Parlamento Europeu: e nós com isso?
20 de Outubro de 2014, por José Venâncio de Resende 0

O site do Jornal das Lajes está publicando uma reportagem sobre o Parlamento Europeu (PE), que tem sede em Bruxelas (Bélgica) (http://www.jornaldaslajes.com.br/integra.php?i=1476). Alguém poderá perguntar o que nós, brasileiros, temos a ver com isso.
Tudo a ver. Afinal, o PE discute temas da atualidade, como alternativas energéticas menos poluidoras e agricultura biológica, que extrapolam as suas fronteiras. Mas sobretudo pode influir nos rumos da economia europeia, um invejável mercado de 500 milhões de pessoas com um poder aquisitivo relativamente elevado que precisa sair do marasmo em que atualmente está metido.
Estive recentemente no PE onde conversei com os eurodeputados portugueses Carlos Zorrinho e Francisco de Assis Miranda sobre o papel do Parlamento Europeu e as ideias e propostas para a nova legislatura que teve início neste Outono no hemisfério norte. Percebi nos dois parlamentares um interesse – e mesmo um entusiasmo – muito grande nas questões relativas ao Brasil e à América Latina.
Tanto que já estão engajados nas discussões sobre o acordo de livre comércio Europa-Mercosul, que está travado por questões internas ao Mercosul mas também por pendências em áreas sensíveis aos europeus como a agricultura. Da mesma forma, os dois eurodeputados são membros da delegação Europa-Brasil que acaba de ser criada. Embora sejam delegações de natureza diferente, suspeito que a nova delegação relacionada com o Brasil será um instrumento importante para fazer deslanchar o acordo com o Mercosul. Isto, evidentemente, se o governo brasileiro ajudar.
Em artigo* publicado recentemente, Fabiano Augusto Araújo e Grazielle Araújo Lellis, da PUC Minas, analisam as causas pelas quais o Acordo de Livre Comércio entre União Europeia e Mercosul demonstra dificuldade em se concretizar e quais os principais incentivos e empecilhos para sua realização.
Entre os pontos de impasse do acordo, os autores citam a resistência da Argentina na abertura (mínima) de 90% das economias do Mercosul para os produtos europeus, através de redução tarifária, uma vez que Brasil, Paraguai e Uruguai já esboçaram convergência nesse quesito.
No caso do Brasil, a UE reclama da prática de medidas compensatórias anticoncorrenciais. “Em relatório anual de 2013, a UE expressou sua preocupação sobre impedimentos ao comércio, que se traduzem em dificuldades no relacionamento comercial com Brasil e com outros membros do MERCOSUL, como a Argentina.” Os impedimentos referem-se principalmente ao setor têxtil, com regulamentações alfandegárias mais rígidas, e ao setor automobilístico, onde se identificou o aumento na tributação. Já o Mercosul alega que a UE apresenta um setor agrícola bastante fechado, devido à sua Política Agrícola Comum (PAC).
Em Março deste ano, nova rodada de negociações em Bruxelas buscou retomar o diálogo, estagnado desde 2010, num esforço político para estabelecer o acordo. “A cúpula de negociação de Bruxelas teve como principal objetivo definir claramente as especificações do tratado comercial (NETTO, 2014). Porém, não ocorreu qualquer apontamento nítido entre ambas as partes a respeito das definições do acordo, tão pouco o estabelecimento de prazos para que o mesmo venha de fato a acontecer, apesar de, formalmente, os atores em questão expressarem interesse no acordo.”
Daí a importância do papel dos eurodeputados interessados neste tema. Carlos Zorrinho e Francisco de Assis estão convencidos de que o acordo comercial com o Mercosul será bom para as duas partes, na medida em que pode ampliar substancialmente os negócios.
Mas é evidente que, para isso, o próximo governo brasileiro precisa rever a política comercial restritiva e tacanha que prevaleceu nos últimos anos. Afinal, exportar mais para a Europa (e também para os Estados Unidos) significa não apenas maior volume mas também produtos de maior valor. E como o que importa é o fluxo de comércio - via de dupla mão - quanto maior o volume de negócios, melhor para todo mundo.
A outra face do papel do PE está em superar obstáculos políticos para desatar o nó do crescimento europeu. Está em jogo não apenas o futuro, mas sobretudo o presente da Europa. Quer dizer, o novo presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, indicado pelo Parlamento Europeu, tem pela frente a difícil missão de combinar a austeridade fiscal (corte de despesas) como precondição para o crescimento sustentável – defendida por países liderados pela Alemanha – com a necessidade urgente de liberação de recursos para investimentos – proposta de França e Itália, por exemplo - que poderia colocar a economia em movimento.
E Juncker terá de contar com a pressão política dos seus pares, no PE, para vencer a resistência dos governantes que defendem a austeridade fiscal, sem prazo para terminar, na crença de que seja o remédio para todos os males. Afinal, se a Europa volta a crescer, aumentam os empregos e o poder de compra dos seus cidadãos. Isto tem impacto não apenas na produção da própria zona do euro como também nas importações de outros países como o Brasil.
*MERCOSUL-União Europeia: impasses, incentivos e viabilidade de um Acordo birregional - Disponível em: http://pucminasconjuntura.wordpress.com/2014/09/01/mercosul-uniao-europeia-impasses-incentivos-e-viabilidade-de-um-acordo-birregional/
Um movimento para simplificar a ortografia da língua portuguesa
24 de Agosto de 2014, por José Venâncio de Resende 0
Estou entre os mais de 35,8 mil cidadãos que já aderiram ao movimento “Simplificando a Ortografia” (http://simplificandoaortografia.com.br/), cujo objetivo é “facilitar o ensino e a aprendizagem da escrita (em português), substituindo o decorar pelo entender”. A ideia básica é facilitar a vida das pessoas.
O movimento quer reduzir as atuais 400 horas/aula de ortografia ministradas desde o início do fundamental até o fim do ensino médio para apenas (ou em torno de) 150 horas/aula. Ao mesmo tempo, quer que os professores, alunos e profissionais de todos os ramos escrevam com mais segurança e desenvoltura, gastando muito menos tempo; que, nas escolas, o ensino de Português foque assuntos mais importantes como leitura, análise, compreensão, interpretação e criação de textos; e que se desenvolva no cidadão a competência comunicativa, tão necessária para o engrandecimento de Angola, Brasil, Goa, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e de seus filhos, onde quer que se encontrem.
O movimento foi idealizado pelo professor Ernani Pimentel, que há 50 anos ensina Língua Portuguesa, Teoria Literária e Análise de Texto. É um pesquisador permanente, com mais de 10 mil páginas publicadas e é autor de vários livros dirigidos ao final do ensino médio e início do superior, como “Gramática pela prática”, “Intelecção e interpretação de Textos”, “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” e “Nova Ortografia Simplificada”. Pela internet, tem alunos em mais de 5.100 municípios, além de ministrar palestras e participar de debates e conferências.
Fumaça e fogo
O novo acordo ortográfico começa a valer em 2016, mas parece que a sua assimilação não em tem sido tão tranquila. Tanto que um grupo de trabalho foi criado pelo Senado brasileiro para analisar o que foi proposto neste acordo ortográfico, bem como estudar meios que facilitem o seu aprendizado. O grupo é formado por professores da área de linguística que fazem uma análise técnica do novo acordo, com suporte da Comissão de Educação do Senado.
Se este é o “fogo”, a “fumaça” são os boatos que surgiram, nos últimos dias, na internet, de que tramita no Senado um projeto de lei com o objetivo de promover mudanças radicais na língua portuguesa, segundo noticiou o jornal Correio Braziliense (20/08/2014). De acordo com estas versões, entre as mudanças que o projeto previa, estava a abolição de "ç", "ch" e "ss” da ortografia oficial.
Diante da grande repercussão destes boatos nas redes sociais, muitos professores, alunos e estudiosos da língua portuguesa buscaram informações junto ao Senado. O presidente da comissão, o senador Cyro Miranda, foi ligeiro em informar, por meio de nota oficial, que não são verdadeiras as medidas divulgadas e que preocuparam muita gente na web. “Recentes notícias de que estaríamos a ponto de reformular a ortografia da língua portuguesa não procedem.”
Também a assessoria da senadora Ana Amélia, vice-presidente da mesma comissão, garante que até o momento não está prevista nenhuma mudança radical na língua portuguesa. As ideias de realizar alterações pontuais na ortografia seriam apenas visões particulares de profissionais da educação que participam do grupo de trabalho e não uma decisão em conjunto da comissão ou mesmo um projeto de lei já formulado. Antes de qualquer alteração na língua portuguesa, o assunto deverá ser debatido com outros países que utilizam o idioma e, principalmente, com a sociedade brasileira.
Galego-português
Exista ou não o projeto de lei, Roberto Moreno, presidente da Fundação Geolíngua, propôs ao senador Cyro Miranda uma reforma mais profunda, que incorpore o “galego”, numa homenagem ao rei D. Dinis que, há oito séculos, criou a primeira “marca branca” do mundo, “nomeando, simplesmente, de português o galego. A ideia seria criar uma “nova marca branca” para o “galego-português”, que ele denomina “geolíngua” “para não ferir susceptibilidades, quer em Portugal, quer no Brasil”.
Moreno parte do fato histórico de que, em 1290, D. Dinis decretou que, em vez do latim, o galego-português fosse usado na corte com o nome "português". Assim, o rei adotou uma língua própria para o reino, tal como o seu avô fizera com o castelhano. Em 1296, o português passou a ser usado não só na poesia, mas também na redacção das leis e pelos notários. “Portanto, e como reza a história, e diante dos factos, a língua portuguesa foi criada por Decreto Real. Na situação geopolítica e sociocultural em que Portugal se encontrava, nessa época, esta foi a decisão Régia mais acertada.”
Mais tarde, em 1874, Alexandre Herculano disse que "A Galiza deu-nos população e língua, e o português não é senão o dialecto galego, civilizado e aperfeiçoado”, reforça Roberto Moreno. E conclui com Umberto Eco: «O certo é que as línguas não podem ter nascido por convenção já que, para se porem de acordo sobre as suas regras os homens necessitariam de uma língua anterior; mas se esta última existisse, por que razão se dariam os homens ao trabalho de construir outras, empreendimento esforçado e sem justificação?»
De qualquer forma, apesar do pronto desmentido sobre o projeto de lei e da cautela dos senadores, especialmente em ano eleitoral, a discussão do assunto está mais viva do que nunca. Talvez não haja disposição para uma reforma tão profunda, pelo menos neste momento. Mas, se existe um tema em que a liderança do Brasil é fundamental, este é o futuro da língua portuguesa.
Links relacionados:
http://www.jornaldaslajes.com.br/integra-coluna.php?i=674
http://www.jornaldaslajes.com.br/integra.php?i=1421
Banco Espírito Santo, Portugal Telecom, futebol, consumidor... (2)
16 de Agosto de 2014, por José Venâncio de Resende 0
Ironia! Há pouco tempo, eu usava aí no Brasil (São Paulo - Resende Costa - São João del-Rei) uma camisa (camisola, para os lusitanos) do Futebol Clube do Porto, com o patrocínio do Banco Espírito Santo (BES) nas costas e da PT (Portugal Telecom) na parte da frente. O Porto é dos principais clubes portugueses e BES (instituição financeira com 145 anos de existência cuja marca virou pó) e PT (operadora do sistema nacional de comunicações) eram duas das principais empresas do país.
O campeonato nacional de futebol da temporada 2014/15 começou, neste fim de semana, acrescido de duas equipes (18 no total), mas com os grandes clubes do futebol enfraquecidos pela falência do tradicional BES. Isto ajuda a explicar a recente perda de jogadores de qualidade, para clubes de outros países, e a dificuldade de reposição nos elencos com peças de mesmo nível. É esperar para ver o resultado com a bola rolando nos gramados portugueses.
Na “cascata de afetados”, segundo definição da agência de notícias EFE, inclui-se o maior e mais popular clube de futebol português, o Benfica, que tem no extinto banco uma das suas vias de financiamento. “O descalabro daquele que foi o terceiro maior banco e mais tradicional em Portugal produziu-se como se se tratasse de um castelo de cartas de baralho, no qual uma carta cai e arrasta o resto. Após sacudir os alicerces da operadora PT, os tentáculos financeiros do antigo banco familiar situam-se agora sobre o clube com mais adeptos, oficialmente perto de 200.000, e mais laureado em Portugal, com 33 campeonatos portugueses.”
Dados do regulador da bolsa de valores (a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários-CMVM), referentes a 31 de março de 2014, mostram que o Benfica (que é cotado no índice geral da Bolsa de Lisboa) tinha um empréstimo pendente de quase 65 milhões de euros com o BES com vencimento em abril de 2014, mas que "se renova automaticamente por períodos trimestrais". Embora não informe a sua taxa de juros concreta, a própria entidade revela que a taxa média anual de juros por empréstimos é "de 7,93%".
Fica no ar a dúvida: terá o Benfica liquidez para devolver esses 65 milhões de euros sem vender mais jogadores, o que poderia repercutir no rendimento desportivo? Ou o clube poderá renegociar empréstimo com a administração do Novo Banco (a parte saudável que sobrou do BES)? Por enquanto, nem o Benfica nem o Novo Banco quiseram pronunciar-se sobre o assunto. Enquanto isso, o Benfica vende jogadores, mas as contratações para suprir a saída não acontecem.
O Benfica Stars Fund - fundo de investimento em percentagens de passes de jogadores do plantel que nasceu em outubro de 2009 – tem participação do Benfica e é administrado pelo ESAF (Espírito Santo Fundos de Investimento Mobiliário). Este fundo, por exemplo, arrecadou perto de 45 milhões de euros e repartiu milhões em lucro, ao vender percentagens de jogadores a terceiros que buscam beneficiar-se de uma futura revalorização quando são transferidos a outra equipe. Outros clubes, como Sporting e Porto, também usaram instrumentos financeiros semelhantes ao Benfica Stars Fund. Eles utilizam a mesma via para suprir as baixas receitas da venda de entradas, camisolas, publicidade e direitos de televisão.
Um alívio, segundo fontes do setor consultadas pela EFE, é que, com a decisão de dividir o BES em “banco bom" e “banco ruim” (os portugueses preferem "mau"), este fundo administrado pelo ESAF teria ido para o Novo Banco, em vez de parar ao "banco podre", que vai liquidar os ativos tóxicos nos quais estão incluídos os acionistas.
No final de Julho, os fundos de investimento nacionais detinham uma exposição ao universo BES e GES (Grupo Espírito Santo) de 204,8 milhões de euros, de acordo com a CMVM. Deste valor, 136 milhões de euros, relativos à dívida emitida pelo BES, foram transferidos para o Novo Banco (ou seja, fundos de investimento portugueses continuam a deter 68,8 milhões de euros em ativos cujo desfecho ainda não é conhecido).
Mas os clubes portugueses poderão ser vítimas também de outro malfadado negócio. A operadora PT, sócia do BES, foi duramente golpeada por um investimento de quase 900 milhões de euros que fez em títulos da Rioforte (outra empresa do GES), valor que dificilmente receberá de volta. Além da marca institucional, o MEO (Serviços de Comunicações e Multimídia) tem sido a marca comercial da PT mais presente em camisolas de equipes portuguesas.
Defesa do Consumidor
A Associação de Defesa do Consumidor (Deco) acaba de pedir ao Parlamento português a abertura de inquérito para apurar "os atos" adotados pelo Governo e pela administração do BES no âmbito da insolvência técnica da instituição, de acordo com o Diário Econômico. A Deco exige que sejam apuradas responsabilidades quer da administração do banco, quer dos auditores, passando pelas entidades supervisoras - como o BdP -, pelo próprio Ministério das Finanças e pelo Presidente da República.
A Deco anunciou também ter disponibilizado, na sua página da Internet, um formulário de "denúncia para pequenos acionistas e investidores lesados" pelo BES. O objectivo é reunir dados que permitam encontrar a melhor forma de defender estes consumidores. A associação lembrou que a "falência inesperada do BES deixou centenas de consumidores sem uma boa parte das economias que amealharam durante anos".
Numa semana e meia, a Deco recebeu mais de 1000 queixas e pedidos de ajuda quer dos "depositantes, que viram as suas poupanças transferidas sem percalços para o Novo Banco, quer dos pequenos investidores, cujos ativos ficaram na posse do antigo BES e dificilmente serão recuperados".
Para a Deco, "as falhas de gestão e de transparência que envolveram o caso BES são desastrosas e não podem ser resolvidas à custa dos pequenos investidores. Ainda que o investimento em acções e obrigações tenha riscos, os contornos deste processo estão muito longe dos de uma falência normal".
A associação considera inexplicável como, no espaço de dois ou três dias e de acordo com as contas apresentadas pelo próprio BES, a instituição tenha passado de um valor contabilístico de 4,2 bilhões de euros para um buraco financeiro ainda por calcular
Banco Espírito Santo, Portugal Telecom, Oi... (1)
16 de Agosto de 2014, por José Venâncio de Resende 0

BES: banco bom e "bad bank", depois da intervenção do Banco de Portugal este ano
Uma das questões que mais se discute na imprensa e no meio político, em Portugal, é a mal explicada transação financeira milionária entre a Portugal Telecom (PT) e a Rioforte, do Grupo Espírito Santo (GES). Afinal, quem foi o responsável pelo negócio? Quem sabia do negócio?
O fato é que a PT foi uma das grandes vítimas do desmoronamento do GES. A operadora portuguesa – em processo de fusão com a brasileira Oi - não recebeu de volta quase 900 milhões de euros de um investimento feito na Rioforte. Com isso, a PT e a Oi tiveram de renegociar os contratos de fusão e a operadora portuguesa acabou por perder espaço para a Oi na holding CorpCo, criada para atuar no Brasil, Portugal e nações da África. A participação acionária da PT na CorpCo deve cair de 37,3% para 25,6%, aumentando assim a fatia dos outros acionistas. Mas o resultado é que a nova empresa ficou menor.
Outras empresas, como a Américo Amorim e a estatal Caixa Geral de Depósitos (CGD), podem estar expostas à dívida do GES. Estas empresas terão de assumir as perdas relativas aos investimentos que fizeram. Resta saber qual a saúde financeira de muitas dessas empresas e qual a extensão dos danos para a atividade econômica (menos capacidade para investir, por exemplo).
O que se segue é um relato (em duas partes), baseado no que foi publicado, especialmente na imprensa portuguesa, antes e depois da intervenção no Banco Espírito Santo, anunciada em 3 de Agosto (domingo) pelo governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa. Foram acontecimentos de tal gravidade que o próprio Carlos Costa chegou a afirmar, em depoimento ao Parlamento, que o sistema financeiro de Portugal caminhou sobre o fio da navalha.
Negócio intrincado
O desmoronamento do GES, cujo expoente era o empresário Ricardo Salgado, abalou a saúde financeira do tradicional Banco Espírito Santo (BES) e de muitas empresas em Portugal. A parte mais visível do GES eram três sociedades constituídas no Luxemburgo - Rioforte, Espírito Santo International (ESI) e Espírito Santo Financial Group (ESPG) - onde eram geridos os interesses internacionais do grupo. E onde estão sob gestão controlada pelos tribunais.
O GES é um universo de cerca de 400 empresas ligadas entre si por complexa rede de participações financeiras, geridas no topo pelas holdings ESI, Rioforte e ESFG, que agora estão sob proteção de credores. As três holdings do topo constituíam um organograma complexo de relações entre empresas sediadas no Luxemburgo, na Suíça, nas Bahamas ou no Panamá. Na estrutura, havia acesso a contas do BES (o principal braço financeiro da família Espírito Santo), da ESFG (principal acionista do banco com cerca de 20%) e da Rioforte, mas acima disso já não havia visibilidade. A ESI, que aloja uma dívida superior a sete bilhões de euros (incluindo 1,3 bilhão que não estavam nas contas) era como se não existisse. Parecia uma caixa preta.
O castelo começou a desmoronar com a crise financeira de 2008, que levou Ricardo Salgado a cometer irregularidades para esconder a real situação financeira do grupo. As regras mais rígidas do Banco Central Europeu (BCE) exigiram sucessivos aumentos de capital para garantir a solidez financeira. As holdings endividaram-se cada vez mais a fim de que a família Espírito Santo conseguisse manter no BES a sua posição de principal acionista. Mas a bancarrota teve o empurrão decisivo de inimigos de Ricardo Salgado (que não são poucos), de dentro do próprio grupo.
Novos empréstimos para pagar juros dos empréstimos antigos tornaram cada vez mais difícil honrar os compromissos financeiros e conseguir dinheiro novo. Para esconder a dívida galopante e a situação de falência técnica, as contas da ESI subavaliavam os passivos. Foram omitidos cerca de 1,2 bilhão de euros de dívida, segundo auditoria externa solicitada pelo Banco de Portugal. Alguns negócios ruinosos, como o imobiliário, contribuíram para o descalabro das contas, cuja situação real foi escamoteada.
O BES foi um dos que emprestaram dinheiro a empresas do grupo, num total de 1,2 bilhão de euros. Mas nos últimos dias - antes de o empresário Ricardo Salgado deixar suas funções no grupo -, houve operações de gestão danosa que aumentaram a exposição do banco aos negócios ruinosos da família Espírito Santo.
Na noite de três de Agosto (um domingo), o presidente do BdP anunciou oficialmente o fim do BES. Em seu lugar, surgiu o Novo Banco que ficou com a parte “boa” do BES (depósitos, balcões e funcionários) e foi capitalizado através da injeção de 4,9 bilhões de euros (recursos da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional). Na verdade, esses recursos deveriam sair de um fundo de resolução mantido com contribuições dos próprios bancos. Mas este fundo é recente (2012) e não tem ainda valor suficiente (dispõe de apenas 380 milhões de euros), daí porque o governo entrou com o empréstimo na expectativa de que os bancos privados viabilizem a devolução do recurso aos cofres públicos.
Já o antigo BES ficou com a parte “ruim” (os portugueses preferem chamar de “banco mau”), os chamados ativos problemáticos ou “tóxicos”, em grande parte relacionados com os negócios da família Espírito Santo. Com a liquidação do BES, os seus acionistas terão de assumir as perdas.
A atuação do Banco de Portugal
Uma crítica que tem sido feita ao BdP, na imprensa e no meio político, é sobre a demora da instituição em intervir no BES. O BdPdetectou os problemas de endividamento da ESI no ano passado e determinou que o BES reduzisse os empréstimos ao grupo e que aumentasse o capital. Investigou as relações de financiamento entre o BES e as holdings do GES, através de auditoria externa, e impôs medidas para isolar os problemas do grupo. Determinou medidas como uma provisão de 700 milhões de euros na ESFG para acautelar um eventual risco de incumprimento. Exigiu mudança na administração do banco, que culminou com a saída de Ricardo Salgado e a entrada de Vítor Bento, e determinou a solução anunciada (o fim da tradicional marca).
Em 12 de julho, dois dias antes de Vitor Bento assumir o BES, Ricardo Salgado informou ao BdP que o banco estava com problemas de liquidez e que seriam necessárias “medidas adicionais” para restaurar a saúde financeira da instituição. Durante dois dias, Salgado e o administrador financeiro Amílcar Morais Pires tinham analisado “detalhadamente” as contas do banco, antes de comunicar ao supervisor bancário que havia problemas. Estas informações fazem parte da ata do último Conselho de Administração do BES que ocorreu em 13 de Julho, um domingo. A última reunião dos administradores do BES antes da saída de Salgado aconteceu às 20 horas daquele domingo, véspera da posse de Vítor Bento, por determinação do BdP.
Na despedida, Salgado ainda deixou uma pequena “bomba”, ao informar sobre a conclusão pouco otimista resultante da análise feita junto com o departamento financeiro. O banqueiro “chegou à conclusão ser importante transmitir ao BdP, por carta (enviada no sábado, 12 de Julho), o seu entendimento quanto à necessidade imperativa de adopção de medidas adicionais ao plano de contingência de liquidez em vigor no BES”.
Quando, a 12 de Julho, o governador do BdP, Carlos Costa, recebeu a indicação de Salgado de que havia problemas nas contas, mesmo depois do aumento de capital concluído em Junho, ainda não se sabia que dias antes haviam sido feitas operações bancárias que penalizaram ainda mais os resultados. Esta ata do BES ajuda a esclarecer a deterioração da situação financeira do banco. Uma das razões invocadas pelo BdP para intervir no BES foi um prejuízo superior ao estimado, alegadamente por práticas de gestão danosa por administradores cessantes que ainda estavam em funções na primeira quinzena de Julho.
Os culpados
Em editorial denominado “Portugal´s Banking Disaster” (06/08/2014), o jornal New York Times referiu-se a “dúbios empréstimos” feitos pelo BES para alavancar negócios que eram controlados pelo grupo da família Espírito Santo. O resultado foi que, na última semana que antecedeu ao anúncio derradeiro do Banco de Portugal, o BES anunciou perdas de 3,58 bilhões de euros no primeiro semestre do ano, principalmente por causa desses empréstimos.
Mas o jornal não atribuiu a falência do BES tão-somente a uma falha dos funcionários portugueses que tinham a primeira responsabilidade por supervisionar o banco. “A Comissão Europeia, O Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) dividem parte da culpa porque eles tem estado intimamente envolvidos no sistema financeiro e econômico de Portugal nos três anos após emprestar 78 bilhões de euros ao país para ajudá-lo sair da crise financeira. Em Maio, as três organizações disseram que ´a capitalização do banco tinha sido significativamente fortalecida´ em Portugal, o que sugere que eles estavam superotimistas sobre o progresso que tinha sido feito”.
Ainda segundo o jornal, este ano o BCE vai promover supervisão dos maiores bancos em países que usam o euro. “Um importante teste da creditiblidade do BCE será quando ele publicar os resultados do ´teste de stress´ dos 128 emprestadores europeus em Outubro. O Banco Central tem de assegurar que este exercício não é um check-up pró-forma que faz os bancos parecerem bons e que esconde seus problemas, como o Banco Espírito Santo parece ter feito. A economia europeia não vai recuperar até que seu sistema bancário seja verdadeiramente saudável.”
(Fontes de informação: Agência EFE, Diário Econômico, Sol.pt, Agência Lusa, SIC Notícias, Expresso, O Globo, The New York Times)
Polêmica na CPLP, Agostinho da Silva e a língua do futuro
06 de Agosto de 2014, por José Venâncio de Resende 0

Agostinho da Silva
O ingresso na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) da Guiné Equatorial foi um dos assuntos mais discutidos na televisão e nos jornais, aqui em Portugal, nas últimas semanas. Sem meias palavras, a mídia lusitana desaprovou a decisão, oficializada na Cimeira da CPLP em julho no Timor Leste, por considerar que na Guiné Equatorial se fala o espanhol e o país tem uma das piores distribuições de renda do planeta, além de ser dirigido há anos por uma ditadura corrupta. A imprensa portuguesa não deixou de notar a ausência no evento oficial de Dilma Rousseff, presidente do Brasil, país que, junto com Angola, teria apadrinhado o país africano.
O assunto não escapou de comentário na conferência do professor Fernando Dacosta, na sessão semanal (24 de Julho) da Academia de Ciências de Lisboa, sobre o filósofo e intelectual português Agostinho da Silva, que morou vários anos no Brasil. Alguns amigos perspicazes de Agostinho da Silva ironizam que a CPLP está a ser transformada em Comunidade dos Países Lusófonos Petrolíferos, disparou o acadêmico Dacosta.
Aliás, seguindo o destino – como fez questão de acentuar – Agostinho da Silva mudou por completo depois que desembarcou no Brasil em 1944, relata Dacosta. Disse que o Brasil provocou um “terremoto” na sua vida. “O Brasil permitiu-me a abertura de mim próprio. Eu fui outro.” Mas nunca esqueceu a frase que um dia ouvira de Fernando Pessoa: “Minha pátria é a língua portuguesa”.
Considerando, ainda, que “cultura e política são a mesma coisa ou não são coisa nenhuma”, Agostinho da Silva formulou seu “plano detalhado” - apresentado no 4º Congresso Internacional de Universidades, realizado em Agosto de 1959 na Universidade de São Salvador (Bahia). Segundo Dacosta, Agostinho da Silva foi além do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, situando-se no futuro em que os povos africanos de língua portuguesa fossem autônomos, o que na sua perspectiva aconteceria logo.
A proposta de Agostinho da Silva iria, mais tarde, consubstanciar o espírito da hoje chamada CPLP, sintetiza Dacosta. A ideia de uma comunidade com essas características foi sugerida por ele ao então presidente Jânio Quadros, com quem colaborou. Mas o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o ex-ministro da Cultura e ex-embaixador em Portugal, José Aparecido de Oliveira, além de companheiros e discípulos de Agostinho da Silva, também foram decisivos na viabilização do projeto. Líderes africanos da época seguiram atentamente suas palavras e posições. Porém, governantes, políticos e empresários portugueses tinham dificuldades em aceitar a proposta porque era assentada na independência total das colônias africanas.
Inicialmente, Agostinho da Silva defendia dois blocos congêneres – a CPLP e a comunidade de povos da língua espanhola – que, num segundo momento, se transformariam na CPLI (Comunidade de Povos de Línguas Ibéricas). Só então este bloco poderia incluir a Guiné Equatorial, ironizou Dacosta. Um bloco ibérico capaz de fazer frente a outros blocos ao redor do mundo, um pensamento visionário mas ousado para a época.
Agostinho deixou o Brasil na ditadura militar e faleceu há cerca de 20 anos em Portugal. E suas ideias continuam gerando frutos.
Geolíngua
Embora não tenha conhecido Agostinho da Silva, pessoalmente, Roberto Moreno seguiu as suas pegadas, ao deixar o Brasil em 1992 em busca de fundamentos científicos para uma tese de doutorado sobre a “língua do futuro”, que prefere denominar “geolíngua” (língua da terra) para não ferir susceptibilidades. A sua tese é que, das cerca de sete mil línguas naturais existentes no mundo, o “galaico-português” (português surgiu do galego) é o que mais potencial tem para se firmar como a língua de 800 milhões de pessoas. Quer dizer, Roberto Moreno propõe a União Iberófona (UI), uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola - Sem Fronteiras. Ao unir 30 países nos cinco continentes, a substituição da “lusofonia” pela “iberofonia” abarcaria uma comunidade ainda não explorada.
Para isso, patenteou em 2002 a palavra “Geo” - para transformá-la na marca Geo - no território português (registro renovado agora para mais 10 anos), abrangendo 18 classes (relativas a produtos e serviços); criou a Fundação Geolíngua para promover a Geolíngua, como língua universal, e gerir a marca; e registrou os direitos autorais do projeto “8 Séculos da Língua Portuguesa”. Mas ainda não concluiu a tese, iniciada em 1-1-1992, que sonha um dia defender em praça pública tendo o povo como júri.
Roberto Moreno utiliza o conceito de “endoeconomia”, uma economia auto-sustentável e solidária, na prática, pela qual o cidadão em algum momento passaria a ser dono da marca Geo. Ou seja, propõe um projeto por meio do qual a receita da venda de produtos e serviços com a marca Geo (Geoágua, Geopão, Geocafé, Geobanco etc.) seria revertida em seu benefício em áreas como educação, saúde e segurança pública.
Mas isso não é sonhar demais? O próprio Roberto Moreno responde: “´Deus quer, o homem sonha a obra nasce´, dizia Fernando Pessoa. Eu estou a ressuscitá-lo, nesta e em outras profecias. É o ´Quinto império´ via a ascensão espiritual do homem e do diálogo em Geolíngua”.
Links relacionados:
1. Conferência “Evocação de Agostinho da Silva”, de Fernando Dacosta:
https://www.facebook.com/academia.das.ciencias.de.lisboa/app_212104595551052
2. Entrevista de Roberto Moreno ao programa de TV “Verbos e Letras”:
http://www.youtube.com/watch?v=aisI7SEry4c