, remoía-se preocupado o Pe. Nélson. Seja lá o que Deus e o severíssimo arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, quiserem, pensou. Não tinha outro jeito. Era hora de dormir e foi justamente para lá que ele foi levando a mocinha.

Resende Costa daquele tempo tinha uma energia elétrica precária. A “Usina do Azevedo”, entre Coroas e São João del-Rei, fornecia uma minguada corrente elétrica que mal acendia algumas poucas lâmpadas, que mais pareciam brasinhas dependuradas nos pendentes. Isso, quando fornecia, sem se falar que, lá pelas dez da noite, o Zé Piluço (Sr. José Peluzi) passava pela “distribuidora”, logo ali ao lado da casa paroquial, e desligava a energia da cidade. Depois desse horário, só mesmo lamparinas de querosene ou as tradicionais “velas de esparmacete”, que me lembro de ouvir meu pai chamar de “vela espramassete”. O friozinho cortante daquela noite e a penumbra do comprido corredor já prenunciavam um certo clima de terror. Pe. Nelson e sua problemática visita já iam chegando ao tal quarto.

Mas quando o anfitrião abriu a porta, acendeu a brasinha e, na penumbra, a mocinha enxergou um vulto estranho, imenso e inerte, um calafrio percorreu suas veias. Não teve nem tempo de se refazer do susto: este é o seu quarto e sua cama está arrumada ali, ele falou, indicando uma cama de frente para o estranho vulto. Inicialmente, a mocinha titubeou, mas não podia falar nada. Além de visita, quem ousaria enfrentar o Pe. Nélson? Foi o que pensou, num segundo. Deu um passo à frente. Ele despediu-se, puxou a porta e se foi. A mocinha simplesmente estacou. Virou uma estátua, perplexa, diante da outra. De repente, aterrorizada, pulou na cama e se escondeu debaixo dos cobertores.

Algum tempo depois, refeita do susto inicial, mas ainda suando frio, arriscou-se a dar uma furtiva olhada. Levantou vagarosamente um cantinho do cobertor e, horror, lá continuava ele, impassível, encarando-a com sua expressão de dor e de morte. A imensa cruz negra, a roupa toda roxa, a única coisa que mal enxergava era uma rosto todo escorrido de sangue. Puxou rapidamente o cobertor. Lutou bravamente contra tudo: a escuridão, o medo, o sono, os pesadelos. Simplesmente não dormiu naquela noite. Noite de terror, com aquela companhia santa e indesejável!

A mocinha-protagonista dessa história foi a Rosa Maria da Silva Campos, Sra. Rosa Maria Campos Batista, depois de casada. Ela é sobrinha do Pe. Adelmo, filha de sua irmã Maria Stella da Silva Campos e avó da Júlia Batista Castilho de Avellar, minha brilhante aluna no programa de Iniciação Científica na Faculdade de Letras da UFMG. Dias desses, falando que eu era de Resende Costa, a Júlia me disse que tinha ligações com a vizinha cidade de Prados. Com poucos minutos de conversa, fiquei sabendo de suas ligações com o Pe. Adelmo. Agradeço a ela os contactos com a Da. Rosa, sua avó, e a curiosa história para a escritura deste texto.

Resende Costa: terra de sacerdotes

13 de Junho de 2009, por Rosalvo Pinto 0

Em um dos meus primeiros textos para esta coluna, sob o título de “Lajes letradas”, eu comentava um fato interessante sobre nossa cidade. Era a constatação, no mínimo curiosa, de que uma cidade pequena como a nossa pudesse ter tantos pós-graduados em linguística, entre mestres e doutores. Eu dizia, então, - como gosto de dizê-lo até hoje -, que Resende Costa seria a cidade brasileira com o maior número de linguistas por metro quadrado. E dizer que, de lá para cá, já apareceram outros mais ...

Bem, lembro-me hoje de que, além de linguistas, nossa cidade pode se orgulhar também de ter produzido, se é que se pode usar esse termo, muitos sacerdotes. A lista seria grande e não vou colocá-la aqui. Pelos meus cálculos, seriam de 30 a 34 nomes, num período que poderia ser compreendido entre 1920 até o presente, ou seja, uns 90 anos. O que de imediato significa dizer que, em média, a cada três anos um resende-costense se ordenou padre. Trata-se de um número significativo, considerando-se que o período de formação de um sacerdote é relativamente longo, entre 10 e 15 anos, dependendo do tipo da formação ou da função que lhe é atribuída.

Há duas categorias de sacerdotes na organização da Igreja Católica. Uma de sacerdotes que são destinados ao trabalho pastoral em paróquias, no âmbito de uma diocese. São os chamados “padres diocesanos”, também conhecidos mais antigamente por “padres seculares”. A outra categoria compreende os sacerdotes que são engajados em uma ordem religiosa, vivendo necessariamente em comunidades. São por isso conhecidos como “padres religiosos” e se diferenciam em função da atividade exercida por cada uma das inúmeras ordens religiosas. São muitas no mundo, tal como as ordens religiosas femininas. Essas são ainda muito mais numerosas, a tal ponto que se costuma brincar dizendo que nem o Padre Eterno, com toda sua omnisciência, dá conta de saber quantas seriam essas ordens com suas inumeráveis freiras.

No caso de Resende Costa, há um equilíbrio nessa divisão. Na minha lista aparecem uns 15 ou 16 padres diocesanos e uns 16 ou 17 religiosos. Presumo que os religiosos se dividem em 10 salesianos (Sociedade de São Francisco de Sales, fundada por São João Bosco), 4 camilianos (congregação fundada por São Camilo de Lelis), um lazarista (da Congregação da Missão, também conhecidos como Padres Vicentinos) e um redentorista (congregação fundada por Santo Afonso de Ligório). O número maior dos salesianos talvez seja devido à proximidade da obra salesiana em São João del-Rei, a partir da década de 40, cujo seminário menor acolheu, nas décadas seguintes, um elevado número de seminaristas “lagartixas”. Os candidatos à ordem camiliana eram arrebanhados, antigamente, pelo famoso Pe. João Martelo, que levava a meninada para seus seminários de São Paulo e Santa Catarina.

Dos mais antigos da lista dos padres seriam o Cônego Cardoso, que foi pároco na cidade, o Pe. Pedro Pinto, da família dos Iaiano, que faleceu vítima de acidente automobilístico em Perdões, onde era pároco, no final da década de 30, bem como o Pe. Sílvio Chaves, filho mais velho do Sr. Osório Chaves, que foi pároco por muitos anos em Santa Rita do Rio Abaixo, atual Ritápolis. Lembro-me bem de que os coroinhas de meu tempo brigavam para ajudar a Missa do Pe. Sílvio, quando de suas passagens pela cidade: ao final saía sempre uma preciosa e esperada moeda de um cruzeiro!

Acho que o único representante da Congregação dos lazaristas é o Pe. Antenor Resende, ainda entre nós. Outros padres resende-costenses são pouco conhecidos, sobretudo entre os religiosos, pelo fato de suas famílias terem se mudado da cidade. São os casos, por exemplo, do Pe. Newton Resende Costa, salesiano, já falecido, sobrinho do Sr. Quinzinho (Joaquim Pinto de Góes e Lara) e do Pe. Francisco Ribeiro da Silva, lá das bandas da Boa Vista, tio da Meirinha do Dr. Luiz, conhecido entre os salesianos como “Chico Mineiro”. O mais antigo entre os padres diocesanos é atualmente o Pe. José Hugo de Resende Maia, assinante e leitor assíduo do JL. Mais recentemente nos deixou seu colega de ordenação sacerdotal, o Pe. Antônio das Mercês Gomes (o Pe. Antônio da Zélia), que dedicou-se por longos anos à pregação das suas “Jornadas Cristãs”, conhecidas em Minas Gerais e em outros estados.

Os padres salesianos resende-costenses mais antigos e mais conhecidos são o Pe. Josué Francisco da Natividade, também leitor assíduo do nosso jornal, o Pe. Francisco David Resende, o Pe. Ézio de Melo Daher, já falecido e o Pe. Diniz José da Silva, mais recentemente falecido, sempre presente em nossas Semanas Santas.

À vista de tantos padres, talvez eu deva refazer a frase do texto “Lajes letradas”, acima citado, mudando-a para “Resende Costa é a cidade que tem o maior número de padres e de linguistas por metro quadrado”. Era o meu destino: não cheguei a ser padre, mas virei linguista, e com muita honra!

Lupus lupo homo

16 de Maio de 2009, por Rosalvo Pinto 0

Dias atrás, os lobos, hoje também organizados e globalizados, resolveram convocar uma assembléia extraordinária da OLU, a Organização dos Lobos Unidos. Desde muito tempo a nação loba se sentia incomodada com a péssima imagem que eles têm diante dos demais animais e, sobretudo, diante dos humanos. Entre os humanos os lobos têm fama de serem cruéis, violentos, ferozes. E pior ainda, quando os humanos pensam em lobos, automaticamente pensam em lobos maus. Até inventaram uma estorinha idiota, na qual um dos protagonistas, o malvadão da estória, que chega ao cúmulo de devorar uma vovozinha humana inteirinha, é um lobo mau, que nem nome tem. Outra grande mágoa que os lobos têm em relação aos humanos é que esses adotaram como amigos e levaram para dentro de suas casas o cão, do qual eles, lobos, são os ancestrais. Para culminar e para desespero da raça loba apareceu, lá pelos fins do século 16, um filósofo inglês chamado Thomas Hobbes. Este sim, acabou de vez com a autoestima dos lobos. Imaginem que, para dizer que também os homens costumam ser maus, ele simplesmente inventou uma frase na qual o nome “lobo”, em forma de adjetivo, encarna a própria idéia de maldade. A frase: “homo homini lupus”, o que significa “o homem é um lobo para o outro homem”. Ainda bem que ele escreveu isso em latim, devem pensar os lobos, assim, a grande maioria dos humanos não chega a entendê-la. O fato é que essa bendita frase está engasgada até hoje no imaginário da nação loba e a OLU ainda não conseguiu resolver esse problema. Daí a convocação da assembléia, para resolver de uma vez por todas a angustiante questão.

A sede da OLU é lá na Rússia, país onde eles predominam. Um único item na pauta da assembléia: a gravíssima questão da identidade dos lobos diante das nações humanas. Todos os discursos bateram numa única tecla: o odiado Hobbes, no fundo, tinha razão: os humanos estão se tornando cada vez mais maus. Mas, daí a dizer que o lobo seria o símbolo da maldade, é outra coisa, não dá para engolir. Era preciso provar ao mundo que os maus são os humanos, não os lobos. Assim, muitos discursos mostraram, com quadros e estatísticas horrorosas, que os homens inventaram uma coisa brutal chamada guerra, que se resume em carnificinas e mortandades de milhões e milhões de homens. Outros oradores mostraram que o lobo foi comparado com o mal, mas, na realidade, os homens são tão maus que quase acabaram, não só com a raça loba, mas com muitas outras. Outros argumentaram que os lobos comem, sim, outros animais e, se bobear, até mesmo homens. Fazemos isso não porque somos maus, argumentou o orador, mas porque estamos simplesmente obedecendo a leis fundamentais da organização do universo, tais como as leis da preservação das espécies e a da manutenção do equilíbrio ecológico. Nunca fizemos coisa alguma por maldade, finalizou. Outro orador lá da Ásia lembrou que o homem, de tão mau, inventou coisas como a escravidão e a vida em sociedades nas quais uns são ricos e poderosos, comem bem, enquanto outros morrem de fome. O representante de um país grande e famoso lembrou que lá os irmãos lobos foram tão caçados que quase desapareceram. E continuou: os humanos de lá sentem prazer em inventar guerras, invadem os países dos outros, acham que são donos do mundo e gostam de sair por aí matando sem dó nem piedade. Eles espalharam pelo planeta uma coisa chamada “filme”, na qual eles se matam entre si o tempo todo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fatos e argumentos foram se avolumando. O representante de um tal país chamado Brasil contou no seu discurso que lá tem até mãe que joga filha novinha, pela janela, só para matá-la, coisa que uma mãe-loba jamais faria. Lá também homens costumam estuprar mocinhas jovens, até meninas, para depois matá-las, decepando as suas mãos. Pura maldade, continuou. Eles se matam dia e noite por causa de uma bobagem que eles chamam de droga, quando não estão nas estradas matando-se uns aos outros com seus veículos. Lá também ...

Basta, cortou o lobo-presidente, horrorizado. Não é preciso relatar mais nada. Já está mais do que provado que os homens é que são os piores, os seres maus deste planeta. É incrível, mas eles estão até acabando com o próprio planeta. Além de maus, ignorantes, uivou um lobo da Europa. Eles vão é acabar com sua própria raça. O pior é que vai sobrar para nós, emendou, desolado, um velho lobo guará: onde vamos morar e o que vamos comer? Foram então votadas e aprovadas, por unanimidade, duas propostas: 1) encaminhar à Organização das Nações Humanas um documento de protesto contra a maldade dos homens, pois eles são maus conosco e, o que é pior, com seus próprios irmãos, se é que se pode dizer que eles têm irmãos ... e 2) exigir dos humanos a modificação imediata da frase do filósofo inglês, argumentando que, se ele estivesse vivo nos dias de hoje, com certeza sua frase, seria “lupus lupo homo”, ou seja, “o lobo é um homem para o outro lobo”. E com um uivo prolongado e agudo, de muita tristeza, o presidente decretou: está encerrada a assembléia!