Contemplando as Palavras

Abreviações, abreviaturas e siglas

13 de Agosto de 2012, por Regina Coelho 0

As motos estão espalhadas hoje por toda parte. Consideradas antes um meio de transporte urbano, elas invadiram também a zona rural, substituindo muitas vezes carros e cavalos. Isso é público e notório, mas o termo “motocicleta” praticamente caiu em desuso. Por opção do falante, a forma reduzida “moto” vem ganhando espaço também entre os não tão jovens. O mesmo ocorre em abreviações como foto (fotografia), extra (extraordinário), pólio (poliomielite), quilo (quilograma), otorrino (otorrinolaringologista), endócrino (endocrinologista) e outras mais. Questão de praticidade ou de informalidade, como queiram. Em se tratando de nomes próprios, é sinal de intimidade também: Manu (Manuela), Rose (Roselene, Roseane...), Edu (Eduardo), Fred (Frederico), Lu (Luciana, Luciene, Luísa...), Belô (Belo Horizonte), Pelô (Pelourinho), Sampa (São Paulo), Floripa (Florianópolis) são uma pequena amostra disso. E até na linguagem do futebol as abreviações estão presentes no anúncio de clássicos como Fla - Flu (Flamengo x Fluminense), Gre - Nal (Grêmio x Internacional), Atletiba (Atlético Paranaense x Coritiba) e Bavi (Bahia x Vitória) formando uma composição interessante.

Também garantindo a economia de letras, é possível contar com as abreviaturas, ou seja, a redução na escrita de certas palavras, limitando-as à letra inicial ou às letras iniciais e/ou finais dos vocábulos representados graficamente. Assim, “h” é hora(s), “séc.” é século e “cel.” é coronel. Perigoso nisso é o sujeito desconhecer o código da abreviatura e ler, por exemplo, como já me garantiram ter acontecido numa cerimônia de formatura, “Ilmo” (em vez de Ilustríssimo) Fulano de Tal, dirigindo-se ao paraninfo.

Essas observações me vieram a propósito das siglas, ou melhor, da profusão delas nos dias atuais. Formadas a partir da reunião de letras ou sílabas iniciais dos vocábulos fundamentais de uma denominação ou título, elas se multiplicam por aí. Partindo daquelas que já são tradicionais e representam nomes de estados da federação (MG, RS, PA...), órgãos públicos ou não (IBGE, SESI...), tributos (IPVA, IPTU...) e afins, pelo presente momento eleitoral, ganham visibilidade obrigatória as siglas dos 30 partidos políticos brasileiros registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Dispostas às vezes em improváveis e surpreendentes coligações ou em posição de confronto, elas são ingredientes de uma encorpada sopa de letrinhas. Vejam: PMDB, PTB, PDT, PT, DEM, PC do B, PSB, PSDB, PTC, PSC, PMN, PRP, PPS, PV, PT do B, PRTB, PP, PSTU, PCB, PHS, PSDC, PCO, PTN, PSL, PRB, PSOL, PR, PSD, PPL e PEN.

Uma breve análise sobre o uso das siglas deixa claro que muitas delas estão em alta. DNA (em inglês: DeoxyriboNucleic Acid – ADN, em português: Ácido DesoxirriboNucleico), por exemplo é faladíssima. Tudo por causa do exame que leva esse nome, que é usadíssimo. BO (Boletim de Ocorrência) também. Parece que o termo já virou até sinônimo de barraco, confusão. E tem também SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), UPA (Unidade de Pronto Atendimento). MMA (Mixed Martial Arts – em português, artes marciais mistas) e GPS (Global Positioning System – em português, geoposicionamento por satélite), entre outras.

Especificamente entre os adolescentes, BV (Boca Virgem), BVL (Boca Virgem de Língua), BFF (Best Friend Forever = melhor amigo para sempre) e MP (Mente Poluída) estão bombando. Novidade pra mim foi saber que S.O.S. (Só o Olho Salva) é o comentário feito pelas meninas quando o cara é feio. Deve continuar valendo também como pedido de socorro (Save Our Souls = salve nossas almas).

Nesse universo de siglas que compõem um vocabulário à parte, destacam-se aquelas há muito consagradas pelo uso geral. Entre elas CD (Compact Disc – em português, disco compacto), DVD (Digital Versatile Disc – em português, disco digital versátil), CTI (Centro de Terapia Intensiva), UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e SUS (Sistema Único de Saúde). Outras vão surgindo sem que as pessoas delas se deem conta. Aí estão as embalagens PET (de Polietileno Tereftalato) e o TNT (Tecido Não Tecido), material usado na confecção de sacolas, toalhas de mesa, cortinas e demais peças em substituição às matérias têxteis tradicionais.

Pois é, por todos os lados estamos cercados de siglas. De nomes de famosos como JK (Juscelino Kubitschek), FHC (Fernando Henrique Cardoso), ACM (Antônio Carlos Magalhães), BB (Brigite Bardot), J. Lo (Jennifer Lopez) e PC Farias (de triste memória) a programas de tevê como o CQC (Custe o Que Custar) e o BBB (Big Brother Brasil). E de termos ligados à área médica como AVC (Acidente Vascular Cerebral), HA (Hipertensão Arterial), DST (Doença Sexualmente Transmissível), e TB (Tuberculose).

Ufa! Deu canseira fazer esse levantamento. E nem coube tudo aqui, inclusive a linguagem abreviada que se vê na internet e no celular, assunto para uma possível futura matéria.

Resende Costa: 1912 – 2012 (Parte final)

12 de Julho de 2012, por Regina Coelho 0

No início da década de 50, um empreendimento de vulto surgiu na cidade. Com toda pompa e circunstância, foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1952 o Salão Paroquial Padre Adelmo (C.P.P.), importante espaço multiuso idealizado por aquele que lhe empresta o nome, palco de eventos cívicos religiosos e artísticos.

Os anos 60 trouxeram boas novas na área da educação. Administrado por Miled Hannas, o município passou a contar com os serviços do Ginásio Nossa Senhora da Penha, o que corresponde hoje às quatro séries finais do Ensino Fundamental. Nas comemorações de formatura da primeira turma, em 1963, muita festa e uma curiosidade: o lançamento na cidade de “O Inconfidente” compondo parte dos festejos daquele importante momento. Atuando como diretor-redator do jornal, destacou-se o professor José Procópio da Silva, professor do ginásio e brilhante latinista. Tal feito se deveu ao empenho do prefeito Adenor de Assis Coelho, na administração de quem foi inaugurado o Grupo Escolar Conjurados Resende Costa (depois, Escola Estadual e, atualmente, Escola Municipal).

Além da importância natural que essas duas escolas passaram a ter para a vida do município, elas foram embriões de um crescimento significativo no setor com a consequente implantação do segundo grau (o Ensino Médio de hoje) em 1972 e a extensão de séries nas escolas da cidade e no Ribeirão.

Um olhar mais atento sobre a lista que encabeça a primeira parte da presente matéria com os nomes dos prefeitos e vice-prefeitos de Resende Costa revela que num curto período de seis anos a cidade teve três prefeitos: Cici Alves, Geraldo Monteiro e Aristides Coelho. O primeiro cumpriu mandato de dois anos, o que valeu no país todo com o objetivo de tornar coincidentes os mandatos eletivos. O segundo renunciou ao cargo, fato que transformou em prefeito o “Coelho” (então vice), por igual período exercido por aquele a quem sucedeu. Em contrapartida, entre 1977 a 1988, ou seja, em doze anos, o município teve dois prefeitos com mandatos de seis anos: Cici Alves novamente e sucedendo-o Gilberto Pinto. Depois disso, até o momento atual, os mandatos para o executivo municipal voltaram a ter quatro anos de duração, havendo possibilidade de o candidato disputar uma reeleição desde a disputa do ano 2000. A propósito, com tantas mudanças na legislação em se tratando de vigência dos mandatos eletivos, vez ou outra ganha força a ideia de unificação das eleições gerais e municipais, que hoje ocorrem alternadamente a cada dois anos.

Dois momentos especiais marcaram os primeiros anos da década de 80. Assim é que o surgimento da Associação Cultural Movimento Raízes e suas cinco edições anuais do “Encontro de Inverno de Resende Costa” caracterizaram um período de grande efervescência na vida cultural da cidade. Também o Jornal Novo (periódico idealizado e comandado pelo Toninho Melo Dr. Antônio Pedro, hoje promotor de Justiça na vizinha São João) foi destaque naqueles produtivos anos.

Na gestão do prefeito Camilo Lélis, o Teatro Municipal passou por uma reforma, o que acontece novamente neste ano do centenário da cidade, agora administrada pelo prefeito Adilson Resende. Paralelamente aos trabalhos de restauração do teatro, foi criada a “Fundação Casa de Cultura”, solenemente instalada no mesmo prédio e tendo como coordenadores gerais José Márcio Resende e Luiz Antônio Pinto. Este último, por sinal, como prefeito eleito na disputa seguinte, pôde concretizar muitos dos propósitos da Casa de Cultura.

No final de 2008, um sonho antigo de muitos resende-costenses virou realidade quando a cidade, sob a administração de Gilberto Pinto, pôde comemorar a inauguração do prédio da Biblioteca Municipal, bela e imponente construção erigida ao lado do casarão da Câmara Municipal, no Mirante das Lajes.

Sem deixar de considerar a importância dos fatos aqui apresentados, ressaltando ainda o caráter subjetivo do que foi selecionado, bem como sem deixar de reconhecer o mérito dos homens que em momentos distintos conduziram os destinos de Resende Costa, elejo dois símbolos ligados à sua história centenária: o Teatro Municipal e o Salão Paroquial. Na construção de ambos, a participação popular. Em mutirão, pessoas carregando pedras para a obra do teatro, que foi inaugurado sem forro, o que provocou novos esforços coletivos. O mesmo ocorrendo tempos depois, com a mobilização de tanta gente para conseguir erguer não um simples salão, mas um ousado edifício para a época.

Neste ano de comemorações do aniversário de cem anos da cidade da laje, contando com a atuação brilhante da Banda de Música Santa Cecília (corporação mais antiga que a própria Resende Costa, uma vez que foi fundada em fins do século XIX), registre-se a homenagem de reconhecimento da coluna a todos os cidadãos de bem deste município tão querido.

Nascer ou não em Resende Costa, viver e/ou trabalhar aqui ou fora daqui guardando no coração sentimentos de amor e orgulho por esta cidade são formas de conferir nossa verdadeira identidade resende-costense e sustentar a sensação que temos de pertencimento a esta terra.

Resende Costa: 1912 – 2012

13 de Junho de 2012, por Regina Coelho 0

 
PERÍODO PREFEITO VICE
Até 1935 Francisco Mendes deResende -
1935-1946 José Vilela daCosta Pinto -
1945 Pedro Muzzi do Espírito Santo -
1945 Padre Nelson Rodrigues Ferreira -
1945 José Vilela daCosta Pinto -
1946 Alcindo Resende -
1946 Sebastião Lara -
1946-1947 José Gabriel de Resende -
1947-1950 Antônio de Souza MaiaJúnior Olíndio Argamin de Freitas
1951-1954 Geraldo Monteiro de Oliveira- 1º mandato Antônio da Silva Barbosa
1955-1958 Antônio (Honório) de Resende - 1º mandato José Augusto dos Reis
1959-1962 Miled Hannas José da Conceição Vale
1963-1966 Adenor de Assis Coelho José Benedito de Sousa
1967-1970 Antônio (Honório) de Resende - 2º mandato Plestes de Oliveira Resende
1971-1972 Ocacyr Alves de Andrade - 1º mandato José Celso da Silva
1973-1974 Geraldo Monteiro de Oliveira- 2º mandato  (incompleto) Aristides Coelho dos Santos
1975-1976 Aristides Coelho dos Santos - (posse do vice) -
1977-1982 Ocacyr Alves de Andrade - 2º mandato Marcos de Oliveira Neto
1983-1988 Gilberto José Pinto- 1º mandato Aquim Coelho de Resende
1989-1992 Camilo Lélis de Resende Chaves José Asterak Moreira
1993-1996 Luiz Antônio Pinto João de Paiva Filho
1997-2000 José Rosário Silva Silvério Nivaldo de Assis
2001-2004 Gilberto José Pinto- 2º mandato Antônio Aparecido de Sousa
2005-2008 Gilberto José Pinto- 3º mandato Paulo César Fortuna Dias
2009-2012 Adilson Avelino de Resende João de Paiva Filho
 
Neste junho de 2012, o centenário de emancipação política de Resende Costa, como não poderia deixar de ser, é pauta quase inevitável. Optei por fazer uma abordagem despretensiosa ligada às pessoas cujos nomes constam na relação acima na condição de prefeitos e vice-prefeitos por esses cem anos. A análise crítica sobre cada momento histórico fica a cargo dos especialistas no assunto ou estudiosos da história do município. Fico com particularidades que julguei interessantes, especialmente aquelas relacionadas à educação e à cultura. Possíveis imprecisões em datas e nomes bem como omissão de fatos se devem à escassez de fontes fidedignas e à limitação normal de espaço no Jornal das Lajes.

Diante do exposto, mãos à obra. Considerando os dois primeiros mandatários, é possível observar o longo período de permanência deles no poder, especialmente o do coronel Mendes. Eleito inicialmente presidente da primeira Câmara Municipal, tornou-se, na prática, chefe do Executivo. Entre seus incontáveis feitos, destaque para a criação do Grupo Escolar Assis Resende (hoje Escola Estadual Assis Resende), da Biblioteca Pública Municipal e a edificação do Teatro Municipal, que fez de Resende Costa, à época, um dos poucos municípios mineiros a abrigar um teatro. Sucessor e homem de confiança de Mendes Resende, doutor Costa Pinto cumpriu dois mandatos (nomeado e eleito) e foi um verdadeiro mecenas. Com o patrocínio da municipalidade, possibilitou a vinda de inúmeras e qualificadas companhias artísticas à cidade. É oportuno assinalar ainda a fundação do Grêmio Literário, espaço instalado nos “Quatro Cantos” (hoje o imóvel é propriedade do Luizinho Chaves) e a movimentação de alguns valorosos grupos teatrais como fatos importantes no contexto cultural das primeiras décadas do século XX.

Em relação aos anos 40, louve-se o idealismo de alguns resende-costenses para a criação de alguns jornais: “O Papagaio”, “A Araponga” (sugestivos os nomes, não?) e “O Resende Costa”, periódicos altamente literários, portanto, distantes da linha convencional de jornais. Destaco também o Cine Santa Teresa, empreendimento arrojado para a época, instalado no prédio do Teatro Municipal, cenário de anteriores exibições cinematográficas.

Com a ditadura do Estado Novo (1937-1945), os prefeitos (nova designação para os governantes municipais) passaram a ser nomeados pelos interventores dos estados. 1945 foi um ano politicamente tenso para Resende Costa. Em 24 de novembro de 45, assumiu o poder doutor Pedro Muzzi (primeiro juiz municipal). Sobre esse momento de indefinição constitucional assim se expressou o Padre Nelson, que chegou a tomar posse como prefeito de Resende Costa: “Verificando-se pouco depois que os snrs. Juízes, por serem Juízes Eleitorais, não podiam ser prefeitos, foi o Vigário da Paróquia, não sem muita relutância nossa, indicado para responder pelo expediente da Prefeitura até o dia 3 de Dezembro. Devido à permanência do tempo, não houve consultas ao Snr Arcebispo, mas sim, ao Rev.mo Forânea, que concordou aceitássemos a indicação. Fomos empossado como Prefeito no dia 28 de Novembro. Passadas as eleições de 2 de Dezembro, passamos a Prefeitura ao Snr. Prefeito Dr. Costa Pinto, no dia 3 de Dezembro às 12 horas”. (Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Penha). Com a renúncia do Dr. Costa Pinto em 14 de junho de 1945, foi nomeado prefeito, Alcindo Resende, então secretário da Prefeitura e que permaneceu no cargo até novembro de 1946, retirando-se voluntariamente. Ato contínuo, em reunião presidida pelo Padre Nelson no Teatro Municipal, às 19 horas do dia 1º de novembro de 1946, foi indicado o nome do Dr. Sebastião Lara (médico), por maioria dos votos, para ocupar a cadeira de chefe do executivo municipal.

No que diz respeito à permanência do senhor José Gabriel de Resende como prefeito, dona Aparecida (filha dele, esposa do Élcio Maia) me revelou que, por pressão de um grupo de correligionários liderados por Tancredo Neves, o pai se viu obrigado a aceitar aquele encargo até 1947.

(A matéria continua em julho.)

Nem tão sábias palavras

14 de Maio de 2012, por Regina Coelho 0

“Todo mundo elogia e tal, mas a frase mais horrível que existe é: pra sua idade você está muito bem.” Quem disse isso, ainda outro dia, foi a apresentadora Xuxa. Apresento aqui minha solidariedade à rainha dos baixinhos, ao que parece, hoje sem reinado. Sem querer me comparar a ela, apenas tentando captar o sentido de suas palavras, fica claro que aquilo que a princípio parece um elogio deve ter soado para a quase cinquentona Xuxa como um prêmio de consolação. O trecho “pra sua idade” chega a ser cruel. Então a pessoa não pode simplesmente estar muito bem?

Devo dizer que não se trata de nenhum problema com a idade, a questão está na forma disfarçada que muitos usam para insinuar que alguém é velho. Vejamos estas outras pérolas que principalmente certas mulheres maduras ouvem: “você está muito conservada”. Ou uma variação disso: “você não envelhece, até parece que está conservada em formol”. Existem também os eufemismos para os considerados feios: “fulano(a) é tão simpático(a)!” Ou então: “ele(a) é bonitinho(a)”, para muita gente é a versão light do(a) feio(a) com dó. Os gordos não escapam: “mas ele(a) tem um rosto tão bonito!” ou: “você está fortão (fortona ou sacudida)”.

Saindo do âmbito da aparência, constato ainda que certas construções linguísticas são meras formalidades, ainda que ditas muitas vezes de maneira informal. Quando, por exemplo, uma pessoa se dirige a alguém dizendo “olá, como vai?” ou “tudo bem?”, sabe que isso é só um cumprimento, sem precisar obrigatoriamente de uma resposta condizente com a pergunta. Há também uma frase quase inevitável que muita gente utiliza na tentativa de tornar mais descontraído o ambiente em que a conversa tem início. Quem recebe, muitas vezes, se vê praticamente obrigado a dizer àquele que é recebido esta educada frase: “fique à vontade”. O perigo é a pessoa levar isso bem ao pé da letra. Já imaginaram? Ou então ouvir dela, como já vi acontecer em uma festa, querer saber seriamente do anfitrião o que ele queria dizer com aquilo. Uma deselegância isso e uma quase confusão à vista.

Mas engraçado é o que acontece com um casal que conheço bem. Ao levar alguém até sua casa, seja amigo, parente ou cliente, ele costuma simplesmente pedir, logo de cara: “não repare a bagunça!”, por mais que tudo esteja arrumado. E sempre está. Dá para calcular a posterior bronca da mulher diante de tão descabido pedido dele aos que, normalmente, não veem qualquer vestígio de bagunça naquele lugar. É a famosa força do hábito.

Igualmente habitual é chegar a uma loja de roupas e/ou de calçados, mostrar interesse por algum produto e ouvir de quem nos atende a indefectível frase: “pode experimentar”. É lógico que a pessoa pode e deve experimentar o objeto de seu desejo. Dispensável, pois, a “permissão”. E quando a gente acha que a roupa não vai nos cair bem e quem quer nos convencer do contrário dispara: “não vai levar? É a sua cara!” Ou “essa roupa se parece com você”. Verdade seja dita. Nem todos agem assim. Pessoalmente falando, nem posso me queixar da forma como geralmente me tratam.

Situação constrangedora ocorre mesmo naqueles momentos em que cumprimentos formais de pesar são trocados indevidamente por manifestações de felicitação. Sei de gente que, em velório, dirigindo-se a um familiar do falecido, cumprimentou-o de forma desastrada proferindo solenemente “meus parabéns”. Acontece também de a pessoa se apoderar da fala de alguém que lhe deve um agradecimento. Em vez de ouvi-lo, afoitamente, ela diz um “muito obrigado(a)”, não dando tempo ao outro de assim proceder. Constrangimento também é perguntar por alguém julgando-o vivo e saber em seguida que esse alguém já morreu há muito tempo. E não dá para esquecer aqueles terríveis enganos a que estamos todos sujeitos quando confundimos pessoas e/ou seus acompanhantes. É o caso de encontrar, depois de anos, um conhecido, elogiar a beleza da “filha” que o acompanha e descobrir, na hora, que a moça em questão é a nova companheira dele.

Mas, de tudo que tenho ouvido ou falado ultimamente, ando meio cismada com o “no meu tempo” ou “na minha época”. Falar assim dá a impressão de que a gente já viveu o que tinha para viver. Ora, o nosso tempo é hoje. De novo, o tempo, a idade... da loba, do condor (onde dói?). Não tem jeito. É viver e envelhecer ou morrer jovem. Melhor a primeira opção, até para que se tenha tempo (mais uma vez ele) de aprender, entre tantas coisas, que, se “a palavra é prata, o silêncio é ouro”. Eis aí um sábio ditado popular segundo o qual calar é mais valioso do que falar. Dependendo das circunstâncias, no entanto, é omissão. E falar é tão bom, principalmente quando as palavras são usadas com sinceridade para declarar um amor, matar irreprimíveis saudades, pedir perdão, consolar, encorajar ou alegrar alguém. Quanto aos comentários às vezes infelizes, às frases meramente formais ou habituais e às gafes cometidas principalmente naqueles momentos em que o ideal teria sido ficar de boca fechada, é melhor reconhecer que ninguém escapa de dizer certas bobagens, inconveniências, obviedades ou até mesmo indelicadezas.

As filhas da Vovó

09 de Abril de 2012, por Regina Coelho 0

Integrantes de uma turma de oito irmãos, estando vivos hoje seis, Maria José de Sousa (70) e Maria do Rosário de Sousa (59), as filhas da Vovó, vieram do povoado do Brumado acompanhando a família por determinação materna. Instaladas em Resende Costa, foram impedidas de frequentar escola porque, segundo afirmam, a mãe (que era doente) achava que não podiam ir ao grupo escolar, pois, se saíssem de casa, “o carro matava”. Maria do Rosário ou Rosária (como muitos a chamam), no entanto, faz questão de dizer que sabe fazer contas. A julgar pelo organizado e conceituado trabalho que essas duas irmãs desempenham há mais de cinquenta anos como lavadeiras, elas souberam se impor como profissionais de respeito na área em que atuam.

No começo, Maria José e Maria Aparecida (uma outra irmã) lavavam as roupas da casa, mas por necessidade familiar passaram a aceitar encomendas de trouxas, todas elas levadas para a Fonte da Mina, perto de casa e local de lavação das peças. Aparecida veio a falecer e Rosária assumiu o lugar da irmã na formação de uma nova e dinâmica dupla. E bota dinamismo nisso! E muita história para contar também.

Lembrando os tempos mais difíceis ao lado dos pais (falecidos), minhas simpáticas e sorridentes entrevistadas comentam que puderam contar com a ajuda do José Alencar e da dona Rute, saudosos irmãos do Ênio Resende. Afirmam que por ocasião da compra da casa onde moraram por muito tempo, foram ajudadas também por ela. E o tamanho da gratidão e do carinho que nutrem pela lembrança de uma pessoa tão prestimosa como foi dona Rute pode ser traduzido pela maneira como as duas se referem à sua protetora: “nossa mãe”.

Quando indagadas sobre a primeira cliente (ou freguesa, melhor dizendo), citam a Margarida (do Tarcísio), que confiou a elas a lavação das roupinhas da filha Naná, na época, bebê. E vieram muitas outras, várias delas fiéis até hoje e recomendando o serviço das duas a filhas e noras. À propósito, o trabalho que as duas irmãs executam numa média semanal de oito ou nove trouxas lavadas e quase sempre passadas (opção da maioria pelas duas etapas) começa com a busca da roupa na casa da freguesa. Essa tarefa é exclusiva da Rosária já que Maria José nunca sai de casa, por nada, segundo ela, que simplesmente se acostumou a viver assim e se diz feliz dessa forma. Até dois anos atrás, as roupas eram lavadas na já citada Fonte da Mina, hoje infelizmente abandonada por todos. Por muito tempo, essas tradicionais lavadeiras cuidaram dela fazendo a capina do local e lavando a caixa d’água. Por questão de praticidade, a lavação é feita agora na casa que construíram em terreno também comprado por elas. Tudo fruto de muito esforço de ambas. E, se atualmente contam com as facilidades no uso de produtos variados para lavar e passar as peças de roupas, isso nem sempre foi assim. É verdade que tudo é lavado exclusivamente “na mão” e Rosária não hesita ao assegurar que a quantidade de trabalho não diminuiu com a popularização das máquinas de lavar. O sabão de bola (feito à base de torresmo triturado, soda cáustica e água) não é mais usado, mas as roupas brancas passam ainda pelo quarador. Isso quer dizer que as duas lavadeiras colocam esse tipo de roupa já em processo de lavagem sobre um plástico estendido no chão do quintal da casa por algum tempo, antes de enxaguar as peças. Secas e recolhidas dos inúmeros varais, as roupas são passadas. Nessa hora, reina absoluto o ferro a brasa. O elétrico, nem pensar!

Dá gosto ver as peças dobradas nas trouxas limpas e prontas para o caminho de volta a seu destino, sempre carregadas nos braços da Rosária, uma verdadeira formiguinha passando pela cidade num vaivém constante. Trouxa vai, trouxa vem, é raríssimo alguém deixar de receber alguma peça de roupa ou vir ela trocada de outra trouxa, por engano. E todo cuidado é pouco para não deixar que as roupas manchem. Para evitar que isso aconteça, nossas especialidades recomendam que as peças sejam separadas por cor (o que já é sabido) e, colocadas de molho, não devem ser esfregadas na hora. Elas recomendam ainda varais diferentes para roupas brancas e escuras. Todo cuidado é pouco também para conferir os bolsos de calças, casacos e camisas tirando deles papéis, chaves e dinheiro, muitas vezes esquecidos ali e devidamente devolvidos a seus donos.

Tantos anos de trabalho custaram à Rosária uma “inflamação” crônica no pulso direito. Maria José afirma ter se curado de uma dor antiga no braço. São os ossos do ofício. Segundo elas, ver a roupa clarinha e cheirosa é a melhor parte do serviço. A pior? “A chuva”, respondem as duas, mas sabiamente acrescentando que “tem que chover senão a gente fica sem água”.

Conhecidas em Resende Costa como “as filhas da Vovó”, quis saber delas o porquê de serem assim chamadas. A explicação é simples: Vovó era o apelido da mãe, Nair Sebastiana de Jesus. Sem dúvida, o nome que as identifica na cidade é marca de qualidade associada à excelência dos serviços prestados a tanta gente por essa dupla que sabe levar a vida com a maior dignidade. Limpeza pura!