Contemplando as Palavras

Paixão por Roberto Carlos

16 de Agosto de 2009, por Regina Coelho 0

Muito se tem falado sobre os cinquenta anos de vida artística do cantor Roberto Carlos, que estão sendo comemorados neste ano. Os meios de comunicação destacam sua carreira vitoriosa, os tempos de Jovem Guarda, os incontáveis sucessos ao longo de tantos anos e a linguagem tão característica desse artista, tido como o mais popular do país (“É uma brasa, mora”, “garota papo firme”, “bicho”).

E tome popularidade! A legião de fãs que o Rei possui pelo Brasil é coisa de impressionar. Aqui mesmo em Resende Costa, apesar de não haver um fã-clube formado oficialmente, há uma turma grande que curte Roberto Carlos. Isso significa acompanhar tudo o que diz respeito à sua trajetória profissional. Significa também ter todos os seus discos (isso mesmo, discos!), CDs e saber de cor letras e mais letras de suas músicas. E mais: programa anual do Rei na tevê é para ser gravado. E por que não ir ao show dele em Belo Horizonte ou mesmo em outro lugar? Coisas de fã. Gente como a Maria Moreira, a Leila (do Savinho), a Vanda Daher, a Ivoni (do Quincas), a Nhá (do Zé Henrique), a Maria (do Lico), o Camilo Vale, o José Alair (Jota Resende), o Edgar do Nico Resende (Kid), o Batista (professor Batistuta) e o saudoso Edmar Reis (do Antônio Damasceno).

Por desconhecimento meu, não posso citar nomes de outros fãs que o Rei conquistou em Resende Costa. Sintam-se, portanto, representados pelos “colegas” de tietagem citados e pelo que alguns deles disseram.

“O que ele canta em suas canções é como se eu tivesse vivido tudo aquilo. Ele é considerado, ao lado de Erasmo Carlos, um dos maiores compositores brasileiros. Admiro o Rei, que com sua simplicidade sempre ajudou os mais carentes através de shows beneficentes por todo o Brasil. Ele é um artista completo e se lembra em suas canções não só das mulheres, mas também da natureza, da fé em Deus e de vários profissionais (o caminhoneiro, o taxista...). Tive a honra de ir a um show dele em Belo Horizonte com os meus primos Camilo e Ilca, em 1998 e pretendo voltar ao próximo em BH, agora em 2009. Igual ao Roberto não existe outro. É o que penso.” (Edgar – Kid)

“Para mim ele realmente é o Rei da MPB. Foi o Rei da Jovem Guarda e ainda reina como melhor compositor e intérprete da nossa música. Comecei a gostar das músicas de Roberto Carlos quando ainda era criança. Tenho quase todos os seus discos no formato de LP (vinil) e vários CDs que completam a minha coleção. As músicas dele de que mais gosto são “Jesus Cristo”, “Amigo” e “Eu sou terrível”. Daí eu gostar de ser chamado de “o terrível Ratinho dos anos 80”, em referência a uma época em que eu comandava vários shows de calouros e surgiram muitos candidatos cantando músicas do Rei, o que para mim era uma grande alegria. Termino o meu depoimento dizendo que são muitas as emoções.” (Jota Resende)

“Para mim é o maior de todos dentro da MPB. Por vários motivos Roberto Carlos é merecedor de todo o sucesso. Muitas emissoras de rádio têm programas especiais com músicas do Rei, inclusive a nossa Rádio Inconfidentes FM, 87,9, com o programa “Encontro com o Rei”, todo sábado das onze ao meio-dia. A atração hoje é apresentada pela mais nova locutora da Inconfidentes, a Ana Paula, que curte muito Roberto Carlos.” (Camilo Vale)

“Coleciono tudo o que ele grava. Sempre que me procuram precisando de alguma música dele, consigo achá-la na minha coleção. Acompanho tudo sobre sua carreira e já fui assistir a um show dele em São João Del Rei.” (Ivoni de Assis Resende)

“Ele é o ídolo da minha juventude. Suas músicas emocionam, tocam o coração da gente. As letras possuem uma mensagem de amor. Roberto Carlos também homenageia Jesus Cristo. Ele é uma pessoa simples, humilde, um homem de fé. Recebi dele uma rosa quando assisti a um show em que ele se apresentou em São João. Roberto é o meu ídolo sempre.” (Vanda Daher)

Bacana isso, não? Roberto Carlos merece. Afinal de contas, manter-se no topo por tanto tempo não é mero acaso. É coisa de gente predestinada ao sucesso, nesse caso, garantido pelo enorme contingente de fiéis e alucinados fãs espalhados por aí. Pura paixão entre o Rei e seus súditos.

NOTA: Na produção dessa matéria, contei com a colaboração entusiasmada do Camilo Vale, a quem agradeço.

Tempo de comemorar

13 de Julho de 2009, por Regina Coelho 0

No ano em que Resende Costa comemora seus 97 anos de emancipação política, uma importante história de 90 anos ligada à educação no município merece ser lembrada. Assim é que pelo Decreto 3885, de 20 de abril de 1913, com publicação no “Minas Gerais” do dia seguinte, foi criado o Grupo Escolar Assis Resende. Instalado oficialmente no dia 19 de julho de 1919, o Assis Resende representou o início do processo de democratização do ensino na cidade. Até então um privilégio de uma minoria que podia receber instrução particular em casa, a oportunidade de estudar no curso primário público da nova escola se abriu para as 424 crianças matriculadas naquele longínquo 1919. E para tantas outras que vieram depois.

As primeiras décadas do século passado viram surgir o trabalho desbravador das professoras primárias que passaram pelo educandário. Fiel a seus princípios de alfabetizar e instruir várias gerações de moradores da nossa cidade, o Grupo Escolar Assis Resende consolidou seu ideal ao longo dos anos, tornando-se também referência afetiva na vida de muita gente.

Em 1986, com o processo de estadualização do Ensino Médio ministrado na extinta Escola da Comunidade Nossa Senhora da Penha e com o novo nome de “Escola Estadual Assis Resende”, a instituição tomou para si outro desafio. Uma nova extensão de séries ocorreu em 1990 no que se chamava Primeiro Grau, agora Ensino Fundamental.

Não existem mais hoje as turmas do curso primário na escola, municipalizado que foi, a partir de 1998, mas a história continua. A cada ano novas turmas se formam e se desfazem, em processo de dinâmica caminhada para a qual a Escola Estadual Assis Resende se faz sempre presente. Comandada atualmente por Maria Luzia Resende, ela é sinônimo de Resende Costa. Ambas, cidade e escola, além de contemporâneas, são motivo de nosso orgulho.


Uma visita ao passado

Você quer conhecer um pouco de Resende Costa de outros tempos? Quer ver ruas hoje modificadas, casas que já nem existem mais, alguns elementos agora ausentes da nossa paisagem? Se respondeu “sim”, visite o site www.resendecostaturismo.com e clique no link “Fotos antigas”. Desenvolvido por Arlen Resende e Rafael Alves, este último nosso colega aqui do jornal, o trabalho dos dois é muito interessante. As imagens selecionadas são cópias de fotos originalmente expostas na Casa de Cultura, sendo retiradas de lá em razão das precárias condições atuais daquele espaço. Merecem figurar em local de destaque para que ganhem mais visibilidade e possam, assim, ser apreciadas por todos. A cidade agradeceria.

Quanto às fotos propriamente ditas, chamam a atenção, por exemplo, as Ruas Assis Resende (detalhe da antiga padaria) e Gonçalves Pinto (detalhe da construção da Praça Dr. Costa Pinto). Um simpático e raro automóvel (a quem pertencia?), a antiga bomba de gasolina e um lampião de carbureto podem ser vistos em fotos dos “Quatro Cantos”. Quanta mudança! Nem mesmo esse nome é tão usado como antes. Estão registrados ainda momentos históricos ligados à criação de Resende Costa. E o que dizer da belíssima igreja matriz em estilo neogótico e que deu lugar à atual construção? E como não ter os olhos voltados para uma procissão subindo a Praça Mendes Resende? Ou deixar de apreciar os sisudos músicos da Banda Municipal de uma época perdida no tempo?

Pois é. Faltam datas e nomes (os possíveis, é claro) na maioria das fotos, o que é uma pena. Até onde sei, elas pertencem à Paróquia Nossa Senhora da Penha, que as emprestou para reprodução. Méritos aqui para a Luísa Helena (do Murilo, filho do “seu” Zé Mendonça), que esteve à frente desse trabalho. Não posso deixar de mencionar o empenho do Alcides Lara (meu saudoso tio) e do Dr. Luiz (médico) na recuperação desse valioso material, transformado posteriormente em exposição a partir de 1992, na já citada Casa de Cultura. Na ocasião, os quadros com as cópias das fotografias foram patrocinados por pessoas da cidade que se mostraram sensíveis ao projeto.

De volta ao site dos meninos, a dica é navegar pela internet para uma visita ao passado. Confira!

Inventando moda

13 de Junho de 2009, por Regina Coelho 0

Paula Lara e a apresentadora Adriana Colin

A estilista Paula Lara mostra coragem ao trocar a advocacia pela moda, faz sucesso entre as famosas, mas diz que são muitas as armadilhas desse ramo de atividade.

Nascida e criada em Belo Horizonte, onde mora, a estilista e empresária PAULA LARA tem raízes resende-costenses. Ela é neta do saudoso casal José Jacinto Lara e Helena Fonseca Lara (ele, por muitos anos dentista e depois escrivão do crime na cidade; ela, professora primária do então Grupo Escolar Assis Resende, hoje Escola Estadual Assis Resende). Das muitas férias e festas passadas durante a infância e a adolescência aos dias atuais, muita coisa mudou na vida dessa profissional que vem despontando com força no cenário mineiro da moda feminina. Aos 27 anos, a criadora da marca “Atalena” comanda uma equipe de trabalho formada por 10 pessoas (chefe de produção, auxiliar de serviços gerais, passadeira, arrematadeira, pilotista, cortador, modelista, estagiária e duas vendedoras). Suas ideias em relação às atividades que desenvolve revelam a maturidade de quem já conhece o lado menos charmoso das confecções de roupas. É o mesmo que requer muito trabalho, gera milhares de empregos, movimenta a indústria e o comércio, fortalece a economia e faz surgirem talentos como Paula. Leia a seguir a entrevista que ela concedeu ao JORNAL DAS LAJES.

Quando surgiu o interesse por moda, profissionalmente falando?
O interesse por moda surgiu através de um certo desencanto com o Direito. Quando da minha formatura em 2004, percebi que deveria buscar outra profissão, pois senti que na área jurídica eu não seria feliz. Assim, entrei na faculdade de moda no começo de 2005 e me apaixonei. Primeiro veio o aprendizado teórico, ou seja, fiz o curso de design de moda pelo Instituto Marangoni, de Milão, e depois tive a experiência prática, que primeiramente ocorreu na Itália.

Como foi o começo, o primeiro trabalho?
O primeiro emprego na área de moda foi ainda na Itália. Trabalhei com um estilista que tinha uma linha de tênis na “Puma”, e para a Copa de 2006 desenvolveu o uniforme da seleção italiana, que saiu vencedora na disputa. Além dessa veia esportiva, tínhamos que gerenciar as linhas “femininas” e “homem clássico”. Foi muito válido, mas sabia que o masculino não era meu forte. Já no Brasil, meu primeiro emprego foi oferecido por uma amiga, que na época da minha ida à Itália foi uma grande incentivadora, e, quando retornei, colocou-me como sua assistente, na marca “Nef”. Ali permaneci por um ano, período em que pude conhecer o funcionamento de uma confecção de roupas, os fornecedores de tecidos, profissionais da área, etc.

E a escolha da marca Atalena, como você explica?
O nome “Atalena” surgiu ainda na época da faculdade de moda e é formado pelos nomes de minhas avós materna (Atalice) e paterna (Helena). Quando tive a oportunidade de montar a minha confecção, não hesitei em usar esse nome e, assim, homenagear minhas avós queridas.

Quais são suas principais motivações ao criar uma peça?
Difícil falar sobre motivação para a criação de uma peça. Na verdade, sofremos influências cotidianamente: vemos um filme, lemos um livro, andamos na rua e vemos algo que nos chama atenção, viajamos, lemos “blogs” (essa é a minha mais nova mania), assistimos televisão, e tudo isso serve como subsídio e inspiração para que se possa perceber o que as pessoas querem e almejam vestir. Exemplo dessa tendência comportamental, que é quase imperceptível, é a moda indiana, há tempos esquecida. Não é a toa que a Globo está explorando essa tendência. O lançamento do filme “Quem Quer Ser um Milionário?” colocou a Índia em evidência no cenário mundial cultural, o que é somente uma consequência de sua cultura milenar, e de seu enorme crescimento nos últimos anos. Esse crescimento mostrou ao mundo um país maravilhoso, com sua religião, costumes, hábitos, inclusive os de vestir. Assim, conseguimos entender por que as pessoas buscam cada vez mais os sáris e as calças “saruel”, além dos xales estampados. Ao criar uma peça, o estilista deve ter a sensibilidade de perceber o que as pessoas querem vestir, mas para isso ele deve buscar a informação e estar sempre atento às transformações sociais, culturais, comportamentais e econômicas.

Até que ponto o fato de ter morado e estudado em Milão, um dos mais importantes centros da moda no mundo, influenciou você?
Ter morado em Milão me mostrou que a moda não é nem um pouco glamourosa. Passei quase dois anos lá e tive pouco tempo para viajar, pois o curso demandava muita dedicação. Nas horas de folga, visitávamos exposições, museus, bibliotecas, atividades estas que nos ajudavam nos trabalhos do curso. Na verdade, quem escolhe essa profissão busca incessantemente a novidade, a informação, as mudanças sociais. Tudo se torna material de pesquisa. Esse “espírito de busca” trago sempre comigo, e foi algo que desenvolvi lá.

Considerando todos os processos por que passa cada trabalho seu, o que lhe dá mais prazer?
Duas etapas de meu trabalho me fazem muito bem: quando vejo a roupa pronta e gosto do resultado e quando vejo alguém na rua vestindo Atalena, alguém que não conheço, que somente viu uma roupa na arara de uma loja e gostou. Essa parte é muito prazerosa.

Basicamente, que tipo de mulher veste suas roupas?
A mulher Atalena é muito romântica, aprecia babados e laços. É madura, apesar de vestir vestidos bem pueris, gosta de uma novidade, de algo diferente, mas ao mesmo tempo é tradicional e bem delicada. Podemos dizer que a mulher “Atalena” pode ter 20 anos como pode ter 50 anos, pois o que importa é simpatizar com o estilo da marca.

De que forma a marca Atalena chega às consumidoras?
A “Atalena” ainda é uma marca muito pequena, e como em toda microempresa, a logística é um pouco diferente. Mas temos um showroom em Belo Horizonte, que atende somente ao atacado, ou seja, vendemos só para lojistas. E temos várias lojas que nos representam, espalhadas por Minas Gerais, tais como Uberlândia, Montes Claros, Ouro Branco, Conselheiro Lafaiete e em outros estados, como Amazonas, Piauí e Goiás.

A que você atribui o sucesso de suas criações, principalmente entre mulheres famosas que aparecem na tevê usando peças da Atalena?
Várias celebridades já apareceram em novelas usando Atalena, e isso se deve a um importante trabalho de assessoria de imprensa, que oferece nossas roupas aos produtores de figurino da Globo, que escolhem aquelas que mais se adaptam a um personagem ou outro. Assim, Vera Fisher, Débora Secco, Adriana Colin, Marjorie Estiano, além de jornalistas da Globo Minas já apareceram usando uma criação da Atalena.

O que significa para você fazer moda no Brasil hoje, lembrando ainda que vivemos um momento de crise econômica mundial?
Quem opta por trabalhar no ramo da confecção, de um modo geral, precisa ter o pé bem no chão, pois são muitas as armadilhas. Muitas são as fábricas que não conseguem sobreviver nesses tempos de instabilidade econômica, quando os riscos são maiores. A Atalena começou suas operações em 2008, um ano de reviravoltas econômicas, mas, como estamos em um período de adaptação ao mercado, não podemos ainda falar sobre os efeitos da crise. Tenho consciência também de que fazer moda é uma atividade que demanda muito cuidado, e por isso se deve ter toda cautela nas compras de matéria-prima e no controle de estoque, para que a empresa não passe por nenhuma dificuldade. Lembro-me sempre de uma frase cujo autor desconheço, que diz: “Em tempos de dificuldades e crise, temos a oportunidade de mostrarmos que somos fortes”.

O PEREGRINO DA PAZ (II)

16 de Maio de 2009, por Regina Coelho 0

Durante sua permanência de 28 anos no Rio de Janeiro, padre Hélder Câmara escreveu para periódicos católicos, tendo trabalhado também como diretor técnico do ensino da religião. Foi nomeado bispo auxiliar do Rio no dia 03 de março de 1952 e ordenado bispo em 20 de abril de 1952, aos 43 anos. Dom Hélder foi um dos fundadores da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), da qual presidiu a primeira reunião e se tornou uma das vozes mais respeitadas. Sua inquestionável capacidade de articulação tornou realidade o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, em 1955, na então capital do Brasil, que contou com a presença de cardeais e bispos do mundo inteiro. Ele também teve participação ativa no Concílio Ecumênico Vaticano II.

Dotado de uma visão aguda para as questões sociais mais urgentes, Dom Hélder criou em 1956 a Cruzada São Sebastião, com o objetivo de oferecer moradia digna aos favelados cariocas, o que veio a ser um impulso inicial para a construção de outros complexos habitacionais no país. Em 1959, instituiu o Banco da Providência, órgão que tinha como meta auxiliar os que viviam em condições precárias. ‘As camisas dele sumiam e só quando abríamos o guarda-roupa notávamos que haviam sido dadas aos pobres.’ Nada é mais esclarecedor sobre a personalidade bondosa de Dom Hélder do que esse depoimento de Maria José Duperron Cavalcanti, secretária por longos anos do ‘bispo vermelho’, que era como se referiam a ele seus opositores, por medo de suas ideias progressistas.

Em defesa delas, as divergências com o cardeal Dom Jaime Câmara (sem parentesco com ele) tornaram difícil sua vida no Rio. E diante da complicada situação sociopolítica nacional, Dom Hélder foi transferido para a Arquidiocese de Olinda e Recife no emblemático ano de 1964. Lá deu início a um dos maiores programas sociais já vistos no Nordeste, ajudando os flagelados das enchentes e incentivando o surgimento de lideranças populares como forma de enfraquecer o mero assistencialismo.

Suas obras repercutiram internacionalmente e por elas recebeu cerca de 600 condecorações, entre placas, diplomas, medalhas, certificados, troféus e comendas. Por estabelecer uma clara resistência ao regime militar, tornou-se líder contra o autoritarismo e pelos direitos humanos. Pregava no Brasil e no exterior uma fé cristã comprometida com os anseios dos mais pobres. Foi perseguido pelos militares por sua atuação social e política, sendo acusado de comunista. Nesse período, foi-lhe negado o acesso aos meios de comunicação social por aqui, o que não o impediu de, em 1970, conseguir reunir mais de 20 mil pessoas em Paris para, do alto de seu 1,60 m de altura, denunciar torturas no Brasil.

Arcebispo emérito a partir de 1985, o homem que muito antes abandonara o palácio do bispo para viver em uma pequena casa paroquial não deu por encerrada sua missão. Nos anos 90, inaugurou com o auxílio de várias organizações filantrópicas a campanha ANO 2000 SEM MISÉRIA.

Teve ainda inúmeras obras publicadas, posteriormente traduzidas em diversos idiomas. Indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, Dom Hélder, a quem o papa João Paulo II chamou de ‘irmão dos pobres e meu irmão’, faleceu no dia 27 de agosto de 1999, em Recife, vitimado por uma parada cardiorrespiratória.

De volta ao passado, é possível resgatar a imagem do menino andando pela rua com a mãe e aprendendo com ela bela lição. Era costume da maioria católica daquelas paragens cearenses e daquele tempo descer afastar-se da calçada em frente ao templo evangélico, numa clara demonstração de intolerância, de separação, de preconceito religioso. Caminhando ao lado da mãe, ele repete o gesto, sem saber por que deveria fazer assim. Ela estranha a atitude do filho e o obriga a passar várias vezes pela frente daquela igreja, ensinando-lhe o fraterno convívio. Valeu-lhe muito o ensinamento materno. Jamais ele segregaria alguém.

Homem de aparência frágil e de palavra forte, Dom Hélder Câmara é hoje lembrança viva de uma trajetória de 90 anos permeada de incontáveis lições de vida.

Comemorar o centenário de nascimento desse brasileiro que marcou positivamente o século XX com sua caminhada de fé no ideal cristão é preservar sua memória, levando ao conhecimento dos mais novos a história bonita protagonizada por alguém a quem chamavam de O PEREGRINO DA PAZ.

E como tributo a Dom Hélder, segue abaixo uma coletânea de alguns de seus muitos pensamentos:

- Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver.
- As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Levo-as no coração.
- Quando dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista.
- A melhor maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar.
- É graça divina começar bem. Graça maior é persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca.
- O amor é o perfume das almas.
- Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio...
- Só as grandes humilhações nos levam ao recesso último de nós mesmos, lá onde as fontes interiores nos banham de luz, de alegria e de paz.
- É bom que ninguém se iluda, ninguém aja de maneira ingênua: quem escuta a voz de Deus e faz sua opção interior e arranca-se de si e parte para lutar pacificamente por um mundo mais justo e mais humano, não pense que vai encontrar caminho fácil, pétalas de rosas debaixo dos pés, multidões à escuta, aplausos por toda parte e, permanentemente, como proteção decisiva a mão de Deus. Quem se arranca de si e parte como peregrino da justiça e da paz, prepare-se para desertos.
- Gosto dos pássaros que se enamoram das estrelas ao voarem em busca da luz.
- Quando houver contraste entre a tua alegria e um céu cinzento ou entre a tua tristeza e um céu sem nuvem, bendiz o desencontro: é aviso divino de que o mundo não começa e nem acaba em ti.


Aos sinceros, Deus perdoa.

Não grites incoerência,
hipocrisia,
falsidade,
sem a coragem cristã
de olhar primeiro,
mas a fundo,
bem a fundo,
teu próprio rosto.

O peregrino da paz (I)

18 de Abril de 2009, por Regina Coelho 0

O décimo primeiro filho de João Eduardo Torres Câmara Filho, maçom, jornalista, crítico teatral e funcionário de uma firma comercial e da professora primária Adelaide Pessoa Câmara veio ao mundo em Fortaleza (Ceará), no dia 7 de fevereiro de 1909, um domingo de carnaval. Para a escolha do nome daquele menino, o pai, numa inspiração, foi até a estante onde a esposa guardava seu material de trabalho escolar, abriu um livro ao acaso e pousou os olhos sobre lugares do mundo. Seu dedo foi passando por países, ilhas, cidades... E, ao olhar regiões do norte da Holanda, parou sobre o nome ‘Hélder’, pequeno ponto naquele mapa atribuído a um forte. Categórico, ele afirmou: ‘Este filho vai se chamar Hélder’. Mais tarde, o senhor João Eduardo veio a descobrir que o nome escolhido significava ‘céu claro’ ou ‘claridade’.

Uma das brincadeiras preferidas do garoto franzino, que no dia do batizado recebeu água morna na cabeça por temerem pela sua saúde, era ir à feira com o irmão mais velho, Mardônio, e voltar para casa cheio de pitombas. Sorrateiramente, depois de chuparem a fruta típica nordestina, eles subiam até o alto do sobrado onde moravam e se divertiam atirando as sementes nos passantes.

Aluno aplicado e estudioso, gostava muito de francês, tendo desenvolvido um apurado senso crítico na leitura de livros nessa língua. Só não gostava de castigar ninguém nas sabatinas, quando aquele que errasse perguntas feitas pelos colegas teria de ser por esses justiçado, com a palmatória. ‘Professora, sou incapaz de bater em alguém’, repetia o tímido menino, cheio de boas intenções, quando era a sua vez de assim proceder. A resistência pacífica dele a esse tipo de castigo, então muito comum nas escolas, levou a professora, Dona Salomé, a suspender a punição física em suas aulas. Uma primeira vitória do natural senso de justiça do filho de dona Adelaide.

A vocação para o sacerdócio já se fazia presente. O pai gostava de lembrar-lhe que ser padre e ser egoísta não combinavam. Em uma de suas conversas com o pequeno Hélder, ele o interrogou, afirmando: ‘Você sabia que uma pessoa para ser padre não pode pensar só em si mesma? Os padres acreditam que, quando celebram a Eucaristia, é o próprio Cristo quem está presente. Você já pensou nas qualidades que devem ter as mãos que tocam diretamente o Cristo?’, ao que o filho lhe afirmou: ‘Pai, é um padre assim que eu quero ser’. Estava se consolidando a decisão do garoto Hélder de se tornar padre, desejo secretamente aspirado pela mãe e assumido pelo pai.

No ano de 1923, o jovem Hélder Pessoa Câmara ingressou no Seminário Diocesano de Fortaleza. Tempos de disciplina rigorosa e dos primeiros questionamentos. O espírito audacioso daquele seminarista haveria de levá-lo a se envolver em discussões memoráveis, postura que manteria pela vida toda.

A propósito dessa sua personalidade combativa, vem à tona um episódio interessante envolvendo a figura do Reitor do seminário, que possuía absoluto controle sobre o que era privativo de cada um dos estudantes, possuindo inclusive a cópia da chave dos cadeados das bancas onde os alunos guardavam seus livros, cadernos, papéis. Certo dia, o padre o abordou, perguntando-lhe se não estava sentindo falta de seus papéis. Com a sinceridade e o respeito de sempre, o jovem foi incisivo ao dizer que queria evitar o constrangimento dele, que havia mexido em sua banca pela madrugada, como um ladrão, levando papéis que não lhe pertenciam e completou dizendo que ‘quis livrá-lo dessa humilhação’. Abalado, mas comovido com a firmeza de seu aluno, prometeu que jamais repetiria aquilo. Mas, antes de devolver-lhe tudo, quis interrogá-lo sobre a mania de escrever versos, dizendo que ele ‘corria perigos por causa da poesia, pela imaginação vagando...’ E o jovem, prontamente, afirmou: ‘Poeta, senhor Reitor, não é só quem faz versos, mas quem vibra diante da beleza, como o senhor’. E prosseguiu, defendendo o direito de expressar-se em poesia ou ‘meditações’, como ele se referia a seus textos. No entanto, num gesto de renúncia e de sabedoria, comprometeu-se a não mais fazer poesia, até o dia de sua ordenação, pedindo, porém, ao Reitor que confiasse nele e não mais bisbilhotasse os seus pertences, nem os dos colegas. Confirmando essa confiança, o padre devolveu-lhe a cópia da chave de sua banca. Ele retrucou, dizendo: ‘Não quero isso apenas para mim, não quero privilégios’. Padre Tobias ainda o questionou sobre o fato de que nem todos teriam a maturidade que ele já apresentava. E ele, firme, lamentou que o Reitor não confiasse na juventude e não fizesse um apelo para a lealdade de todos. Convencido, o padre resolveu arriscar e devolveu todas as cópias das chaves aos respectivos donos.

No dia 15 de agosto de 1931, o jovem Hélder foi ordenado padre, aos 22 anos, com autorização especial da Santa Sé, por não possuir a idade mínima exigida para tal. No mesmo ano, fundou a Legião Cearense do Trabalho e em 1933, a Sindicalização Operária Feminina Católica, que congregava lavadeiras, passadeiras e empregadas domésticas. Ainda na capital cearense, atuou na área da educação, sendo transferido em 1936 para o Rio de Janeiro.

Desde sua ordenação, padre Hélder acordava todos os dias às duas da manhã, rezava, lia seu breviário, respondia a sua correspondência, meditava a respeito do dia passado e escrevia poesia. Foram 7547 meditações (sem contar as centenas que ele jogou no lixo) sobre os mais variados assuntos: a fé em Deus e em Maria, as asas quebradas de um passarinho, a crença no amor dos homens, a esperança na justiça social...

Voltando aos anos 30, há que se registrar um fato no mínimo curioso ligado à vida desse brasileiro notável. Empolgado com a radicalização política daquela época, ele juntou-se às fileiras do integralismo (organização de extrema direita baseada nos moldes fascistas). ‘Foi meu erro de juventude’, confessaria mais tarde.

Na casa onde passou a morar em Botafogo (Rio de Janeiro) com a família, que viera de Fortaleza, padre Hélder tinha uma empregada de confiança a quem costumava dar umas gorjetas. Esperava um momento de distração da moça, aproximava-se dela e berrava-lhe ao pé do ouvido: ‘Olha a barata, Maria!’, e jogava-lhe algumas notas.

A atenção e o afeto que dispensava aos que para ele trabalhavam no âmbito doméstico não lhe faltaram também no trato e no trabalho com todos aqueles que se guiaram pela mão firme de um sacerdote idealista e de atuação destacada, notadamente em favor dos mais necessitados. Que o digam, principalmente, seus 28 anos de muitas realizações no Rio de Janeiro.
(A matéria continua na próxima edição)