Contemplando as Palavras

Nos embalos do Natal

18 de Dezembro de 2019, por Regina Coelho 0

muitos lamentam o fato de que a tevê, pelo menos por enquanto, não é capaz de transmitir o aroma das gostosuras anunciadas nas propagandas e dos pratos preparados diante das câmeras nos inúmeros quadros ou programas inteiros dedicados à gastronomia, tendência em alta hoje no país. Sabendo que os sentidos se complementam, isso é mais ou menos como ver uma música cifrada no papel ou apresentada somente em palavras.

Pensei nisso ao me lembrar das tradicionais canções de Natal, interessada em falar das letras que elas têm e que ganham mais beleza através dos sons que embalam toda temporada natalina, e que vocês certamente reconhecerão aqui. É bom esclarecer que a grande produção de músicas natalinas no Brasil se deu entre os anos 30 e 60 com a explosão da nossa indústria fonográfica.

Relembrando algumas delas. Composta em 1932 por Assis Valente e gravada no ano seguinte por Carlos Galhardo, com arranjo de Pixinguinha, Boas Festas (ou Anoiteceu) é uma marchinha de versos tristes e realistas. Apenas um trecho: “Eu pensei que todo mundo/ fosse filho de Papai Noel./ Bem assim felicidade. / Eu pensei que fosse uma brincadeira de papel. / Já faz tempo que eu pedi, / mas o meu Papai Noel não vem. / Com certeza já morreu. / Ou então felicidade / é brinquedo que não tem.” De maneira oposta, em O velhinho, de Octavio Babo Filho (primo de Lamartine Babo), a visão do autor apresenta um certo traço de alienação social ao retratar um Papai Noel sempre justo. Para ele, “Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém. / Seja rico ou seja pobre, / o velhinho sempre vem.” Completando o trio, o destaque fica para Natal das crianças. Com mais de 40 regravações, é um clássico do compositor e cantor Blecaute, com uma bonita proposta de harmonia coletiva. “Natal, Natal das crianças. / Natal da noite de luz. / Natal da estrela-guia. / Natal do Menino Jesus. / Blim, blão, blim, blão./ Bate o sino da Matriz. / Papai, Mamãe rezando. / Para o mundo ser feliz...”

Em se tratando do repertório internacional, três músicas são imbatíveis em versões livres para o português. Uma delas é Jingle Bells (Bate o sino), que rivaliza com o próprio Papai Noel no quesito popularidade. A outra é Stille Nacht – (em alemão, Noite Silenciosa, com adaptação do título em português para Noite Feliz), em versão brasileira de 1912. Considerada pela Unesco em 2011 Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, essa canção é puro encantamento, especialmente para a noite do dia 24. De cunho religioso, ambas anunciam o nascimento de Jesus em versos singelos que enaltecem a paz e a simplicidade. A terceira é Happy Xmas (War is over), lançada em 1971, originalmente uma canção de protesto contra a Guerra no Vietnã, e imortalizada por John Lennon. União entre as pessoas e esperança no que virá são propostas presentes nessa bela música, que ganhou uma versão bem-sucedida da cantora Simone em 1995.

Nesta época repleta de cores e luzes, de sons melodiosos e vozes cantantes, quando beijos, abraços e apertos de mão são trocados com votos de felicidade, que haja verdadeiramente o sentido do bem em nossos gestos. E, diferentemente do lamento banal diante das imagens da tevê que mostram o que não pode ser captado pelo cheiro nem experimentado pelo paladar, que haja a alegria possível diante da mesa posta para a celebração do bom Natal.

 

TURMA DAS LULUZINHAS – Fechando as comemorações de seus 15 anos de existência, a Turma das Luluzinhas, um grupo de Resende Costa (do qual participo) formado por mulheres ligadas pela amizade e pelo prazer dos bons encontros, promoveu um almoço beneficente no último 10/11 com renda destinada ao Hospital N.S. do Rosário e ao Lar São Camilo.

Naquele dia, não tivemos somente mais uma de nossas tantas reuniões. Na companhia de familiares, amigos e demais pessoas que compareceram ao Barril Bar, e aliando diversão e trabalho, praticamos nossa melhor forma de ser. E não há nada de extraordinário no que foi feito. Muitos fazem, fazem muito. Que assim seja!

Ainda hoje infeliz realidade

12 de Novembro de 2019, por Regina Coelho 0

viajei pela primeira vez para Porto de Galinhas (PE) há muito tempo. Estive lá novamente há três anos, quando ouvi de um guia local a explicação esquecida sobre o nome do lugar. O que contam é que antigamente Porto de Galinhas era conhecida como Porto Rico devido à farta extração de pau-brasil na região. Em 1850, a Lei 581 (Lei Eusébio de Queirós) tornou proibido o comércio escravista no país, mas os escravos continuaram a chegar para serem vendidos, contrabandeados. E tão logo atracava no porto pernambucano o navio em que eram trazidos, escondidos debaixo de inúmeras galinhas d’angola, comerciantes das redondezas anunciavam a “carga” com uma senha secreta: “Tem galinha nova no Porto!”. Essa lembrança me veio agora ao saber que outro famoso paraíso natural também tem seu nome ligado à história da escravidão no país. Segundo o jornalista Laurentino Gomes, coube a Fernando de Noronha, um cristão-novo, (judeu recém-convertido ao cristianismo) “inaugurar o tráfico de escravos no Brasil. Em 1511, ou seja, apenas uma década após a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral à Bahia, a nau Bretoa, de propriedade do florentino Bartolomeu Marchianni e de Fernando de Noronha, atracou em Portugal com uma carga de papagaios, peles de onça-pintada, toras de pau-brasil e 35 índios cativos”.

Essa informação consta do livro “Escravidão” – vol. 1 – a nova trilogia de Laurentino – que cobre o período que vai do primeiro leilão de escravos africanos realizado em Portugal, no dia 8/8/1444, até a morte de Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares, em 20/11/1695. Lançada em agosto deste ano na Bienal do Rio, a obra, uma verdadeira empreitada, custou ao jornalista uma extensa pesquisa (leu por volta de 200 livros) e anos de viagens por 12 países, 8 deles em território africano.

Falando de escravidão, essa prática muito antiga em todas as culturas, um fato é inquestionável: os homens cativos vistos como mercadoria, reduzidos à condição de bens semoventes, como os animais, podendo ser vendidos, alugados ou dados como pagamento de dívidas. No capítulo Documentos históricos do seu Memórias do antigo arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage..., o resende-costense Juca Chaves faz a transcrição de alguns testamentos. No de Francisca Cândida Resende há uma referência especial a duas escravas – Rizulia e Maria Delfina – dadas respectivamente à Maria e à Francisca, netas de Francisca. Eis aí apenas um pequeno e doméstico exemplo do que se vivia naqueles tempos.

Uma outra questão que o tema suscita é o racismo, definido como crime no Brasil desde 1989. À afirmativa de que a escravidão é um fenômeno presente no curso da própria humanidade, o já citado Laurentino Gomes menciona em seus últimos escritos os milhões de seres humanos cativos. Eles “provinham de todas as regiões, raças, linhagens étnicas, incluindo eslavos (designação que originou a palavra “escravo”) de olhos azuis das regiões do Mar Báltico”, revela ele. Nessa última condição, os escravos eram pessoas brancas. A escravidão na América provocou o “nascimento de uma ideologia racista, que passou a associar a cor da pele à condição de escravo”, esclarece. Na verdade, três séculos e meio de escravidão brasileira deixaram como herança o racismo, ainda hoje forte, camuflado ou escancarado, mas sempre vergonhoso e abominável. Como tal, é um mal a ser combatido, aqui ou onde quer que seja.

Recentemente, em partida de futebol realizada na Bulgária entre a seleção do país e a inglesa, torcedores búlgaros foram vistos imitando sons de macaco, fazendo saudações nazistas e entoando cânticos racistas para os atletas negros da Inglaterra. Nas imagens que circularam por toda parte, jovens bonitos e saudáveis aparecem juntos e uniformizados, como numa ação orquestrada. Uns sorriem. Alguns cobrem parte do rosto com o capuz. Na inscrição de deboche que se lê nas camisas que seguram, “Sem respeito”, uma alusão à campanha “Respeito”, da Uefa, contra o racismo no esporte, eles dizem tudo, autodefinindo-se. Sem comentários!

Lá ou cá, é inaceitável toda forma de racismo.

Visitas em casa

15 de Outubro de 2019, por Regina Coelho 0

as pessoas não se visitam mais como antes. Isso é fato. O tempo, ou melhor, a falta dele é a justificativa mais comum usada por quase todos para explicar essa mudança num hábito culturalmente cultivado pelo brasileiro. E mais. Há um certo temor por parte do visitante (o sem-noção não conta) de chegar à casa de alguém numa hora imprópria para o visitado. Hoje, dado o número enorme de atividades que cada um pratica diariamente, nunca se sabe o que a pessoa a ser visitada está fazendo justamente no momento tido como oportuno para visitá-la. E, sinceramente, há quem simplesmente não goste de fazer ou receber visitas, quaisquer visitas. Transformações de costumes e radicalismos à parte, visitar amigos e familiares pode ser um momento realmente bom desde que sejam observadas certas atitudes, no caso presente, por quem visita.

Parece bobagem dizer isso, mas certas regras de etiqueta fazem todo sentido. Por ora, apenas um exemplo. Quem nunca passou pela situação de ter uma visita em casa, estar visivelmente morrendo de sono, e a pessoa ali há horas, firme e forte, sem se preocupar com o relógio? “Visita tarraxa essa”, diria minha mãe.

Andei pesquisando sobre o assunto. Como já é sabido, tudo se resume a uma palavra: educação. E agir educadamente para ser uma boa visita implica seguir alguns mandamentos, além do citado acima. Sem muita frescura, vamos aos principais:

*Não apareça sem combinar com a pessoa ou sem ter sido convidado por ela. *Não se atrase. *Leve um agrado. Para visitas rápidas e costumeiras não é necessário se preocupar com esse item. *Avise antes se for levar alguém com você. *Quanto à presença de crianças, o ideal é certificar-se se não há problema em levá-las. O mesmo deve valer para os bichinhos de estimação. *Evite assuntos polêmicos. *Não fume. Nem coma e beba com exagero. *Não leve ao pé da letra a frase “sinta-se em casa”. *Recebeu um convite para almoçar, jantar ou fazer um lanche? Pergunte se convém levar alguma coisa, a sobremesa, por exemplo. *Mantenha tudo em ordem, inclusive e principalmente o banheiro.

Há visitas feitas apenas para rever pessoas queridas, uma forma presencial de estreitar laços mútuos de afeto, o que é ótimo. Situação delicada costuma ocorrer quando o propósito é visitar alguém doente. Aí, recomenda o bom senso que não se comente sobre a possível debilitada aparência da pessoa em questão ou a gravidade do seu quadro de saúde. Visita de pêsames também pode ser coisa complicada. Faltam as palavras às vezes. Ou sobram os clichês sempre. Isso quando não sai alguma besteira: “Beleza?”, “Oi, tudo bem?”, “Meus parabéns!”.

Visita que se acomoda em casa alheia vira hóspede. Nessa condição, “a primeira coisa que o hóspede deve deixar claro é até quando vai ficar. Esse detalhe deve ser esclarecido antes da chegada, de preferência”, aconselha a escritora Danuza Leão no capítulo “Hospedar”, do seu livro Na sala com Danuza (1992), um grande sucesso editorial, no qual ela lembra uma “Historinha ótima”. “Contam que (os escritores americanos) Zelda (1900-1948) e Scott Fitzgerald (1896-1940) moravam no campo, perto de Nova York e costumavam receber muitos amigos para o weekend. Do lado interno da porta de cada quarto havia um providencial quadrinho com o seguinte texto: ‘Se no pileque de sábado nós insistirmos para vocês ficarem até segunda-feira, pelo amor de Deus, não fiquem!’” Das palavras deixadas por Benjamin Franklin (1706-1790) vem um alerta sem floreios sobre o tema. “Peixes e visitas cheiram mal depois de três dias”. Para os que não se mancam e não dão o fora a tempo, uma vassoura atrás da porta com o cabo para baixo é uma tentativa de resolver o incômodo. Outra superstição com o mesmo fim: dar um nó em um pano de prato e jogá-lo dentro do forno (desligado, óbvio).

Visitas vão, visitas vêm. De quem veio buscar fogo (visita rápida, de beija-flor), de quem veio podendo se demorar, sem necessariamente ser inconveniente ou indesejável. Mais do que um cômodo da casa, que a sala de visita seja o lugar da hospitaleira acolhida e da boa conversa, valendo a promessa de novos encontros.

Jubileu em Congonhas

17 de Setembro de 2019, por Regina Coelho 0

O português Feliciano Mendes chegou à região de Congonhas (MG) na segunda metade do século XVIII em busca de ouro. Tendo descoberto algumas jazidas e enriquecido com essa atividade, foi acometido, porém, por uma grave doença. Para se curar, fez a promessa de se empenhar na devoção local ao Senhor do Bom Jesus, ritual que já havia antecipado em seu país. É que, segundo Sérgio Rodrigo Reis, diretor do Museu de Congonhas, quando os portugueses saíam de sua terra buscando fazer riqueza, como último gesto, iam a Matosinhos, cidade portuária ao norte de Portugal, pedir proteção ao Senhor Bom Jesus para a empreitada. Havendo logrado êxito no objetivo a que se propôs e na graça da cura, Feliciano passou, então, a arrecadar dinheiro da população para a construção do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos na histórica cidade.

Declarado pela Unesco Patrimônio Mundial da Humanidade em 1985, esse Santuário é um conjunto arquitetônico e paisagístico constituído de belos exemplares da arte barroca. A igreja tem seu interior decorado em estilo rococó, sendo a parte externa adornada com estátuas dos Doze Profetas esculpidas entre os anos 1800 a 1805 por Aleijadinho e alguns auxiliares. Belíssimo trabalho em pedra-sabão, de tamanho quase natural. Ainda na área externa e representando as Estações da Cruz, seis Capelas dos Passos completam a paisagem, certamente uma das mais significativas de MG.

O culto ao Bom Jesus ao longo de mais de dois séculos é reafirmado a cada Jubileu, provavelmente a maior festa religiosa do estado, sempre em setembro, época em que a Cidade dos Profetas recebe um número impressionante de fiéis. Vai longe o tempo das romarias com gente chegando, na maioria das vezes, a pé, a cavalo, nos trens de ferro, no lombo de burros e até em carros de boi. O hábito dos quartos alugados aos peregrinos nas residências também é coisa do passado. Antes e agora não falta a fé. Nem o comércio paralelo de barraquinhas, hoje em quantidade compatível com o tamanho da festa.

Nos festejos de todo ano, a cidade é tomada por muitos romeiros de diferentes partes do Brasil e especialmente de Minas. De nossa cidade inclusive. Muitos resende-costenses vão se lembrar dos caminhões saindo daqui levando gente para Congonhas. Viagem feita em bancos improvisados na carroceria coberta com lona, algo completamente fora de propósito nos dias atuais. Nesse esquema, meu pai e o Zé Augusto de Melo, mesmo concorrentes como comerciantes, eram amigos e aproveitavam a ocasião viajando para lá com o objetivo também de fazer compras. Nessas suas viagens tantas vezes feitas no caminhão do Xisto (do Ribeirão), “seu” Adenor unia devoção e trabalho, contrariando sua própria lógica de que “dois proveitos num saco só não prestam”.

Tempos depois, numa combinação de amigos, ele, o Sílvio do Lindolfo, o Zé Celso do Zé do Ciro, o Zé Batista do Joaquim Batista e o Serginho do Sérgio Procópio juntaram-se e por alguns anos foram juntos ao Jubileu. Cada um levando sua família e formando um comboio bonito de cinco carros. Passeios inesquecíveis aqueles! Como lanchonetes e restaurantes não eram tão comuns na época, levávamos os lanches preparados aqui mesmo em nossas casas. A animação já começava nesses preparativos. E não podia faltar o café. Não o de garrafa térmica. Minha mãe levava o pó, o açúcar e o coador de pano para passar um providencial cafezinho para nós, contando com a boa vontade da Odete, antiga vizinha nossa que havia se mudado para Congonhas e que nos cedia sua cozinha para tal.

Certa vez, o Zezé e o hoje padre Fernando Salomão, filhos da Filomena e do Zé Batista, meninos ainda, sumiram no meio daquela muvuca de pessoas e barracas. Vendo-se perdidos, os dois irmãos se deram as mãos e andando assim, vestidos com roupas idênticas, foram encontrados pela minha irmã Magda.

O momento máximo de nossa emoção era a subida às ladeiras históricas que levam à imagem do Senhor Morto dentro da Basílica para o beijo reverente, símbolo da nossa fé religiosa.

Fora do padrão

13 de Agosto de 2019, por Regina Coelho 0

uma decisão judicial determinando indenização a um pedreiro que sofreu um acidente de trabalho em Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre, chamou a atenção pela linguagem. Para facilitar o entendimento da sentença, João Batista de Matos Danda, então juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, deixou de lado os jargões próprios do “juridiquês”, propondo-se a ser mais claro em suas decisões. No processo em questão, o trabalhador Lucas de Oliveira pedia vínculo empregatício e indenização após o ocorrido em uma obra de propriedade de Itamar Carboni. Ao relatar o caso, Danda foi direto. “Três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava capacete de proteção. Ele, Itamar, ficou com pena (do rapaz) e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado”, disse o juiz. Mais adiante, ao falar do processo de revisão da sentença, o magistrado expressou-se assim: “para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não. Vamos ver.”

O próprio juiz conta como normalmente essa ideia seria escrita em linguagem jurídica: “Inconformado com a sentença, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante buscando sua reforma quanto ao vínculo de emprego e indenização por acidente de trabalho. Com contrarrazões sabem os autos a este tribunal. É o relatório. Passo a decidir.”

   Em outro caso, Patrícia Vialli Nicolini, juíza da 1ª Vara da comarca de Cambuí (sul de Minas), usou poesia para negar um pedido de indenização ao cliente de um supermercado que se sentiu lesado por comprar “picanha” pelo atraente preço de R$17,00 (kg) e descobrir ter levado carne de segunda.

 

O poema-sentença

Eu vou lhe contar um fato, que é de arrepiar.../ O homem foi ao supermercado,/ Para picanha comprar./ Iria de um churrasco participar./ Comprou picanha fatiada, quis economizar!/ Na festa foi advertido,/ O tira-gosto estava duro,/ Comentou após ter comido./ Seu amigo atestou, não era picanha não!/ Bora reclamar, para não ficar na mão./ A requerida recusou, não quis a carne trocar./ Por tal desaforo, resolveu demandar./ O pedido é improcedente./ Se a carne não era de qualidade,/ Era bem verdade./ Mas para tanto não presta./ A gerar danos morais,/ Compelir indenização,/ Pelo mau gosto da peça./ Para encerrar esta demanda,/ Nem indenização nem valor gasto. Finde-se o processo/ E volte-se com o boi ao pasto./ Posto isto e algo mais a considerar!/ A lide é improcedente, nada há a indenizar./ Resta a todos censurar./ E o presente feito encerrar.

 

A improcedência da ação julgada pela juíza evidentemente desagradou ao defensor do cliente, que considerou ainda “desrespeitoso” o estilo poético usado por ela na sentença. Patrícia, informalmente, afirmou ter agido desse modo justamente por se tratar de um processo “peculiar”. Segundo ela, “a intenção é que, de uma forma lúdica, o cidadão entenda que o Judiciário está sendo acionado sem necessidade. Foi apenas um aborrecimento, um desacerto contratual. Isso não fere a personalidade, não diminui a pessoa, não a coloca em menosprezo.”

Quanto ao primeiro caso, Danda explicou que seu objetivo não foi inaugurar uma outra maneira para os magistrados se manifestarem, mas sim provocar o debate sobre os modos de escrita dos textos jurídicos. E destacou a importância de se facilitar a compreensão das peças judiciais, reconhecendo, porém, que nem sempre as sentenças devem ser redigidas em linguagem coloquial.

Assim apresentadas, as justicativas dos magistrados revelam a opção de ambos por um eventual desvio no uso da terminologia e do formato específicos da área em que atuam. Sem negar o procedimento linguístico padrão em cada setor profissional, deve prevalecer o entendimento de que só existe sentido em criar uma linguagem que sirva para a comunicação e a interação entre as pessoas.