Gastronomia

Estrogonofe

18 de Maio de 2017, por Cláudio Ruas 0

Essa é daquelas receitas adoradas por todos, preparada por muitos e em todos os tipos de ocasiões, tornando-se até um prato da culinária brasileira. Mas veio de bem longe, lá das bandas geladas da Rússia. Teve um toque francês no preparo, se espalhou pelo mundo, recebeu um toque americano no caminho e chegou ao Brasil, ganhando outras versões e virando paixão nacional.

Histórias de origem de receitas normalmente são controversas e fantasiosas, mas diz a lenda majoritária que o estrogonofe foi criado na Rússia czarista no sec. XIX, por um cozinheiro francês que trabalhava para uma família importante chamada Stroganov. Daí já se pode presumir eventual influência da gastronomia francesa no preparo (tanto o original quanto os posteriores), como o creme de leite, a mostarda, o conhaque e o cogumelo.

As discussões sobre como foi inventado e quais os ingredientes originais também são grandes. Ouso até levantar uma questão não falada sobre a origem do prato: será que ele foi criado por que tentaram consertar a carne que não estaria muito boa, colocando creme de leite? Afinal de contas, quando as coisas vão dando errado na cozinha, o bom e velho creme costuma salvar vidas. Não duvido.

Aqui no Brasil o prato é popularmente feito com a mistura de carne em cubinhos ou tirinhas, creme de leite de caixinha (bem inferior ao fresco) e molho de tomate ou ketchup, esse último, adicionado pelos americanos. Nos Estados Unidos, na Rússia e em alguns países do norte da Europa costumam usar, ao invés do creme de leite, o creme azedo (sour cream). Por sinal, uma delícia de creme, ácido, comprado pronto por lá ou feito em casa, com mistura de limão e leite ao creme fresco, que descansa até azedar. Por lá também usam o pepino em conserva, que realmente dá um toque de acidez e textura crocante bem legal ao prato. Na Europa, ganhou outros dois ingredientes bem interessantes também, a páprica (pimentão em pó) e o molho inglês.

Já aqui no Brasil preferiu-se o milho verde, ingrediente de fato muito mais presente na nossa alimentação. Além do palmito, o cogumelo em conserva (champignon) também aparece bastante e ajuda a incrementar e render o preparo. Pena que os cogumelos frescos ainda sejam tão restritos e caros na maioria dos casos por aqui, pois são muito mais saborosos. Uma alternativa interessante e barata a esse cogumelo, na minha opinião, é o broto de bambu. Fresco, tirado no mato e aferventado três vezes, ou em forma de picles. Alternativa também ao uso dos palmitos vendidos atualmente, ruins e caros.

Por aqui também surgiram mudanças mais radicais na receita, como a troca da carne de boi pelo frango ou camarão. Gosto muito da saborosa, barata e versátil carne de porco, como uma fraldinha da costelinha, por exemplo. No Brasil ainda deram um acompanhamento oficial para o prato, ao lado do nosso imbatível arroz branco - a batata palha. Na Rússia, ela costuma ser só cozida. Mas a fritura casa melhor, dando contraste de textura, seja em forma de palha ou palito mesmo. Uma mandioquinha frita em cubinhos pequenos também fica bem bacana.

O toque francês da mostarda e do conhaque para flambar a carne faz uma boa diferença no “strogonoff”. Mas na hora de botar fogo dentro da panela vale substituir o conhaque vagabundo e popular pela nossa cachacinha artesanal envelhecida. Ainda seguindo essa linha de fazermos uso dos ingredientes que temos ao nosso redor, no nosso quintal, além do porco, do bambu, da mandioca e da cachaça, por que não experimentar espremer alguns cajás (tomate de árvore, tamarilho) ao refogado de cebola e alho, para ajudar a formar um caldo avermelhado e agridoce? Fica bem bom, viu.

Estrogonofe acabou se tornando comida de toda ocasião aqui no Brasil. Antigamente já foi prato chique, de festa de casamento. Ou então comida de fim de semana (combina muito bem com ressaca de domingo!). Se popularizou e foi ganhando outras combinações, como na batata assada, no macarrão e na pizza. É o sabor mais famoso e pedido da pizzaria da Maura aqui de Resende Costa. E o povo gosta mesmo.

Hoje é dia de feira

13 de Abril de 2017, por Cláudio Ruas 0

Hoje é dia de feira. Mas é dia de pensar na feira. Até porque, somos carentes dela aqui em Resende Costa. Volta e meia estou assuntando por aqui sobre a importância de uma feira para a cidade, a economia, a cultura, o turismo e o bem-estar da população. Ela traz benefícios de todas as ordens e se torna uma ferramenta simples, mas indispensável na resolução de muitos problemas que nos afligem. Por isso, temos, todos nós, o dever de olhar para o problema da nossa feira, que praticamente se extinguiu, se não fosse a insistência de poucos feirantes. Chegou a hora de debatermos, unirmos esforços e agirmos no sentido de implementar uma feira diversificada e organizada em nossa cidade. Por isso o Jornal das Lajes dessa edição lança uma reportagem especial sobre o tema, do qual fui convidado a conceder uma breve entrevista. Portanto, convido você, leitor, para continuarmos essa prosa lá na página da entrevista. Vamos lá?

Forno de cupim

16 de Marco de 2017, por Cláudio Ruas 0

Enquanto muitos cozinheiros surfam na onda do modernismo tecnológico na cozinha, com equipamentos e técnicas culinárias que mais parecem coisa de cientista no laboratório, outros têm feito o caminho contrário. Em busca de uma cozinha mais rústica, primitiva, muitas vezes baseada no fogo bruto. Embora reconheça a importância dos equipamentos e técnicas modernas na execução de tarefas e na formação de um novo conceito gastronômico, eu sou da turma da lenha. Ou, como diria o saudoso “Gardino” (figura emblemática de Resende Costa), “eu sou da lei véia. Eu trabalho é na véia!” Tanto que, recentemente, realizei um antigo sonho de consumo culinário. Não, não foi um termocirculador sous vide. Foi um forno de cupim mesmo. 

Já assuntamos por aqui que o uso controlado do fogo foi responsável por uma enorme revolução na vida dos seres humanos, pois permitiu um maior aproveitamento energético dos alimentos. Passamos a exercer outras atividades e nos desenvolvemos. Mas até hoje continuamos nos encantando com a chama mágica do fogo, o cheirinho da fumaça e o gostinho defumado dos alimentos. A gastronomia mineira então, sempre foi da “lei véia”. Tanto que, até então, o fogão de lenha continua sendo o símbolo e a alma da nossa cozinha. Já o antigo forno à lenha andou desaparecendo dos quintais e girais, mas, agora, começa a ressurgir das cinzas. 

O uso do forno à lenha aqui em Minas era quase que exclusivo para o preparo de biscoitos e quitandas em geral. Dava um baita trabalho, pois, depois de aquecido, era preciso ser varrido, retirando toda lenha em brasa e fuligens, para só então receber os tabuleiros. Vieram os fornos de latão e o a gás e as quitandeiras migraram de tecnologia, claro. Porém, o ressurgimento do uso e da valorização dessa tecnologia primitiva se dá agora em outro contexto. 

Quem utiliza um forno desse tipo atualmente o faz muitas vezes por róbi. Não é mais a dona de casa assando tabuleiros e tabuleiros de biscoito polvilho no início da semana. Normalmente é o(a) cozinheiro(a) de fim de semana, que vai fazer uma leitoa, uma pizza, um pão diferente, preparos esses que não demandam o trabalho de varrição. Hoje em dia também tem o termômetro para ajudar. Não precisa mais enfiar o braço ou a folha de bananeira para ter noção da temperatura. Arrumar lenha também ficou mais cômodo em alguns casos. Ela é até vendida cortadinha em supermercado na cidade grande. As pizzarias vão fazendo cada vez mais questão de usar a lenha ao invés do gás, pois é mais econômica e o resultado final é incomparável. Ofertas de pequenos fornos de alvenaria, pré-moldados, também são muitas. Mas nada se compara ao antigo, de cupim. 

O forno de cupim pode ser feito basicamente de duas formas, ou com um cupinzeiro inteiro, ou com pedaços montados, o que requer mais habilidade do construtor. Funciona mais ou menos assim: o cupinzeiro (vivo) é partido com machado, em blocos, e é trazido para ser montado em uma base. As partes vão sendo encaixadas como num quebra-cabeça e são coladas e moldadas com uma massa rústica, feita com terra de formigueiro e estrume de vaca fresco. Depois é a vez dos bichinhos trabalharem. Durante alguns dias os cupins vão cuidar de remendar a estrutura por dentro, até que o forno esteja apto para uso. 

O forno de cupim tem diversas vantagens em relação aos demais. A começar pela principal delas, a capacidade de reter o calor interno. Ela ocorre, sobretudo, graças aos túneis dos cupins, que se transformam em bolsas de ar quente. É composto de material ultra resistente, ecológico e sustentável. Além do charme e da beleza da sua rusticidade, o uso desse tipo de utensílio ainda promove um resgate de cultura e tanto. 

Mas é bom lembrar que forno de cupim é igual carro de boi. Não é qualquer um que sabe fazer, muito pelo contrário. Estão em extinção e precisam ser mais valorizados e observados. Esses mestres precisam urgentemente de discípulos. Sorte a nossa que ainda temos um especialista em Resende Costa, o Jarbas, lá do “Riguinho”. Um verdadeiro artista, responsável por ajudar a manter acesa essa chama cultural tão importante e histórica.   

Iogurte

16 de Fevereiro de 2017, por Cláudio Ruas 0

Sou capaz de apostar que grande parte dos brasileiros pensa logo no iogurte como aquele vendido no supermercado, no potinho, sabor morango, coisa de criança. Ou então naqueles outros mais “modernos”, que ajudam as mulheres a irem ao banheiro. Opções não faltam, mas é justamente atrás dessa prateleira de diversidade que se escondem dois problemas: primeiro, a perda do interesse sobre o versátil iogurte natural, tradicional, sem adição de açúcar ou sabor. Segundo, o esquecimento do quão fácil e barato é fazer o próprio iogurte em casa

Assim como deve ter ocorrido com o queijo, a descoberta do iogurte possivelmente foi coisa do acaso. Lá pelos 10.000 a.C., ao transportar o leite naquela caloria braba do Oriente Médio, nas bandas da Turquia, perceberam que ele se alterava, ficava mais consistente e ácido. Viram que era gostoso e funcionava como remédio para o estômago. Caiu no gosto popular e chegava a ser vendido até em farmácias posteriormente.

O iogurte traz uma gama de benefícios para nosso corpo, como o decorrente da sua alta concentração de cálcio. Recompõe e melhora a flora intestinal, facilitando a digestão e resolvendo problemas estomacais. Suas proteínas se digerem mais facilmente que as do leite, já que parte da gordura é consumida na fermentação pelas bactérias. Tem ainda a lactose diminuída, o que auxilia os intolerantes a ela.

Mas o consumo de iogurte da forma convencional brasileira, normalmente industrializado, adoçado, modificado e coisa e tal, traz também prejuízos. Tanto para a saúde, quanto para o paladar e para o bolso. Na medida em que é processado, inevitavelmente recebe ingredientes maléficos, conservantes, aromatizantes e tantos outros “antes”. A indústria aproveitou também para deixar doce o iogurte, condicionando e viciando nosso paladar. Por fim, como ocorre com tantos outros produtos industrializados, nos esquecemos de que fazer um iogurte em casa é tarefa gastronômica das mais fáceis e baratas (veja a receita ao final). E, graças à sua pureza, ainda nos fornece um produto bem mais versátil do que o doce e saborizado do supermercado.

Ao olhar para fora das nossas divisas de costumes, devemos enxergar que outros povos utilizam o iogurte natural, sem açúcar, de várias outras formas. Como num molho para salada, sanduíche ou carnes, misturado com azeite, limão, hortelã e sal, como fazem os gregos. Ou em um frango ensopado, com curry, açafrão e cheiro verde, como fazem os indianos. Ou então como item da marinada/tempero da carne do churrasco, como fazem os marroquinos, normalmente com carneiro. No nosso caso, vai muito bem na carne de porco assada, dando um visual interessante e conferindo maciez e equilíbrio de sabor com a gordura, graças à acidez que possui.

O iogurte também entra bem na nossa cozinha tradicional, como numa broa de fubá ou, simplesmente, como substituto menos calórico do creme de leite e do leite condensado em sobremesas, ou da maionese no salpicão. Pode ainda ser deliciosamente adoçado com mel ou melado de cana (ao invés do pobre açúcar branco), e batido ou misturado com frutas frescas, como uma manga do quintal. Com um iogurte natural caseiro em mãos, é você mesmo quem dita as regras. Se liberta. Libertas quae sera tamen.

 

Como fazer iogurte natural

Aqueça um litro de leite integral e desligue o fogo antes de levantar fervura (se for leite de roça é necessário ferver três vezes). O leite precisa esfriar até uma temperatura certa, que é a aquela em que você consegue colocar e permanecer com o dedo dentro sem se queimar. Ou então entre 42 e 45ºC, caso tenha um termômetro culinário. Quando chegar nesse ponto exato, despeje o leite numa vasilha e misture um copinho de iogurte natural integral (de preferência não adoçado). Tampe e guarde dentro de uma caixa térmica/ isopor ou forno desligado. Entre 6 e 8 horas ele estará pronto. Leve para a geladeira e não esqueça de reservar um copinho, para usar de isca na próxima vez. E depois faça as contas da economia.

A gastronomia salva vidas

19 de Janeiro de 2017, por Cláudio Ruas 0

Essa eu preciso assuntar: no último dezembro tive a oportunidade de conhecer de perto um projeto interessantíssimo de geração de renda através da gastronomia, em um bucólico lugarejo incrustado aos pés da Serra do Caraça. Lá no Morro D’água Quente, distrito de Catas Altas. Esse projeto, embora ainda esteja em andamento, é a mostra do poder da gastronomia na transformação das pessoas e de tudo que gira em torno delas.

Resumidamente, ele funcionou da seguinte forma: a mineradora que explora o lugarejo contratou uma empresa especializada em promoção de desenvolvimento sustentável. Foi feito então um estudo sobre o lugar, as pessoas e suas habilidades, as necessidades, os potenciais etc. Em seguida, partiram para a capacitação e articulação de todos os participantes e parceiros, sendo que o foco se deu na população de baixa renda e nas mulheres do povoado. O trabalho também visava promover um empoderamento feminino, fator importantíssimo, aliás.

Criou-se então a feira “Sabores do Morro”, que ocorre aos segundos domingos de cada mês, no adro da linda igrejinha do Bonfim, com diversas barracas, cada uma responsável por um tipo de iguaria típica da região: quitandas mineiras, doces, geléias, vinhos e licores de jabuticaba, cerveja artesanal, queijos, hortaliças, frutas, mel etc. Além de comidas, música ao vivo, atividades para crianças, tudo muito bem organizado, padronizado e enfeitado. Um charme de feira, de muito bom gosto e agradabilíssima, ultrapassando a necessidade inicial de um mero ponto de venda e alcançando outras finalidades, como a de se criar um espaço de encontro, divertimento e confraternização da comunidade, turistas e visitantes. Além, é claro, de valorizar os produtos e a cultura gastronômica local e de Minas Gerais.

Ao final de um ano de sucesso da feira, foi realizado um festival de gastronomia, do qual tive o privilégio de participar, juntamente com minha esposa (Casal Gastrô-MG), ministrando uma das diversas oficinas oferecidas, todas elas destacando nessa edição a fruta símbolo da região, a jabuticaba. Além de outras atrações ao longo do final de semana (como a própria feira), foi feito um divertido cortejo pelo vilarejo, para inaugurar a “Rota dos Sabores”, uma ideia simples e ao mesmo tempo genial: ao invés de limitar a comercialização dos produtos da feira para um único dia no mês, foram instaladas lindas placas nas casas dos produtores, permitindo que todos comprem diretamente na fonte e em qualquer dia. Medida que ainda permitirá uma maior aproximação e interação entre produtor, consumidor e produto, uma tendência mundial cada vez mais forte – e óbvia.

Como se não bastassem os atrativos de uma feira desse tipo, sob o ponto de vista turístico ela é estrategicamente bem localizada. O Morro D’água Quente faz parte de uma das regiões mais lindas e importantes de Minas, a que rodeia a majestosa Serra do Caraça, bem no coração da Estrada Real. Além da vista deslumbrante da serra prateada, o pequeno distrito de oitocentos habitantes é bonito e arrumado, com ruas limpas e calçadas de pedrinhas, tendo ainda pracinhas e interessantes muros vermelhos de pedra. Tem muita água cristalina brotando do morro, passando pela vila e alimentando cachoeiras, lagos e riachos. Além disso, fica a poucos quilômetros de destinos turísticos já consagrados, como sua sede Catas Altas e o imperdível Santuário do Caraça, além de outras cidades como Santa Bárbara, Barão de Cocais, Mariana e Ouro Preto. Um lugarzinho especial, com um potencial turístico ainda enorme e que, graças ao projeto e à feira, já está sendo incluído nos roteiros turísticos da região.

A melhor parte do resultado desse projeto muito bem realizado pela “Raízes – Desenvolvimento Sustentável”- e abraçado com suor e fé pelos participantes - eu deixei para o final: o benefício gerado para as pessoas da comunidade, sobretudo as mulheres. Todo trabalho lá realizado e o sucesso da feira Sabores do Morro foram capazes de dar uma reviravolta positiva na vida de muitas pessoas. Problemas familiares, financeiros, de saúde e até de autoestima puderam ser curados através da gastronomia, o que me foi confidenciado pelas próprias produtoras da feira. Além dos sorrisos estampados pelas melhorias de vida já conquistadas, me encantei com os brilhos nos olhos ao falarem do futuro e das perspectivas, isso em pleno período de crise em que vivemos. Sim, a gastronomia salva vidas. E nossa Resende Costa (que sequer tem uma feira) precisa descobrir isso logo.