Causos & Cousas

São Miguel e Almas

13 de Marco de 2012, por Rosalvo Pinto 0

Não resistindo à tentação, hoje vou fugir de nossa Resende Costa e transportar-me para o povoado dos Ferreiras, no município de São Pedro do Suaçuí, na região leste de Minas, bacia do Rio Doce.
 
Para quem não sabe, trata-se de uma cidadezinha de umas 4.000 almas, encravada entre montanhas, como aliás, o são quase todas as cidades por onde passei dias atrás. Como de praxe, no fundo das montanhas sempre corre um bom (e perigoso) rio. Cidades gostam de aninhar-se ao lado de rios. São bonitos, oferecem peixes e lazer, são úteis à agricultura e à pecuária. Mas quando resolvem se encher e se enfurecer, é um Deus nos acuda. São Pedro tem o rio Suaçuí Grande (um pouco maior do que o nosso vizinho rio das Mortes) pois, mais abaixo corre o Suaçuí Pequeno, ambos desaguando no Rio Doce, um antes e o outro depois de Governador Valadares.
 
Para melhor localizar São Pedro para o leitor, a cidade-polo da região é Guanhães. Outras vizinhas, além de São Pedro, são Virginópolis, Virgolândia, Peçanha, São João Evangelista, Santa Maria de Itabira, São José do Jacuri, entre outras.
 
Dada essa aulinha de geografia, voltemos ao São Miguel do título. O povoado dos Ferreiras (nome de antiga fazenda), situa-se entre São Pedro do Suaçuí e São José do Jacuri. Ali, encrustada na encosta de uma das quatro montanhas que a circundam, situa-se a capelinha de São Miguel. A capelinha é também conhecida como “cemitério dos cedros”, pois ela está no lugar onde era o antigo cemitério do povoado, no passado. O nome do padroeiro - um santo do antigo devocionário português -, é bem sugestivo, pois lá São Miguel parece conviver, em boa paz, com as almas dos que por ali moraram, em seu descanso eterno. E hoje ele acolhe também os vivos, que moram nas redondezas da capela. Seu dia “oficial” é 29 de setembro, mas seus fiéis o festejam com uma missa a cada dia 29, durante o ano.
 
Eram cinco horas de uma transparente e aprazível tarde, naquele 29 de fevereiro. Ademais, havia naquele dia um motivo a mais a ser comemorado. O recém-nomeado pároco de São Pedro (o padre Dídimo Pereira do Amaral, da congregação salesiana) comemorava seus 18 anos de idade. Isso mesmo, 18 anos, pois ele nasceu no dia 29 de fevereiro, e, portanto, comemora seus aniversários de quatro em quatro anos.
 
Uma aragem fresca fechava aquele dia calorento de um sol causticante. Subiam lentamente a encosta homens e mulheres. Feições contritas e devotas, passaram entre as múltiplas touceiras de flores coloridas e singelas, no chão batido onde era o cemitério. Tinha-se a impressão de que cada ramada de flores enfeitava um antigo morador. Postaram-se diante da porta da branca capelinha. Os bancos eram toscas peças de madeira roliças, emparelhadas duas a duas, sem encosto, com pés roliços fincadas no chão, formando uma espécie de quadrado. Uma singela mesa improvisava o altar, com sua toalha branca e um círio aceso tremulando à aragem da tarde. Lá dentro, paredes brancas, apenas o São Miguel, que de seu pequeno trono na parede, ao fundo, parecia acolher o padre, seus fiéis, dois visitantes e um cão.
 
Emocionado com aquela cena, misto de bucólica e sagrada, passei a observar o céu, as montanhas, o sol que ia dourando os topos das montanhas, as pessoas, o silêncio absoluto, os 13 homens presentes, com seus toscos chapéus na mão, faces enrugadas e mãos enrijecidas e grosseiras pelas lides diárias na roça, as vozes afinadas e bonitas das mulheres, que pareciam ecoar nas paragens entre as montanhas, o cão negro, assentado mais cima, ora olhava os presentes, ora fitava absorto o infinito, tal como eu.
 
A cerimônia da Missa prosseguia, aconchegante e devota. Uma criancinha de seus 8 ou 9 meses, mudava mansamente de colo em colo das 14 mulheres presentes. A leitura do texto bíblico e o singelo sermão do padre Dídimo eram um convite à meditação, ao som do silêncio e da brisa daquele entardecer. No momento da consagração, a hóstia foi calmamente alevantada para os fiéis e para a natureza que a circundava. Cenário de respeito e devoção. Homens e mulheres se apresentaram para a simbólica partilha do pão e do vinho. Confesso que poucas vezes na vida presenciei uma cena e uma ceia como aquela.
 
Essa era, a meu ver, a verdadeira cena de celebração da eucaristia, pelos membros daquela pequena comunidade rural, reunidos a cada dia 29 de cada mês, sob as bênçãos do Arcanjo São Miguel e Almas.
 
Dada a bênção final pelo celebrante, ecoou, festivo, o canto do parabéns para o aniversariante.
 
Antes de se dispersarem, todos os presentes vieram, educada e respeitosamente, apertar as mãos dos dois visitantes, vindos de Belo Horizonte para comemorar o aniversário do seu amigo e colega de seminário. Naquela hora, naquele lugar, naquele cenário respeitoso e encantador, não haveria melhor lugar para aquela comemoração. Descemos. O sol acabava de se esconder. Um dia voltarei a visitar o São Miguel e Almas, na solidão de sua capelinha, prometi para mim mesmo. 

Vicente do Zé Braz

13 de Fevereiro de 2012, por Rosalvo Pinto 0

Nós, seres humanos, tal como um casulo, somos fechados em nós mesmos. Com a diferença de que o casulo se abre para a vida e para a beleza. Nós ... sei lá. Nossa face, na verdade, não passa de uma máscara que nos esconde dos nossos semelhantes. Por vezes resolvemos nos expor: ou aos ouvidos de seletos amigos, de um analista ou às páginas de um diário íntimo.
 
Por esses dias chegou às minhas mãos um caderno de anotações de um conterrâneo nosso que já nos deixou há uns 10 anos atrás. Levei um susto ao ver tanta coisa interessante. Inimaginável, uma preciosidade. Poderia ser considerado como um diário? Talvez. Um grande número de frases, ditos populares, pensamentos dos mais diversos autores, notícias do que acontecia pelo mundo, pelo Brasil e por nossa terra, alguns relatos do seu dia-a-dia, alguns momentos de abertura do seu próprio “eu”. Diria que o conteúdo de sua longa lista de pensamentos – alguns dele próprio -, nada mais é do que a revelação de seu perfil de ser humano, de seu modo de pensar e ver a si e ao mundo em que ele vivia.
  
Com toda delicadeza, vou abrindo e compartilhando com os leitores algumas das páginas do seu surrado e amarelado caderno, que guardam seus segredos, desejos e suas inquietudes. Quase todas as páginas têm, no seu topo, o título de “seleção, ou seleções”, por vezes, “seleções ajuntadas”.
 
Os pensamentos. De tantos que talvez ele nem sequer conhecia: Aristóteles (“ A esperança é o sonho do homem acordado”), Sêneca, Galileu, Epicteto, Leonardo Boff, Montaigne (um dos maiores aforistas..) etc. A maioria retirados da “Folhinha do Coração de Jesus”, aquela da qual a gente retirava uma “folhinha” a cada dia, com os nomes dos santos do dia.
 
O mais interessante é que, no meio de tantas frases e pensamentos, ele incluía os seus, às vezes em versos e assinava: Vicente de Oliveira. Ou, engraçado, como em: “Si eu tivesse um milhão – Não cumia mais feijão – era só galinhão com batatão – Bobó do Vicente”. Muitas outras, anônimas, poderiam também ser dele, por vezes adaptadas de outras. Percebe-se isso pela sua própria escrita e pelos seus gostos, como em “Palavras sem obras é violão sem cordas”. O violão foi uma de suas grandes paixões. Ainda moço e enquanto morou em Resende Costa, sempre pertenceu à banda de música, tocando clarineta.
 
Muitas vezes ele dialogava com as frases por ele escolhidas: “A mãe verdadeira carrega o filho 9 meses no ventre, 2 anos nos braços e o resto da vida no coração”, ao que ele acrescentava: “é mole?”. Ou: “Não existem mulheres feias: existem apenas as que não sabem se tornar atraentes”. E ele: “o bicho é bunito...,  i, é, i é ...”. As mulheres, aliás, eram outra de suas paixões.
 
Misturava o romântico e o cômico: “A amizade é como uma – Folhagem que dá flor – Sendo bem cultivada – Pode virar amor” e, logo a seguir: “Assim como si toma remedio – Na certeza que não vai sará ... – Reza-se: na esperança - Do papu secá!...”.  E, muitas vezes o saudoso: “Chama-se Abstemio a pessoa que não bebi: alcool nem pinga. Vicentinho com 12 anos – 3º. Ano História natural – Grupo Escolar Assis Resende de R. Costa, em 26 julho de 1924”.
 
Cita várias vezes o professor Lara Resende, sinal de que ele tinha o livro ou, pelos menos, o tinha emprestado. Entretanto, a certa altura, ele discorda veementemente dele, defendendo a “Lei áurea”: “Lei auria, odioza, não sei porque, senhor professor Lara Resende, lei ruinosa, não tenho culpas de seus avôs que vivia as custas de escravos, ter quebrado depois de 1888 com a bendita lei Auria, e também o seu pai que ficou pobre – Vicente”. E continua: “Eu achei que foi a lei benigna no Brasil, não to vendo nada de lei ruinosa – Vicente de Oliveira”.
 
Tinha um carinho especial pela sua primeira professora: “Dna. Margarida Dangelo, minha professoura em 1923-24 e 25. Nasceu em 9 de junho de 1899. Fez seu centenário no dia 9/6. Deu no jornal Gazeta de São João del-rei do dia 12/6. Vicente de Oliveira, 9 de junho de 1999. Que Deus abençoi a centenaria”.   
 
Frases, pensamentos, comentários e informações, ele e seu inseparável caderno vão caminhando para o seu fim. O caderno, cada vez mais desorganizado. Ele, sentindo-se triste e só. “Estou doente, sem esperança meu Deus 12-9-2000”. Queixava-se muito de sua insônia: “noite de insônia 25 de outubro de 2001”. Mas conservava seu amor e carinho pelos muitos amigos: “Dia 4 de setembro 2001 veio aqui um anjo do senhor: carente como eu. Conversei com ela... me pediu si eu deixava ela  me dar um abraço ...  fui abraçado por ela ...  um anjo do senhor! Que Deus ti guia neste mundo tão custoso de enfrentar, amém”.
 
Antevia o seu fim, sempre muito religioso: “Em primeiro lugar temor de Deus, em segundo lugar a fé em Deus ... em terceiro lugar nossas orações a Deus – Vicente Oliveira”.
 
Assim, na sua simplicidade, atento ao mundo, entre muitos amigos (caderno cheio de telefones), alma musical, por vezes amargurado pela solidão, mas transbordando carinho, pôs um ponto final no seu caderno.

Padre Josué, resende-costense, festeja seus 90 anos

10 de Janeiro de 2012, por Rosalvo Pinto 1

Lembro-me de ter escrito na edição 74 deste jornal, em junho de 2009, um texto sob o título “Resende Costa: terra de sacerdotes”. Partindo do padre Sílvio Chaves (ordenado na década de 30) até hoje, consegui contar 34 sacerdotes, ou seja, uma média de 4,5 sacerdotes por década. Uma média alta para aqueles tempos, em uma cidade ainda pequena. Curiosamente, nas décadas de 50 e 60, o seminário salesiano de São João del-Rei acolhia dezenas de seminaristas resende-costenses, talvez o maior grupo da redondeza. A maioria deles eram, na verdade, “empurrados” pelos pais, interessados nos estudos de seus filhos, gratuitos para a maioria. Se não me engano, dessa época apenas um chegou a se ordenar sacerdote: o padre Lauro Geraldo de Resende Pinto (padre Laurinho, já falecido).  

Provavelmente a década de 50 tenha sido a mais fértil em ordenações sacerdotais. Ordenaram-se nesse período os padres Antenor Resende, Francisco David Resende, Diniz José da Silva, Ézio de Melo Daher, Josué Francisco da Natividade, José Hugo de Resende Maia, Antônio das Mercês Gomes, Francisco Ribeiro da Silva (tio da Meirinha do doutor Luís), Wander Francisco de Paula Silva (irmão do padre Josué), Hamilton José da Silva e José Antônio Resende de Mendonça. Entre todos esses, em sua maioria salesianos, talvez o mais antigo seja o padre Josué.

O padre Josué Francisco da Natividade nasceu em Resende Costa, no dia 31 de outubro de 1931. Filho de José Francisco de Paula e dona Francisca Augusta de Paula. Teve como irmãos o Jair, o Wander (que também foi padre), a Eni, a Francisca e a Margarida (esposa do Tarcísio Resende Pinto).

Aos 14 anos ele já se preparava para ingressar na carreira sacerdotal. Foi para o seminário salesiano de Lavrinhas (SP), em 1936. Em 1940 entrou oficialmente na Congregação Salesiana, professando seus votos religiosos ao final do “noviciado”, em São Paulo (bairro do Ipiranga). De 1941 a 1943, fez o curso de filosofia em Lorena (SP). Conforme as normas dos salesianos, os candidatos ao sacerdócio, antes dos quatro anos de teologia, passavam por um período de três anos de provação, chamado “tirocínio” ou “assistência”, ao final do qual faziam os votos perpétuos. Nesse período trabalhavam como educadores e professores nos colégios da congregação. O ainda “clérigo” Josué cumpriu essa etapa de 1944 a 1946, em um dos mais antigos e importantes colégios salesianos do Brasil, o famoso Liceu Coração de Jesus, situado no coração de São Paulo, quase ao lado do antigo palácio do governo paulista, o Palácio dos Campos Elíseos.

Encerrou sua formação sacerdotal realizando o curso de teologia, também em São Paulo, no Instituto Teológico Pio XI, situado no alto do bairro da Lapa, onde até hoje funciona como teologado dos salesianos.

Finalmente, chegou o momento de sua ordenação sacerdotal, que aconteceu também em São Paulo, na igreja salesiana de Nossa Senhora Auxiliadora (bairro do Bom Retiro), no dia oito de dezembro de 1950. Ainda neste mês ele veio celebrar, com seus conterrâneos e com muita festa, sua primeira Missa (Missa nova), em sua terra natal.

Como sacerdote, o padre Josué passou por diversos colégios e obras dos salesianos, cumprindo suas funções de educador e de professor: Pará de Minas, Colégio Santa Rosa de Niterói, colégio salesiano do Riachuelo (Rio de Janeiro), colégio de Araxá e, finalmente, retornou a Niterói em 1957, onde está até hoje. São 54 anos no Santa Rosa, a tal ponto que ele tornou-se uma figura emblemática daquele colégio e de sua comunidade salesiana. E passou a ser chamado e conhecido como “padre Joso”.

Em sua vida de educador e professor, padre Joso dedicou-se ao ensino de português, francês e religião. Tornou-se um grande conhecedor e mestre da língua portuguesa e, paralelamente, um exímio e eloquente orador e pregador. Como sacerdote, desenvolveu inúmeras atividades de assistência religiosa em bairros de Niterói.

Em 1984 participou da criação do “Memorial Histórico do Colégio Santa Rosa”, para o qual contribuiu com um vasto acervo de documentos e registros por ele colecionados ao longo dos anos anteriores. Em 2000, organizou o “Museu do Monumento”, no ano da comemoração de seu centenário. Trata-se de um grandioso monumento à Nossa Senhora Auxiliadora, situado nas escarpas da serra  atrás do Santa Rosa. Subindo pela sua escadaria interna até o seu topo, aos pés da imagem, tem-se uma vista espetacular da Baia da Guanabara e, ao fundo, do Rio de Janeiro.

Coroando toda essa história de trabalho e de dedicação à Congregação Salesiana e aos seus assistidos, rodeado de seus muitos amigos, o padre Joso comemorou festivamente a bela idade de 90 anos no dia 31 de outubro do ano passado.

O Jornal das Lajes congratula-se com essa data e tem também o prazer de prestar esta homenagem ao seu ilustre conterrâneo, o qual se tornou, de há tempos, um seu leitor assíduo, além de um incentivador e divulgador do jornal em Niterói.

Resende-costenses no planalto central

13 de Dezembro de 2011, por Rosalvo Pinto 0

Embora relativamente poucas pessoas ou famílias se mudem de Resende Costa, é possível dizer que há resende-costenses espalhados por este brasilzão afora. Ultimamente é mais comum termos mais imigrantes do que emigrantes.
 
Na região do Planalto Central de Goiás e do Distrito Federal temos antigos conterrâneos. Refiro-me àqueles que se mudaram com familiares e por lá ficaram. Talvez os mais antigos, todos oriundos do Ribeirão, tenham sido o Geraldo Nascimento, casado com dona Dalila, o Geraldo dos Santos (Dico), casado com dona Maria Madalena (falecida) e seu irmão José Antônio Nazareth da Silva. Saindo do Ribeirão e passando por Presidente Epitácio, SP, esses pioneiros foram para Brasília em fins dos anos 50 e início dos 60, e aí se fixaram. Outro resende-costense que há anos se fixou na capital foi o José Antônio, filho do Chiquito do Fumal e de dona Norvinda Chaves. Também viraram goianos a Alessandra e o Guto, filhos da Maria Melo, bem como o Arnaldo Mendes Correa, assinante do JL e sobrinho da dona Dulce Mendes.
 
Mas é em Silvânia, a 80 km de Goiânia, que temos uma verdadeira colônia de “lagartixas” e de “gabirobas” (como são conhecidos na região os resende-costenses e os ritapolitanos, antigos santa-ritenses, quando Ritápolis se chamava Santa Rita do Rio Abaixo).
 
Nessa região há marcas da colonização portuguesa desde inícios do sec. 18. Tal como em Minas, lá também ocorreu, em menor escala, um ciclo do ouro. E como Ouro Preto, lá também nasceu uma vila importante, a Vila Boa, fundada pelo famoso Anhanguera, hoje Cidade de Goiás, conhecida como “Goiás Velho”. Vale a pena visitá-la, um encanto, a cidade da doce Cora Coralina. Foi sede do governo colonial na província de Goiás e a capital do estado até a inauguração, em 1937, da nova capital, Goiânia. Findo o ciclo do ouro, a região passou décadas de dificuldades e marasmo, reerguendo-se muito mais tarde através do agronegócio. O clima, a terra e o relevo fazem de Goiás um estado progressista, um dos celeiros do Brasil. E os goianos são gratos ao presidente Juscelino Kubitschek: ao levar a capital do Brasil para o planalto goiano, deixou um legado de desenvolvimento para toda a região.
 
Silvânia é uma cidade interessante. Inicialmente chamada Bonfim, mas em decorrência de lutas políticas, o clã “Silva” chegou ao poder e impôs, em 1943, o novo nome de “Silvânia”. Com seus 20 mil habitantes, faz parte de um polo de desenvolvimento agropecuário. Por essa razão, atraiu pessoas de outras regiões do Brasil e até do exterior. Isso explica a ida de famílias da Restinga e de Resende Costa, em meados do século passado, atraídas pelas terras boas e pelo ciclo desenvolvimentista.
 
Mas vamos aos pioneiros de nossa região que se mudaram para Silvânia.
 
O João Antônio Neves, casado com Maria Ivone Neves Pinto (a Ivone, filha do meu tio Saneco, irmã do Dinho e do Mazinho) foi um dos primeiros a se mudar da Restinga para Silvânia, em 1962, juntamente com seus irmãos José Tiago Neves (Zezé Mineiro ou Zé Duque, casado com dona Albertina do Coração de Jesus) e Antônio Rosário Neves (casado com Estelita Neves).
 
Nascidas na Restinga foram também para Silvânia Maria Augusta Neves, Vicentina Neves, Rosa Neves e Paulo Neves. Nascida em Bambuí, Maria Lúcia Rodrigues, conhecida como Maria da Bilinha, filha de José Pedro Rodrigues (da Restinga) e sobrinha de dona Albertina de Jesus, também foi para Silvânia.
 
Essas famílias se multiplicaram no planalto goiano. Tomo como exemplo a Ivone do Tio Saneco, minha prima, que teve quatro de seus cinco filhos nascidos em Silvânia: Solange Maria Neves (dois filhos: Reginaldo e Raiane), Luís Carlos Neves (falecido, um filho: João Antônio das Neves Neto), Sirlei Antônia Neves (duas filhas, Isadora e Roberta) e Maria do Perpétuo Socorro Neves (um filho, Luís Gabriel). A Salete Aparecida Neves Lobo, para homenagear a terra de sua mãe, fez questão de nascer em Resende Costa!  Tem duas filhas, Cinthya e Elyza.
 
Bem, depois de tantos nomes e números, uma surpresa. Chegando em Silvânia, com a Beth, minha mulher, e um casal de amigos, nem imaginávamos o que nos esperava. Acompanhados pelo nosso amigo padre Dídimo do Amaral, do Colégio Anchieta de Silvânia, dos salesianos, fomos recebidos por esse povo todo, esbanjando simpatia, como se fôssemos velhos amigos. E mais, uma descontraída e gostosa festa, na chácara do Cláudio Antônio Leandro (casado com dona Eva Neves, filha do pioneiro José Tiago Neves e acompanhados de seus filhos Ana Cláudia e José Tiago). Noite agradável, regada a churrasco, cerveja, cachaça goiana da boa, comida “goianeira” (da artista Laura Neves, filha de dona Albertina, com seu delicioso “risoto do cerrado”), música de seresta ao vivo, num clima que acabou envolvendo lembranças de Resende Costa. Inesquecível.
 
(Agradeço à simpática Elyza - filha da Salete e neta da Ivone -, a gentileza que me fez de escrever a genealogia dos mineiros que, deixando nossa cidade e região, souberam escolher uma terra tão bonita e tão acolhedora).

Um dia da caça, outro do caçador?

11 de Novembro de 2011, por Rosalvo Pinto 0

Ao que se sabe, esse provérbio significa, salvo engano, que na vida perde-se num dia e ganha-se no outro. Ou pode significar também que num dia ganha um, no outro, ganha o outro. Entretanto...

Naquela manhã de Resende Costa, exageradamente límpida, lá pela década de 60, esse provérbio se aplicou de uma maneira complicada e engraçada. O sol já esparramava seus raios, envolventes e quentes. As senhoras Anália, Célia e Laura, irmãs do sô João Silvestre da Silva (conhecido como Nhô da Marica) moravam ali pelas bandas do “Beramuro”, logo abaixo da casa do Cumpadre Benedito Silva.

Ao abrir as janelas que davam para o fundo e para o lado da casa, ali pelas nove horas, deram de cara com um inesperado e asqueroso vizinho. Por certo vindo da capoeira de Nossa Senhora da Penha (uma reserva florestal no coração da cidade), que divisava com os fundos da horta delas. Talvez pela semelhança com um jacaré ou crocodilo, ou mesmo, porque lembrava aqueles amedrontadores dinossauros da época jurássica, elas levaram um tremendo susto. Espichado sobre o muro, a poucos metros da janela, parecia estar tranquilamente dormindo. Sem as tradicionais mentiras de pescadores e caçadores, ele parecia ter um metro de comprimento por dois de sono. Alguns vizinhos e curiosos na rua já estavam também de olho nele. As senhoras, ainda meio esbaforidas, ouviram alguém cochichar: é um tiú, um baita largato (lagarto).

Que fazer? Comentaram baixinho as senhoras, com receio de acordar o bicho. Matar? Mas como? Jogar alguma coisa nele? E se ele virasse contra elas? Foi quando uma delas se lembrou de um vizinho que morava duas casas acima. Aquele que costumava, de vez em quando, passar na rua com uma espingarda no ombro. Deveria ser um caçador. Fiquem de olho no bicho, disse uma delas, enquanto eu vou chamá-lo.

Sem fazer barulho, saiu na rua. Mais curiosos e vários meninos por ali, olhando e aguardando o desfecho daquela curiosa cena. Bateu na porta. Nagibinho abriu, ouviu a história, o pedido e prometeu descer logo para resolver o problema.

Sim, o Nagibinho. Enquanto dorme o tiú, vale lembrar essa figura tão conhecida na cidade no século passado. Nagib Geraldo, seu nome, era filho do Miguel Nagib, libanês da família “Roman” que aqui aportou no início do século 20. Irmão do Sebastião e do Alderico Nagib, era um solteirão inveterado, de muitos amigos. Divertido, era mestre numa piada e fiel organizador das “chácaras do Judas”, nas Semanas Santas. Sua casa era aberta a todos, sobretudo à rapaziada, que gostava de, à noite, jogar um truco e depois fazer e degustar um frango acompanhado de taioba e angu.

Meia hora depois, na sua tradicional calma, desceu o Nagibinho com sua velha espingarda. Essa espingarda tornou-se também protagonista desta estória. Pertenceu ao seu pai e era de tanta estimação que, acredite-se, tinha até um nome, engraçado: “Dona Maroca, não é de venda nem de troca”.

Cônscio da sua responsabilidade para salvar as senhoras daquele apuro e risco, Nagibinho andou pra lá e pra cá, buscando o melhor ângulo de ataque. Não podia falhar. Estava em jogo sua fama de bom caçador e atirador. Tirou de um embornal os apetrechos necessários, espoleta, pólvora, chumbinhos e vareta para socar a pólvora. Caprichou na carga. Ajoelhou com um joelho e direcionou o cano para o alvo. Com um olho fechado e outro aberto, mirou demoradamente. Silêncio absoluto. Ouviu-se um “pá!” seco e chocho e nada mais. A espoleta mascou. E o tiú nem abriu os olhos.

Dizem que tiú não escuta. Seria mesmo verdade? Deve ser, até porque a gente, ao se referir a alguém muito surdo, costuma dizer: fulano é surdo feito tiú! Por essa razão o tiú daquela manhã simplesmente dormia, sem se dar conta da confusão ali por perto. Não terá ouvido o estalo da espoleta. Aumentaram os risos, mas ainda bem que tiú não ouve mesmo.

Sem perder a postura, nosso herói limpou o cano e fez outra recarga. Agora bem mais caprichada. Outro silêncio, outro “pá!” e nada. Mais risos. Já meio sem graça, não quis dar o braço a torcer. Nova carga, essa de rachar o cano. Dedo no gatilho e capricho na mira. Expectativa. Puxou. Ouviu-se um barulhão e uma nuvem de fumaça cobriu atirador, tiú e arredores. Baixada a fumaça lá estava ele, imóvel. Abriu preguiçosamente um olho e, como que querendo gozar a cara do atirador, botou pra fora, meio de banda, uma comprida língua vermelha. Levantou-se, virou-se sobre o muro e, meio rebolativo, calmamente rumou para a capoeira.

Missão cumprida, nosso caçador Nagibinho naquele mesmo dia dependurou sua velha “dona maroca”. Para sempre. E mais, dizem que este tiú vive até hoje, perambulando pela capoeira Nossa Senhora da Penha. Provavelmente botando a língua pra fora e ainda gozando a cara do Nagibinho.

Pelo menos naquela manhã de sol de Resende Costa o dia foi da caça...
 
(Agradeço ao Bacarini a sugestão e o relato da estória. Melhor teria sido se eu o filmasse a sua performance de narrador: memória, precisão, detalhes, empolgação e gesticulação de artista!)