Uma cidade onde as ruas foram invadidas por "cachorros sem donos"
27 de Maio de 2013, por José Venâncio de Resende 0
Noite dessas, ao passar por uma rua mal iluminada ao lado do cemitério, fui atacado por três cachorros – inclusive levei uma dentada na perna de um deles - que, tudo indica, não tem donos. Outro dia, seis e meia da manhã, cruzei com um “bando” de cachorros, uns dez, fazendo a maior algazarra na rua do bairro.
Não sei ao certo, mas acredito que esta invasão de cachorros é um problema que importuna a cidade inteira. “Tem cachorro de Lafaiete, tem cachorro de Lagoa Dourada, tem cachorro de tudo quanto é lugar”, definiu bem meu primo Zé da tia Alice. Uma afirmação, que pode conter uma informação valiosa do que anda ocorrendo nas ruas de Resende Costa.
Estes acontecimentos me fizeram retroceder no tempo, quando alguns anos atrás eu passava o Natal em Bariloche (Argentina). Chamou minha atenção a quantidade de cachorros idosos que perambulavam pelas ruas, em busca de alguma comida. No restaurante onde jantávamos (um grupo de brasileiros), os simpáticos e bonitos cachorros circulavam entre os turistas na esperança de que pudessem participar da ceia de Natal, ainda que marginalmente.
Voltando mais ainda no tempo, na época de criança, os meninos de minha rua divertiam-se com a chegada, a cada ano, de homens, portando espingardas, para matar “cachorros zangados” no antigo campo do Varginha. Sabíamos que nos dias seguintes iríamos assistir ao espetáculo de urubus invadindo o pasto onde jaziam estendidos os animais, até que sobrassem expostos apenas os esqueletos.
Não quero aqui ser radical ao ponto de defender “pena de morte” para os - ou “vacinação fatal” (à base do tiro) dos - cachorros abandonados pelas ruas da cidade. Mas bem que o poder público e alguma organização não-governamental (protetora dos animais) poderiam tomar alguma providência para nos livrar deste incômodo.
Na Ilha Santa Maria, Açores, onde tudo começou
16 de Fevereiro de 2013, por José Venâncio de Resende 0

Último dia de carnaval nos Açores, mais precisamente em Ponta Delgada, Ilha São Miguel, onde cheguei na terça-feira, 12. Na viagem, comecei a ler o romance “A saga do marrano”, que conta a história de um judeu cristão-novo cujo pai, o médico Diego Ñunes da Silva, fugiu para a América espanhola para escapar da perseguição religiosa, mas acabou preso e condenado pelo tribunal implacável da inquisição.
Qual não foi surpresa quando, ao sair para almoçar, depois de descansar da longa viagem, passei por uma rua cujo nome é Antonio Joaquim Nunes da Silva. Mera coincidência? Nem tanto, a considerar que os historiadores identificaram a presença de judeus e mouros na colonização dos Açores, entre os séculos XIV e XV. Mas esta é uma longa história.
A caminho do almoço, no feriado de carnaval, vi uma cena curiosa. Na avenida principal, à beira mar, dois jovens descarregavam de um carro uma carga estranha: inúmeros saquinhos de água, os quais a princípio cheguei a pensar que fossem de gelo. Passado o almoço, o movimento da avenida já era grande. E começava a guerra dos saquinhos de água, muitos inclusive coloridos.
Daí pra frente, a aglomeração de gente aumentava, carros continuavam a chegar com saquinhos e saquinhos de água e começava o desfile de carros alegóricos – na verdade, grandes caminhões com faixas e patrocínios nas laterais carregados de jovens – que ao se cruzarem na avenida davam seqüência à guerra da água, sobrando quase sempre para os populares que se concentravam na avenida.
Já noite, quando passei pela avenida para tomar lanche, vi o cenário devastado da guerra que sobrou do carnaval açoriano: a avenida coberta de saquinhos estourados de água e os homens da limpeza se esmerando ao máximo para deixar tudo ordem.
Mas a guerra dos saquinhos não mostrava os sinais da crise européia, e portuguesa em particular, que apareciam nos pequenos detalhes. Ou era uma associação de apoio aos consumidores que pedia contribuições aos que passavam pela rua, em frente à sua sede. Ou, em outra rua, um restaurante fechado que trazia um cartaz na porta: “Procuram-se clientes”.
Na quarta, 13, antes de prosseguir minha viagem rumo à ilha-mãe, Santa Maria, fiz um contato-chave com o historiador José de Almeida Mello, que trabalha na Biblioteca Municipal Ernesto do Canto e lidera a Associação Cultural Amigos da Sinagoga de Ponta Delgada. Fui informado por ele que os principais arquivos das famílias tradicionais dos Açores estão concentrados na Biblioteca Pública e Arquivo Regional em Ponta Delgada. Uma pista importante para futuras pesquisas. Mello contou também que os arquivos da mais antiga sinagoga dos Açores, certamente fonte de valiosas informações, estão sendo restaurados para no futuro serem disponibilizados ao público.
Vila do Porto
As informações de Mello, de certa maneira, me frustraram, pois planejei ficar mais tempo na Vila do Porto, Ilha Santa Maria, “onde tudo começou”. Sabem como é: reserva antecipada de hotel, de vôo etc. Hoje, faria o inverso, ou seja, ficaria mais dias na Ponta Delgada.
De qualquer forma, a visita à Vila do Porto foi interessante em vários aspectos. Conheci a porta de entrada dos portugueses do continente nos Açores, no século XV (por volta de 1420). Além dos Resendes, descobri que na ilha existem famílias do nosso convívio, como os Chaves e os Monteiro. Outros aspectos interessantes que nos são familiares estão na arquitetura e no artesanato, que pretendo explorar na reportagem sobre a viagem.
Não poderia deixar de agradecer ao casal José e Paula Melo – ela brasileira – pelo agradável, embora curto, convívio, e pelo apoio, incentivo e ensinamentos sobre a cultura e na história locais. José de Andrade Melo – nenhuma relação com o historiador - é professor do ensino básico e de educação ambiental na Vila do Porto.
Por fim, esta viagem é para mim um divisor de águas na medida em que reforça meu interesse por um tema muito mais próximo de nós do que imaginamos. Trata-se de ler e pesquisar sobre a influência dos judeus cristãos novos na cultura mineira e brasileira, talvez uma das minhas atividades na aposentadoria que bate às portas.
Política, ética, cidadania, consumismo...
14 de Novembro de 2012, por José Venâncio de Resende 0
O Brasil vive uma confusão só entre política de resultado, ética sem princípios, cidadania do cartão de crédito e consumismo como fim em si mesmo. Aparentemente, nada tem a ver com nada, mas tudo tem a ver com tudo.
Definidas as penas dos chefões da “quadrilha”, de um lado, os petistas – que sempre negaram a existência do mensalão – não se conformam com a condenação de seus líderes – exceção de Lula que não teve seu nome incluído na ação penal – e, de outro, muita gente não entende que Marcos Valério (operador financeiro) tenha recebido pena de 40 anos, enquanto o ex-ministro José Dirceu – considerado oficialmente o mentor – tenha sido condenado a pouco menos de 11 anos de prisão (debite-se isto na conta das leis brasileiras, cujas penas são bastante leves para alguns crimes, como de formação de quadrilha para assaltar os cofres públicos). O fato é que a “quadrilha” do mensalão levou à risca afirmação, alguns anos atrás, do então deputado federal Lula de que existiam 300 picaretas no Congresso Nacional. Ao investir nos “picaretas”, não contavam com a denúncia, transformada em ação penal, e a condenação dos seus chefes e membros.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) julgava os membros da quadrilha, bem perto dali, no Congresso Nacional, a chamada “bancada da Delta” encarregava-se de sepultar a CPI do Cachoeira, que bem poderia ser o embrião de um novo ‘mensalão”. Afinal, são fortes as evidências de que a construtora Delta - principal empreteira do PAC de dona Dilma e que trabalha para vários governos estaduais – tenha ligações com o contraventor Carlinhos Cachoeira, investigação que a CPI se encarregou de sepultar.
E fechadas as urnas das eleições municipais, começaram a todo vapor os conchavos para uma acomodação de forças políticas – com vistas a 2014 – da qual uma das principais “estrelas” é o prefeito de São Paulo e criador/presidente do PSD, Gilberto Kassab. Até há pouco tempo aliado de José Serra, nem bem terminou a eleição paulistana e Kassab já procura o lado oposto para selar de vez o seu embarque no governo de dona Dilma, oferecendo apoio incondicional nas votações no Congresso Nacional e na Câmara Municipal de São Paulo em troca de algum ministério. Agora, ao lado de PMDB e PSB – sem falar da miríade de partidos de segunda linha –, o PSD de Kassab, que já é a terceira força política na Câmara dos Deputados, pega carona na popularidade de dona Dilma, para garantir um quinhão do latifúndio federal no presente e investir no futuro.
O problema é que, subajcente a isto, está um sistema caótico que tudo permite, no qual a política de resultados e a ética sem princípios caminham de braços dados. Nós cidadãos somos joguetes nas mãos dos políticos que, fechadas as urnas, rasgam as promessas de campanha e partem para a política de terra arrasada. Basta dizer que político eleito por um partido, troca-o por outro como se mudasse uma peça de roupa ou migra da oposição para a situação como se tivesse recebido folha em branco assinada pelo seu eleitor.
Uma reforma política é urgente, mas não aquela dos que querem usar de espertezas para se perpetuarem no poder. Uma reforma política de fato seria aquela que implantasse o sistema distrital de votação, que declarasse o voto livre (um direito e não uma obrigação), que reduzisse o quadro partidário (um número reduzido de partidos ideológicos - entre conservador e socialista - e com programas modernos e bem definidos) e que estimulasse a contribuição individual para partidos e candidatos (em substituição às escandalosas contribuições de empresas e contra a ampliação do já existente financiamento público de campanha que custo caro à sociedade). É preciso inverter a lógica, para que o político corra atrás do eleitor e não o eleitor seja obrigado a ir até o candidato.
Esse cidadão maltratado é comumente confundido com mero consumidor. O estímulo ao consumo de bens a qualquer custo é um dos fatores que emperram os investimentos no Brasil (afinal, não só de bens vivem os cidadãos, mas também de infraestrutura e serviços decentes), gerando um descompasso entre demanda e oferta, combustível perigoso para mais inflação no futuro.
Um último alerta: devemos ficar atentos com as indicações, daqui para frente, dos ministros do STF, pois os companheiros vão aumentar a pressão para a escolha de pessoas de confiança do petismo como Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Uma viagem pela região vinhateira do rio Douro, no norte de Portugal
26 de Setembro de 2012, por José Venâncio de Resende 0

Viagem de barco pelo rio Douro na região vinhateira de Portugal
Com a chegada do outono, começam as vindimas (colheita e pisoteamento das uvas) em Portugal. Oportunidade para os políticos, em época de crise, manifestarem otimismo, como foi o caso da ministra da Agricultura que apareceu nos telejornais participando de vindima em Peso da Régua, às margens do rio Douro, cerca de 40 km de Resende. Oportunidade para os agricultores reclamarem de falta de apoio do governo e especialistas dizerem que será uma ótima safra tanto em quantidade quanto em qualidade das uvas.
Visitei a centenária Quinta da Pacheca, em Peso da Régua, um exemplo da grande transformação que vem ocorrendo na região vinhateira do Douro. Ali, os interesses de produtores de uva e vinho cada vez mais convergem-se com a crescente afluência de turistas que chegam de várias partes do mundo. O binômio vinho-turismo já é uma realidade.
Na sua quarta geração de proprietários, a Pacheca cultiva cerca de 50 hectares (36 hectares na própria Quinta e 17 hectares na Quinta de Vale Abraão) com as castas mais tradicionais de uvas do Douro (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Barroca, Tinto Cão, Tinta Roriz, Sousão etc.), tanto para vinhos tinto e branco quanto para o vinho do Porto. Destas vinhas saem 220 mil litros por ano, com foco no vinho de mesa, dos quais 110 a 150 mil litros de tinto (o restante é distribuído em 70 mil litros de vinho do Porto e 20 mil litros de vinho branco).
A Quinta da Pacheca foi uma das primeiras a engarrafar vinho com a própria marca. Este vinho ainda é produzido à moda antiga. O pisoteamento da uva em lagar de granito (a fermentação para o tinto ocorre no mesmo local) conta com a “colaboração” cada vez mais frequente de turistas, que ao visitar a Quinta se interessam em participar da tradicional “cerimônia” (inclusive, vestidos a caráter) ao som de música portuguesa por acordeom. Quando estive na Quinta, encontrei um grupo de brasileiros, franceses e portugueses que vivem no exterior entusiasmados com a oportunidade de participar do pisoteamento das uvas.
É verdade que a colheita da uva na região, de maneira geral, já foi modernizada, ou seja, os colhedores – mão de obra cada vez mais escassa – tem o suporte de tratores que transportam a uva. É cada vez mais comum jovens estudantes procurarem as quintas nesta época do ano para ganhar alguns euros durante a vindima.
A Quinta da Pacheca não tem tradição em vinho do Porto – a produção começou apenas a partir de 2000. Tanto o vinho do Porto quanto os vinhos de mesa tinto e branco são estocados no próprio armazém da Quinta. Lá se encontra por exemplo o tawny (aloirado) do Porto, de 8 anos, envelhecido em madeira. Podem ser vistos ainda os rubis, o vintage e o LBV (late bottle vintage) envelhecidos em garrafa.
Trajeto de barco
Um belo passeio é fazer de barco o trajeto de 100 km pelo rio Douro até o Peso da Régua. Antiga rota de transporte do vinho em barris para o Porto (hoje é feito por caminhão, já engarrafado), o trajeto é agora focado no turismo, embora o rio também seja utilizado para transportar granito das pedreiras de Castelo do Paiva. O Douro continua tendo papel destacado na agricultura, uma vez que toda a vida econômica da região gira em torno dele. Sem falar que se tornou uma marca forte de tradição e qualidade.
Quem sai de barco da cidade do Porto percebe ao longo do percurso a mudança da paisagem, até que as encostas do rio sejam totalmente tomadas pelo verde das vinhas – que formam “degraus” de imensas “escadas” e um mosaico de figuras geométricas. Este mosaico da atividade vinhateira multissecular, que molda as encostas do Douro, levou a UNESCO a considerar, em 2011, o Alto Douro Vinhateiro “uma paisagem cultural, evolutiva e viva”.
Exportações
No século XVII, surgiu a primeira alusão ao “vinho do Porto” e, neste mesmo século, o vinho do Porto já é exportado para a Inglaterra. No século XVIII, a crise nas exportações levou o ministro de D. José I, Sebastião José de Carvalho e Melo – mais tarde Marquês de Pombal –, a criar, em 1756, a “Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Douro”. O Douro tornou-se, assim, a mais antiga “região demarcada do mundo”.
O aperfeiçoamento do plantio das diferentes castas de vinha e o processo de fermentação garantem um vinho excepcional. Mas os vinhos do Douro não são apenas o denominado vinho do Porto. Também apresentam uma extensa variedade de vinhos de mesa, espumantes e de moscatel.
O vinho não é mais o principal produto exportável do norte de Portugal, de acordo com Maria da Paz Camiña da Câmara de Comércio e Indústria – Associação Comercial do Porto. Há atividades que tem mais valor incorporado e portanto mais peso nas exportações, como têxteis, indústria farmacêutica e veículos. Porém o vinho ainda é importante atividade econômica, em termos de geração de renda e trabalho e por ser uma marca forte da região.
Para se ter ideia da importância da região, em 2011 as exportações portuguesas de bens por localização geográfica somaram 42,3 bilhões de euros, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (http://www.ine.pt/). Deste total, o Norte do país respondeu por 15,7 bilhões de euros e a grande Porto por 4,9 bihões de euros.
Outras informações sobre a região podem ser obtidas no Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (http://www.ivdp.pt/).
Contradições da questão ambiental
30 de Julho de 2012, por José Venâncio de Resende 0
Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada em junho no Brasil, falou-se muito de biodiversidade, de desmatamento, mas se ignorou a questão do esgoto e do lixo, binômio da miséria nacional. A observação foi feita pelo pesquisador Eduardo Castanho Filho, em palestra recente sobre o novo Código Florestal no Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Estimam-se que cerca de 100 milhões de brasileiros não tem acesso a tratamento de esgoto. Dados do IBGE de 2011, citados pelo Instituto Trata Brasil (http://www.tratabrasil.org.br/), ilustram esta situação escandalosa para dizer o mínimo: 55,5% dos municípios não são atendidos pelo serviço de saneamento básico; 30,5% dos municípios lançam esgoto não tratado em rios, lagos e lagoas; 2.495 municípios não possuem qualquer tipo de rede coletora de esgoto.
Agora, vejam o caso do lixo. Depois de dois anos da aprovação da Lei 12.305 que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, quase nada aconteceu de novo no país no que se refere ao fim dos lixões (e instalação de aterros sanitários), à reciclagem do lixo e ao investimento em cooperativas de catadores, de acordo com balanço apresentado no editorial “Atraso na gestão do Lixo” do jornal O Estado de S. Paulo de 29/07/2012 (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,atraso-na-gestao-do-lixo-,907403,0.htm). A nova lei prevê responsabilidade compartilhada entre governos federal, estaduais e municipais nestas ações.
Há muito, tenho formado a convicção de que uma das causas de fundo desta situação é a estrutura burocrática irracional do Estado brasileiro. Já imaginaram quantas superintendências regionais, quantos departamentos, quantos institutos, quantas autarquias, quantas empresas estatais dos três níveis de governo existem espalhados pelos municípios brasileiros? Um verdadeiro emaranhado burocrático que facilita e estimula o clientelismo, o empreguismo, a corrupção e a ineficiência!
O caso das empresas estatais de água e saneamento básico é exemplar. Cada Estado – e muitos municípios – tem a sua empresa ou autarquia. Uma verdadeira reserva de mercado que resulta em mais custos e desperdício de dinheiro público e, na ponta do consumidor, representa conta mais alta para os cidadãos e demagogia política (perdão de dívidas) para com aqueles mais pobres que não podem arcar com este débito. Não seria mais eficiente que houvesse concorrência pública para os investimentos e os serviços de água e esgoto, e que vencesse quem oferecesse as melhores condições, fosse estatal de qualquer Estado ou empresa do setor privado? Mas isto vai contra a lógica dos políticos.
Vejam o caso da histórica cidade de São João del-Rei. Possui uma autarquia de água e esgoto (DAMAE) que até hoje não implantou medidores de consumo de água – o que favorece o desperdício – e não tem tratamento de esgoto (o esgoto é jogado nos rios e córregos, poluindo as águas do município com seu potencial risco de doenças).
Existe uma corrente – ainda minoritária – que defende a gestão pública por bacias hidrográficas, diferente do emaranhado burocrático existente. A razão é bem simples: as pessoas vivem no município, e pequenos grupos de municípios localizam-se no ambiente de bacias hidrográficas de rios (exemplo é a Bacia Hidrográfica das Vertentes do Rio Grande). Todas as questões relacionadas com a vida humana poderiam ser melhor tratadas no âmbito da bacia hidrográfica, como gestão das redes de saúde e educação, conservação da estrutura viária, controle dos efeitos da indústria e da agricultura, preservação do meio ambiente, etc. É sonhar demais pensar a existência de um único órgão público gestor no âmbito da bacia hidrográfica – reunindo as diversas áreas de governo das três esferas de poder? Mais uma vez, isto vai contra a lógica dos políticos.
Mas as contradições não param aí.
O governo federal tem uma política curiosa - para não dizer danosa - no que se refere à emissão de gases tóxicos na atmosfera, que contribuem para o aumento insuportável da poluição principalmente nos aglomerados urbanos. Em nome do combate à inflação, mantêm-se os preços da gasolina achatados e, em nome do estímulo ao crescimento econômico, estimula-se a aquisição e troca de veículos. O resultado é a maior emissão de gases poluentes (de efeito estufa) e o desestímulo ao uso de etanol (menos poluente). Inclusive, esta é uma das razões do aumento brutal nas importações de gasolina e da crise de oferta de etanol, ainda que neste último caso o setor tenha sido afetado pela crise econômico-financeira mundial. Sem falar que tal política compromete o caixa da Petrobras inclusive nos investimentos em energia alternativa como biocombustíveis. Aliás, falta ao governo um programa consistente de energias renováveis, como existe, por exemplo, nos Estados Unidos.
Para agravar ainda mais a situação, existe em plena Amazônia – cuja floresta é denominada “pulmão do mundo” – uma combinação catastrófica de incêndios, desmatamentos e geração de energia por meio de usinas movidas a óleo diesel.
Por fim, a questão da água. Os governos perdem uma grande oportunidade de estimular a conservação e a “produção” de água, ao ignorar programas exemplares como o do município de Extrema (MG). A iniciativa, pioneira no Brasil, teve início em 2005 com o objetivo de incentivar o produtor rural a produzir e conservar água, recebendo um valor mensal por esse serviço, o que constitui acréscimo aos seus rendimentos. Trata-se de uma compensação econômica ao agricultor pela preservação de nascentes, matas ciliares e mananciais. “O pagamento por serviços ambientais (PSA) é uma nova forma de gestão dos recursos hídricos, com absoluto sucesso na garantia de práticas conservacionistas e melhora na produção de água”, define o biólogo Paulo Henrique Pereira, do Departamento de Meio Ambiente da prefeitura.
O programa foi criado por lei municipal e as fontes de financiamento são o próprio município, convênio com o Governo do Estado de Minas Gerais (período 2008/11) e, atualmente, recursos da cobrança pelo uso da água (Comitê de Bacias Hidrográficas). Embora louvável, a iniciativa ainda tem pouquíssimos seguidores como os municípios de Apucarana (PR) e de São Bento do Sul (SC).
Ainda, nesse sentido, outra medida que carece de políticas públicas é o estímulo a ações de reaproveitamento da água tanto no âmbito doméstico quanto no empresarial.