Causos & Cousas

Absurdo dos absurdos

15 de Fevereiro de 2013, por Rosalvo Pinto 0

Na semana de 14 a 20 de janeiro chamou-me a atenção uma reportagem da Globo mostrando uma cena de arrepiar. Já acostumado com assassinatos, latrocínios, estupros, roubos, tiroteios, drogas e corrupções do dia-a-dia, confesso que fiquei pasmado, dessa vez, com um crime hediondo praticado contra a educação. Na capital do Maranhão, São Luís. No reduto e nas barbas dos sarneys da vida, dos Castelos, dos Lobões et caterva (essa, do latim, merece ser traduzida: súcia, malta, corja, laia etc.), os eternos sanguessugas do pobre povo daquele estado.

Deixo hoje de lado meus “causos & cousas”. Minha vida foi sempre dedicada à educação. Sempre defendi ferrenhamente a ideia de que sem educação nosso país vai continuar patinando na pretensão de ter uma sociedade justa, igualitária, com segurança e sadia. Também sempre fiz da minha cátedra um púlpito para o sermão em prol da educação. Já tive meus dois filhos expulsos da escola privada (e religiosa...) em Brasília, por ter batalhado, em associações civis, para defender a escola pública e de qualidade para todos brasileiros.

Hoje, faço da minha coluna no JL um púlpito para denunciar o desprezo pela educação por parte das autoridades responsáveis por ela. Que me perdoe a jornalista Eliane Cantanhêde, da Folha de São Paulo (20 de janeiro passado, p. A2), pois vou roubar o texto de sua coluna e transcrevê-la na minha coluna. Ela também deixou de lado os temas políticos - sua especialidade -, para também denunciar um crime contra a educação.

“O futuro jogado às traças

BRASÍLIA – Em meio a tantas discussões econômicas e à enxurrada de mortes que assola o país, passou quase em branco uma das imagens mais chocantes da semana passada: ônibus escolares novos em folha, 300 mil livros didáticos, uniformes, tênis, material e pilhas impressionantes de cadeiras apodrecendo num depósito ou debaixo de sol e chuva há pelo menos dois anos.

Tudo isso foi mostrado pelo repórter Alex Barbosa no “Jornal Hoje”, da Rede Globo, justamente em São Luís, no Maranhão, Estado com o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), lanterninha em português e matemática e candidato ao Guinness no último Enem: 5 das 10 piores escolas do país são maranhenses.

Logo, tudo o que está jogado ali já seria importante em qualquer cidade, de qualquer Estado, mas teria de ser tratado como tesouro no Maranhão. Os responsáveis pelo descalabro deveriam responder por crime de lesa-pátria – senão hediondo.

O prefeito de São Luís era o tucano João Castelo, que perdeu a reeleição (imagine-se por que...). E, além dele, não havia secretários? Fiscalização externa? Diretores de escolas? Pais de alunos? Não é possível que ninguém tenha visto, ouvido e gritado por socorro.

E esse é só um caso entre centenas, até milhares, que ocorrem por toda a parte, mas não vão parar na TV e ninguém fica sabendo.

Dilma, que dá prioridade à educação (aumento diferenciado para professores, investimentos muito acima da inflação, o Ciência sem Fronteiras), deve ficar enlouquecida.

Assim como a Saúde tenta reaver 300 ambulâncias abandonadas em todo o país, o MEC vai passar um pente-fino nos convênios e programas com recursos federais em São Luís e denunciar ao Ministério Público.

Até lá, os cinco ônibus escolares, os 300 mil livros e todo o resto ficam jogados às baratas, às traças e aos bodes que devoram o futuro das crianças do Maranhão e de tantos outros brasileirinhos por aí”.

O ex-prefeito João Castelo, antigo aliado da ditadura, já foi deputado, senador e governador. Não viu nada. E o patriarca da “dinastia Sarney”, há mais de 50 anos empoleirado no poder? Foi um péssimo presidente da república, por acaso. Alguém se lembra da inflação de 80% ao mês? Da moratória que arrasou a economia? Do fracasso dos “fiscais do Sarney”? E, pior, desde que saiu da presidência, em 1989, garante sempre e facilmente sua eleição como senador, mas pelo Acre. Com qualquer cinco mil eleitorzinhos ele se mantém no Senado. Poucos sabem disso. Em 1989, como presidente e seu genro, Jorge Murad, seu secretário particular, estiveram na corda bamba de uma CPI sobre corrupção em seu governo. Uma das mais longas no Congresso: durou um ano e, como sempre acontece, terminou em pizza. Ou melhor, teve o mérito de alavancar a eleição do Collor: Foi a famosa “CPI da corrupção” que inspirou ao Collor a campanha do “caça-marajás”, lembram-se?

Onde está a senhora Roseana, filha do Sarney, tantas vezes no governo do Maranhão? E o fiel cão-de-guarda do Sarney, ou melhor, o seu “Lobão”, que também não larga o osso do poder, sempre a reboque de seu padrinho? Será que não dão notícia do que acontece no pobre terreiro da educação maranhense?

Tristeza e vergonha. Vai-se o dinheiro do contribuinte e vai-se a educação das crianças maranhenses. Quem sabe o imortal da Academia Brasileira de Letras (onde sequer deveria ter entrado) não poderia soltar seus “marimbondos de fogo” lá nas escolas de São Luiz, para picar os depredadores da educação de seu pobre Estado? 

Um resende-costense em Montes Claros

16 de Janeiro de 2013, por Rosalvo Pinto 0

O Jornal das Lajes apresenta o conterrâneo Cristino Resende que trocou os montes das vertentes pelos montes claros do norte de Minas
 
A coluna “Causos e cousas” abre seu espaço neste início do décimo ano de circulação do nosso Jornal das Lajes para o resende-costense Cristino Resende. Um depoimento de saudades e curiosidades, bem ao estilo proposto para esta coluna. E fica aqui o convite a outros resende-costenses ausentes para que expressem seus talentos, enriquecendo o acervo da memória histórica de nossa terra, um dos objetivos deste jornal. Com a palavra o conterrâneo Cristino.

“Este Jornal das Lajes ... ele tem um sabor diferente quando lido por um legítimo filho das Lajes como sou, e agora morando em terras tão distantes e de costumes nada parecidos com os nossos, só me resta recordar, com boas lembranças, tempos passados.

Assim é que, lendo a edição 77 do JL [abril de 2010], senti-me presente nos acontecimentos nele narrados, como, por exemplo, o Buraco do Inferno, onde eu e o padre Jaime Teixeira – salesiano, de São João del-Rei -, estivemos lutando em seu interior contra as revoadas dos morcegos, que fazem daquele lugar a sua morada.

Padre Jaime esteve, em 1968, auxiliando o nosso estimado padre Nelson e eu, naquela época, morava na Casa Paroquial. Na edição 75, na coluna Causos e Cousas, fala-se sobre a Casa Paroquial, padre Adelmo etc. Então, bem me lembro agora da minha primeira comunhão, feita com o padre Adelmo, na sacristia da Matriz. Fazia frio e eu, de calça curta e blusa branca, fui levado pela minha bondosa mãe, que antes trocou minha roupa num beco bem ali depois da venda do Zé Padeiro. Lá na sacristia eu me confessei e fui o único menino a fazer a primeira comunhão naquele dia 11 de março de 1951.

Ainda sobre o jornal da edição 77, quero dizer que me lembro muito bem da jardineira do Onofre e de seu motorista, o Zé Pedro Gancho. Foi nela que fomos de mudança para São João del-Rei. Lá chegando, no Porto – hoje Santa Cruz de Minas -, como era menino de quatro para cinco anos, fui passado pela janela da jardineira, que era de madeira. Meu pai me pegou e, lá fora, meu irmão Mozart – que Deus o tenha -, me tomou nos braços. Eu era pequeno e, assim, facilitou o trabalho.

Sobre o avião do Renato Morethson e seus acontecimentos, envolvendo o padre Nelson e o Sérgio Procópio, fiquei sabendo em casa, ouvindo meu pai e minha mãe comentando o fato e a gente ouvindo calado e com curiosidade.

Lembro-me do Antônio do Marisco com sua barba tradicional, que dava medo nas crianças. Mais medo eu sentia ao ver o Carrinho chegar à janela de nossa casa e pedir café, sempre enrolado em seu cobertor, em qualquer tempo. Sobre o Quente-Fervendo eu só ouvia meus irmãos comentando, pois eu não o conheci.

Do armazém do Duque guardo grata lembrança do cheiro que ainda sinto do pão-combate, hoje conhecido como pão sovado. Lembro-me também do armazém do Chiquito Vale e sua bomba de gasolina.

Uma figura tradicional ainda era o Nhonhô Caiano, que fazia e vendia terços nas ruas e que, tempos depois, na idade madura, fez concurso para os Correios e foi trabalhar em Barroso.

Lembro-me bem do Afonso Cego, filho da Sá Ana, que tinha como guia o João Bizorro (besouro). Afonso Cego era um negro de voz grossa e de um sorriso escondido e acanhado. Ele e seu guia faziam a pé o trajeto de Resende Costa a São João  del-Rei, onde o Afonso pedia esmola e se hospedava em nossa casa.

Sobre a “luz” que aparecia para as pessoas, tive a sorte de vê-la uma vez, bem em cima da casa da minha irmã Maria, lá no sítio do Açude.

Lembrando-me da Fazenda da Laje, não posso me esquecer dos casos de assombração contados pelo Seu Zeca. A sala da casa era bem grande e de lá ele nos levava até a cozinha, onde estavam os queijos exalando um cheiro forte, dependurados e amarrados no teto por causa dos ratos. Na cozinha estava sempre sua mulher, a dona Joaninha, bem pequena e de pés no chão, cuidando em manter o fogo acesso no velho e surrado fogão-a-lenha.

Lembro-me do padre Sílvio Chaves como se fosse hoje, com sua luneta mostrando a nós meninos as estrelas e as luzes piscando, segundo ele, da cidade de São Sebastião da Vitória.

Lembro-me do cabo Ananias, sempre com sua farda e seu jeito garboso de andar.

Não posso me esquecer das procissões comandadas pelo padre Nelson. Ele levava consigo um chicote (reio, relho) para silenciar os que conversavam no final das filas.

Continuo guardando as emoções das boas lembranças e aguardo outras edições do Jornal das Lajes para ler as boas recordações. Um abraço para todos, Cristino Resende”.

Profissionais da Resende Costa de antigamente

11 de Dezembro de 2012, por Rosalvo Pinto 0

Quando alguém via a dona Margarida do sô Barbusinha (Barbosinha) apressada na rua, com uma toalha branca e uma bacia na mão, era sinal de que um novo resende-costense estava chegando. Dona Margarida, dona Edith do Veio [Véio] do Chora, dona Zica do Antônio Eduardo, Sá Cândida e dona Elzi Lara: heroínas de tantos anos. Eram as famosas parteiras, as profissionais mais importantes da cidade. Como prêmio, costumavam ganhar quitandas, frutas, frangos e ... muitos afilhados.

Antigamente era comum ver passar pelas ruas um homem conduzindo porcos. Nas mãos, uma varinha e cordas, amarradas nos pés de um ou mais porquinhos. Uns, coitados, para o sacrifício; outros, mais novos, alegrinhos, para o chiqueiro de outro dono. Era uma verdadeira profissão. Dos mais famosos, ficou na memória o “sô Cornilinho [Cornelinho] tocador de porco”.

Era menino e me lembro bem de um negro, forte e gordo, o “João Deitado”. Claro que ele não gostava do apelido. De nossa casa, acordava-se bem cedo pelos fortes golpes de machado, entremeados das batidas sobre as “cunhas” de ferro, para abrir e rachar a lenha. Era o João Deitado, na casa da madrinha Donana, do Nico de Souza, do outro lado da avenida. Era a sua profissão: rachador de lenha. Cada pancada era seguida de um grito rouquenho, como se aqueles grunhidos suavizassem o esforço na rachadura da lenha. Meu pai não podia pagar um rachador de lenha, mas também dava lá os seus grunhidos.

Profissão importante daquelas épocas era a o “foiero” [folheiro, de “folha”, lata). Tempos de falta de luz elétrica, o utensílio domiciliar mais importante era uma boa lamparina a querosene (ou “querosena’, como então se dizia). Eram feitas aproveitando as raras latinhas de alimentos da época, com o bico, o pavio e a asa, ou alça, para se pegar. Antes da existência de chuveiros, tomava-se banho em grandes bacias de metal, que acabavam nas mãos dos foieros para soldagem dos buracos que apareciam. Bules, canecas, e “chacolateiras”, eram outras peças fabricadas. Talvez o foiero mais famoso tenha sido o “Manezinho foiero”. Pessoa estimada, dizem que gostava de contar umas mentirinhas. Quando nasceu um de seus filhos, ele teria dito que o neném, completado um mês de vida, já era tão esperto que falava, apontando para a parede: “pepel, papai, bibide” (chapéu do papai no cabide)...

A água foi o grande problema da cidade até a década de 60. Vinha das cinco fontes que brotavam ao redor da grande laje. Profissão preciosa, sobretudo das mulheres: as “buscadeiras de água”. Para isso elas inventaram uma tosca, mas eficiente tecnologia para esse árduo trabalho: uma lata de 18 litros era colocada sobre uma “rodilha” de pano bem trabalhada e ajustada sobre a cabeça. Com as duas mãos firmes nas “cadeiras”, lá subiam elas morro acima. Era o tempo da modinha de carnaval que se espalhou pelo país afora: “Lata d’água na cabeça – Lá vai Maria, lá vai Maria...”.

Outras profissões importantes eram as dos ferreiros/bombeiros, dos oleiros (fabricantes de tijolos e telhas), dos seleiros (Álvaro de Melo, Orestes, senhor Tuniquinho...), dos carapinas (ou carpinteiros e marceneiros), dos pedreiros, que começavam a profissão como “pedreiro-meia-cuié”.

Profissões importantes das mulheres eram as quitandeiras, as lavadeiras, as cozinheiras (e “arrumadeiras” de porco) e as costureiras. Lembro-me bem – e a foto tirada pelo senhor Syla Reis o comprova - do meu terninho branco para a primeira comunhão, feito pela dona Sinhá do Lauro. Mas a mais famosa “florista” de todos os tempos (que fazia também arranjos de papel crepom para as cruzes das portas de casa – para o dia da Santa Cruz - e para os “pendentes” de luz) foi a dona Adélia, casada com o Tião do Chora e mãe do Galo.

Entretanto, talvez as duas profissões mais especializadas foram as dos alfaiates e sapateiros.  Relembro abaixo os representantes dessas categorias, que exerceram tais atividades por longo tempo.

Alfaiates: Adenor Coelho (Lorinha) - Aquim do João Coelho (Ticureba) – Aquim do Lauro – Cadico – Chico da Florença – Chiquinho da Maricota - Iraci do Sobico – Lúcio Alves – Nhozinho da Marica - Ramiro Resende – Sebastião Nagib – Syla Reis – Zé Maria do Ziquinha de Lourdes - Zé do Josué – Zé Fussura – Zé Nicodemos – Zé Miranda – Zé Muranga.

Sapateiros: Adão do Quinzinho – Antônio “Damascena” – Bilico Reis – Jair do Zé Josué - João Tatá (João Tié) – Joãozinho Sapateiro (dos Óculos) - Joel Vale – Jorge Sapateiro – Miguel Sapateiro – Ninico Reis – Pedro Lelê – Quinzinho Lara – Sílvio da Adelaide – Simão Turco – Zé Reis da Donana – Zé Tiana (filho do João Tatá) – Zé Ticoco. Não se sabe bem se o apelido do senhor João Tatá era pelo fato de ele bater sapatos no pé-de-ferro ou pelo fato de ele tocar trompa na banda... O último sapateiro em atividade hoje é o nosso querido Jorge Sapateiro. Os dois últimos a nos deixar foram os dois irmãos, filhos do João Franquilim: o Antônio e o Miguel.
 
(Agradeço ao Jorge Sapateiro e à Lucinha, minha irmã, as informações, em gostosas conversas de volta ao passado...).

Mau dia, Minas, mau dia Brasil

13 de Novembro de 2012, por Rosalvo Pinto 0

Sexta feira, nove de novembro, 06h30. Ligo a TV Globo. Roda diante dos meus olhos a imagem do “Bom dia, Minas”, com sua desgastada música de abertura. Inicialmente, as manchetes do dia: três assassinatos na madrugada da grande BH; carreta desgovernada  tomba no Anel Rodoviário, bate em seis carros, duas mortes e 5 feridos; quadrilha explode agência bancária, troca tiros com a polícia, morre um policial e bandidos fogem; estudantes de 22 anos, embriagados, fazem pega de madrugada, atingem carro, matando seu motorista e fugindo sem prestar socorro; na “rodovia da morte” (BR 381, trecho BH/Ipatinga), colisão de uma carreta com um Pálio, dois mortos e três feridos; em Brasília, STF retoma o julgamento do mensalão; Atlético e Cruzeiro se preparam para os jogos do fim de semana.

Às 07h30 sai da tela o Bom dia, Minas e entra o Bom dia, Brasil. A cantilena é ainda pior: 11 mortos na madrugada paulistana; em uma semana, 45 assassinatos, 600 de maio a outubro;
recolhidos mais de mil celulares em presídio paulista; dois ônibus incendiados na zona leste de São Paulo e motoristas se recusam a sair das garagens; cenas de horror na Cracolândia da Avenida Brasil, no Rio; envolvidos no mensalão são condenados a até 40 anos de prisão; Palmeiras, quase rebaixado, pega o Fluminense, o provável campeão...

E eu me pergunto, assustado: “que país é este?”. (Perdoem-me a ousadia de roubar a frase que consagrou os escritores Affonso Romano de Sant’Anna e Millor Fernandes, o músico Renato Russo e sua Legião Urbana e, ironicamente, o ex-governador de Minas Francelino Pereira, nomeado pela ditadura, sem sequer ser mineiro...). Estaríamos, por acaso, no Iraque, ou no Afeganistão, ou em uma sangrenta guerra civil como a da Síria? Vivemos dias de carnificinas humanas e de números estarrecedores.

Infelizmente, estamos no Brasil mesmo. Cenas como as da manhã do dia nove se repetem todos os dias pelo país afora. Estamos dizimando nossa população, nossa polícia, nossos idosos, estuprando nossas meninas de 10 anos. E ainda nos ufanamos de dizer que “somos a sexta economia do mundo!”. Talvez o problema esteja justamente aí: a sexta economia existe, sim, mas está nos bolsos dos 10% dos brasileiros que são os donos dela. Os outros 90%, coitados, que se matem entre si, arrombem e façam explodir os bancos, entulhem as prisões (temos a quarta maior população carcerária do mundo), que fiquem sem ônibus para trabalhar, que aumentem os sequestros e os latrocínios.

Ah, o latrocínio. Está na ordem do dia. Matar para roubar ou roubar para matar, não faz diferença. Foi outro dia mesmo, o casal de namoradinhos no bairro Higienópolis, São Paulo. A Caroline, 15, após entregar a mochila, ganhou dois tiros na nuca. Morreu na hora. Eram três os assaltantes, dois tinham 18 anos e o que atirou, 19. Acabaram presos. Na delegacia, o atirador simplesmente justificou, rindo: “Matei sim. Ela reagiu, problema e azar dela”. Os outros dois também debocharam da moça. O namorado e testemunhas informaram que a moça não havia reagido, simplesmente entregara a mochila. Não é preciso ir a São Paulo, ou a outras cidades grandes para ver essas cenas cotidianas. Ainda nos lembramos com tristeza e saudade do Geraldinho do Presépio e do Tio Adair, da Boa Vista, aqui na nossa ainda pacata cidade. Covardia das covardias: matar para roubar míseros reais.

A bandidagem que assola o país compete com um poderoso rival, este vindo dos nossos próprios governantes e representantes: as nossas rodovias, em péssimo estado e o trânsito louco das nossas cidades, que estão ceifando vidas a cada minuto. É difícil saber quem é mais eficiente.

O pior de toda essa história é que vamos nos acostumando com tudo isso. Nossa consciência vai se esvaindo, os valores éticos vão se evaporando, tudo vira apenas uma simples rotina.

Diante desse quadro tétrico, que diariamente invade nossas casas todas as manhãs, seria mais adequado ajustar os nomes dos dois programas televisivos à verdadeira realidade: “Mau dia, Minas” e “Mau dia, Brasil”. São duas horas de sofrimento, nas quais predominam a violência (roubos e assassinatos), os acidentes, a corrupção enraizada da nossa república democrática e o futebol. Ainda bem que o último traz um pouco de consolo para tanta miséria: o futebol, que é a parte do “circo”, como diziam os romanos, que nos faz esquecer as outras três desgraças. Pelo menos nossos atletas têm seus gordos minutos de entrevista e de glória, todos os dias, eles merecem...

Então, todo mundo vai trabalhar e volta para casa à noitinha. A televisão já nos espera com o cardápio perfeito: as más notícias (violência e corrupção) e o antídoto: as novelas. E todo mundo as acompanha, ri e se deleita com o imaginário ... de quê? Da violência (as brigas) e da corrupção. Mas vamos dormir, porque amanhã tem mais “Mau dia, Minas”, seguido do “Mau dia, Brasil”. Até quando?

Um exemplo a ser seguido

16 de Outubro de 2012, por Rosalvo Pinto 0

Venda Nova do Imigrante, eis o nome. Cidade capixaba escondida nas faldas da Serra do Mar, a 120 km de Vitória. Os portugueses já tinham estado por lá desde 1500. Dedicaram-se à agricultura, sobretudo a do café. Faltando a mão de obra após a abolição da escravatura, foram abandonando a região. Do outro lado do Atlântico, lutando pela sua unificação, a Itália vivia tempos de extrema penúria. Corajosamente, e em busca de dias melhores, os italianos deixaram a pátria e foram acolhidos no Brasil. As enormes dificuldades de adaptação e a dureza do trabalho os impulsionaram a se unirem para sobreviver. Trouxeram para o Brasil o que podiam ter de melhor: a capacidade de trabalho, o cooperativismo e o espírito de solidariedade.

As primeiras famílias – Venturim, Altoé e Carnielli – chegaram ao Espírito Santo em 1891. Seguiram as famílias Caliman, Sossai, Perim, Zandonade, Falqueto, Ambrosim, Cola, Zorzal, Colodete, Casagrande, Paste, Camata, Zambom, entre outras. Assim nasceu a “Venda Nova”, no início pertencente a Conceição de Castelo. Só em 1988 emancipou-se. O município manteve o nome de Venda Nova, com o acréscimo de “do Imigrante”, em homenagem aos bravos antepassados que souberam transformar, em pouco tempo, aquela região inóspita num paraíso de bem-estar e de progresso.

Cidade muito ligada aos salesianos de Dom Bosco, os membros da Rede de ex-salesianos tiveram a feliz ideia de realizar seu 11º encontro anual naquele recanto de céu. Feliz escolha. Nos dias de 21 a 23 de setembro, a comunidade vendanovense nos acolheu com simpatia, música, comida capixaba, passeios e visitas inesquecíveis, em síntese, com todo carinho.

Vamos conhecer um pouco da Venda Nova do Imigrante. Segundo o censo de 2010, 20.477 habitantes, o dobro de nossa Resende Costa. Os dados sócio-econômico-culturais são de causar inveja.

A renda média anual per capita é de aproximadamente 2.000 reais. Tem uma das melhores distribuições de renda do estado. Predominam as pequenas propriedades. Algumas famílias sobrevivem muito bem com dois ou três hectares de terra, utilizados de forma intensiva, cultivando flores, hortaliças etc. Foi a primeira cidade do Espírito Santo a dispor de sistema de coleta e tratamento de esgoto, desde a década de oitenta.

Venda Nova tem uma economia diversificada e até certo ponto sofisticada. O café, que já foi a cultura predominante, não o é mais. Foi premiada recentemente com o título de "capital do agroturismo no Brasil”, pois atrai, além dos brasileiros, turistas estrangeiros.

O município está sempre entre os dez melhores em indicadores de educação. Tem uma faculdade e um Instituto Federal de Educação (IFES), recentemente implantado, focado no atendimento às necessidades locais: gestão de pequenos negócios e tecnologias alternativas para pequena produção.

É uma comunidade pacífica, com índice de criminalidade quase nulo. Neste ano, por exemplo, nenhum caso de assassinato.

A cidade investe em cultura: teatro, um coral (desde 1938) e dispõe hoje de um grande e moderno centro cultural.  

Todos os dados acima se devem a um fator fundamental: trata-se de uma comunidade na qual as pessoas participam solidariamente da vida da mesma. O voluntariado faz parte da cultura local. O Colégio Salesiano, o hospital, a igreja, o abrigo para idosos são, entre outros, exemplos do trabalho coletivo. A famosa festa anual da “Polenta” conta com o trabalho voluntário de mais de 700 pessoas. A jardinagem da avenida central (trecho da BR 262) foi feita e é cuidada por uma associação de voluntários.

Nós, resende-costenses, bem que poderíamos nos espelhar no modelo vendanovense. Teríamos uma cidade muito melhor do que a que temos hoje. Parece que na nossa região e em nossa cidade persiste o tipo de sociedade do “cada um para si e Deus (ou melhor, a prefeitura...) para todos”. Coisas boas do passado não foram adiante. Onde estão o teatro, o cinema, o grêmio literário, a orquestra, o ginásio, o glorioso Expedicionário? Décadas atrás, venderam, na calada da noite, a metade da praça Mendes de Resende (atrás da Matriz) para particulares, que nem resende-costenses eram. Ninguém se moveu para protestar e barrar tal inominável aberração. Afora o Conselho Patrimonial, ninguém lutou pela retirada da caixa d’água da Copasa nas lajes. Nem sequer conseguimos manter uma fracassada cooperativa agropecuária. Parece que ainda pesa sobre nós a assombrosa praga do pároco padre José Duque. Ao sair da paróquia, teria profetizado: “Resende Costa vai andar sempre um passo à frente e dois pra trás”. Alguém poderia perguntar: e o artesanato? É bem verdade que trouxe um crescimento da economia, mas vale lembrar que esse bem-estar econômico está concentrado em poucas mãos. Houve um aumento de oferta de empregos, sim, mas a relação capital/trabalho é cruelmente desigual. Urge criarmos novas lideranças, independentes de partidos e de brigas políticas. Temos novos administradores e legisladores. É o momento de se repensar o futuro de nossa cidade, revertendo a praga: sempre um passo à frente.