Causos & Cousas

Paradoxo

16 de Novembro de 2008, por Rosalvo Pinto 0

Nesta edição, não resisti. Deixo minha Resende Costa bem quietinha aí em cima da laje e vou para Belo Horizonte. Bem para o centro, naquela balbúrdia de barulho, bandeiras, e buzinas. E de gente disputando o espaço com os carros. Sim, gente, mas gente simples, gente a pé, gente humilde, como a gente da canção do Chico Buarque, do Vinicius e do Garoto. Porque gente rica e esnobe, quando passa por lá, só passa de carro.

Era uma segunda pela manhã e eu, de carro, tinha que necessariamente passar pela Av. Afonso Pena, indo para a UFMG. Vidros levantados, portas travadas, ar condicionado ligado, parei num sinal. De olho naquela multidão de gente que atravessava apressada a avenida, procurava adivinhar no semblante de cada transeunte um possível assaltante. Abriu o sinal e um dos tradicionais apressadinhos buzinou lá bem atrás, como se tivéssemos que passar por cima dos outros carros para dar caminho pra ele. Ao arrancar, avistei um monstrengo enorme, algo indefinido, arrastando-se mais adiante, na primeira faixa ao lado do canteiro central. Tive que dar sinal e virar um pouco à direita, para evitar aquilo. Novas buzinas de protesto. Sinal fechado mais à frente, eu parei ao lado do monstro. E tive um tempinho para me fixar nele.

Era uma enorme montanha de papelão, papéis e outras traquitanas, movendo-se vagarosamente sobre duas rodinhas de madeira, circuladas por duas tiras de borracha. Dois sarrafos projetados para frente e, entre eles, um negro alto e magro, tentando subjugá-lo para baixo, para que ele não empinasse para trás. De tão alto, dava medo de ficar ao seu lado ou logo atrás. Sandália de dedo surrada, calça suja e mal enjambrada, sua camisa era apenas uma vaporosa camada de suor. Voltei os olhos para dentro do carro. Confortavelmente assentado, ar condicionado, roupa e tênis novos, dinheiro no bolso, livros, um CD despejando um concerto para fagote e orquestra, de Mozart. Que contraste, me dei conta, arrancando ao verde do sinal. Não sem antes ouvir, do carro de trás, uma buzinada raivosa e um palavrão do motorista para o negro que lhe atrapalhava o caminho. Mas essa avenida, pensei, não seria de todos? Se os ricos, indo para seu trabalho, podem entupi-la com seus confortáveis carrões, por que o negro não pode, para ganhar alguns míseros reais, arrastar com enorme esforço aquela geringonça? Afinal, é ali mesmo, na rua, o local do seu trabalho.

Paradoxos da vida, continuei pensando. Inexplicáveis? Aí veio em meu socorro o Guimarães Rosa: Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens? Isso mesmo. Todo animal inspira ternura, ainda que ele estraçalhe suas presas para se alimentar. Ele apenas segue os instintos de sobrevivência da espécie, sem ódio, sem palavrões, sem preconceitos. O ser humano, consciente e inteligente, não. Ele mata por ódio, ele despreza e discrimina seus semelhantes. O rico, quando sai à rua de carro, sente-se poderoso, vê em cada outro um inimigo, vira animal irracional, mas daqueles sem nenhuma ternura. Lembrei-me, então, de que muita gente e muitas religiões se enraiveceram com o filósofo inglês Thomas Hobbes, simplesmente porque ele proclamou a mais evidente das verdades: homo homini lupus, o homem é o lobo do homem.

Do Guimarães Rosa passei para o Hobbes e, me afastando do monstro, pulei para o Evangelho. No retrovisor, perseguia-me a imagem chocante do negro suarento, magro, maltrapilho. Puxando, impassível e sem nenhum medo dos carros, uma montanha de papel. Eu já chegando tranqüilo na universidade e ele, talvez, ainda recebendo buzinadas e xingatórios pela Afonso Pena afora. Pela simples razão, coitado, de que estava ali trabalhando para apenas sobreviver.

Narra o evangelista João que Jesus foi a uma festa na casa de Lázaro e de sua irmã Maria. Num dado momento, Maria tomou um óleo perfumado, de grande valor e com ele ungiu os pés de Jesus, enxugando-os a seguir com seus cabelos. Judas Iscariotes recriminou a cena, dizendo que teria sido melhor vender o ungüento e distribuir o dinheiro aos pobres. Foi quando Jesus pronunciou a famosa frase: Pobres sempre os tereis, mas a mim nem sempre me tereis (12,8). Pois é. Essa frase sempre esteve atravessada na minha cabeça, sobretudo quando vejo cenas como aquela do negro da avenida. Os exegetas (intérpretes da Bíblia) costumam fazer alguns malabarismos para explicar ou justificar essa frase. Teria o Cristo dito uma coisa e João, muitos anos depois, escrito outra? Seja lá o que for, o relato evangélico confirma que naquele tempo já havia pobres e ricos. Se o mesmo Evangelho diz que somos todos filhos de Deus, como entender cenas como aquela? Aquela e milhões de outras, de gente arrastando a duras penas o monstrengo de sua pobreza e miséria por este mundo afora? Ao seu lado, a riqueza, o conforto, o desperdício, o cinismo, a esnobação, a humilhação dos filhos ricos de Deus. Paradoxo inexplicável? Acho que não. E termino com o Chico: “Eu que não creio, peço a Deus por minha gente, é gente humilde, que vontade de chorar”.

Só mesmo em Resende Costa...

11 de Outubro de 2008, por Rosalvo Pinto 0

Naquela manhã de sábado a moça acordou cedo, toda preocupada. Nem tinha conseguido dormir direito. Afinal, chegara o dia de tirar a tão sonhada e esperada carteira de motorista. Curso, prova de legislação, tudo fora superado. E com brilho. Mas só de pensar no exame de rua, ela sentia escorrer um friozinho insistente espinha abaixo. E se perdesse a calma e desse uma mancada? Lembrou-se, para aumentar seu tormento, daquela conversinha chata de muita gente: é difícil, pra não dizer impossível, passar da primeira vez. Seja lá o que Deus quiser, pensou ela, se aprontando. E partiu para o inesperado.

Parecia uma eternidade, mas até que enfim chegou a sua vez. Entrou meio ressabiada no carro. Nem sequer arriscou uma olhada no examinador à sua direita. Vamos, disse ele secamente, dê na partida e arranque, seguindo em frente. Tudo certinho, sem arranco, seta ligada, lá se foi ela. Aos poucos foi desaparecendo o medo, tudo estava dando certo. Foi subindo a Praça Rosinha Penido, pela esquerda, bem em frente à Escola Estadual Assis Resende.

Entrando na Praça Cônego Cardoso, ela tinha que contorná-la pela esquerda, passando em frente ao hospital. De frente para a casa do Inconfidente, ela virou à direita, chegando bem ao lado da casa do Savinho da Iaiá. Naquele exato instante, ela ouviu uma ordem firme: contorna a praça e pára perto do capacete, lá do outro lado. Um pequeno susto, mas deu pra se recuperar e olhar o outro lado da praça, à sua direita. Conseguiu ver o capacete. Até aqui tudo tranqüilo, ainda deu pra pensar. Subindo um pouco mais, virou à direita bem em frente ao portão da Matriz e continuou já virando à direita novamente. Nem se esqueceu da famosa setinha. Tudo bem, pensou. Mas poucos metros adiante, ela não ouviu mais uma ordem, mas um grito: pára! Páááára!

Foi um susto só. Uma brecada violenta no freio e... se não fosse o cinto de segurança, o examinador teria quebrado a cara no pára-brisa. Ainda sobrou um segundinho pra ela pensar, desolada: mas o que fiz de errado? Não vai dar, perdi, levei ferro... Custou ouvir o examinador: eu não te disse para parar perto do capacete? O cone, desses cones laranja-brancos sinalizadores de rua, com um capacete sobre sua ponta, tinha ficado para trás. Ela ainda teve força e coragem para apenas balbuciar: foi, mas o capacete está lá adiante! E ainda sobrou uma mão meio trêmula para apontar na direção do Dudu do Orozimbo, de pé, alguns metros abaixo, perto da casa paroquial.

Agora era o examinador que não entendia mais nada do que estava acontecendo. Que capacete, que eu não estou vendo? Olha ele lá, aquele rapaz, aquele em pé na calçada, ainda teve forças para argumentar. É ele, ele é que é o Capacete. Só lhe faltou naquele momento de nervosismo a proeza de até pronunciar o nome com “c” maiúsculo. Nesse momento caiu a ficha para o examinador. Ainda intrigado, achando que se tratava de uma brincadeira, alguma gozação, ele saiu do carro e chamou o rapaz. Você que é o Capacete? Ainda meio desconfiado, ele perguntou a duas outras pessoas que estavam por ali. Todos confirmaram. Era ele mesmo. Em carne e osso. E ainda por cima, sem capacete!

A moça estava lá, sem coragem de sair do carro. Naquele momento de angústia, caladinha, já esperava pelo pior. Ele entrou novamente no veículo. Com o rabo do olho ela ainda o viu pegar a prancheta e rabiscar algumas coisas. Rabiscos ininteligíveis, na certa uma condenação assinada, segundos que pareciam horas. Mesmo assim, já resignada, ela ainda tentou agüentar a barra para ouvir o veredicto final: moça, pode sair, você está aprovada!

Cousas como essa, só mesmo em Resende Costa!

O sonho das Olimpíadas

08 de Setembro de 2008, por Rosalvo Pinto 0

Tudo passa, a vida continua, o tempo é inexorável, a vida é assim ... São das frases mais surradas entre todas as que expressam as ações humanas. Acabaram as Olimpíadas e nós, brasileiros, estamos agora de olho em outras ações: as eleições, o petróleo do pré-sal, os grampos e outras mazelas, o campeonato brasileiro. E o ano de 2008 vai chegando ao fim e, com ele, o nosso Jornal das Lajes vai fechando o seu sexto ano de atividades.

Foi-se a Olimpíada de 2008. Precedida por anos de sonhos e encerrada com alegrias de uns e tristezas de outros. Por quinze dias, bilhões de olhos estiveram pregados na TV. O mundo parou, curioso, para conhecer um pouco mais da gigantesca China. E curvou-se diante de sua capacidade de planejar e realizar o maior evento esportivo do planeta. E ela, ainda por cima, saiu carregada de medalhas. Mas a dura verdade é que Pequim se transformou num imenso e reluzente tapetão, sob o qual se procurou esconder do mundo a tristeza e a miséria de milhões de chineses de seu longínquo e sofrido interior. Agora os sonhos se voltam para Londres, 2012 e para nós, brasileiros, 2016. Será?

Talvez seja mais um sonho, provavelmente impossível. Na verdade, as olimpíadas de 2008 foram para o Brasil, mais que uma Olimpíada, uma olim-piada de fracassos. Em Atenas, 2004, o Brasil suou para conseguir 10 medalhas (5 ouro, 2 prata e 3 bronze), ficando em 16º lugar. E com uma delegação ainda maior (mais burocratas do que atletas, coisa típica de Brasil), partiu para China como se fosse para arrebentar. E os ouros e as pratas esperados foram escapando dia-a-dia, restando míseras 15 medalhas (3 ouro, 4 prata e 8 bronze). E um modesto 23º. lugar no quadro geral de medalhas, perdendo para Jamaica, Quênia e Etiópia. Fracasso, é verdade, mas não dos nossos atletas. Eles pagaram caro por uma situação de que não são culpados e pela idéia arraigada entre nós de que o Brasil tem que ganhar tudo. Basta lembrarmos o caso do voleibol masculino.

Como sediar aqui uma Olimpíada, com um pífaro desempenho desses? É muita pretensão. Como daqui a 8 anos conseguir investir dura e maciçamente na formação de atletas, se sequer conseguimos alfabetizar nossas crianças e adultos? Se quisermos sediar um evento dessa magnitude, exibindo um desempenho melhor, será preciso um esforço hercúleo para investir na educação, em geral, e no esporte e atletismo, em particular. E dizer que estamos também sonhando com a copa do mundo de futebol em 2014. É muito sonho e muito dinheiro a ser gasto num país que precisa, antes de tudo, de erradicar a fome e a miséria de seus cidadãos.

Nosso Presidente partiu para Pequim como garoto-propaganda dessa idéia megalomaníaca. Algo tão mirabolante como se nós, resende-costenses, tivéssemos enviado também uma comitiva, liderada pelo Prefeito, para tentar trazer a olimpíada de 2016 para nossa cidade. Só torço para que o futuro me dê razão e para que os sonhados bilhões de reais sejam canalizados para ações mais significativas e urgentes no país. Senão, tal como os chineses, vamos ter que construir um imenso e caríssimo tapetão.

Enquanto isso não acontece, vamos sonhando com a idéia de trazer a Olimpíada para Resende Costa. Até que não daria muito trabalho e custaria muito pouco. Já imaginaram a inovação de uma maratona saindo de Jacarandira, passando pelo Cajuru e pelo povoado dos Pintos, subindo e descendo serra até chegar ao Parque do Campo, o nosso “Ninho do Pássaro”? Não seria qualquer jamaicano ou qualquer nigeriano que levaria a medalha de ouro. Na categoria do hipismo, com essa febre de cavalos e cavalgadas que anda por aqui, era só convocar o pessoal da Tropa do Riguinho e raparíamos todas as medalhas. Sem falar no futsal: se fosse incluído nos jogos olímpicos, nossos atletas seriam imbatíveis.

Brincadeiras à parte, o fracasso do Brasil nos jogos olímpicos da China deixa uma lição para nós resende-costenses. Somos aqui, em pequena escala, um reflexo da decadência do nosso país no desenvolvimento das atividades esportivas e de atletismo. Afora o sucesso anual do torneio de futsal de inverno, nada mais se vê por aqui. Por onde anda nosso antigo e glorioso “Expedicionários”? E o “Estádio dos Eucaliptos”, simplesmente largado aos cupins? O Ginásio Poliesportivo e as outras quadras construídas e em construção bem que poderiam abrigar atividades variadas, como o voleibol, o basquete, modalidades de atletismo e atividades artístico-esportivas. É uma pena. O vigor de nossa juventude está sendo canalizado apenas para festas, bebidas e para barulhentas baladas. Como no resto do país, o que acaba de ser, inegavelmente, confirmado dias atrás pelos resultados de Pequim.

Teatro em Resende Costa (2)

12 de Agosto de 2008, por Rosalvo Pinto 0

Mais uma pitadinha da história de Resende Costa, voltando ainda ao tema do teatro. A atividade teatral das décadas de 30 a 60 é de dar inveja aos resende-costenses de hoje. A memória organizada do primo Zé Nicodemos classifica a história do teatro em nossa terra em quatro etapas: a primeira, na década de 30, marcou o início da atividade teatral na cidade e foi liderada pelo Sô Agenor Gomes de Souza, avô do Agenorzinho Gomes. O Nicodemos se lembra ainda de alguns nomes de atores dessa época: O Zé Reis (da Donana do Zé Reis), o Chico de Barros, a Sianinha e o filho do Sô Agenor, o Totonho Gomes.

Na segunda etapa (1942 a 1948) o grupo teatral esteve sob a direção do Gentil Vale. Algumas das peças encenadas: O homem que casou duas vezes, do Oduvaldo Viana, um dos maiores teatrólogos do Brasil; Compra-se um marido, de José Wanderley, que produziu muitos trabalhos em parceria com o Mário Lago; Hotel dos Amores; Maria Cachucha, de Joracy Camargo; Os dois sargentos, peça que fez sucesso até em São João del Rei..

Essas peças eram levadas também a outras cidades da redondeza: Prados, Dores de Campos, Barbacena, Tiradentes etc. Uma noite, em Dores, lembra o nosso informante, foi preciso colocar polícia na porta, para conter as pessoas que não cabiam mais no recinto. Bons tempos em que era também comum a passagem por aqui de grupos teatrais, vindos de outras regiões do Brasil, como o “Clube Teatral Margarida Ester”, quando havia troca de experiências e de textos. Que legal!

Juntamente com as peças, foram desfilando pela cabeça do Zé Nicodemos os nomes dos atores: Zé Ramos, Quito Peluzi, Chiquinho da Maricota, Benedito Teixeira e sua mulher, a Tininha do Chora, Zizi Vale, o cômico Prudêncio Gomes, Totonho Gomes, Olga Rios, Elzi Lara, Da. Nonó, Nadir (a Nádia do Chora), a Marfisa do Alcides Mingote, a Tarcisa do Zé Noé e o nosso Nicodemos, claro. O “ponto”, figura indispensável nos teatros de antigamente, era sempre o Zé Soares.

Entre peças e nomes vêm à lembrança do nosso memorialista muitas curiosidades. O Chiquinho Maricota era filho da Sá Importa (Sra. Hipólita) e irmão do Nosso Senhor. Isso mesmo, o “Nosso Senhor da Importa”, apelido proveniente da exclamação da mãe, que gostava de se referir a ele dizendo: “Óia, gente, o Tonho é o nosso senhor!”. Na verdade, ele parecia mesmo com Jesus Cristo. Conta o Zé Nicodemos que o Chiquinho foi o ator principal da peça “Maria Cachucha”. Uns parentes do Dr. João Gaudêncio, vindos do Rio, onde já haviam assistido à peça, a viram de novo em Resende Costa. Ao final subiram ao palco para dizer que a atuação do Chiquinho da Maricota não devia nada à atuação, lá no Rio, do lendário Procópio Ferreira. Quem diria!?

A terceira etapa (1949 a 1950) continuou ainda sob a batuta do Gentil Vale. O Zé lembra de duas peças encenadas e dos nomes dos artistas: Secretário de Sua Excelência e O Falsário, e os atores da época: Zé Ramos, Chiquinho da Maricota, Benedito Teixeira, Zé Nicodemos, Arlindo do Tonico Chalé, Prudêncio Gomes, Bié do Lindolfo, Antônio Resende, Aquim do Chico da Costa (o “Caixa d’água”), Alair do Totonho da Chapada, Anésio do Cassimiro, Socorro do Sô Bico, Maria do Nico (a Maria do Zé Nicodemos), Gisele do Zé Padeiro e Heloísa do Quinzinho.

O Zé Ramos foi o líder natural da quarta etapa (década de 50 a 1968). Como justa homenagem ao pioneirismo do Sô Agenor na década de 30, ele deu ao grupo o nome de “Clube Teatral Agenor Gomes”. Muitas peças e muitos atores nessa quarta etapa: O segredo da confissão, peça encenada na festa da Missa Nova dos padres Antônio das Mercês Gomes (recentemente falecido) e José Hugo de Resende Maia, Desclassificada, Honra de palhaço, Manda quem tem dinheiro (essas três de autoria do próprio Zé Ramos), Onde está a felicidade (autoria do Alair do Totonho da Chapada), Os amores do Tomé, Dois mineiros na corte (essas duas últimas, comédias).

E os atores: Zé Nicodemos, Benedito Teixeira, Antônio Resende, Poti do Joaquim Batista, Prudêncio Gomes, Juquita do Chico Teófilo, Arlindo do Tonico Chalé, Mundinho da Donana do Zé Reis, Nozito do Jesus de Melo, Zé do Sebastião Nagib, Ana Rita, Tininha do Chora, Naná e Vera do Jesus de Melo, Lourdes do Nhô, Cleusa do Chico Teófilo, Belinha da Donana do Zé Reis.

Com a mudança do Zé Ramos para Barbacena, em 1968, acabou-se a época de ouro do teatro em Resende Costa. Nas três últimas décadas do século passado aconteceram tentativas esparsas de se reerguer o movimento teatral, muito boas, por sinal, mas, não passaram de fogo de palha. Que pena que o teatro fechou a cortina e desapareceu de cena em nossa terra!

Mons. Nélson Rodrigues Ferreira

05 de Julho de 2008, por Rosalvo Pinto 0

Muito já se escreveu sobre o Mons. Nélson. Inclusive neste jornal. Mas há sempre um ângulo diferente, um cantinho obscuro e escondido a ser observado, ao se traçar o perfil de alguém. É por aí que vou tentar aqui. No carinho e na delicadeza. Mas sei que é difícil fazê-lo caber nesta coluna.

Prefiro chamá-lo de Pe. Nélson. É mais simples, mais carinhoso, foi o nome que o acompanhou pela maior parte de sua vida. Monsenhor é nome mais sofisticado, nobiliárquico, burocrático. E não se aplica bem ao homem simples, desprendido dos bens materiais, de costumes espartanos que ele foi. E é a partir dessa simplicidade que começo a enxergar e a tentar desenhar sua figura. Ele, sem dúvida, seguiu à risca o que dizia o teatrólogo americano Oscar Wilde: “eu tenho os gostos mais simples do mundo. Eu me contento com o melhor”. Assim foi ele por aqui em seus 44 anos de resende-costense, mesmo que tenha nascido na vizinha Piedade do Rio Grande, em 1914. Sua figura de ser humano e de sacerdote se mistura com a sugestiva silhueta dessas lajes, encimadas por um imenso sol e pelas torres dessa imponente Matriz, que por anos foi a sua casa.

Não era muito voltado para o trabalho ou a convivência com crianças e jovens. Nem mesmo com seus coroinhas. Delegava às suas colaboradoras a atividade de catequese (o tradicional “Catecismo dominical”) e a organização e manutenção da “Cruzada Eucarística”. Quando, em 1948, recebeu como auxiliar o recém ordenado Pe. Adelmo Ferreira da Silva, que passou a cuidar dos coroinhas e da Cruzada, ele teve que tolerar uma verdadeira revolução em sua inexpugnável Casa Paroquial. Pe. Adelmo escancarou as portas e a criançada, em algazarra, invadiu aquele misterioso casarão. Como fazia parte da Cruzada e dos coroinhas, lembro-me muito bem disso. Mesmo assim a gente andava meio cabreiro por aqueles que nos pareciam longos corredores e sisudos ambientes.

Pode-se dizer também que não era muito envolvido com questões assistenciais ou atividades de cunho social. Pelo contrário, desenvolvia seu trabalho pastoral mais ligado à elite da cidade. Limitava-se a apoiar as ações para a manutenção da antiga Santa Casa, do Asilo, da Conferência de São Vicente de Paula. Sua vida, suas atitudes, seu perfil pastoral eram típicos de um sacerdote fiel à mentalidade de Igreja dominante em sua época, uma Igreja voltada preferencialmente ou mesmo apenas para as coisas espirituais.

Era por isso um fiel guardião da Igreja católico-romana, vista como uma instituição eclesiástica e hierárquica, com todas suas exigências na liturgia, nas normas do Direito Canônico, nos costumes e na moral. Nesse aspecto, era um sacerdote coerente em sua vida sacerdotal e no trato com seus paroquianos. Por essa razão combatia vigorosamente toda forma de manifestação religiosa que não se enquadrasse nos cânones do catolicismo romano: as igrejas evangélicas, o espiritismo, a maçonaria, as crenças em benzedores e curandeiros, os cultos do umbandismo. Do púlpito, martelava continuamente os “católicos” que procuravam o curandeiro Zé Arigó em Congonhas, ou a Legião da Boa Vontade do Alziro Zarur. Mas foi evoluindo lentamente, sobretudo com as mudanças deflagradas pelo Concílio Vaticano II, nos anos 60. Combatia também manifestações culturais e de lazer que, na visão da Igreja que representava, poderiam estar ligadas a algum tipo de erotismo ou de licenciosidade, como carnaval, bailes, etc. Até os famosos festivais de inverno do “Grupo Raízes”, em fins de 70 e inícios de 80, foram inicialmente combatidos por ele.

Não era um sacerdote ligado a partidos ou a atividades políticas. Mas em algumas eleições municipais, dependendo dos candidatos a prefeito, não deixava de apoiar ostensivamente, fazendo do púlpito um pequeno palanque eleitoral, um candidato mais ligado à Igreja e a suas irmandades.

Era um sacerdote de formação intelectual refinada. Muito culto e bem informado, falava e escrevia com desenvoltura e correção, além de sua notória paixão pela História. Essa sua característica foi determinante para uma empreitada - da qual foi um dos líderes ao lado do Prof. Geraldo Sebastião Chaves -, extremamente benéfica para Resende Costa: a criação do antigo “Ginásio Nossa Senhora da Penha”, na década de 60, do qual foi Diretor e Professor por alguns anos. Na história da educação em Resende Costa ele mereceu um papel de destaque.

Um aspecto curioso de sua vida: era, quando mais jovem, um homem vigoroso, por vezes, nervoso e irascível. Sobretudo quando estavam em jogo a ordem, a disciplina e a obediência às exigências dos atos religiosos. Vez ou outra, mesmo aparamentado, descia do púlpito e colocava em ação seu poderoso e temido “muque” para controlar ou afastar “fiéis” transgressores da ordem e das normas.

Ordenado sacerdote em 1937, em Mariana, aqui chegou em 1944, para substituir o Pe. Heitor de Assis, falecido em acidente de carro em 1943, quando ia para o Rio, convocado para a II Guerra. Faleceu em 1988, integrando-se em definitivo ao solo de nossa terra. Deixou seu nome gravado em parte da avenida central da cidade e no Ginásio Municipal de Esportes. Mas, de modo especial, gravou-o para sempre na memória de todos os resende-costenses que o conheceram e com ele conviveram. Modelo de homem e de sacerdote: simples, culto e, sobretudo, piedoso, coerente e fiel.