Abrindo novos caminhos

Quando nem Kafka explicaria!

08 de Dezembro de 2015, por José Venâncio de Resende 0

Aeroporto de Madrid

Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer que “o barato sai caro”? No entanto, acabamos por não resistir a uma boa oferta, recusando a desconfiar de que “quando a esmola é muita o santo desconfia”.

No final de 2014, aderi a uma oferta irresistível da Air Europa e comprei um bilhete de ida e volta entre São Paulo e Lisboa, via Madri. Na ida, em Abril deste ano, não tive quaisquer problemas que não fossem os inconvenientes de uma conexão (por exemplo, atravessar a pé e a passos largos o aeroporto de Madri Adolfo Suárez um terminal a outro, a tempo do próximo embarque, sem nenhum funcionário da companhia para dar orientação).

Na ocasião, conheci uma senhora mineira que voltava a Portugal para acertar sua documentação de imigrante, uma vez que morara muitos anos em Lisboa e pretendia fixar residência naquela cidade. Lembro-me do comentário dela, referindo-se a ter passado mal após a refeição de bordo.

Marquei meu retorno para 2 de Dezembro, imaginando passar meu aniversário tranquilamente por aqui. No aeroporto de Lisboa, enquanto aguardávamos o embarque (voo das 20h10), começaram os maus presságios.

Conheci um jovem casal, acompanhado de filhos pequenos e dos sogros do rapaz, voltando ao Brasil de uma viagem turística pela Europa. Ouvi do rapaz o comentário de que tivera problema com a Air Europa na ida. A empresa cancelara, sem mais nem menos, um voo - depois de atrasar o embarque por mais de três horas - e mandara todo mundo para o hotel. Ele suspeitava que seria uma tática para encher o avião.

Mas como ele conhecia as regras do jogo brigou com os funcionários da empresa, alegando que tinha a viagem toda programada, além das crianças pequenas. Ganhou no grito - perceberam que ele estava bem informado – e foi embarcado em outro voo enquanto os demais passageiros eram encaminhados para o hotel.

A aeronave deixou Lisboa, chegamos a Madrid no horário programado (22h10).

Ao deixar o avião no terminal 2, fomos avisados de que um funcionário estaria nos aguardando na “sala 6” para nos levar ao terminal 1, local do voo que estava programado para as 23h05. Depois de boa caminhada, seguindo os painéis de informação, os passageiros iam chegando gradativamente ao referido local. Uma funcionária indicava um colega com um cartaz de papel improvisado onde se lia “São Paulo”.

Formado o primeiro grupo, saímos atrás do funcionário em direção ao terminal 1, sempre a pé e a passos largos. Ao chegar ao destino, fomos surpreendidos com um ônibus diferente daqueles usados internamente nos aeroportos.

Simplesmente fomos “empurrados” para dentro do primeiro ônibus (havia dois encostados) sem quaisquer tipos de explicação. A partir deste momento, estávamos “abandonados”, deixados nas mãos do motorista de uma empresa terceirizada. No interior do ônibus, começamos a ouvir comentários, cada vez mais intensos, de que o voo fora cancelado (ou adiado?) e estávamos sendo encaminhados para o hotel.

Ao meu lado no ônibus, encontrava-se um jovem cozinheiro brasileiro que voltava do Algarves – disse ter comprado o bilhete numa agência da Abreu no shopping de Faro (http://www.abreu.pt/Faro-92.aspx) -, onde estivera trabalhando alguns meses deste ano. Muito preocupado, sem saber de nada do que estava acontecendo.

É incrível observar como as informações não são transmitidas de maneira clara – sempre são vagas e nada informativas. É incrível observar como, de repente, desaparecem todos os funcionários da companhia, entram em cena o motorista do ônibus, os funcionários do hotel que nunca sabem de nada… Um ambiente de muita desinformação, de muito estresse, de muita tensão…

Já não foi tanta a surpresa quando fomos deixados, alguns minutos depois, na portaria do hotel Trip. Uma fila imensa se formou para fazer o check-in. Tiravam cópia do passaporte e nos davam o número do quarto.

Começamos a perceber que havia gente de outros destinos, todos reunidos ali no hotel. Alguns passavam pela fila do check-in dizendo que havia jantar, mas era preciso ir logo porque o restaurante fecharia à meia-noite. Boato este que seria desmentido posteriormente – o restaurante ficaria aberto o tempo necessário.

A esta altura, eu prestava atenção na chegada do segundo ônibus. Estava ansioso por saber se o casal, com os filhos e os sogros, iria aparecer no hotel. Algum tempo depois, a família apareceu.

Enquanto se aguardava na fila, muita reclamações e ameaças de entrar com processo na justiça contra a Air Europa. Lembro-me de uma discussão sobre a melhor forma de processo, individual ou em grupo…

Tão logo terminou o check-in, fomos, eu e o cozinheiro, procurar o restaurante. Sem comer há várias horas, acredito que tenha tomado vinho em excesso, mais do que propriamente me alimentado. Lembro-me que ficamos bastante tempo à mesa, e mais tarde apareceu o outro rapaz. O fato é que fomos dormir bem mais de meia-noite, talvez uma da manhã…

De madrugada, acredito que pouco mais de três horas, o interfone tocou. Tínhamos de sair correndo rumo ao aeroporto para embarcar cedo para São Paulo.

Lembro-me de ter dormido de roupa e tudo; nem tinha roupa pra trocar, afinal a bagagem já havia sido despachada diretamente de Lisboa para São Paulo. Também me lembro de estar completamente sonâmbulo e que, ao tentar entrar no ônibus com a minha mochila, levei um tombo; que alguém me ajudou a levantar… Tenho até hoje marcas no corpo deste tombo!

No fatídico terminal 1 do aeroporto, ao me apresentar para o embarque, encontrei no meu bolso apenas o bilhete… Cadê o passaporte? “Só pode ter ficado no hotel”, disse eu à funcionária da Air Europa. Restava-me pegar um táxi, voltar ao hotel e tentar localizar o passaporte, antes de o avião deixar Madri. No hotel, ninguém deu notícia do paradeiro do documento. Como consolo, levei de volta uma cópia do meu passaporte fornecida pela funcionária do hotel.

O avião estava pronto para iniciar a decolagem… E as funcionárias da companhia não aceitaram que eu embarcasse com a cópia do passaporte. Um esforço inútil, ou quase inútil!

Depois de desesperada insistência, fui orientado a procurar a assistente social do controle de passaportes, pois estava “preso” no aeroporto de Madri e precisaria de uma autorização especial do consulado brasileiro para deixar o país. Uma situação surreal. Fez-me lembrar do filme “O Terminal” no qual o ator Tom Hanks passa meses morando dentro do aeroporto.

De novo, tinha de atravessar o aeroporto inteiro a pé, rumo ao outro terminal. A assistente social levou-me a um funcionário do controle de passaportes que, depois de me dar um chá de cadeira, liberou-me para sair do aeroporto. A esta altura, já passavam das 10 horas da manhã.

No balcão de informações, informei-me sobre como chegar de transporte coletivo ao consulado brasileiro. No consulado, depois de aguardar a minha vez de ser atendido, fui informado de que só poderiam me dar a autorização para deixar a Espanha, mediante boletim de ocorrência da perda do passaporte. Deram-me inclusive a dica de uma delegacia (ou “comissaria”) mais vazia no centro de Madri.
Tomei o táxi rumo à delegacia onde recebi um formulário para preencher à mão – em pleno século 21 –, bem entendido, em espanhol. Sugestão do funcionário: “peça ajuda a um amigo”. O que fazer? Pedi ajuda a uma funcionária que passava pelo corredor, que foi muito simpática e me ajudou a preencher o formulário, principalmente no espaço em que precisaria explicar o que ocorrera com o meu passaporte.

Novo táxi de volta ao consulado, mas cheguei cinco minutos depois do fechamento do expediente para o almoço (13:30). À tarde (a partir das 15:00), o consulado prontamente emitiu a autorização especial para eu deixar o país, cancelando automaticamente meu passaporte. 
Por volta das cinco horas da tarde, estava eu de volta ao aeroporto na expectativa de conseguir um lugar para tomar o avião, de preferência no mesmo dia. O funcionário da Air Europa encaixou-me na fila de espera do voo das 23:05, para São Paulo.

Só então lembrei-me da minha mala que fora despachada diretamente de Lisboa para São Paulo. “Minha bagagem está em São Paulo ou em Madri”, perguntei ao funcionário da Air Europa. Descobri que a mala não seguira viagem tal como seu dono. De novo, tive de fazer longa caminhada, desta vez até a sala de “perdidos e achados” para recuperar minha mala.

Apesar de estar na fila de espera, consegui embarcar. Estava aliviado, afinal conseguiria deixar a Espanha. Mesmo que o assento, na última fileira, fosse ao lado do banheiro.

O avião deslocou-se para a pista e nada de levantar voo, até que o comandante começou a emitir, pelo sistema de som, avisos vagos sobre o atraso. Em espanhol, anunciava o atraso sem dar informações precisas. Mas em inglês chegou a citar Brasília e a Anac, transferindo para a capital brasileira a culpa pelo atraso.

O tempo passava e estava viva na memória a lembrança do rapaz que teve o voo cancelado depois de três horas de atraso. Angustiava-me só de pensar que o voo pudesse ser cancelado e tivéssemos de voltar ao hotel. Mas, passadas pouco mais de duas horas de espera, o avião saiu do chão.

Estava tão cansado que até dormi, apesar do abre-e-fecha da porta do banheiro… Ah, sim, o jantar me fez mal.

Na manhã do dia 4 de Dezembro, em Guarulhos, o controle de passaportes segurou a minha autorização de viagem emitida pelo consulado brasileiro em Madri. No momento de deixar o aeroporto, escolhi a fila de “nada a declarar”. Mas um funcionário perguntou-me se estava sozinho e me encaminhou para a fila do raio X da bagagem.

Então, lembrei que estava sem documento – sem passaporte e sem o RG que havia esquecido no Brasil. Em minha posse, apenas a carteira de correspondente do Jornal das Lajes em Portugal com o número de um passaporte que não mais existia. Além disso, os chips do celular eram de Portugal e não estavam habilitados para usar aqui; apesar de que houvesse orientação para desligar os celulares. Se me pedissem o RG, estaria em apuros. Como explicar esta situação bizarra? Foi então que me lembrei do livro “Processo”, de Franz Kafka.

Tornamo-nos vítimas de um grande processo, envolvendo não apenas a burocracia do setor público como também a estrutura mastodôntica das grandes organizações empresariais. Nem Kafka explicaria!

PS: Aproveito para anexar duas reclamações contra a Air Europa que encontrei no Google:

- Air Europa acabou com minhas férias - http://www.reclameaqui.com.br/5122551/air-europa-lineas-aereas/air-europa-acabou-com-minhas-ferias/

- Air Europa - Devolva meus Impostos!!! - http://www.reclameaqui.com.br/7927690/air-europa-lineas-aereas/air-europa-devolva-meus-impostos/



 

Intermitências da República

19 de Novembro de 2015, por José Venâncio de Resende 0

Eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, que deu fim à ditadura militar.

A República brasileira chega aos 126 anos. Três golpes antidemocráticos no seu currículo e tendência irresistível para Estado forte e governos centralistas e populistas.

A proclamação da República foi um golpe militar, com o apoio de ativistas republicanos. O império – experiência até então tida como sólida, estável e duradoura – cai porque o descontentamento dos militares se junta ao movimento republicano entre os civis, diz Laurentino Gomes no livro 1889.

Descontentamento este vai continuar nas primeiras décadas da República, ganhando sangue novo nos anos 1920 com o movimento tenentista – jovem oficialidade do Exército que defendia a intervenção militar na política para “salvar o país”. Defendia algo como “nacionalismo e centralização política”.

Durou até 1930 a República Velha ou “dos Bachareis”, mais conhecida como política do “café com leite”, numa referência à hegemonia de paulistas e mineiros. A base da economia era a agricultura, o que conferia poder político quase hegemônico às oligarguias estaduais (grandes fazendeiros) principalmente de São Paulo e Minas Gerais. O café era o principal produto de exportação e as políticas governamentais atendiam aos interesses do setor agrícola. Era do último presidente da República Velha, o paulista Washington Luís, o lema “governar é abrir estradas”.

Por isso, a crise de 1929 – a “Grande Depressão que quebrou a bolsa de Nova York e causou grande falência de empresas e desemprego elevado – atingiu em cheio a economia do Brasil. Os Estados Unidos eram o principal comprador do café brasileiro e, com os preços em baixa, o governo brasileiro foi obrigado a comprar e queimar toneladas do produto.

Estado Novo

Esse ambiente de crise contribuiu para que oligarquias regionais descontentes, lideradas pelo caudilho gaúcho Getúlio Vargas, se unissem a tenentes – chefiados pelo tenente-coronel Góes Monteiro – para fazer a chamada “Revolução de 1930”, golpe que colocou fim na República Velha. A promessa de modernizar a prática política, então sustentada no “coronelismo”, teve vida curta. O novo regime – denominado Estado Novo – descambou para a ditadura, depois de Vargas outorgar, em 1937, a Constituição autoritária que instalaria o Estado Novo.

Foi um dos períodos mais violentos da história do país, com supressão das liberdades civis e censura à imprensa, combinadas com propaganda oficial de culto à personalidade ao estilo nazista. Vargas extinguiu os partidos políticos (os principais eram os Partidos Republicanos Paulista, Mineiro e Riograndense) e governou absoluto. Seu lema era “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” (e que lei!).

Vargas implantou um regime nacionalista, desenvolvimentista e anticomunista, controlado a ferro e fogo pela burocracia do Estado. Burocracia que foi reforçada com criação de estatais como Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Vale do Rio doce, Fábrica Nacional de Motores (FNM) e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco. E com a introdução de legislação social e trabalhista, sobretudo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), associada ao “peleguismo” (atrelamento dos sindicatos ao Estado). Vargas tornou-se assim o “pai dos pobres”.

Vargas flertou com o nazi-fascismo antes de aderir à aliança contra a Alemanha de Hitler, liderada pelos Estados Unidos. Não resistiu aos ventos liberalizantes do fim da segunda guerra mundial e foi deposto pelos militares, seus próprios aliados. Não antes de, no apagar das luzes do Estado Novo, ter criado novos partidos, de abrangência nacional: Partido Social Democrático (PSD), União Democrática Nacional (UDN) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Período democrático

Por ironia, o ministro da Guerra do Estado Novo, Eurico Gaspar Dutra, seria o primeiro presidente do período democrático, iniciado em 1946. Foi eleito pelo voto popular, inaugurando a coligação PSD-PTB que se repetiria nos governos seguintes. Dutra convocou assembleia constituinte e governou com a Constituição (1946) debaixo do braço, reafirmando as liberdades da Constituição de 1934 rejeitada por Vargas. Rompeu relações com a União Soviética, fechou o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e sindicatos, criou a Escola Superior de Guerra para formar oficiais militares e facilitou a entrada de grandes empresas estrangeiras no Brasil.

Vargas voltou ao poder em 1951, eleito pelo PTB com apoio não oficial de parte do PSD – a chamada “cristianização” do seu concorrente Cristiano Machado, candidato de coligação liderada pelo PSD. É deste período a aprovação do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás.

O populismo exacerbado de Getúlio Vargas gerou reação de igual proporção dos adversários, culminando com o suicídio como arma política derradeira. Assim concluiu sua carta-testamento: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. Getulistas responsabilizaram a UDN e o governo norte-americano pelo fim trágico de Vargas.

Juscelino Kubitschek foi eleito em 1955 (chapa PSD-PTB, com João Goulart de vice) para colocar em prática o lema “Cinquenta anos em cinco”. Seu Plano de Metas previa investimentos em setores estratégicos (infraestrutura e indústrias de bens de capital e de consumo como veículos e televisores) e a construção da capital federal no centro-oeste.

Política desenvolvimentista que gerou expressivo crescimento econômico, mas resultou em grande endividamento interno e externo e na explosão inflacionária. Pela primeira vez, o País bateu à porta do Fundo Monetário Internacional (FMI). Surgiu até a marchinha de carnaval “me dá um dinheiro aí”.

Denúncias de corrupção e de uso indevido do dinheiro público foram prato cheio para o demagogo Jânio Quadros galgar a rampa do Palácio do Planalto. Com o apoio da UDN, Jânio derrotou o candidato de JK, o marechal Henrique Teixeira Lott.

Jânio durou no poder o tempo de uma gravidez, abandonando o barco à própria sorte. O vice-comandante João Goulart (PTB), eleito em votação independente (na época, presidente e vice eram votados separadamente), estava bem longe, em viagem à China tocando seu governo paralelo.

O parlamentarismo foi a solução mágica para quebrar a resistência da cúpula militar e de setores políticos à posse de Jango, sob quem pesava desconfiança por alianças à esquerda. Tancredo Neves virou primeiro-ministro em Setembro de 1961 mas, nem bem se afastou para disputar eleição, Jango convocou um plebiscito e o povo lhe devolveu o presidencialismo.

Programa de reformas de cunho nacionalista – como nacionalização de setores industriais -, insubordinação hierárquica nas forças armadas e crise econômica (finanças públicas descontroladas e inflação de 100%) contribuíram para a queda de Jango. Militares e a oposição udenista deram o golpe de 31 de Março de 1964, com o apoio de proprietários rurais, burguesia industrial, classes médias urbanas e Igreja Católica.

Ditadura Militar

A ala “moderada” das forças armadas assumiu com a promessa de logo devolver o poder aos civis. Por meio de Atos Institucionais (cinco no total), Castelo Branco desencadeou uma onda de repressão sem limites, que varreu desde os chamados “inimigos internos” (esquerda radical) até políticos como JK. Os antigos partidos foram riscados do mapa e substituídos por um sistema bipartidário: Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido do “sim, senhor”, e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a “frente de resistência democrática”.

A facção radical, que defendia a permanência dos militares por tempo indeterminado, venceu a queda de braço e o marechal Costa e Silva assumiu o poder. A feroz disputa entre as alas moderada e radical fez do “governo provisório” de Castelo Branco o regime militar que duraria 21 anos. Dava início assim um modelo nacionalista, desenvolvimentista e anticomunista, subordinado à mão de ferro do governo em Brasília.

O regime militar promoveu ambicioso programa de reformas econômicas, para “modernizar” o Estado, combater a inflação, gerar poupança e desenvolver o mercado de crédito. Criou o Banco Central e introduziu a polêmica correção monetária e uma fórmula de reposição salarial pela inflação passada.

Também diversificou exportações e adotou política de controle/substituição de importações e reserva de mercado, construiu “obras públicas” megalomaníacas (Itaipu, Transamazônica etc.) e criou empresas estatais como Embratel e Telebrás. Na política externa, priorizou as relações com os países do “terceiro mundo”, o chamado pragmatismo terceiro-mundista. O auge do regime foi no governo do general Garrastazu Médici - os “Anos de chumbo” - combinação de violenta repressão política com “milagre econômico” e ufanismo.

A ala moderada retomou o poder com o general Ernesto Geisel, e seu braço direito Golbery do Couto e Silva, prometendo promover a chamada abertura política “lenta, gradual e segura”. Com o “pacote de Abril” (reformas políticas) e o enquadramento dos radicais personificados no general Sylvio Frota, assegurou a maioria necessária no Congresso Nacional para emplacar seu sucessor, o general João Figueiredo.

Aos trancos e barrancos, o general Figueiredo deu sequência à abertura gradual, enfrentando atentados terroristas atribuídos aos militares de linha dura, nos últimos suspiros da caserna. Ficou famosa a sua frase “Quem for contra a abertura, eu prendo e arrebento”.
A estrela da economia deixava de brilhar. E ficava o buraco negro de inflação, endividamento externo, concentração de renda, recessão e desemprego.

Nova República

Crescente movimentação da sociedade civil resultou na lei de anistia (1979), eleição de vários governadores de oposição (1982) e na campanha das “Diretas Já” (1983-84). Derrotada no Congresso Nacional, a histórica campanha das “Diretas já” desembocou na escolha, por eleição indireta, de Tancredo Neves o primeiro presidente civil da “Nova República”.

Uma dissidência do Partido Democrático Social (PDS), ex-ARENA, gerou em 1985 o Partido da Frente Liberal (PFL). Era o mote para a chapa Tancredo-José Sarney que derrotou o candidato da ditadura Paulo Maluf. Com a morte de Tancredo, caiu no colo de Sarney a presidência da República. Porém, foi tutelado pelo MDB do todo-poderoso Ulisses Guimarães.

É bom lembrar que, a partir da anistia política, também começava a desenhar o quadro partidário que hoje infelicita tanto este País. PDT (1979), PTB (1980), PT (1980), PSB (1985), Partido Liberal (1985), PSDB (1988) e a fila não mais parou de crescer, chegando às dezenas.

Inflação na casa de 200%, José Sarney lançou o “Cruzado” - primeiro plano de estabilização econômica elaborado por Pérsio Arida, André Lara Resende e outros. Mas o Cruzado fracassou devido a medidas populistas, como a de prorrogar o polêmico congelamento de preços além da conta para garantir a vitória de candidatos do PMDB nas eleições de 1986. Criaram até a figura dos “fiscais do Sarney” em supermercados e o então candidato a governador de São Paulo, Orestes Quércia, falava em “laçar boi no pasto” para garantir o abastecimento.

A inflação voltou com toda a força, servindo de combustível – os outros foram corrupção e “marajás” – para empurrar Fernando Collor de Mello rampa acima do Palácio Planalto em Brasília.

Também da época é a Constituição de 1988, denominada “Constituição Cidadã” pelo então presidente da Câmara de Deputados, Ulisses Guimarães. Até hoje rende críticas: excesso de regulamentação, distorções tributárias, “camisa de força” (rigidez orçamentária) e “parlamentarista” num regime presidencialista.

Collor deu início à abertura econômica – “os carros brasileiros são carroças” – e lançou o programa “Desestatização” (privatizou 18 empresas). Sofreu impeachment menos por corrupção do que pela “tungada” na poupança do povo e arrogância perante o Congresso Nacional.

O vice Itamar Franco, na presidência, deu sequência às privatizações, ao vender ícones da siderurgia (CSN, Açominas e Cosipa), Embraer e subsidiárias da Petrobrás. A “república do pão de queijo” só não obteve êxito na ideia de relançar o antigo fusca. Mas Itamar foi bem-sucedido ao lançar - com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda - o plano Real (dos mesmos economistas do Cruzado), para extirpar a hiperinflação herdada dos governos anteriores.

FHC a Lula

Eleito na esteira da popularidade do Real, FHC promoveu a reforma do Estado, prosseguindo com as privatizações, nos setores siderúrgico (Vale do Rio Doce), comunicações (Telebrás) e elétrico (empresas de geração e distribuição), e criando agências reguladoras. Foi acusado pela oposição de vender as empresas na bacia das almas, o que gerou a expressão “privataria tucana”. No setor de petróleo, FHC quebrou o monopólio da Petrobrás na exploração (Lei do Petróleo) e estimulou a abertura de novos campos petrolíferos pelo setor privado.

Mas FHC não teve vida fácil para aprovar suas propostas (econômicas e políticas) no Congresso, apesar da maioria parlamentar (PSDB, PFL, PMDB, PTB, PP e PL) – é que predominavam partidos do “é dando que se recebe” com os quais o governo tinha de negociar apoios. Uma das propostas mais polêmicas foi a emenda constitucional da reeleição para presidente, governadores e prefeitos, que rendeu a acusação de compra de votos para a sua aprovação no Congresso.

Em 1999, FHC foi obrigado a abandonar o regime de câmbio fixo (a âncora do real) – na esteira das crises asiática (1997) e russa (1998). Entre as consequências, a disparada da inflação e o aumento da dívida das empresas no exterior e dos produtos importados. O câmbio flutuante foi uma das pernas do tripé (as outras são lei de responsabilidade social e metas de inflação) que FHC deixou de herança.

Já o impopular “apagão elétrico” de 2001, mais do que efeito da estiagem e da falta de investimentos, serviu para mostrar que o modelo de grandes hidrelétricas estava superado.

Na área social, FHC deixou de herança programas de transferência de renda (Bolsa Alimentação, Bolsa Escola e Vale Gás). Aqueles que serviriam de base para o Bolsa Família.

A imagem da transmissão, em 2003, da faixa presidencial do professor ao “operário” (hoje um homem rico) tem força simbólica. Foi uma das raras vezes na história da República que um presidente civil eleito transferiu o cargo ao sucessor também eleito pelo voto popular. Mas às vésperas da eleição Luís Inácio Lula da Silva divulgou a famosa Carta ao Povo Brasileiro, destinada a acalmar os mercados e ampliar seu universo de eleitores.

No governo, Lula indicou a dupla Antonio Palocci (Ministério da Fazenda) e o banqueiro Henrique Meirelles (Banco Central) para dar continuidade à política econômica de FHC. Com direito, inclusive, a aumento brutal da taxa de juros para conter a inflação.

Na política externa, Lula retomou o “terceiro-mundismo” da ditadura militar. E aproveitou o bom momento do comércio internacional (preços das commodities minerais e agrícolas) para exportar, principalmente para a China, e formar um “colchão” de reservas em dólares.

Mas não teve a mesma cautela com o equilíbrio das contas públicas. O dia em que Palocci teve a ousadia de propor “deficit zero” para o orçamento público, a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, considerou a proposta “rudimentar”.

Depois do fiasco do “Fome Zero”, Lula unificou os programas sociais do governo anterior e criou o Cartão Alimentação, dando o nome de Bolsa Família - poderosa máquina de gerar votos ou uma espécie de “coronelismo do século 21”. E ainda criou o “Bolsa Empresário”, fornecendo dinheiro mais barato via BNDES para grupos nacionais “eleitos”.

Com a “mãe do PAC”, Lula retomaria o modelo nacional e desenvolvimentista das ditaduras, só que com viés de esquerda. Adotou a substituição de importações em áreas como petróleo e naval; reintroduziu o monopólio da Petrobrás; criou mais empresas estatais do que a ditadura militar embora algumas não tenham saído do papel; fez privatizações “envergonhadas” – que chamou de concessões – de rodovias, ferrovia, bancos estaduais, hidrelétricas, linhas de transmissão e alguns campos de petróleo.

Com a saída de Palocci, a dobradinha Dilma Rousseff e Guido Mantega mudou os rumos da política econômica. Na crise financeira mundial de 2007-2008, o governo Lula adotou um programa anticíclico para combater a recessão – usou bancos públicos para despejar crédito no mercado e incentivar o consumo. Gostou tanto do resultado que resolveu manter a gastança por tempo indeterminado.

Para garantir apoio no Congresso, Lula adotou o “governo de coalizão” - ampla rede de partidos que aglutinou os “300 picaretas” a que Lula se referiu quando era deputado federal na década de 1980. O custo foi alto, a corrupção “organizada” - Mensalão, Petrolão...

Eleita presidente, Dilma deu sinal verde a Mantega para promover a experimentação denominada “nova matriz macroeconômica”. O laboratório governamental não parava de inventar. Com o buraco fiscal se alargando, gerou o expediente das “pedaladas” para fechar o orçamento anual.

Controle artificial de preços dos combustíveis, lambança no setor elétrico, desvio de bilhões de reais da Petrobrás, o estelionato eleitoral, a queda dos preços internacionais das commodities (minerais e agrícolas), a desvalorização do real frente ao dólar compõem os ingredientes da profunda crise econômica e política do Brasil atual. Uma situação em que convergem para o mesmo ponto a inflação, o desemprego e a popularidade da presidente, tendo como pano de fundo a recessão.

Com a popularidade no piso, Dilma perdeu o apoio político arquitetado pelo seu “padrinho”, apesar de ter sido eleita com maioria parlamentar no Congresso Nacional. O governo de coalizão montado por Lula virou “governo de colisão”. O futuro é incerto.

Reflexão

Na República brasileira, as ditaduras governaram o país com mão de ferro, até que entraram num processo de decadência tal que inviabilizou a sua sobrevivência. Já os períodos democráticos têm enfrentado crises frequentes de governabilidade, principalmente em decorrência do sistema político adotado pelo País.

O PT bem que tentou implantar no Brasil a "república bolivariana" (uma espécie de “ditadura” ao estilo venezuelano) – aparelhou ideologicamente o Estado, em especial a área de educação, instrumentalizou as empresas estatais e obteve relativo controle sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Não conseguiu implantar uma das suas principais obsessões – o “controle social da mídia”, eufemismo para censura à imprensa “burguesa” –, mas ganhou de presente do Congresso Nacional a “Lei do Direito de Resposta”, uma verdadeira lei da mordaça ao melhor estilo bolivariano.

Se o Brasil aspira consolidar uma República estável e duradoura, baseada na democracia e na economia de mercado, precisa exorcizar o fantasma da intervenção militar. Urge parar de uma vez por todas com a tendência de bater nas portas dos quartéis a cada crise política e econômica que aparece - acabar com esta mania de insuflar os militares a golpes antidemocráticos é essencial.

Em segundo lugar, é preciso reformar o sistema político brasileiro, colocando freio na proliferação de partidos políticos e introduzindo voto distrital e parlamentarismo com eleições separadas de presidente e primeiro-ministro – ainda que para isso seja necessário convocar uma Assembleia Constituinte. Infelizmente, não há a mínima condição de isto ocorrer pela liderança da atual presidente.

Em terceiro, é preciso fazer uma reforma profunda do Estado, em busca de maior profissionalização e eficiência, e aperfeiçoar a Constituição de 1988 para tornar o Estado governável.

Acredito que esteja mais do que na hora de “republicanizar” a República.  

193 anos de independência: momento para reflexão

12 de Setembro de 2015, por José Venâncio de Resende 0

Grito do Ipiranga, pintura de Pedro Américo (fonte: laurentinogomes.com.br) c

“O erro do Lula foi ter facilitado o acesso do povo a bens pessoais, e não a bens sociais – o contrário do que fez a Europa no começo do século 20, que primeiro deu acesso a educação, moradia, transporte e saúde, para então as pessoas chegarem aos bens pessoais” (Frei Betto, em entrevista à revista Cult).*

O Brasil completou 193 anos de independência, com muitas pendências. Momento oportuno para uma reflexão.

Diferente do que dizem Lula e seus companheiros, os problemas brasileiros não se resumem na luta de pobres contra ricos, tampouco na afirmação simplista de que a “elite” (que elite?) não gosta de pobre. Esse discurso de “palanque” faz muito mal ao Brasil porque embaralha a realidade.

As deficiências do País passam por uma mentalidade tacanha que atribui ao Estado um papel paternalista – o grande “paizão” que resolve os problemas de todo mundo, desde os “sem” (terra, teto etc.), passando por empregados formais, empresários e ONGs, até os políticos. Para completar, criou-se no País a cultura do “emprego público”, em detrimento do estímulo ao empreendedorismo.

O Brasil implantou uma indústria na qual os grandes setores, ironicamente atrelados ao setor público - empresas estatais e grupos empresariais viciados nas benesses e na proteção do Estado -, convivem com um segmento focado na exportação de commodities (produtos minerais e metalúrgicos cotados no mercado internacional). E, na contramão de outras partes do mundo, até hoje não aderiu a cadeias de produção regionais e globais, com exceção da Embraer.

Por outro lado, o País criou um agronegócio altamente competitivo – baseado em tecnologia e empreendedorismo - que acabou por consolidar o nosso papel de exportador de commodities (no caso, agrícolas), apesar da deficiência e dos custos da infraestrutura de transportes até os portos. De qualquer forma, a indústria em geral até hoje não aprendeu com a agricultura a ser eficiente em termos de produtividade.

O Brasil instalou uma República Federativa - de federalismo não tem nada - que foi atropelada por duas ditaduras – a de Getúlio Vargas e a militar – as quais contribuíram para aprofundar o estatismo da economia tão festejado pela “esquerda”. E não para por aí: o País, de característica continental, fez a opção preferencial pela indústria automobilística em detrimento do transporte ferroviário e hidroviário – de carga – e do metrô nas grandes cidades.

O automóvel virou o símbolo do consumismo - aprofundada pelos últimos governos – e ao mesmo tempo da elevada carga de impostos que pesa sobre os produtos e serviços brasileiros – para saciar a fome do Estado gastador. A falta de hábito de poupança tanto pública quanto privada levou à dependência de capital externo, com todas as consequências já conhecidas. Para piorar, o Brasil continua relativamente fechado aos negócios com outros países que gerariam mais riquezas.

O sistema tributário caótico é um fardo pesado para famílias e empresas e fonte permanente de inflação. Acrescente o cipoal burocrático e legal que aumenta custos das empresas e dificulta ações empreendedoras. É o famoso tiro no pé, na medida em que se está matando a galinha dos ovos de ouro, que sustenta a máquina pública.

O País adotou um sistema público de educação, que privilegia o ensino superior em prejuízo do ensino fundamental e médio, dos cursos profissionalizantes e do aprendizado nas empresas; que foca, com viés corporativista, o professor e não o aluno; e que nem sempre está sintonizado com as necessidades de formação de gente preparada para as novas exigências do mercado de trabalho. E, na saúde, criou um sistema universal, o SUS, que, mais do que falta de recursos, padece da má gestão da coisa pública.

Na área política, é um País errante que nunca se definiu claramente por um sistema racional de representação político-partidária. Ao contrário, criou uma balbúrdia partidária financiada por empresas, fonte permanente de corrupção. E adotou um presidencialismo, com voto proporcional, gerador de crises e golpes, incapaz de liderar o País com segurança para um futuro previsível e promissor.

Há que assinalar o maior protagonismo do Poder Judiciário, extensivo ao Ministério Público e à Polícia Federal, conquistado na Constituição de 1988. Explica o agressivo combate à corrupção que já permitiu a recuperação de alguns milhões de reais desviados dos cofres públicos. Há especialistas – não apenas no Brasil – que consideram que o século 21 será o século da Justiça. O temor é que o fortalecimento do braço investigativo do Judiciário possa descambar para nova forma de “autoritarismo”, o que precisa ser evitado para não se tornar desastroso ao sadio equilíbrio entre os poderes democráticos.

Nova “revolução industrial”

O mundo passa por uma nova “revolução industrial”. A tecnologia da informação está criando uma nova economia, que podem chamar de pós-capitalismo ou avanço do capitalismo ou o que quiserem. Pouco importa. Entre as empresas de maior valor no mundo, estão as de tecnologia como Apple, Google, Facebook e Microsoft. Serviços como Uber (táxis), Airbnb (hotéis), Whatsapp (telefone) e Netflix (TV por internet) vieram para ficar, apesar da resistência de setores tradicionais.

A automatização das fábricas tende a abarcar novas ocupações manuais da economia. O que será quando começarem a rodar os veículos sem motorista? O impacto da tecnologia tende a promover mudanças radicais no mercado de trabalho, avançando inclusive nas áreas administrativa e gerencial das empresas.

Mais e mais pessoas se tornarão trabalhadores ou “empresários” individuais, oferecendo os mais diversos tipos de serviços para uma ampla gama de clientes. Ou seja, trabalho individual, criativo e gerador de riqueza, mas que ao mesmo tempo exigirá que cada um cuide do seu próprio futuro (planeje e administre o seu fundo de aposentadoria, por exemplo).

Esta nova economia terá impacto crescente até mesmo no jeito de fazer política, embora os profissionais da política – apoiados por fortes lobbies - resistirão bravamente. Informações em tempo real, pesquisas de opinião pela internet e mobilizações pelas redes sociais vão aferir o desempenho dos políticos de forma rigorosa, colocando-os permanentemente na berlinda. Até a forma de eleição mudará e, daqui a pouco, nem mais será preciso sair de casa para votar – reduzindo o custo das eleições e tornando-as mais frequentes.

O Estado terá de reinventar-se. Este Estado ineficiente e caro terá de dar lugar a um Estado ágil, flexível e criativo; mais regulador, fiscalizador e indutor do desenvolvimento; e que dê prioridade a um ensino focado nas novas necessidades de empregabilidade e de igualdade de oportunidades. Além, claro, de eficiente nos serviços básicos e estratégicos como saúde, inovação tecnológica e segurança. Do poder público, serão cobrados cada vez mais transparência e melhor relação custo-benefício.

A tecnologia da informação virou o mundo de pernas para o ar. O Brasil, que não é uma ilha, vai ter de se adaptar a esta nova realidade dinâmica, “curto-prazista”, globalizada, multiplicadora de velhos e novos desafios. A menos que queira ficar a reboque deste processo. Ultimamente, dizem que até o longo prazo ficou mais próximo, e os problemas futuros também. Precisamos, pois, de uma “revolução de mentalidade”.

*Publicado pelo Diário do Centro do Mundo, em 19 de Maio de 2015:  http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/frei-betto-o-erro-do-lula-foi-ter-facilitado-o-acesso-do-povo-a-bens-pessoais-e-nao-a-bens-sociais/

Parlamentarismo: cuidado com o andor, o santo é frágil e não faz milagre

12 de Agosto de 2015, por José Venâncio de Resende 0

Parlamentarismo europeu: primeiro-ministro português Passos Coelho (Coligação PSD-CDS) e seu oponente Antônio Costa (PS) fazem campanha para as próximas eleições

A proposta de implantação do parlamentarismo no Brasil – apresentada em 1995 pelo então deputado Eduardo Jorge e aprovada em 2001 pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial – voltou a ser debatida pela Câmara dos Deputados, com grande chance de ser aprovada em 2016 para vigorar em 2019. Porém, a discussão é no mínimo preocupante.

Pela proposta de Eduardo Jorge, o presidente eleito - como chefe de Estado - escolherá o primeiro-ministro, a quem cabe formar o ministério, planejar e executar as políticas públicas. Também poderá dissolver o Congresso e convocar novas eleições se o primeiro-ministro perder as condições de governabilidade. O risco desta proposta é que tudo continue como dantes, ou que seja mais do mesmo.

Prefiro o modelo em que os candidatos a primeiro-ministro liderem seus partidos nas eleições por um mandato de quatro ou cinco anos, e o vencedor seja convidado pelo presidente a formar um governo de maioria. O primeiro-ministro só cairia, antes de completar o mandato, se perdesse a confiança da maioria dos parlamentares, quando então seriam convocadas novas eleições. Porém, para isso, seria preciso um quadro partidário mais “enxuto” e um novo sistema eleitoral (voto distrital misto).

Acabamos de sair de uma votação na Câmara dos Deputados de uma proposta de reforma política que, se confirmada pelo Senado, será um retrocesso em termos de legislação eleitoral. Uma das mudanças mais esperadas – o voto distrital misto – nem sequer foi discutida. O sistema partidário continuará caótico, com dezenas de partidos na sua maioria legendas de um único proprietário e, portanto, disponíveis para locação.

Como implantar o parlamentarismo nestas condições?

Em recente passagem por Lisboa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em conversa com este repórter, desaconselhou a discussão e aprovação de afogadilho do parlamentarismo. Enfatizou que este assunto precisa ser bastante debatido, lembrando ainda que tem de ser submetido a plebiscito.

Ironicamente, foi um plebiscito, convocado pelo então presidente João Goulart, que, em Janeiro de 1963, derrubou a única e curta experiência de parlamentarismo durante a República brasileira. Aliás, Resende Costa foi a única cidade do Brasil onde o parlamentarismo venceu o presidencialismo naquele plebiscito.

O regime parlamentarista foi implantado em 1961 para solucionar o impasse criado com a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. Foi a saída encontrada para dar posse a João Goulart, que enfrentava resistência de setores políticos e militares, por suas ligações com o sindicalismo e a esquerda.

Portanto, foi uma solução casuística que não deu certo principalmente por causa da tradição republicana de poder centralizado na Presidência e de primeiro-ministro indicado pelo presidente (o ideal é que fosse eleito para o cargo). O resultado foi a ocorrência de uma crise atrás da outra. Habilmente, Jango conseguiu o apoio de partidos e dos militares para antecipar o plebiscito, previsto para 1965, e restabelecer o presidencialismo.

Nova tentativa ocorreu em 1993 quando um plebiscito foi convocado com base na Constituição de 1988 que, embora presidencialista, trazia muitos traços do parlamentarismo. Mais uma vez, venceu o presidencialismo.

A atual crise de governabilidade - que tornou a presidente Dima Rousseff refém de sua base de sustentação no Congresso e das denúncias de corrupção da Operação Lava Jato – e o fracasso – senão o retrocesso - da reforma política que tramita na Câmara dos Deputados tem tudo para inviabilizar a implantação do sistema parlamentarista.

Cuidado com o andor, este santo é frágil e não faz milagre!

Parlamentarismo: cuidado para não repetir a experiência fracassada dos anos 1960!

11 de Julho de 2015, por José Venâncio de Resende 0

Em Lisboa, FHC falou sobre os "Desafios atuais do Brasil"

“Nós somos parlamentaristas”, disse, numa rápida conversa com este repórter, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final de sua palestra em Lisboa no dia 9 de Julho. No entanto, FHC desaconselhou a discussão e aprovação da proposta de afogadilho, principalmente na situação política atual do Brasil. Ao responder a pergunta “O senhor acha oportuno discutir o parlamentarismo no Brasil, neste momento, como quer o presidente da Câmara dos Deputados?”, FHC disse que este assunto precisa ser bastante debatido, lembrando ainda que tem de ser submetido a plebiscito.

Ironicamente, foi um plebiscito, convocado pelo então presidente João Goulart, que, em 1963, derrubou a única experiência de parlamentarismo durante a República brasileira. Aliás, Resende Costa foi a única cidade do Brasil onde o parlamentarismo venceu o presidencialismo naquele plebiscito.

O regime parlamentarista foi implantado em 1961 para solucionar o impasse criado com a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. Foi a saída encontrada para dar posse a João Goulart, que enfrentava resistência de setores políticos e militares, por suas ligações com o sindicalismo e a esquerda.

Portanto, foi uma solução casuística que não deu certo principalmente por causa da tradição republicana de poder centralizado na Presidência e de primeiro-ministro indicado pelo presidente (o ideal é que fosse eleito para o cargo). O resultado foi a ocorrência de uma crise atrás da outra. Habilmente, Jango conseguiu o apoio de partidos e dos militares para antecipar o plebiscito previsto para 1965. Assim, em 6 de Janeiro de 1963, foi restabelecido o presidencialismo.

Nova tentativa ocorreu em 1993 quando um plebiscito foi convocado com base na Constituição de 1988 que, embora presidencialista, trazia muitos traços do parlamentarismo. Mais uma vez, venceu o presidencialismo.

Atualmente, a crise de governabilidade - que tornou a presidente refém de sua base de sustentação no Congresso e das denúncias de corrupção da Operação Lava Jato – e o fracasso – senão o retrocesso - da reforma política que tramita na Câmara dos Deputados tem tudo para inviabilizar a implantação do regime parlamentarista. Principalmente se levarmos em conta o caótico sistema eleitoral (políticos são eleitos sem quaisquer compromissos com uma determinada base eleitoral) e o número exagerado de partidos políticos (28, caminhando para mais de 30).

Em resumo, é difícil imaginar a implantação do parlamentarismo no Brasil sem uma reforma política séria, com a adoção do voto distrital (ainda que misto), por exemplo.

FHC em Lisboa

Durante a palestra “Os desafios atuais do Brasil”, no dia 9 de Julho no auditório da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, o ex-presidente FHC, fez um amplo balanço político e econômico do Brasil nos últimos séculos. Foi uma fala serena e cautelosa, para um auditório lotado de portugueses e brasileiros, na qual evitou entrar em detalhes sobre a delicada situação política enfrentada pelo atual governo.

Destaco aqui alguns pontos da palestra que considero importantes.

- FHC considera-se de uma geração cuja paixão era romper as amarras do subdesenvolvimento, que o ex-presidente resume no binômio desenvolvimento e democracia.

- O Brasil conseguiu, com a ajuda da imigração tanto externa quanto interna, criar uma economia agrária poderosa paralelamente a uma importante indústria manufatureira.

- O Brasil sempre foi relativamente integrado ao mercado internacional, mas esta economia aparentemente pujante sofria de carência de capital, daí o endividamento externo e a elevada inflação.

- A virtude do Plano Real, que acabou com a hiperinflação, foi a de ter sido implantado na democracia, sem “surpresas tecnocráticas” e por meio do convencimento da opinião pública – isto abriu caminho para que o Brasil explodisse no começo do século 21 e ganhasse “auto-confiança”.

- O marco do Brasil atual é a Constituição de 1988, pelos direitos que garantiu aos cidadãos; isto apesar de ter criado “algumas travas”, alguns problemas, até porque foi feita um ano antes da queda do muro de Berlim.

-No Brasil, um presidente sofreu impeachment e não aconteceu nada de anormal – não se fala mais em golpe militar; houve mudança cultural também das Forças Armadas.

- No início do governo Lula, a base da economia foi mantida (responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio variável) e houve avanço na área social (programas sociais foram consolidados e ampliados).

- Na crise mundial de 2007, a reação do governo brasileiro foi anticíclica (crédito fácil e estímulo ao consumo), criando a ilusão de que mais intervenção resolveria tudo – as consequências vieram depois, com o desequilíbrio das contas públicas e a inflação.

- O grande crescimento a partir de 2004 deveu-se à expansão da China; agora, com a queda nos preços das commodities (matérias-primas ou produtos básicos) e a desaceleração da China, o Brasil terá de tomar decisões complexas na área econômica.

- O Brasil é fruto do capitalismo comercial, mas hoje o que prevalece é o capitalismo financeiro - o governo tem dificuldades em se posicionar diante desse mundo globalizado e em crise.

- O futuro do Brasil depende não apenas do mercado interno mas também dos fluxos de inovação dentro das cadeias globalizadas. O desafio é como produzir para o mercado interno e ao mesmo tempo integrar as cadeias globalizadas. A Embraer, por exemplo, está integrada nas cadeias globais e produz para o mundo; segmentos do setor de calçados já criam design no Brasil, produzem na China e exportam para os Estados Unidos.

- Os brasileiros sentiram o gosto de uma possível sociedade de bem estar social – melhorou, por exemplo, o acesso à escola. Mas as demonstrações de rua e a intensa participação nas redes sociais mostram que as pessoas querem mais coisas básicas.

- “No meu tempo, era presidencialismo de coalizão que se transformou em presidencialismo de cooptação. Governei com três partidos e eu nomeei os ministros, não os partidos. Hoje temos 28 partidos e 39 ministérios. É difícil governar nessas condições.”

- O Brasil tem fundos partidário e sindical – quer dizer, partidos e sindicatos vivem do governo. Não se consegue fazer reformas - “A Câmara acaba de perder a oportunidade de fazer a reforma política”.

- O Supremo Tribunal Federal não aceita a cláusula de barreiras (para limitar a criação de partidos); a sociedade está ligada à internet, acompanha e critica tudo e todos; o partido do governo está dividido; a presidente Dilma não é afeita a negociações políticas; somem-se a isso as acusações de todo tipo, de “deslizes organizados” envolvendo partidos.

- “ O Congresso tem conseguido administrar situações muito delicadas. A nossa rica experiência deve nos ajudar a avançar. É possível continuar a nossa marcha.”

Respondendo     perguntas da plateia:

- Sobre as taxas de juros: Política econômica e monetária é  sempre questão de gestão e dosagem (taxas reais de 6% desestimulam investimento e aumentam a dívida pública).

- Sobre educação: O desafio é qualitativo – é preciso fazer com que os alunos se interessem pela escola (“esta readaptação do ensino é muito complicada”); tem de melhorar a gestão do ensino público e valorizar os professores (salário, treinamento etc.); o Brasil precisa de inovação, mas para isso precisa vencer a burocracia.

- Sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff: “Quando eu era líder do PSDB no Senado e o Ulisses Guimarães, líder do PMDB na Câmara, tínhamos dúvidas sobre o impeachment de Collor e tínhamos receio de golpe militar… até a entrevista do irmão dele”. Por isso, FHC considerou que não se deva falar “com muita ligeireza” sobre o impeachment de Dilma – “O melhor para o Brasil é que as instituições funcionem normalmente”.

- Sobre a política de combate a drogas: Elogiou o avanço de Portugal nesta área – “Colocar usuário de drogas na cadeia é um erro, principalmente nas condições das cadeias brasileiras”; o traficante, este sim, precisa ser combatido.

- Sobre corrupção: “Hoje, passamos da corrupção tradicional (má conduta individual) para a grande corrupção que envolve o financiamento de partidos; existe a organização quase formal da corrupção envolvendo tesoureiro de partido. Isso está regando a horta de vários partidos E não se discute como reduzir custos de campanhas. As pessoas clamam por justiceiros, mas tudo tem de ser feito dentro da lei”. 

LINK RELACIONALDO:

Reforma política: a experiência europeia

http://www.jornaldaslajes.com.br/colunas/abrindo-novos-caminhos/reforma-politica-a-experiencia-europeia-/786